quarta-feira, 6 de março de 2019

TEXTO: SELFIES - MARCELO COELHO - COM QUESTÕES GABARITADAS

Texto: Selfies        

          Marcelo Coelho

       Muita gente se irrita, e tem razão, com o uso indiscriminado dos celulares. Fossem só para falar, já seria ruim. Mas servem também para tirar fotografias, e com isso somos invadidos no Facebook com imagens de gatos subindo na cortina, focinhos de cachorro farejando a câmera, pratos de torresmo, brownie e feijoada.
        Se depender do que vejo com meus filhos — dez e 12 anos —, o tempo dos “selfies” está de todo modo chegando ao fim. Eles já começam a achar ridícula a mania de tirar retratos de si mesmo em qualquer ocasião. Torna-se até um motivo de preconceito para com os colegas.
        “Fulaninha? Tira fotos na frente do espelho.” Hábito que pode ser compreensível, contudo. Imagino alguém dedicado a melhorar sua forma física, registrando seus progressos semanais. Ou apenas entregue, no início da adolescência, à descoberta de si mesmo.
        A bobeira se revela em outras situações: é o caso de quem tira um “selfie” tendo ao fundo a torre Eiffel, ou (pior) ao lado de, sei lá, Tony Ramos ou Cauã Reymond.
        Seria apenas o registro de algo importante que nos acontece — e tudo bem. O problema fica mais complicado se pensarmos no caso das fotos de comida. Em primeiro lugar, vejo em tudo isso uma espécie de degradação da experiência.
        Ou seja, é como se aquilo que vivemos de fato — uma estadia em Paris, o jantar num restaurante — não pudesse ser vivido e sentido como aquilo que é.
        Se me entrego a tirar fotos de mim mesmo na viagem, em vez de simplesmente viajar, posso estar fugindo das minhas próprias sensações. Desdobro o meu “self” (cabe bem a palavra) em duas entidades distintas: aquela pessoa que está em Paris, e aquela que tira a foto de quem está em Paris.
        Pode ser narcisismo, é claro. Mas o narcisismo não precisa viajar para lugar nenhum. A complicação não surge do sujeito, surge do objeto. O que me incomoda é a torre Eiffel; o que fazer com ela? O que fazer de minha relação com a torre Eiffel?
        Poderia unir-me à paisagem, sentir como respiro diante daquela triunfal elevação de ferro e nuvem, deixar que meu olhar atravesse o seu duro rendilhado que fosforesce ao sol, fazer-me diminuir entre as quatro vigas curvas daquela catedral sem clero e sem paredes.
        Perco tempo no centro imóvel desse mecanismo, que é como o ponteiro único de um relógio que tem seu mostrador na circunferência do horizonte. Grupos de turistas se fazem e desfazem, há ruídos e crianças.
        Pego, entretanto, o meu celular: tiro uma foto de mim mesmo na torre Eiffel. O mundo se fechou no visor do aparelho. Não por acaso eu brinco, fazendo uma careta idiota; dou de costas para o monumento, mas estou na verdade dando as costas para a vida.
        Não digo que quem tira a foto da cerveja deixe de tomá-la logo depois. Mas intervém aí um segundo aspecto desse “empobrecimento da experiência”. Tomar cerveja não é o bastante. Preciso tirar foto da cerveja. Por quê?
        Talvez porque nada exista de verdade, no mundo contemporâneo, se não for na forma de anúncio, de publicidade. Não estou apenas contando aos meus seguidores do Facebook que às 18h42 de sábado estava num bar tomando umas. Estou dizendo isso a mim mesmo. Afinal, os meus seguidores do Facebook, sei disso, não estão assim tão interessados no fato.
        Não basta a sede, não basta o prazer, não basta a vontade de beber. Tenho de constituí-la como objeto publicitário. Preciso criar a mediação, a barreira, o intervalo entre o copo e a boca.
Vejam, pergunto a meus seguidores inexistentes, “não é sensacional?”. Eis uma cerveja, a da foto, que nunca poderá ser tomada. A foto do celular imortaliza o banal, morrerá ela mesma em algum arquivo que apagarei logo depois.
        Não importa; fiz meu anúncio ao mundo. Beber a cerveja continua sendo bom. Mas talvez nem seja tão bom assim, porque de alguma forma a realidade não me contenta.
        A imagem engoliu minha experiência de beber; já não estou sozinho. Mesmo que ninguém me veja, o celular roubou minha privacidade; é o meu segundo eu, é a minha consciência, não posso andar sem ele, sabe mais do que nunca saberei, estará ligado quando eu morrer.
        Talvez as coisas não sejam tão desesperadoras. Imagine-se que daqui a cem anos, depois de uma guerra atômica e de uma catástrofe climática que destruam o mundo civilizado, um pesquisador recupere os “selfies” e as fotos de batata frita.
        “Como as pessoas eram felizes naquela época!” A alternativa seria dizer: “Como eram tontas!”. Dependerá, por certo, dos humores do pesquisador.
                                                                      coelhofsp@uol.com.br
Entendendo o texto:

