Pesquisa: A televisão e você
Carlos Alberto Di Franco
Pesquisa realizada pelo Jornal da Tarde
nos dias 12 e 13 de junho comprovou que a televisão, por falta de conteúdo e
pela pragmática estratégia de que conquistará audiência com cenas de violência
e sexo pesado, se transformou num contínuo clip, assanhado e desregrado, em que
as imagens deixaram de se relacionar diretamente com o que está sendo dito,
espelho de sua indigência conceitual.
A pesquisa abrangeu 14 horas de
programação, das 8 às 22 horas, incluindo comerciais e programas jornalísticos.
Foram analisadas sete emissoras de sinal aberto (Bandeirantes, CNT, Cultura,
Globo, Manchete, Record e SBT) e cinco canais por assinatura (Cartoon Network,
Fox, HBO, Telecine e TNT). Os canais pagos apresentaram os maiores índices de
cenas de violência. Em relação a sexo, drogas e comportamentos antissociais, o
ranking ficou dividido entre as emissoras de sinal aberto e as TVs por
assinatura.
Em fevereiro de 1991, na véspera da
entrada em vigor do Código de Ética da Associação Brasileira das Emissoras de
Rádio e Televisão (Abert), afirmei que a televisão dava um passo importante em
direção ao profissionalismo e aos seus deveres éticos e sociais. O código, uma
resposta voluntária e sem tutela governamental aos apelos da sociedade,
indicava um esforço de responsabilidade editorial por parte da TV brasileira.
Defendi, então, um crédito de confiança ao trabalho da Abert.
Frustrou-se a minha expectativa. O
documento, na opinião de inúmeros telespectadores, é um jogo de faz-de-conta.
Para verificar a esquizofrenia entre o discurso e a prática não é necessário
enfrentar uma noite insone. Basta recorrer à programação da tarde. Segundo a
pesquisa do JT, grande parte das cenas é levada ao ar em horários em que o
público é predominantemente infantil. A sociedade, atônita e inerte, assiste a
uma escalada de corrupção light de menores. A passividade é, de longe, a pior
sequela dos 20 anos de ditadura. A cidadania morre na garganta. E a lei não sai
do papel.
O artigo 5°, inciso IX, da Constituição
diz que é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e
de comunicação, independentemente de censura ou licença. Esquece-se, no
entanto, que essa mesma Constituição determina enfaticamente no seu artigo 221,
inciso IV, que as emissoras de rádio e televisão respeitem “os valores éticos e
sociais da pessoa e da família”. O direito à liberdade de expressão, inerente à
democracia, nada tem que ver com o auê que invadiu a tela mágica. (...)
Sobram lamúrias, mas faltam
iniciativas. Documentos de auto-regulamentação, sérios e operativos, estão aí.
Basta invoca-los. Qualquer cidadão pode recorrer ao Código de Defesa do
Consumidor ou descobrir as possibilidades do excelente Código de
Auto-Regulamentação Publicitária. Por que não tentar a sinceridade d Abert?
Você, caro telespectador, já pensou, por exemplo, na eficácia de uma carta
dirigida a um jornal ou de um simples telefonema a um anunciante?
Como salientou Millôr Fernandes, armado
de afiada ironia, “Cidadão, num país em que não há qualquer cidadania, passou a
significar só cidade grande”. A observação é aguda e dramática. Padecemos de
conformismo crônico. Mas atitudes letárgicas não costumam favorecer a
liberdade. É preciso fugir do anonimato e exercer os direitos do consumidor.
Não clame por censura. Ela é ilusória e, frequentemente, perniciosa. Exija
qualidade. Instrumentos não faltam. Talvez, caro leitor, só falte você.
O Estado de S. Paulo,
8 jul. 1996.
Fonte: Português –
Linguagem & Participação, 6ª Série – MESQUITA, Roberto Melo/Martos, Cloder
Rivas – Ed. Saraiva, 1ª edição – 1998, p. 168-9.
Entendendo a pesquisa:
01 – De acordo com o texto,
qual o significado das palavras abaixo:
·
Pragmática: voltada para a prática.
·
Estratégia: planificação das atitudes a tomar para alcançar uma vitória.
·
Atônita: aturdida, estonteada.
·
Inerte: sem reação, imóvel.
·
Indigência: pobreza.
·
Sequela: dano deixado por uma doença.
·
Conceitual: de ideias, de opiniões.
·
Enfaticamente: de modo forte, insistentemente.
·
Desregrado: sem regras, desenfreado.
·
Inerente: próprio de.
·
Ranking: lista organizada dentro de um critério.
·
Auê: tumulto, confusão.
·
Éticos: relativos aos valores morais.
·
Lamúrias: queixas, reclamações.
·
Código: conjunto de normas.
·
Letárgicas: inertes, apáticas.
·
Tutela: direção, comando.
·
Eficácia: qualidade do que produz efeito.
·
Insone: sem dormir.
·
Ilusória: enganosa.
·
Esquizofrenia: nome de uma doença mental que afasta a pessoa da realidade.
·
Perniciosa: prejudicial.
02 – O que descobriu a
pesquisa promovida pelo Jornal da Tarde?
A pesquisa descobriu que a televisão
abusa de cenas de sexo e violência para obter audiência.
03 – Qual é a opinião do
autor sobre o Código de Ética da Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e
Televisão, à Abert?
Na opinião do autor, o código não
funciona: propõe um tipo de regulamentação que as TVs não seguem.
04 – Como é a programação da
tarde das emissoras de televisão? Que efeito ela produz sobre o público de
menores?
Ela corrompe o público, apresentando
programas totalmente inadequados a uma assistência predominantemente infantil.
05 – Você acredita que a
programação das rádios e da televisão respeitam os valores éticos e sociais da
pessoa e da família? Justifique sua resposta.
Resposta pessoal
do aluno.
06 – Qual a solução proposta
pelo articulista do Jornal? Você a considera viável? Por quê?
Ele propõe que o
cidadão deixe de lamúrias e comece a agir. Sugere que, por exemplo, se mandem
cartas às emissoras, aos jornais e se telefone aos anunciantes.
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