quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

CONTO: O BARCO - MARIA DINORAH - COM GABARITO

CONTO: O barco
                             Maria Dinorah

        Na verdade, o barco era meu mistério.
        Que coisa linda, aquele barco flutuando balançando nas águas, tendo o céu infinito por lençol!
        Desde que entrei nele pela primeira vez – era ainda pequena, e o pai nos levou para um passeio – que me apaixonei pelo seu aconchego.
        Era ninho e cometa.
        O sulco marcando as águas formava sua cauda; as espumas, seu halo.
        Nele eu virava anjo, pássaro.
        As paisagens se transformavam em novos e fantásticos mundos, onde a vegetação densa e as montanhas me intrigavam.
        Que haveria por trás delas?
        Dentro delas...?
        O céu era o palácio das cores.
        Cada dia uma.
        Ou várias, a um só tempo.
        À noite as sombras o invadiam, e o transformavam em susto.
        Mas quando as lanternas das estrelas acendiam seu pisca-pisca mágico, e a lua, mãe da poesia e do mistério, transbordava das trevas, era o delírio.
        E o barco seguia sendo meu herói, por que era dele que emanavam todos esses encantos.
        Às vezes, nos fins de semana, o pai me levava pra pescar.
        De caniço em punho eu ficava ali, adernando o barco no silêncio, mergulhando linha, anzol e isca na água.
        Marulho manso.
        Silêncio infinito.
        Lá pelas tantas, a água tremia.
        A linha tremia.
        Tremia meu coração.
        A isca fisgara o bichinho.
        Que coisa fantástica!
        Eu erguia o caniço devagarinho e o peixe surgia, a debater-se no ar, como ave desesperada...
        Sentia-me herói e bandido.
        Matar os bichinhos, judiaria!
        Mas o pai falava que era a lei da vida.
        E quando no dia seguinte a gente saboreava, à mesa, a delícia das postas de peixe assadas, com o sagrado tempero da mãe, confesso que esquecia o crime e vivia a glória da conquista.
        O barco...
        Berço e rima.
        Silêncio e música.
        Sim, quando beirávamos os barrancos, o sopro do vento balançando as árvores era poema, e os pios das aves, a mais ela melodia.
        Ah, como a vida era linda e transfigurada, através desse barco, rolando sobre a imensa serpente do rio!
        Eu era apaixonada por ele, sim.
        E meu grande sonho era dirigi-lo um dia, águas afora, sozinha com meu silêncio...
        Demorei a conseguir que o pai me ensinasse a mecânica do motor e, mais ainda, que me permitisse realizar esse sonho.
        Não foram poucas as travessias que fiz sob sua orientação, levando as mercadorias para o outro lado do rio.
        Com a calça de brim e o boné para me proteger do sol, eu me sentia, empunhando o leme, uma verdadeira barqueira.
        Mesmo sobre as águas, era como se flutuasse!
        Que deliciosa façanha a vida me dera a chance de cometer!
        E, quando isso ocorria, a situação mudava: eu era o herói, e o barco, meu comandado.
        Pois foi esse maravilhoso barco que me levou até a escola pela primeira vez.
        Ah, aprender a ler!
        Descobrir a magia da palavra!
        Minha cabeça era um remoinho de curiosidades a se iluminar de espanto.
        A professora era gordinha, baixinha e doce.
        Doce foi também a aprendizagem.
        E com que ternura eu ia decifrando o enigma das letras.
        Seu poder.
        Seu som.
        Falando comigo, nas frases e períodos.
        E o mais fantástico: me contado histórias.

          DINORAH, Maria. Um pai para Vinícius. São Paulo: FTD, 1995. p. 3-40. (Título nosso).

