segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

SONETO: BONBONNIÈRE - (FRAGMENTO) - PAULO HENRIQUES BRITTO - COM GABARITO

 Soneto: Bonbonnière – Fragmento

             Paulo Henriques Britto

I

A seletividade da memória —

a cor exata da pele, a textura,

o odor de cada côncavo e orifício,

o lábio, a língua, o dente, o plexo

 

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhkffBkLUrOFZJoiL1m62ZGOaytGEAbseam-nf4CnwpTBPpQW7X7yujdh1sifvWj9Bz9ELjkhWlvMo-7VQFUzrPJjCUCPblW9mRU39Oskuc6VaqOl9KH4jeyhVxo3FA-vV92Mf5fYNcIgspBRvEu_XU-iCg9AaL_qhoII-FgTCJhA09JFq2aakylOZSNR0/s320/BOMBOM.jpg

solar, a sola do pé, o suor e a

saliva, a coxa arisca, a dobra escura,

o beijo salobro, o sabor difícil,

a carne assombrada, o esperma perplexo

 

— falsa perfeição, mero artifício

do tempo, a desmaiar todos os tons

do que destoaria do desejo

 

como um menino a retirar sem pejo

da caixa que lhe deram os bombons

de que ele abre mão sem nenhum sacrifício.

IV

Só não dói mais porque não é preciso.

Se fosse o caso, a dor era pior.

Não há nada nisso de extraordinário:

 

A natureza odeia o desperdício,

tal como o vácuo. Sem tirar nem pôr.

É exatamente a conta necessária,

 

até que alguma solução se encontre.

O que aliás não acontece nunca.

E isso também é natural. No entanto

há sempre um tralalá, um deus, um bálsamo

 

pra não perder a esperança e o bonde:

A caixa de bombons. A "Marcha húngara"

de Liszt. Ou Brahms. Um dos dois. Ou não. Tanto

faz. A dor continua. Hoje é sábado.

Paulo Fernando Henriques Britto – Rio de Janeiro RJ 1951.

Entendendo o soneto:

01 – Qual é o tema central do soneto "Bonbonnière"?

      O soneto explora a complexidade da memória, do desejo e da dor. O título "Bonbonnière" (caixa de bombons) evoca a ideia de uma coleção de momentos e sensações, tanto prazerosas quanto dolorosas. O poema reflete sobre como a memória seleciona e molda nossas lembranças, idealizando o passado e, ao mesmo tempo, perpetuando a dor.

02 – Que recursos poéticos o autor utiliza para expressar a seletividade da memória?

      O autor utiliza uma série de imagens sensoriais detalhadas para descrever as lembranças, como "a cor exata da pele, a textura, o odor de cada côncavo e orifício". Essa descrição vívida e sensual sugere a intensidade das experiências passadas. No entanto, a expressão "falsa perfeição, mero artifício do tempo" revela que a memória não é uma reprodução fiel da realidade, mas sim uma construção subjetiva, moldada pelo desejo e pela emoção.

03 – O que significa a metáfora da caixa de bombons no contexto do poema?

      A metáfora da caixa de bombons representa a memória, que contém uma variedade de lembranças, tanto doces quanto amargas. O eu-lírico, como um menino que retira bombons da caixa, seleciona e prioriza certas lembranças em detrimento de outras. A frase "de que ele abre mão sem nenhum sacrifício" sugere que o eu-lírico seletivamente escolhe as lembranças que mais lhe convêm, mesmo que isso signifique deixar de lado momentos importantes ou dolorosos.

04 – Qual é o significado da afirmação "Só não dói mais porque não é preciso"?

      Essa afirmação paradoxal expressa a ambivalência do eu-lírico em relação à dor. Por um lado, ele reconhece que a dor faz parte da experiência humana e que, se fosse necessário, ela seria ainda mais intensa. Por outro lado, ele parece ter se distanciado da dor, talvez como uma forma de autoproteção. A frase sugere que a dor está presente, mas é mantida sob controle, como se estivesse adormecida.

05 – O que representam a "Marcha húngara" de Liszt e Brahms no poema?

      A referência à "Marcha húngara" de Liszt e Brahms evoca a ideia de consolo e esperança. A música, como a caixa de bombons, representa um refúgio contra a dor e a desesperança. O eu-lírico busca conforto na arte, na beleza e na emoção que a música proporciona. No entanto, a ressalva "Um dos dois. Ou não. Tanto faz." revela que nem mesmo a música é capaz de curar a dor por completo.

06 – Qual é a relação entre o último verso "Hoje é sábado" e o restante do poema?

      O último verso, aparentemente banal, contrasta com a profundidade e a complexidade dos temas abordados no poema. A frase "Hoje é sábado" sugere a retomada da rotina, a volta à vida cotidiana após a imersão nas lembranças e reflexões. O sábado, um dia de descanso e lazer, pode representar uma tentativa de escapar da dor e da melancolia. No entanto, a frase também pode ser interpretada como uma constatação melancólica da passagem do tempo, que não traz necessariamente alívio ou solução para os problemas existenciais.

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