sexta-feira, 28 de abril de 2017

TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA - LIMA BARRETO - (FRAGMENTO) -COM GABARITO


TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA

        Noiva havia quase cinco anos, Ismênia já se sentia meio casada. Esse sentimento junto à sua natureza pobre fê-la não sentir um pouco mais de alegria. Ficou no mesmo. Casar, para ela, não era negócio de paixão. nem se inseria no sentimento ou nos sentidos: era uma ideia, uma pura ideia. Aquela sua inteligência rudimentar tinha separado da ideia de casar o amor, o prazer dos sentidos, uma tal ou qual liberdade, a maternidade, até o noivo. Desde menina, ouvia a mamãe dizer: “Aprenda a fazer isso, porque quando você se casar” ... ou senão: “Você precisa aprender a pregar botões, porque quando você se casar...”
        A todo instante e a toda hora, lá vinha aquele --- “porque, quando você se casar...” --- e a menina foi se convencendo de que toda a existência só tendia para o casamento. A instrução, as satisfações íntimas, a alegria, tudo isso era inútil; a vida se resumia numa cousa: casar.
        De resto, não era só dentro de sua família que ela encontrava aquela preocupação. No colégio, na rua, em casa das famílias conhecidas, só se falava em casar. “Sabe, Dona Maricota, a Lili casou-se, não fez grande negócio, pois parece que o noivo não é lá grande cousa”; ou então: “A Zezé está doida para arranjar casamento, mas é tão feia, meu Deus! ...”
        A vida, o mundo, a variedade intensa dos sentimentos, das ideias, o nosso próprio direito à felicidade, foram parecendo ninharias para aquele cerebrozinho; e, de tal forma casar-se se lhe representou cousa importante, uma espécie de dever, que não se casar, ficar solteira, “tia”, parecia-lhe um crime, uma vergonha.
        De natureza muito pobre, sem capacidade para sentir qualquer cousa profunda e intensamente, sem quantidade emocional para a paixão ou para um grande afeto, na sua inteligência a ideia de “casar-se” incrustou-se teimosamente como uma obsessão.
        Ela não era feia; amorenada, com os seus traços acanhados, o narizinho mal feito, mas galante, não muito baixa nem muito magra e a sua aparência de bondade passiva, de indolência de corpo, de ideia e de sentidos --- era até um bom tipo das meninas a que os namorados chamam --- “bonitinhas”. O seu traço de beleza dominante, porém, eram os seus cabelos: uns bastos cabelos castanhos, com tons de ouro, sedosos até ao olhar.
        Aos dezenove anos arranjou namoro com o Cavalcânti, e à fraqueza de sua vontade e ao temor de não encontrar marido não foi estranha a facilidade com que o futuro dentista a conquistou.

                           LIMA BARRETO. Triste fim de Policarpo Quaresma (1. frag.).    
                                                                              São Paulo, Ática, 1983. p. 38-9.

1 – A proximidade do casamento não alterou os sentimentos de Ismênia. Copie do primeiro parágrafo a frase que comprova essa afirmativa.
       “Ficou no mesmo”.

2 – Para Ismênia, o casamento baseia-se no sentimento individual ou na pressão social?
       Na pressão social, visto que lhe foi incutida, durante toda a vida, a ideia de que ficar solteira era uma grande tragédia.

3 – Qual é a denúncia que o autor faz a respeito da educação recebida por Ismênia?

       O aluno deverá deduzir que a personagem, graças à influência do meio familiar e social, tem uma ideia distorcida do amor e do casamento.

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