Entendendo o texto:
01 – Tente explicar o significado das palavras destacadas. Se precisar, consulte um dicionário:
a)   “O sulco marcando as águas formava sua cauda; as espumas, seu halo.”
·        Sulco: quebra da superfície da água produzida pela passagem de embarcações.
·        Halo: círculo luminoso em torno de um objeto; brilho.

b)   “Mas quando as lanternas das estrelas acendiam seu pisca-pisca mágico, e a lua, mãe da poesia e do mistério, transbordava das trevas, era o delírio.”
·        Transbordar: sair fora das bordas.
·        Trevas: escuridão completa.
·        Delírio: grande entusiasmo (sentido figurado).

c)   “De caniço em punho eu ficava ali, adernando o barco no silêncio [...]”
·        Adernar: inclinar.

d)   “E com que ternura eu ia decifrando o enigma das letras.”
·        Decifrar: compreender ou interpretar o sentido de algo.
·        Enigma: mistério.

e)   “E o barco seguia sendo meu herói, porque era dele que emanavam todos esses encantos.”
·        Emanar: originar-se.

f)    “As paisagens se transformavam em novos e fantásticos mundos, onde a vegetação densa e as montanhas me intrigavam.”
·        Densa: espessa.
·        Intrigar: encher de curiosidade.

g)   “Desde que entrei nele pela primeira vez [...] que me apaixonei pelo seu aconchego.”
·        Aconchego: abrigo que gera bem-estar, amparo, proteção.

02 – Assinale a alternativa mais adequada ao texto lido:
(   ) Trata-se de um texto em que o narrador conta o que aconteceu em um dia específico de sua vida.
(   ) Trata-se de um texto em que o narrador descreve detalhadamente todos os locais importantes da vida dele.
(X) Trata-se de um texto em que o narrador apresenta suas reflexões, sobre uma experiência vivida por ele.
(   ) Trata-se de um texto em que o narrador ensina a arte de navegar.

03 – Assinale a(s) alternativa(s) correta(s). Pode-se dizer que a personagem:
(   ) Não se mostra interessada em pilotar o barco.
(X) Sentia-se emocionada ao observar os elementos da natureza quando estava em seu barco.
(X) Sentia-se herói e bandido quando pescava.
(   ) Quando comia o peixe, ficava triste por tê-lo pescado.

04 – Releia este trecho do texto prestando atenção à expressão destacada:
        “Ah, como a vida era linda e transfigurada, através desse barco, rolando sobre a imensa serpente do rio!” Com essa expressão, o narrador do texto quis dizer que:
(X) O rio era muito grande e, além disso, fazia curvas como o corpo se uma serpente.
(   ) Havia uma serpente muito grande que vivia no rio.

05 – Além da personagem-narrador, outras personagens são mencionadas no texto.
a)   Quem são elas?
O pai, a mãe e a professora da menina. Além disso, no trecho “Desde que entrei nele pela primeira vez – era ainda pequena, e o pai nos levou para um passeio [...]”, o pronome nos convida a supor que, talvez, outras pessoas da família da menina, como irmãos, tios, primos, etc., também estão mencionados no texto.

b)   Sublinhe os trechos do texto em que essas personagens aparecem.
Resposta pessoal do aluno.

c)   Releia a resposta que você deu ao item (a) e verifique se pretende alterá-la ou mantê-la, depois de ter sublinhado os trechos pedidos no item (b).
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Com isso é possível perceber aspectos que passam despercebidos numa leitura superficial.

06 – Pode-se dizer que, em certos trechos, o barco é referido como se fosse uma pessoa, isto é, como se tivesse características humanas. Copie do texto um trecho que comprove essa afirmação.
      “E o barco seguia sendo meu herói”; “Eu era apaixonada por ele, sim”; “E, quando isso ocorria, a situação mudava: eu era o herói, e o barco, meu comandado”.

07 – Pode-se dizer também que, no texto, o barco adquire características mágicas aos olhos da menina. Copie um trecho que comprove essa afirmação.
        É possível transcrever muitas passagens do texto em que isso ocorre. Eis algumas: “o barco era meu mistério”; “Era ninho e cometa”; “Nele eu virava anjo, pássaro”; “Berço e rima”; “Silêncio e música”; “Como a vida era linda e transfigurada, através desse barco”.

08 – A personagem não menciona a passagem do tempo, mas podemos perceber que ela cresceu do início para o fim do texto. Qual fato citado no texto comprova que ela cresceu?
       Foi o barco que a levou à escola pela primeira vez. Esse fato deixa claro que a convivência com o barco começara antes de ela entrar na idade escolar.


Nenhum comentário:

Postar um comentário