CRÔNICA: O NÃO, O SIM E A FELICIDADE
Ignácio de Loyola Brandão
— Às dez horas em casa!
— Pai, tenho 18 anos!
Surpreso com o que podia ser
interpretado como provável contestação, ele batia o martelo:
— Dez em ponto! Nem um minuto mais.
Chegar de volta às dez da noite, em
ponto, era arriscado. O relógio do pai podia estar adiantado e o dele comandava
a operação. Mesmo que o dele batesse com o da Matriz corria-se o risco da
interpretação. “Essa igreja! Sempre atrasada”. Exatamente igual à bola de
futebol. Na risca, ela está fora ou dentro? Depende da disposição do juiz. Ou
seja, aos 18 anos, tínhamos de chegar em casa no máximo às dez para as dez da
noite, se não quiséssemos encontrar a porta fechada. Não adiantava bater na
janela do irmão, o pai ficava acordado por algum tempo, à espreita. Dormia-se
na rua? Não, batia-se na porta, sabendo do caminhão que seria despejado em
cima, das ameaças de cortar a mesada (no meu caso nem era mesada, ele me dava
um dinheiro de vez em quando, para um refrigerante, um sanduíche. Não que fosse
avarento, não tinha mesmo). Empregos? Numa cidade do interior, década de 50?
Que emprego? Caixeiro do comércio? E o estudo?
Não havia científico noturno ainda.
Claro que existiam permissões para se ficar até mais tarde. Raras. Em finais de
semana, dias de baile. Chave de casa? Por que um jovem de 18 anos não tinha a
chave de casa? Não era costume, não se dava, e pronto. Parece pré-história para
o jovem de hoje, e no entanto tais coisas aconteciam há 40 anos, o que é nada
histórica e sociologicamente. As relações pais e filhos eram mistos de respeito
e terror. Ninguém chamava o pai de você, a não ser um ou outro colega,
invejado. De qualquer modo, soava estranho, era o mesmo que um deputado não se
referir ao outro como vossa excelência, mesmo sendo inimigo mortal. Pai
era senhor. Assim como se cumprimentava pedindo a bênção, beijando a mão.
E palavrão? Coisa de rua, de gente desclassificada, de marginal, de filho de
lavadeira. Filho de lavadeira? Havia preconceito, de todos os lados, havia
intolerância, levava-se uma existência cinza. Quanto amigo meu levou tapa na
boca, porque o pai, ao virar a esquina, deu com o filho, de 21 anos, fumando.
Exageros? Totalitarismo? Em parte sim, em parte não.
Pode parecer ridículo, mas havia nisso
um cerimonial de civilização. Ainda que existisse animosidade, cumpria-se um
protocolo de educação, de reverência por alguém que nos colocou no mundo, deu
educação, sustentou. No fundo, eles, os pais, continuavam com ritual de
despotismo trazido pela tradição, transmitindo o que tinham aprendido. O mundo
andava devagar, não havia por que romper com o estabelecido. As coisas
funcionavam, e se funcionavam mal, não havia ainda suficiente clareza e lucidez
para quebrar normas que começavam a ficar obsoletas. Enfim, não se colocava em
questão. Era ruim para nós? Era. Uma camisa-de-força, um cerco apertado
constituído por nãos. Era bom? Era. Ali aprendemos que a vida era assim, uma camisa-de-força,
composta por um conjunto de nãos. Tínhamos de conhecê-los, aprender a
driblá-los pela vida afora, despistá-los, superá-los com capacidade,
inteligência, esforço. Evidente que o não favorecia a mentira, a hipocrisia.
Atualmente, sorrimos, quando filhas de
13 anos nos comunicam:
— Hoje vou dar uma festinha à noite!
— Saiu um livro de educação sexual.
Quem pode comprar para mim?
— P…q…p, pô…*** grtfhun #$% trá-lá-lá!
— Podem me buscar na festa à uma hora!
Este
uma é da madrugada, é claro. E quando se vai apanhá-las, vê-se que existem
meninas que ainda vão ficar até mais tarde, porque há filhas sempre reclamando:
— Sou a primeira a deixar as festas!
