CRÔNICA – AMANHECER NA
CIDADE
Ignácio de Loyola Brandão
Quem contempla
o amanhecer nesta cidade? Nos últimos dias foi atordoante. O céu límpido
clareia suavemente, sem uma nuvem. Os prédios parecem de papelão recortado, sem
dimensão, reduzidos a um só plano como em quadro primitivo o sol explode tímido
nas fachadas e laterais dos edifícios e a luz reflete-se estilhaçada de vidro
para vidro. Essa função é a única justificativa que encontro para a arquitetura
vitralesca que domina o modernismo. Não entendo caixotes de vidro fechados num
país quente.
Boêmios e os
que se levantam cedo para o trabalho desfrutam o amanhecer. Sobrevivem ainda os
boêmios poéticos que saindo de bares e boates caminhavam pela cidade a
despertar, tomando um café forte – ou mais uma -, nos botecos e padarias? O que
tenho visto, nas raras noites em que atravesso desperto, são jovens que saem
das danceterias, mal olham para o dia, sobem nos carros e se arrancam em
velocidade, pneus guinchando. Divertimentos mudam! Se não, estaríamos nas
cavernas, ansiosos por um racha entre velociraptors.
Os que
trabalham e usam trens e ônibus não podem desfrutar o amanhecer, encontram-se
sonolentos e o amanhecer para eles é familiar, significa o corte abrupto no
sono e uma corrida para não perder a hora. Esperam raivosos pelas conduções
atrasadas. Amontoam-se em veículos clandestinos (cada vez em maior número)
apodrecidos, espremem-se em trens que não garantem a chegada à próxima estação,
enfiam-se no escasso metrô, que justifica o apelido de metro e meio, tão curto
é, para tão extensa cidade.
Os que não
olham o amanhecer nestes dias de novembro que lembram dias de maio perdem a
cidade em um de seus momentos mais belos. Nestas manhãs tenho me reconciliado
com São Paulo. Posso amá-la intensamente, ainda que esse amor se desgaste ao
longo do dia, corroído pelo barulho, violência, medo, poluição, má-educação,
buracos. O sol atinge minhas janelas, reflete-se nos vidros, incomoda, cega-me.
Recuso-me a fechar as persianas, seria negá-lo, ofendê-lo, ele sobe tão alegre,
bebendo o azul, satisfeito por essa súbita e inexplicável limpidez do ar. [...]
O sol atinge
a mesa, derramo o café sobre o tampo. Corro com um pano, há manchas de luz no
café. Devo interpretá-las? Tolices. Passo lustra-móveis, essa mesa é meu xodó,
ganhei-a em 1959 de Fernando de Barros, o cineasta. O único móvel existente na
primeira quitinete que aluguei nesta cidade, na Praça Roosevelt, 168,
apartamento 803. Quem mora lá, hoje? Era fácil encontrar e alugar quitinetes.
Tão baratas! [...]
O sol
firmou-se, a empregada, na cozinha, ligou o rádio... elas adoram o volume
máximo. Anuncia-se a próxima atração: “deve a mulher cortar o membro do homem
que trai?”. Impressionantes as manifestações. Vocês vão ler no próxima semana.
Neste mesmo lugar. Acima da coluna da Cecília Thompson, que não sei como não se
irrita com as evasivas que lhe enviam os que servem mal ao público. Devia mudar
o título da coluna para respostas mentirosas.
BRANDÃO, Ignácio de
Loyola. Melhores crônicas de Ignácio de Loyola Brandão. São Paulo: Global,
2004, p. 146-147.
Velociraptor: espécie pré-histórica, que viveu na
região da Mongólia. Ágil e feroz, pesava perto de 80 kg. e media cerca de 2 metros
de comprimento. Com uma forma que lembra um lagarto de pé, o velociraptor vivia
em bando e era um terrível predador.
1 – De que acontecimento o autor parte para elaborar sua
crônica? Trata-se de um acontecimento cotidiano? Por quê?
O amanhecer na cidade
de São Paulo. Sim, é um acontecimento cotidiano, já que amanhece todos os dias.
2 – O autor inicia seu texto com uma pergunta: “Quem
contempla o amanhecer nesta cidade”?
a) Há dois grupos de pessoas que,
supostamente, contemplariam o amanhecer. Que grupos são esses?
O grupo dos boêmios e o dos
trabalhadores que acordam cedo.
b) Esses dois grupos, de fato,
contemplam o amanhecer? Por quê?
Não. O autor não sabe se
ainda existem os “boêmios poéticos” de antigamente, que contemplariam o
amanhecer. De acordo com o que vê, os boêmios da atualidades saem das
danceterias, mal contemplam o dia, entram em seus carros e saem em alta
velocidade. Já os trabalhadores não contemplam o amanhecer, pois, para eles, o
amanhecer significa um corte abrupto do sono e uma corrida para não perder a
hora. Estão sonolentos e raivosos nessa hora, a, assim, não podem desfrutar o
amanhecer.
3 – O que há de especial no amanhecer dos dias de novembro,
que parecem maio, para o autor?
Nesses dias, ele se reconcilia com São Paulo e ama a cidade
intensamente.
4 – Mesmo tratando de um aspecto positivo – e poético – da
cidade, o autor insere algumas críticas, apresentando alguns aspectos negativos
de São Paulo.
Localize no texto os problemas da cidade apresentados e
escreva-os em seu caderno.
Problema no transporte coletivo: conduções atrasadas, veículos lotados,
clandestinos, “apodrecidos” e sem segurança. Metrô insuficiente para a grande
cidade.
Além disso, apresentam-se os seguintes problemas:
barulho, violência, medo, poluição, má educação e buracos. Para o autor, as
construções inadequadas para um clima quente, bem como os rachas, também podem
ser observadas pelos alunos como aspectos negativos.
5 – Enfim, o sol chega à janela, entra em sua casa e atinge
sua mesa... e o autor derrama café.
a) Esse acontecimento corriqueiro
transporta o autor para outra época. Que época?
Década de 1950, quando
ganhou a mesa, que era o único móvel da primeira quitinete que alugou em São
Paulo.
b) Em que outro momento do texto o autor
refere-se a algo do passado com uma “ponta” de nostalgia?
No segundo parágrafo,
quando se refere aos boêmios de outrora.
6 – No último parágrafo, fica evidente que se trata de uma
crônica semanal, publicada em um jornal.
a) Que evidências mostram isso?
O autor anuncia que seus
leitores saberão na semana seguinte, por meio de seu texto, as manifestações
ouvidas no rádio sobre a pergunta “deve a mulher cortar o membro do homem que
trai?”. Além disso, ele situa seu texto no espaço físico do jornal, ou seja, no
mesmo lugar, acima da coluna de Cecília Thompson.
b) Transcreva do texto o trecho em que o
autor fala diretamente com seus leitores.
“Vocês vão ler na próxima
semana”.
agrdeço otima publicaçao
ResponderExcluirotima publicação, me ajudou bastante
ResponderExcluirMuito bom👏🏻
ResponderExcluirÓtima publicação me ajudou bastante
ResponderExcluirmuito obrigado mim ajudou muito valeu
ResponderExcluirMuito obrigado
ResponderExcluirMuito obrigado me ajudou muitisimo
ResponderExcluirQueria a resposta da pág 421 do mesmo livro,análise linguistica.
ResponderExcluirQueria a resposta das 3 perguntas do Analise literário na pg 421
ResponderExcluirQueria a resposta da página 421 analise literária????
ResponderExcluirNossa muito obg mim ajudou muito 😃
ResponderExcluirExcelente muito obrigado
ResponderExcluirEu tbm 421
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