Notícia: Preservar
Amazônia é mais lucrativo que desmatar, diz economista
Segundo Ricardo Abramovay, economia
baseada no conhecimento da floresta favorece inovação e riqueza
Resumo: Autor argumenta que
manancial da Amazônia precisa de políticas favoráveis à emergência de uma
economia do conhecimento (e não da destruição) da natureza. A devastação não
produz riqueza ou inovação – favorece o extrativismo primitivo e sufoca a
produção mais lucrativa de itens nativos da floresta.
O Brasil é o
sexto maior emissor global de Gases de Efeito Estufa. Mas há uma diferença
fundamental entre a natureza de nossas emissões e as dos países que nos
acompanham neste lamentável desempenho.
Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi9Gk6vAwJqACTYzoHuDskNDp1IgzvmFB_vANUbCcNSDItbRUYRzIh_D1h6k0SPts16HZQpnGvRMCtLCltZaemhsXE5putxOaD2v4vAe7JofCNTI4H5nR9aMxv9NKEUdDFNVxSmbJCBlbbTBkb4bOD6ZQC2AeqAejCDPpobW-lniHipH5n1eCEtywvmNdE/s1600/EFEITO%20ESTUFA.jpg
Na China, nos Estados Unidos, na Índia,
ou no Japão, as emissões derivam do uso em larga escala de combustíveis fósseis
na geração de energia, nos transportes e na indústria.
Reduzir estas emissões num prazo
compatível com a urgência da crise climática exige mudanças na maneira como se
produzem cimento, aço, plásticos, na forma como se organiza o transporte de
passageiros e de carga, na aviação – em suma, naquilo que o recente relatório
da Energy Transitions Commission, da Grã-Bretanha, chama de setores de mais
difícil redução (harder to abate).
Transformar os modelos econômicos em
que se apoiam estes setores exige muita ciência e inovações tecnológicas
disruptivas. Plantas industriais terão que ser inteiramente substituídas. No
caso dos automóveis elétricos, postos de gasolina e oficinas mecânicas vão
desaparecer. Mesmo que os investimentos nestas mudanças tenham retorno
econômico, os custos são imensos.
Os avanços globais nesta direção são significativos,
embora largamente insuficientes: em 2009, na Conferência Climática de
Copenhague (COP 15), China e Índia opuseram-se a qualquer acordo de redução das
emissões sob o argumento de que não tinham alternativas ao uso do carvão, caso
quisessem ampliar o acesso de sua população à energia e acelerar sua
industrialização.
Seis anos depois este quadro mudou de
forma impressionante. China e Índia converteram-se em protagonistas no Acordo
de Paris, de 2015 (COP 21), com base justamente no ritmo acelerado de redução
do preço das fontes renováveis de energia, nas perspectivas oferecidas pelo
automóvel elétrico e em diversas técnicas voltadas a uma indústria menos
emissora.
O dilema entre crescimento econômico e
redução de emissões está sendo enfrentado (embora não resolvido, longe disso)
por meio de ciência e tecnologia.
E nós neste contexto? Temos a matriz
energética menos emissora do mundo, quando o Brasil é comparado com países de
importância territorial, demográfica e econômica equivalente à sua. Nossos
transportes contam igualmente com uma fonte não emissora, o etanol, usado muito
menos do que deveria, infelizmente, graças aos subsídios concedidos aos
fósseis. Onde se concentram então nossas emissões?
Resposta: na destruição florestal.
O Brasil e a Indonésia são os únicos
países do mundo em que mais da metade das emissões vem do desmatamento. E é
importante não confundir devastação florestal com a própria agricultura,
embora, com muita frequência a floresta destruída (e não só na Amazônia) dê
lugar a atividades agropecuárias. A agropecuária responde por 22% de nossas
emissões graças a dois fatores: por um lado à fermentação entérica dos
ruminantes da qual resulta um dos mais potentes gases de efeito estufa, o metano.
Como o Brasil possui o maior rebanho
bovino comercial e é o mais importante exportador de carne do mundo, reduzir
estas emissões é um imenso desafio, que exige (da mesma forma que na indústria,
na mobilidade e na energia) muita ciência e muita inovação tecnológica. O mesmo
pode ser dito das emissões derivadas do uso de fertilizantes nitrogenados na
agricultura.
Todavia, contrariamente ao que ocorre
com a agropecuária, com a indústria ou com os transportes, zerar o desmatamento
(e, portanto, reduzir a contribuição do Brasil à crise climática) não é algo
que depende de ciência e de tecnologia ou que exija investimentos vultosos. Cabe
então perguntar: quais os custos de interromper a devastação? Será que desmatar
a Amazônia não é o equivalente à recusa da China e da Índia em subscrever um
acordo climático ambicioso em 2009?