Quando chegam em casa, abrem a porta,
porque têm chave. Todas as meninas de sua idade têm chaves de casa, mesadas
semanais, ficam lendo à noite até a hora que querem, contestam os pais, marcam
festas em casa, ligam o som no máximo do volume. Sabem tudo sobre sexo,
perguntam para os pais e professores coisas que fariam um jovem — não de 13,
mas de 18 — ser expulso de casa no nosso tempo (ao menos, espera-se que não
cometam erros infantis). Namoram, telefonam sem parar, pedem aos pais um
cigarro para experimentar (e o pai, dentro da escola moderna do consentimento
para não traumatizar, não reprimir, dá).
Nossas angústias eram simples, menos
existenciais. E bem definidas. Concretas. Doíam do mesmo modo. Havia aquela
intolerância, contra a qual brigávamos. Mas nosso problema maior era o futuro,
o que seremos, o que queremos. Vão dar certo nossos sonhos? Era a grande
pergunta, porque havia sonhos. Na permissividade atual, neste final de século
do sim, estas angústias se complicaram extremamente para os adolescentes e
jovens. São abstratas, metafísicas, sem soluções, porque indefinidas, tênues.
Nossos filhos, vivendo em meio a violência e caos, são superprotegidos,
defendidos, confundiu-se liberdade com permissividade, romperam-se os limites e
eles desconhecem os nãos que poderiam torná-los mais lutadores, preparados, até
mesmo raivosos. Nem existem sonhos ou utopias, o que se quer é ter dinheiro,
status, vida confortável. O não levou minha geração a uma reação de raiva e ao
mesmo tempo perigosa. O não que nos traumatizou, nos conduziu a dizer um sim
complexo para nossos filhos. Quem sabe eles não se sintam perdidos, sem
condução, soltos no mundo, circulando sem que alguém dê um toque no cordão que
nos liga, ajudando a dizer: cuidado, aí tem areia movediça?
Nós não acreditávamos que nossos pais
sabiam. Nossos filhos acreditam que não nos incomodamos com eles, que os
abandonamos no mundo. Uma geração teve o não. A outra teve o sim. Somos
felizes? Nossos filhos serão?
(Ignácio de Loyola Brandão. Pais
& Teens, ano 1, nº 2.)
Entendendo o texto:
01 – O texto põe em
discussão a mudança de atitudes e valores que ocorreu nas últimas décadas,
opondo duas gerações: a geração de quarenta anos atrás, quando o narrador era
jovem, e a geração dos jovens de hoje.
Observe o título do texto.
Qual é a geração do "sim" e qual é a do "não"?
A geração do NÃO é a de quarenta anos atrás e a do SIM dos dias de hoje.
02 – Nos primeiros
parágrafos do texto, o autor descreve como era a educação familiar no passado.
Nos parágrafos seguintes, compara-a com a educação atual. Comente as diferenças
nas situações vividas pelos jovens quanto aos seguintes aspectos:
a)
Horário para voltar e acesso a casa após
saídas à noite;
Antigamente o horário de voltar para casa dos meninos de 18 anos era
dez pras dez da noite. E os de hoje as meninas de 13 anos não tem nem horários
para chegar em casa.
b)
Dinheiro dado pelos pais;
Antigamente os pais, davam dinheiro apenas para um refrigerante ou
um sanduíche, e mesmo assim de vez em quando, hoje os filhos recebem mesadas
semanais, e dinheiro quando querem.
c)
Consumo de coisas proibidas, como cigarro;
Hoje eles podem namorar, gastarem o quanto quiserem, pedir cigarro
até mesmo para os pais.
d)
Forma de tratar os pais;
Antigamente ninguém contestava com as coisas que os pais falavam,
eles falavam e pronto; hoje em dia não, filhos contestam, e ainda saem
ganhando.
e)
Uso de palavrões na linguagem.
Antes palavrões era para pessoas mal-educadas, hoje qualquer jovem
fala.
