quinta-feira, 25 de abril de 2024

CRÔNICA: PALAVRINHA PERIGOSA - WALCYR CARRASCO - COM GABARITO

 Crônica: Palavrinha Perigosa

               Walcyr Carrasco

  Visito uma amiga, dona de um antiquário. Detalhe: ela mora na parte de cima da loja. Para minha surpresa, nesse sábado, meio da tarde, parece haver uma festa no pátio. Várias pessoas bebem cerveja e comem bolinhos de bacalhau, fritos por uma senhora portuguesa, vizinha da loja. Um rapaz faz drinques e sucos. Minha amiga se apressa a me receber.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjLAZak3A6BslxwYIcQGYJenkAaL9XtFEVEyu6UVKuDT1z0LT0Bq4hkeZYWs2Q84XRmp5LiJhcxmf5R73HciYLa3kfCmsrxHRJel0keEvBimOB83O7bDrusijGAb1oLZ3q9Y1-Hf18Xesz73o4u8a-Au2XiDTG3s_Wl4qAt1RW5gokRuv1rjtEejFYfpN0/s320/ACEITAR.jpg


— Aceita uma cerveja? Ou prefere um suco?

Aceito, é claro. Um suco geladinho, delicioso. Como alguns bolinhos de bacalhau. Entro no papo. Dali a algum tempo, resolvo me despedir. Sorrio, grato pela tarde deliciosa.

— Bem, vou indo....

Imediatamente, ela saca um bloquinho, a caneta, e começa a fazer as

contas.

— Deixa ver. Você tomou um suco... ou foram dois? Quantos bolinhos de bacalhau?

A senhora portuguesa grita:

         — Seis! Ele comeu seis!       :

Bem, eu comi seis pensando que fosse de graça! Arranco algumas notas do

bolso, desenxabido. Ela recebe, feliz da vida.

— Volte sábado que vem.

É o drama da palavra "aceita". Ah, palavrinha perigosa!

Conheci uma jovem que veio do interior estudar. Vida difícil, morando em pensionato. Um dia resolveu fazer uma extravagância. Saiu com umas amigas, estudantes como. ela, para jantar fora. Sentaram-se no restaurante. Nenhuma tinha experiência de cidade grande. Veio o garçom.

— Aceitam uma entrada?

—Aceitamos!

— Aceitam um vinho?

— Oh, sim, aceitamos!

E foram aceitando. Certas de que fosse uma gentileza, já que ninguém estava falando em dinheiro. No final veio a conta. Quase morreram de susto. Passaram o mês comendo ovo com pão. 

O verbo aceitar acabou se tornando uma forma disfarçada de empurrar a mercadoria sem discutir o preço. O correto seria o garçom ter oferecido a carta de vinhos.

Em tempos bicudos, as coisas ficam ainda mais difíceis. Recentemente fui à casa de um amigo na Vila Madalena. Artesão. Mal entrei, ele lembrou.

— Ainda não dei seu presente de aniversário! Está guardado.

Foi para dentro, voltou com uma caixinha de madeira enfeitada com flores

do tipo que detesto. Sorriu e disse:     

— Que acha? Gosta?

-— É... linda!     

— Quer ficar com ela?

— Claro!

Afinal, o que se diz diante de um presente? Mas a coisa não era bem assim.

Saltitante, ele entrou no quarto. Voltou com um pacote.

— Este é seu presente.

— Ahnnn?

Desembrulho uma camiseta, atônito. Ele continua:

— Pela caixinha, vou fazer um preço especial!

E manda ver! Que tática, hein? Como voltar atrás, ainda por cima sendo uma obra assinada pelo próprio? Deu vontade de atirar a caixinha na cabeça dele.

Uma amiga, que mora em um bairro de classe média tradicional da cidade, anda apavorada. Diante da crise que assola as melhores famílias, a maioria das vizinhas partiu para negócios domésticos. Uma faz massas em casa. Outra, doces e bolos. As visitas amigáveis de antigamente transformaram-se em armadilhas.

—- Não quer levar uma lasanha para casa?

A ingênua caiu na conversa algumas vezes. Logo depois de embrulhada a massa, ou a bandeja de docinhos, vinha o preço.

— Mas... mas...

Nos bons tempos, bastava devolver o prato com outra gulodice. Minha amiga desenvolveu uma tática.

— Estou de regime.

Ninguém acredita, é claro. Continua gordíssima. Mas com o dinheiro no

bolso.

 Eu optei pela franqueza.

— Não aceito não.

— Mas está tão gostoso.

— Não quero, não quero e não quero!

Vou acabar passando por mal-educado. Mas do jeito que as coisas vão,

ficou perigoso aceitar até presente de aniversário.

 Entendendo o texto

01. Qual é o principal tema abordado na crônica "Palavrinha Perigosa" de Walcyr Carrasco?

a.   Experiências gastronômicas.

b.   Os desafios de viver na cidade grande.

c.   A arte de presentear.

d.   Os mal-entendidos causados pelo verbo "aceitar".

02. Qual é a situação inicial descrita pelo autor ao visitar a amiga no antiquário?

a. Uma festa de aniversário.

b. Uma degustação de vinhos.

c. Um encontro casual.

d. Um evento de venda de antiguidades.

     03. O que acontece quando o autor menciona que vai embora após a festa?

         a. Ele é cobrado pelos gastos que teve.

         b. Ele recebe presentes inesperados.

         c. Ele é convidado para outra festa.

         d. Ele é elogiado pela sua presença.

   04. Qual é o exemplo dado pelo autor sobre o uso perigoso da palavra "aceitar" em um restaurante?

         a. Uma jovem pede diversos pratos sem saber o preço.

         b. Um grupo de amigos é surpreendido com uma conta alta após aceitar vários itens.

         c. Um garçom oferece gentilezas que no final se revelam caras.

          d. Um restaurante oferece promoções falsas aos clientes.

  05. O que o autor descobre ao aceitar um presente de aniversário de um amigo artesão?

         a. O presente era um objeto valioso.

         b. O presente era uma caixa vazia.

         c. O amigo queria vendê-lo por um preço especial.

         d. O amigo esperava uma reação negativa.

 06. Como as visitas amigáveis se transformaram em armadilhas no bairro da amiga do autor?

         a. Os vizinhos começaram a se afastar uns dos outros.

         b. As vizinhas passaram a oferecer alimentos com preços ocultos.

         c. As visitas se tornaram cada vez mais frequentes.

         d. As vendas de massas e doces aumentaram.

   07. Qual é a estratégia desenvolvida pela amiga do autor para lidar com as ofertas indesejadas de comida?

          a. Ela alega estar de dieta.

          b. Ela recusa educadamente.

          c. Ela finge não estar em casa.

          d. Ela aceita e depois devolve os alimentos.

    08. Por que o autor considera perigoso aceitar até presentes de aniversário?

         a. Porque geralmente são presentes caros.

         b. Porque podem vir acompanhados de cobranças ou vendas ocultas.

          c. Porque os presentes podem ser de má qualidade.

          d. Porque os presentes podem ser indesejados.

   09. Qual é o sentimento principal transmitido pelo autor em relação às mudanças nas relações sociais devido às dificuldades econômicas?

          a. Contentamento.

          b. Confusão.

          c. Desconfiança.

          d. Preocupação.

   10. Qual é a mensagem central que o autor deseja transmitir com a crônica "Palavrinha Perigosa"?

         a. A importância de aceitar presentes generosos.

         b. A necessidade de ser franco ao recusar ofertas.

         c. Os perigos de assumir compromissos sem entender as consequências.

         d. As vantagens de viver em uma cidade grande.

 

 

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