Seria válido o argumento de que, da
mesma forma que, em 2009, os indianos e os chineses não tinham alternativa ao
uso do carvão, a sobrevivência e o desenvolvimento dos 25 milhões de
brasileiros que vivem na Amazônia depende de sua possibilidade de colocar a
floresta abaixo, nela implantando atividades agropecuárias convencionais? Não
estará a Amazônia presa a um dilema insuperável entre gerar renda para os que nela
vivem ou preservar a floresta?
É fundamental enfrentar estas perguntas
pois elas estão na base da tentativa de imprimir algum fundamento racional
àquilo que o Brasil e o mundo assistem hoje com tanto temor e tanta indignação
na Amazônia.
O
principal erro dos que toleram, compactuam ou promovem o desmatamento é não se
dar conta de que desmatar a Amazônia não produz nem riqueza, nem bem-estar.
Na verdade, o desmatamento é o mais
importante vetor da perenização do atraso e das precárias condições de vida na
região. Ele exprime uma forma primitiva de extrativismo que se materializa, por
exemplo, na importância do tráfico de madeira clandestina, que funciona como
obstáculo à exploração madeireira sustentável, para a qual existem tecnologias
e até sistemas de certificação baseados no uso de blockchain, como mostram os
trabalhos da BVRio.
Além disso, como é, na sua esmagadora
maioria ilegal, o desmatamento na Amazônia funciona com base na formação de
quadrilhas que se especializam em invadir terras públicas e territórios
pertencentes a comunidades indígenas e ribeirinhas.
A construção de pistas de pouso
clandestinas e a contratação de motoqueiros que colocam fogo no capim seco dos
acostamentos nos distritos à beira da BR-163 e no município de Altamira – é apenas
um entre vários indícios dos efeitos da legitimação da destruição florestal
sobre o tecido cívico da região.
Tão importante quanto a criminalidade
ligada à esmagadora maioria do desmatamento na Amazônia é a avaliação que se
pode fazer hoje de seus resultados econômicos e socioambientais.
Um gráfico, elaborado pelo professor
Raoni Rajão da UFMG, compara a área e a produção de soja e de açaí no Pará
entre 1996 e 2015. Vê-se que o açaí tem rendimento por hectare muito maior que
a soja.
Segundo o trabalho de Raoni Rajão, o
valor por hectare da soja em 2015 era de RS$ 2.765,79. O do açaí chegava a R$
26.844,00. Embora seja um produto consumido fundamentalmente na Amazônia,
existe hoje uma cadeia global de açaí na casa das centenas de milhões de
dólares. Quem poderia prever, quinze anos atrás, que um alimento “de índio”
iria converter-se em ingrediente global das dietas de esportistas!
Os trabalhos recentes de Carlos Nobre e
Ismael Nobre listam um vasto conjunto de produtos do extrativismo com
imenso potencial econômico. Uma das bases para a exploração sustentável destes
produtos é a unidade entre trabalho científico e a própria cultura material dos
povos da floresta.
Um dos mais emblemáticos exemplos desta
junção é a Rede de Sementes do Xingu, organizada pelo Instituto Socioambiental.
Populações indígenas e ribeirinhas coletam sementes que são selecionadas por
técnicos da EMBRAPA e do Instituto Socioambiental e vendidas a fazendeiros para
que possam cumprir seus compromissos de reflorestamento.
Mel, óleo de pequi, copaíba, borracha,
castanha, são inúmeros os produtos de uso alimentar, farmacêutico e cosmético
que a ciência, aliada aos povos da floresta, pode revelar e ajudar a explorar
de maneira sustentável.
O selo Origens Brasil, que certifica
estes produtos e já está em grandes cidades brasileiras acaba de receber um
importante reconhecimento internacional por parte da Organização das Nações
Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO/ONU).
É um exemplo das oportunidades do uso
sustentável da floresta em pé com produtos capazes de exprimir nos mercados os
valores contidos na preservação da floresta e no respeito aos povos que nela
vivem.
A manutenção da floresta em pé não
corresponde, portanto, a uma redoma de contemplação, economicamente paralisada.
Ao contrário, ela é um manancial de riquezas que se exprimem tanto em seus
serviços ecossistêmicos e na cultura dos que aí habitam como no valor de seus
produtos.
A equipe coordenada pelo professor
Britaldo Soares-Filho da UFMG e o economista Jon Strand do Banco Mundial
estimaram o valor de alguns destes serviços. Em artigo publicado na prestigiosa
Nature Sustainabillity, eles mostram que o desmatamento de um hectare gera
perdas anuais de até US$ 40 para a produção de castanha do Pará e US$ 200 para
a produção madeireira sustentável.
Além disso, como o avanço do
desmatamento compromete a produção de água por parte da floresta, seus impactos
sobre a agricultura e a produção de energia nas hidrelétricas são altamente
ameaçadores.
