Conto: DONA MARIA
Manoel de Barros
Dona Maria me disse: não aguento mais,
já estou pra comprar uma gaita, me sentar na calçada, e ficar tocando, tocando…
— Mas só pra distrair?
— Que mané pra distrair! O senhor não está
entendendo? – Entendo. A senhora vai ficar sentada na calçada, de vestido sujo,
cabelos despenteados, esquálidos, a soprar uma gaitinha rouca, não é?

Depois as pessoas ficarão com pena da
sua figura esfarrapada, tocando uma gaitinha rouca, e jogarão moedas encardidas
em seu colo encardido, não é?
Seu vestido ficará salpicado de mosca e
lama
A senhora de três em três minutos dará
uma chegada no boteco da esquina e tomará um trago
Com pouco a senhora estará balofa,
inchada de cachaça, os lábios como cogumelos
Sua boca vai cair no chão
Uma lagarta torva pode ir roendo seus
dias superiores pelo lado de fora
Um moleque pode passar a esfregar terra
em seu olho
Ligeiro visgo escolha a crescer de seus
pés
Alguns dias depois sua gaita ficará
cheia de formiga e areia
A senhora estará cheia de lacraias sem
anéis
E ninguém suportará o cheiro do seu
corpo, não é assim?
Dona Maria teve um arrepio.
— Epa moço! eu não queria dizer isso.
Só pensei em comprar uma gaita, eu sentar na calçada e ficar tocando, tocando…
até que a vida melhorasse. O resto o senhor que inventou. Desse jeito, já estou
vendo os meninos passarem por mim a gritar: — Maria Gaiteira, fiu! Maria
Gaiteira,
Fiu Fiu!
Por favor, moço, mande esses meninos
embora pra casa deles. O senhor já me largou na sarjeta, já fez crescer visgo no
meu pé, e agora ainda manda os moleques me xingarem…
Poesia completa Manoel de Barros. https://www.academia.edu.
Entendendo o conto:
01
– Qual é o desejo inicial de Dona Maria expresso no conto?
Dona Maria
expressa o desejo de comprar uma gaita, sentar-se na calçada e tocar, como uma
forma de lidar com as dificuldades da vida. Ela busca na música uma maneira de
encontrar distração e talvez até uma melhora em sua situação.
02
– Como o narrador reage ao desejo de Dona Maria?
O narrador reage
com uma descrição vívida e pessimista das possíveis consequências do desejo de
Dona Maria. Ele pinta um quadro de decadência e miséria, mostrando como a
situação poderia se deteriorar caso ela seguisse por esse caminho.
03
– Que imagens o narrador utiliza para descrever a possível decadência de Dona
Maria?
O narrador
utiliza imagens fortes e desagradáveis, como vestido sujo, cabelos
despenteados, gaita rouca, esfarrapada, moedas encardidas, moscas, lama,
inchaço de cachaça, lábios como cogumelos, boca caída, lagarta roendo o corpo,
terra nos olhos, visgo crescendo nos pés, gaita cheia de formigas e areia,
lacraias sem anéis e mau cheiro.
04
– Qual é a intenção do narrador ao descrever de forma tão negativa o futuro de
Dona Maria?
A intenção do
narrador é dissuadir Dona Maria de seu plano, mostrando-lhe as possíveis
consequências negativas de sua escolha. Ele busca confrontá-la com a realidade
de que sua situação pode piorar, caso ela se entregue à ideia de viver na rua
tocando gaita.
05
– Como Dona Maria reage à descrição do narrador?
Dona Maria se
assusta com a descrição do narrador e percebe que ele interpretou seu desejo de
forma muito diferente do que ela pretendia. Ela se arrepia e corrige o
narrador, explicando que sua intenção era apenas tocar gaita para que a vida
melhorasse, e não viver na miséria como ele descreveu.
06
– Qual é o significado da fala de Dona Maria sobre os meninos gritando
"Maria Gaiteira"?
A fala de Dona
Maria sobre os meninos gritando "Maria Gaiteira" revela seu medo de
ser ridicularizada e marginalizada pela sociedade. Ela teme que a imagem que o
narrador criou se concretize e que ela se torne alvo de escárnio e desprezo.
07
– Que reflexão o conto nos propõe sobre a relação entre desejo e realidade?
O conto nos leva
a refletir sobre a complexa relação entre desejo e realidade. O desejo de Dona
Maria por uma vida melhor através da música é confrontado com a dura realidade
da miséria e da marginalização. O conto nos mostra como nossos desejos podem
ser idealizados e como a realidade pode ser muito diferente do que imaginamos.
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