CRÔNICA: INFERNO NACIONAL
Stanislaw Ponte Preta
Diz que era uma vez um camarada que
abotoou o paletó [...] Ao morrer nem conversou: foi direto para o Inferno. Em
lá chegando, pediu audiência a Satanás e perguntou:
―
Qual é o lance aqui?
Satanás explicou que o Inferno estava
dividido em diversos departamentos, cada um administrado por um país, mas o
falecido não precisava ficar no departamento administrado pelo seu país de
origem. Podia ficar no departamento do país que escolhesse. Ele agradeceu muito
e disse a Satanás que ia dar uma voltinha para escolher o seu departamento.
Está claro que saiu do gabinete do
Diabo e foi logo para o Departamento dos Estados Unidos, achando que lá devia
ser mais organizado o inferninho que lhe caberia para toda a eternidade. Entrou
no Departamento dos Estados Unidos e perguntou como era o regime.
― Quinhentas chibatadas pela manhã,
depois passar duas horas num forno de 200 graus. Na parte da tarde: ficar numa
geladeira de 100 graus abaixo de zero até às três horas, e voltar ao forno de
200 graus.
O falecido ficou besta e tratou de cair
fora, em busca de um departamento menos rigoroso. Esteve no da Rússia, no do
Japão, no da França, mas era tudo a mesma coisa. Foi aí que lhe informaram que
tudo era igual: a divisão em departamento era apenas para facilitar o serviço
no Inferno, mas em todo lugar o regime era o mesmo; quinhentas chibatadas pela
manhã, forno de 200 graus durante o dia e geladeira de 100 graus abaixo de
zero, pela tarde.
O falecido já caminhava desconsolado
por uma rua infernal, quando viu um departamento escrito na porta: Brasil. E
notou que a fila à entrada era maior do que a dos outros departamentos. Pensou
com suas chaminhas: “Aqui tem peixe por debaixo do angu.” Entrou na fila e
começou a chatear o camarada da frente, perguntando por que a fila era maior e
os enfileirados menos tristes. O camarada da frente fingia que não ouvia, mas
ele tanto insistiu que o outro, com medo de chamarem a atenção, disse baixinho:
― Fica na moita e não espalha não. O forno
daqui está quebrado e a geladeira anda meio enguiçada. Não dá mais de 35 graus
por dia.
― E as quinhentas chibatadas? -
perguntou o falecido.
― Ah... o sujeito encarregado desse
serviço vem aqui de manhã, assina o ponto e cai fora.
(Ponte Preta,
Stanislaw. Tia Zulmira e eu. 6. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1975. p. 175-7.)
Fonte: Profa.: Marta
Geraldini
Entendendo o texto
01. Tendo por base a forma
como a narrativa foi construída, responda:
a) Qual o principal desejo
do protagonista?
Ele queria ficar num lugar onde pudesse se
dar bem, mesmo sendo no inferno.
b) Como o protagonista agiu
para satisfazer seu desejo?
Visitou vários departamentos do inferno
antes de escolher em qual ficaria.
c) Que obstáculo o
protagonista encontrou na busca da satisfação de seu desejo?
Todos os
departamento eram iguais, não havia privilégios em nenhum deles.
02. Ao sair do gabinete do
Diabo, o protagonista foi direto para o Departamento dos EUA, pois pensou que
encontraria por lá um inferno organizado. Por que motivo ele pensou assim?
Porque os americanos têm a fama de serem
muito organizados.
03. O que fez com que o
protagonista desistisse de frequentar o departamento dos EUA?
Os castigos dados aos seus participantes
eram muitos severos segundo a sua visão.
Para facilitar a administração do
inferno.
05. O colega da fila do departamento
brasileiro não queria explicar os motivos de haver mais gente na fila.
a) Por que ele agia assim?
Para não chamar a atenção dos outros.
b) Provavelmente, o que ele
temia?
Que se descobrisse
que no departamento do Brasil era tudo diferente dos demais departamentos.
06. Ao observar a fila na
porta do departamento brasileiro, o personagem pensou: “Aqui tem peixe por
debaixo do angu.” Explique o significado desse pensamento.
Ele logo percebeu
haver algo de diferente neste local.
07. Ao explicar os motivos
de haver uma fila tão grande no departamento brasileiro, o personagem revela
duas críticas comuns feitas em relação ao Brasil. Que críticas são essas?
“Fica na moita e não espalha.” Isto é, não chamar a atenção dos
dirigentes do local e não divulgar as mordomias que havia ali.
08. Baseando-se na ideia de
que “As coisas por aqui nunca funcionam direito, por isso que o Brasil é
considerado o país do jeitinho.” explique a crítica feita pelo autor.
O brasileiro
sempre quer levar vantagem em tudo. O famoso jeitinho são as propinas pagas
para se ter privilégios.
09. Sabendo que uma crônica
geralmente tem por traz de si a ideia de criticar algo, qual é a crítica feita
pelo cronista com este texto?
Que nós brasileiros
sempre queremos levar vantagens sobre as outras pessoas, mesmo estando numa
situação ruim (o inferno).
10. Explique o título da
crônica.
O inferno faz analogia ao local onde se
passa a história narrada pela crônica, mas também simboliza a dificuldade que é
viver num país em que todos querem levar vantagens.
Bgda ajudou mt
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