CRÔNICA: O IMPORTUNO
Humberto de Campos
Certo indivíduo, conhecido como vivedor, aboletou-se no caminho de sua vida, no
solar de um homem bonacheirão e abastado, que lhe abrira as portas para um descanso
ligeiro.
Nos
primeiros dias, o dono suportou galhardamente o hóspede, oferecendo-lhe a
melhor cama, o melhor vinho, os melhores charutos. Passada, porém, a primeira
quinzena, começou a pensar em um meio, que não fosse grosseiro, de livrar-se do
importuno, e achou-o.
Tinham os dois acabado de almoçar e repousavam, lendo jornais e fumando
“havanas”, à sombra das árvores. De repente, o hospedeiro recosta-se
pesadamente na cadeira, cerra os olhos, deixa cair a folha e o charuto,
simulando um sono profundo. E, como em sonho, principia a falar:
– Vejam só: que maçada! Esse cavalheiro vem, aloja-se em minha casa, come,
bebe, fuma, diverte-se, e nada de entender que sua presença já me está sendo
desagradável. Será possível que ele não compreenda isso?
E, soltando um suspiro, pulou da cadeira, esfregando os olhos:
– Que diabo! É eu dormir depois do almoço, vêm-me logo os pesadelos. E que
sonho mau tive eu! Parece até que falei alto, não?
E o outro, que de cenho cerrado prestava atenção a tudo:
– É exato: você esteve por aí falando; e eu, como vi que se tratava de cousas
de sonhos, procurei não ouvir para não ser indiscreto. As palavras dos homens
só têm valor, mesmo, quando eles as proferem acordados.
E
o hóspede continuou na casa por mais três anos e quatro meses, isto é, até a
transferência da propriedade, comendo do melhor prato, dormindo na melhor cama,
bebendo do melhor vinho, fumando os melhores charutos.
HUMBERTO DE CAMPOS. In: Cleófano de Oliveira. Flor
do Lácio. 6a. Edição, Saraiva, São Paulo, 1961.
Entendendo
o texto
1. Identifique, no texto, as palavras que possuem estes significados:
a) bondoso, paciente, bonachão
bonacheirão
b)
pessoa que importuna, incomoda
importuno
c) situação desagradável, cansativa
maçada
d) rosto, cara, fisionomia
cenho
2. O texto conta que um homem…
a. foi convidado para repousar por breve período e acabou apoderando-se de
todos os bens do hospedeiro.
b. aproveitou-se da boa educação do outro, permanecendo
como hóspede até a transferência da propriedade.
c. não podia dormir depois das refeições, pois costumava ter pesadelos.
d. vendeu todos os bens porque estava cansado de hospedar um homem conhecido
como aproveitador da bondade dos outros.
3. Para se livrar do hóspede importuno, o hospedeiro fez um plano. Em que
consistia esse plano?
Fingir que falava dormindo e, dizer o que pensava da
situação.
4. Por que o hospedeiro incluiu um sonho no plano?
Porque não
tinha coragem de expor, de viva voz, o que pensava.
5. O plano criado pelo hospedeiro tinha chance de dar certo? Explique.
Nesse caso,
não. Porque o hóspede tinha a intenção de permanecer na casa e naturalmente só
sairia mediante imposição firme e decidida.
6. O hóspede ignorou o que o hospedeiro falou enquanto esse fingia que dormia.
Por quê?
Porque lhe
interessava permanecer como hóspede e sabia que o hospedeiro nada lhe falaria,
cara a cara, acordado.
7. Qual a intenção do escritor ao escrever esta história?
Demonstrar
que é preciso agir com coragem, firmeza e decisão para evitar que outros abusem
da nossa bondade ou de nossos escrúpulos.
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