Crônica: História para o Flávio
Rachel de Queiroz
"Morava na serra do Estevão um
velho por nome Luiz Gonçalves, caçador e famoso matador de onças. Fazendo as
contas, dizia que só de onça tigre já matara onze, das pixunas vinte e seis, das
pintadas quarenta; maçaroca, suçuarana, onça-vermelha nem contava — para
ele já nem era onça, era gato. (...)
Mestre Luiz queria bem as duas coisas
no mundo: à sua espingarda Lazarina, que nunca lhe fizera uma vergonha, e ao
seu filho Luizinho, agora com quinze anos, e que o pai andava ensinando nas
artes de caçador. (...)
Ora, um dia mestre Luís recebeu
recado do coronel Zé Marinho do Barro vermelho para que fosse matar uma pintada
que lhe andava comendo os carneiros e até mesmo se atrevera a sangrar um
bezerro no pátio da fazenda. (...) assim que a noite fechou ele amarrou um
cabrito mesmo no pé do serrote onde maldava mais que a onça pintada
morasse, e ficou na espera junto com o Luizinho e o cachorro onceiro.
(...) até que, com uma hora de escalar
serrote, deu de repente com a entrada da furna.
O cachorro pôs-se a gemer, ansioso, e
de lá de dentro o esturro da bicha acuada foi respondendo. Mestre Luís preparou
a forquilha, o chuço, a faca. Mas quando se voltou para chamar o Luizinho viu
que o menino apavorado se encolhia num desvão de pedra, amarelo de medo.
Aí deu no velho, uma raiva danada e ele
resolveu ensinar o filho de uma vez por todas.
Chamou de manso:
-- Vem cá Luís, não tem medo, quem vai
matar a onça sou eu.
Depois de muito rogo o menino chegou,
tremendo. O velho de supetão jogou as armas na boca da furna, e com um pescoção
empurrou para dentro o Luizinho. Pegou um pedaço de laje, tapou a entrada das
lapa, e gritou para o rapaz:
-- Filho meu não tem medo de onça, seu
mal-ensinado! Vou voltar para minha rede de espera, e não me apareça de volta
sem levar o couro da pintada!
Realmente ao raiar do dia Luizinho
apareceu. No ombro trazia as armas, no chão arrastava o couro da onça.
Tinha a cara tão lanhada das unhas da fera que quase não se lhe via a
feição. A roupa virara molambo, e o chapéu se perdera. Quando ele viu o pai,
foi levantando a mão para tomar-lhe a benção. Mas no meio se arrependeu.
-- A benção não senhor, que nunca mais
lhe tomo a benção. Benção se toma ao pai, e quem tranca o filho numa furna com
uma onça não é pai, é carrasco! Tai o couro da pintada, e o senhor arranje
outro, porque nunca mais me verá.
Dito isso rebolou o couro nos pés do
velho, deu meia-volta e saiu correndo, sem nem ao menos olhar para trás. (...)”
QUEIROZ, Rachel
de. O brasileiro perplexo: histórias e crônicas.
Rio de Janeiro:
Editora do Autor, 1963.
Entendendo a crônica:
01 – Os primeiros parágrafos
são usados para descrever mestre Luiz e seu filho. É o estabelecimento da situação
inicial. Identifique-a.
Um caçador famoso
e seu filho de quinze anos vivem na serra do Estevão.
02 – Identifique a quebra da
situação inicial, o momento em que algo diferente acontece.
O dia que mestre
Luiz recebeu recado do Coronel Zé Marinho do Barro Vermelho para matar uma onça
que estava comendo carneiros em sua fazenda.
03 – O desenvolvimento da
história ocorre entre a situação inicial e o estabelecimento do conflito, ou
seja, o estabelecimento de uma situação-limite. Identifique o desenvolvimento e
o conflito.
O desenvolvimento
começa quando mestre Luiz e seu filho saem em busca da onça e vai até o momento
em que mestre Luiz percebe que o filho está com medo.
O conflito: A descoberta, por mestre
Luiz, de que Luizinho estava com medo da onça.
04 – Identifique o final do
conflito estabelecido na história.
Luizinho vence a
onça e desaparece no mundo.
05 – O que é possível saber
a respeito do espaço e do tempo em que ocorre a história?
Sabe-se que era
uma serra em que havia uma caverna e aproximadamente uma noite, porque o mestre
sobe a serra no início da noite e Luizinho aparece ao raiar o dia.
06 – Imagine a história
contada por outro narrador. Identifique diferenças que poderia haver se ela
fosse contada:
a)
Por Luís Gonçalves.
Se o Luiz Gonçalves fosse o narrador, talvez fosse possível perceber
sua zanga, seu arrependimento, ou sua conformação. O texto poderia indicar uma
tentativa de justificar seus atos, ou mesmo de destaque para sua culpa.
b)
Por Luizinho.
Se o Luizinho fosse o narrador, talvez fosse possível identificar
mágoa em relação ao pai, indiferença, perdão, saudades.
c)
Pela onça.
Se o narrador fosse a onça personificada, ou o seu “fantasma”, aa
história seria contada de uma perspectiva totalmente diferente. O destino do
Luizinho, por exemplo, talvez sequer fosse mencionado.
gostaria que me enviasse como fazer atividades de inferencias com o texto a cima
ResponderExcluirTá faltando a 7 qual é o tema do texto
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