03 – Segundo o narrador, no
passado o relacionamento entre pais e filhos era difícil e autoritário, e o
jovem tinha pouca liberdade. Apesar disso, o narrador, hoje, não vê apenas o
lado negativo daquele tipo de relacionamento. Releia estes trechos:
• "Totalitarismo? Em
parte sim, em parte não." (6º parágrafo)
• "Era ruim para nós?
Era. Uma camisa-de-força, um cerco apertado constituído por nãos. Era bom?
Era." (7° parágrafo)
De acordo com as ideias
gerais do texto, explique:
a)
Por que era ruim aquele tipo de educação
familiar?
Porque o jovem não tinha muita liberdade.
b)
E por que era bom?
Era bom, pois assim ele podia seguir o “caminho certo” e não tomar o
“errado” com a finalidade de hoje.
04 – Muitas vezes, o não
gerava a mentira e a hipocrisia.
a)
Com que finalidade se mentia naquela época?
As pessoas chegavam a mentir para fugirem um pouco do autoritarismo
da época.
b)
Nesse contexto, mentir era bom ou ruim?
Naquela época era bom.
05 – Segundo o texto, os
jovens de hoje sabem de muitas coisas e "perguntam para os pais e
professores coisas que fariam um jovem — não de 13, mas de 18 — ser expulso de
casa no nosso tempo (ao menos, espera-se que não cometam erros infantis)".
Levante hipóteses: O que
possivelmente são, para o narrador, "erros infantis"?
Perguntar sobre
sexo e namoro.
06 – No penúltimo parágrafo,
o narrador opõe as angústias dos jovens de antes às dos jovens de hoje e afirma
que, no passado, essas angústias eram mais bem definidas e concretas. Por que o
narrador vê as angústias dos jovens atuais como mais complexas que as dos
jovens do passado?
Porque os jovens
do passado respeitavam os pais e os de hoje não respeitam.
07 – No mesmo parágrafo, o
narrador afirma que o futuro era a grande preocupação dos jovens: "Vão dar
certo nossos sonhos? Era a grande pergunta, porque havia sonhos".
a)
Qual é o ponto de vista do narrador a
respeito dos sonhos dos jovens atuais?
O sonho dos jovens de hoje é ganhar muito dinheiro.
b)
Em contraposição aos sonhos, alimentados pela
geração de antes, qual é o projeto da geração atual, segundo o narrador?
Pessoas mais atualizadas.
c)
Comparada à geração atual, que qualidade o
narrador vê nos jovens da sua geração?
Eles não dão ouvidos ao que os pais dizem.
08 – Para o narrador,
"confundiu-se liberdade com permissividade". Qual é a diferença entre
elas?
Liberdade é a independência com
responsabilidade; a autonomia. E permissividade é a pessoa que dá permissão,
tolerante e indulgente.
09 – Ao afirmar "O não
que nos traumatizou, nos conduziu a dizer um sim complexo para nossos
filhos", o narrador revela estar seguro ou inseguro quanto ao modo como os
pais de hoje têm educado os filhos?
Inseguro, porque através do sim os jovens
confundiram a liberdade com permissividade, e se tornaram jovens mais
angustiados do que os de antes.
10 – O texto põe em
discussão duas formas de educar os filhos e, em vez de apresentar respostas na
sua conclusão, termina com perguntas: "Uma geração teve o não. A outra
teve o sim. Somos felizes? Nossos filhos serão?”.
a)
O narrador deixa clara sua posição sobre qual
a melhor maneira de educar os jovens?
Sim, a de antigamente.
b)
O fato de o texto ser encerrado com perguntas
confirma ou nega sua resposta anterior?
Confirma.
c)
Observe o título do texto. De acordo com as
ideias gerais apresentadas pelo narrador, que sentido ele tem.
De nos mostrar que nem sempre o NÃO necessariamente era causa da
infelicidade da mesma forma que os SIM nem sempre é a causa da felicidade.
Oi
ResponderExcluirTudo bem
ResponderExcluirObrigado pelas respostas
ResponderExcluirLegal
ResponderExcluirLegal demais
ResponderExcluirMaravilhosa
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