Em suma, mais que apagar os incêndios
que hoje a destroem, a Amazônia precisa de políticas que estimulem a emergência
de uma economia do conhecimento (e não da destruição) da natureza, que represente
aquilo que temos de melhor: a capacidade de fazer da ciência a base para
produzir riqueza e bem-estar, valorizando os ensinamentos e a sabedoria dos
povos da floresta.
ABRAMOVAY, Ricardo.
Preservar Amazônia é mais lucrativo que desmatar, diz economista. Folha de S.
Paulo. São Paulo 1° set. 2019. Ilustríssima. Disponível em: https://www1.folhauol.com.br/ilustrissima/2019/09/preservar-e-mais-lucrativo-que-desmatar-diz-economista.shtml.
Acesso em: 7 jul. 2020.
Fonte: Práticas de
Língua Portuguesa/Faraco, Moura, Maruxo. – 1.ed. São Paulo: Saraiva Educação,
2020. p. 185-190.
Entendendo a notícia:
01 – O cientista político
Ricardo Abramovay inicia seu texto com um dado: “O Brasil é o sexto maior
emissor global de Gases de Efeito Estufa.” Na sequência, afirma que há
diferença entre a natureza de nossas emissões de gases e a de outros países
poluidores. Qual é essa diferença e de que modo ela se relaciona diretamente
com o tema do ensaio?
Enquanto nos
demais países mais poluidores (China, Estados Unidos, Índia e Japão) as fontes
poluidoras são os combustíveis fósseis usados amplamente na geração de energia,
nos transportes e na indústria, no Brasil (e na Indonésia) mais da metade das
emissões de gases vem do desmatamento. Essa diferença de natureza de poluição
se relaciona diretamente com tema do ensaio porque está ligada ao desmatamento.
02 – Ao falar sobre as ações
necessárias para a redução de emissão de gases no mundo, Abramovay aponta para
os graus de complexidade das soluções, dependendo das fontes emissoras.
a) Expliquem
de modo resumido: Que considerações ele faz sobre os diferentes graus de
complexidade?
Ele aponta a alta complexidade que envolve a redução de emissão de
gases resultantes do uso de combustíveis fósseis, uma vez que implica mudanças
profundas na economia e na indústria, que envolvem soluções científicas e
tecnológicas sofisticadas e de alto custo financeiro.
b) De que
modo o grau elevado de complexidade apontado contribui na defesa do ponto de
vista principal do ensaio?
O ensaio ressalta que preservar é uma atitude que gera economia,
portanto, se a redução de gases poluentes depende de soluções complexas e,
consequentemente, caras, isso reforça a ideia de que preservar é um bom
caminho.
03 – No momento em que
apresenta as implicações para a redução de emissão de gases advindas do uso de
combustíveis fósseis, Abramovay comenta avanços globais na questão, feitos
desde 2009, resgatando o histórico da posição de dois países altamente
poluentes.
a)
Elaborem uma síntese desse histórico.
Resposta pessoal do aluno.
b)
O cientista político se posiciona em relação a
esses avanços? Explique, recorrendo à observação das escolhas linguísticas
feitas por ele.
Resposta pessoal do aluno.
c)
Consultem suas anotações feitas durante a
leitura individual e compartilhem com os colegas outras escolhas linguísticas
do ensaísta que evidenciam o modo de ele modalizar seu discurso: suas apreciações
subjetivas, seus julgamentos e posicionamentos em relação ao que diz.
Resposta pessoal do aluno.
04 – Ao citar as principais
fontes de emissão de gases do Brasil, o cientista destaca uma fonte que envolve
soluções complexas e outra que, em sua percepção, é mais fácil de solucionar.
De acordo com o que você leu, quais são elas?
Resposta pessoal
do aluno.
05 – No parágrafo 15, o
ensaísta lança uma questão que representa o momento de problematizar e se
posicionar. De que modo ele apresenta essa questão ao leitor e que posição
assume em relação a ela?
Resposta pessoal
do aluno.
06 – Na publicação original,
versão on-line do caderno, o ensaio é acompanhado de fotografias apresentadas
no modo slide show, ou seja, há várias fotos, que você pode visualizar ao
clicar na imagem em evidência. Aqui, reproduzimos apenas uma delas. Retorne ao
texto e observe a foto, a legenda e o parágrafo do ensaio logo abaixo dela. Que
tipo de relação de sentido foto, legenda e texto mantêm entre si?
A foto e a
legenda sinalizam para uma atividade econômica sustentável e vão ao encontro do
que o ensaísta defende: manter a floresta em pé não é olhar para ela de forma
contemplativa, mas é explorar o que ela tem de riqueza enquanto ecossistema.