01 – No texto, o autor, Marcelo Coelho, aborda o uso do telefone celular.
a) Ele vê esse uso de maneira positiva ou negativa? Por quê?
      Conforme o texto, entendemos que o autor vê o uso de maneira negativa, já que as pessoas querem tirara "selfie" de tudo, em todas as ocasiões, e com isso, vão perdendo a interação e a privacidade.

b) Das múltiplas funções do celular, qual é a que mais o incomoda?
      A função que mais incomoda para o autor, sem dúvidas, é a de tirar fotos.

c) O que ele pensa de fotos banais, como “gatos subindo na cortina, focinhos de cachorro farejando a câmera, pratos de torresmo, brownie e feijoada”?
      Ele faz uma crítica sobre essas fotos, já que para ele, a pessoa perde a experiência, não vive o momento.

02 – De acordo com o texto, apesar do uso quase ilimitado do celular nos dias de hoje para tirar fotos, o selfie é uma unanimidade entre os adolescentes? Por quê?
      Para ele, o uso das fotos é utilizada mais pelos adolescentes, uma vez que os mesmos são os que mais usam os aparelhos, são mais narcisistas, estão se descobrindo, etc.

03 – O autor se posiciona claramente sobre os selfies.
a) Em que situação ele acha que haveria sentido alguém fotografar a si mesmo?
      Para ele haveria sentido fotografar a si mesmo caso de questões de publicidade.

b) Em que tipo de situação ele rejeita os selfies?
      Ele rejeita as selfies no sentido de não aproveitar o momento, em tirar foto com a comida, do cachorro, de uma viagem, ao invés de aproveitar a experiência.

04 – Segundo o autor, a onda dos selfies provocou uma “espécie de degradação da experiência”. Explique o que ele quer dizer com isso.
      Isto quer dizer que, quando as pessoas estão no local, elas não aproveitam a experiência, aquele momento vivido, elas se limitam apenas a fazer registros. E nem sempre quer dizer que aquilo que foi fotografado foi algo legal, é apenas aparência.

05 – Para ilustrar seu ponto de vista, o autor cita uma viagem a Paris.
a) Em tese, o que uma pessoa procura quando vai a Paris?
      Em tese, a pessoa procura os monumentos como a Torre Eiffel, ponto turístico que atrai diversas pessoas do mundo todo.

b) O que muda quando ela fotografa a si mesma em Paris?
      Muda que ela não consegue aproveitar a paisagem, é como se ela estivesse tirando foto de alguém que está em Paris, como afirma o autor.

c) Por que o autor vê narcisismo nesse tipo de atitude?
      Vê um narcismo, uma vez que a pessoa se preocupa apenas com a própria imagem.

06 – O texto tem como objetivo:
a) Descrever as múltiplas funções do celular.
b) Relatar situações corriqueiras e desinteressantes do uso ilimitado do celular.
c) Instruir os leitores sobre o uso adequado dos selfies.
d) Ilustrar o ponto de vista do autor sobre o uso dos selfies.

07 – Por suas características formais, por sua função e uso, o texto pertence ao gênero:
a) Artigo de opinião por se tratar de um posicionamento do autor diante de um tema atual.
b) Depoimento, pela apresentação de experiências pessoais.
c) Relato, pela descrição minuciosa de fatos verídicos.
d) Reportagem, pelo registro impessoal de situações reais.

08 – No trecho “Se depender do que vejo com meus filhos – dez e 12 anos –, o tempo dos “selfies” está de todo modo chegando ao fim”, o travessão:
a) Destaca um esclarecimento.
b) Substitui os dois-pontos.
c) Indica a fala no discurso direto.
d) Isola um chamamento.







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