Autobiografia: José Saramago (Fragmento)
Nasci numa família de camponeses sem terra, em Azinhaga, uma pequena povoação situada na província do Ribatejo, na margem direita do rio Almonda, a uns cem quilómetros a nordeste de Lisboa. Meus pais chamavam-se José de Sousa e Maria da Piedade. José de Sousa teria sido também o meu nome se o funcionário do Registo Civil, por sua própria iniciativa, não lhe tivesse acrescentado a alcunha por que a família de meu pai era conhecida na aldeia: Saramago. (Cabe esclarecer que saramago é uma planta herbácea espontânea, cujas folhas, naqueles tempos, em épocas de carência, serviam como alimento na cozinha dos pobres). Só aos sete anos, quando tive de apresentar na escola primária um documento de identificação, é que se veio a saber que o meu nome completo era José de Sousa Saramago… Não foi este, porém, o único problema de identidade com que fui fadado no berço. Embora tivesse vindo ao mundo no dia 16 de Novembro de 1922, os meus documentos oficiais referem que nasci dois dias depois, a 18: foi graças a esta pequena fraude que a família escapou ao pagamento da multa por falta de declaração do nascimento no prazo legal.
[...]
Fui bom aluno na escola primária: na
segunda classe já escrevia sem erros de ortografia, e a terceira e quarta
classes foram feitas em um só ano. Transitei depois para o liceu, onde
permaneci dois anos, com notas excelentes no primeiro, bastante menos boas no
segundo, mas estimado por colegas e professores, ao ponto de ser eleito (tinha
então 12 anos…) tesoureiro da associação académica… Entretanto, meus pais
haviam chegado à conclusão de que, por falta de meios, não poderiam continuar a
manter-me no liceu. A única alternativa que se apresentava seria entrar para
uma escola de ensino profissional, e assim se fez: durante cinco anos aprendi o
ofício de serralheiro mecânico. O mais surpreendente era que o plano de estudos
da escola, naquele tempo, embora obviamente orientado para formações
profissionais técnicas, incluía, além do Francês, uma disciplina de Literatura.
Como não tinha livros em casa (livros meus, comprados por mim, ainda que com
dinheiro emprestado por um amigo, só os pude ter aos 19 anos), foram os livros
escolares de Português, pelo seu carácter “antológico”, que me abriram as
portas para a fruição literária: ainda hoje posso recitar poesias aprendidas
naquela época distante. Terminado o curso, trabalhei durante cerca de dois anos
como serralheiro mecânico numa oficina de reparação de automóveis. Também por
essas alturas tinha começado a frequentar, nos períodos nocturnos de
funcionamento, uma biblioteca pública de Lisboa. E foi aí, sem ajudas nem
conselhos, apenas guiado pela curiosidade e pela vontade de aprender, que o meu
gosto pela leitura se desenvolveu e apurou.
[...]
José Saramago.
Autobiografia de José Saramago. Fundação José Saramago. Disponível em: www.josesaramago.org/autobiografia-de-jose-saramago.
Acesso em: 29 mar. 2018.
Fonte: Língua
Portuguesa – Português – Apoema – Editora do Brasil – São Paulo, 2018. 1ª
edição – 6° ano. p. 36-7.
Entendendo a autobiografia:
01 – De acordo com o texto,
qual o significado das palavras abaixo:
·
Alcunha: apelido, nome não oficial criado para identificar alguém com
base em uma característica específica dessa pessoa.
·
Antológico: algo notável, exemplar, que merece ser lembrado; pertencente
a uma antologia ou coletânea de textos.
·
Fadado: destinado (a algo).
·
Fruição: prazer.
·
Herbáceo: relativa ou semelhante a erva.
·
Liceu: estabelecimento em que antigamente era ministrado o
Fundamental II e o Ensino Médio.
·
Tesoureiro: pessoa responsável pelo dinheiro e pelas finanças de uma
empresa, instituição, etc.
02 – Você deve ter percebido
que a grafia de certas palavras do texto é diferente da grafia delas no
português do Brasil.
a) Observe as palavras quilómetros e académica. Como são grafadas no Brasil? O que a diferença indica?
No Brasil, são grafadas quilômetro e acadêmica. Indica que a vogal
com acento agudo, em Portugal, é aberta, e no Brasil, com acento circunflexo, é
fechada.
b) Em certas palavras, os portugueses usam consoantes que indicam uma particularidade da pronúncia deles, diferente da pronúncia brasileira. Encontre no texto a forma da palavra noturnos tal como é usada em Portugal.
Nocturnos.
c) Em outros casos, os portugueses eliminam uma consoante, como na palavra registo. Qual é a forma usada no português do Brasil?
Registro.
03 – O tema principal do
trecho lido é:
a) O surgimento do gosto pela literatura.
b) A pobreza dos camponeses portugueses.
c) Os problemas de identidade do narrador.
d) A dificuldade de estudar francês e literatura em uma escola de ensino profissional.
04 – Releia o trecho a
seguir:
“[...]
Como não tinha livros em casa (livros meus, comprados por mim, ainda que com
dinheiro emprestado por um amigo, só os pude ter aos 19 anos), foram os livros
escolares de Português, pelo seu carácter “antológico”, que me abriram as
portas para a fruição literária: ainda hoje posso recitar poesias aprendidas
naquela época distante. [...]”.
· Consulte o glossário e responda às questões.
a) Por que o autor afirma que os livros escolares de Português têm caráter antológico?
Porque os livros escolares reúnem textos e esses textos são
exemplares, são textos importantes e representativos.
b) Por que, segundo o autor, a leitura desses livros abriu para ele as portas para a “fruição literária”?
Porque ele passou a gostar de Literatura. A leitura dos textos, nos
livros escolares, fez com que descobrisse o prazer da literatura.
05 – O trecho em que o autor
da autobiografia aparece em 1ª pessoa é:
· “A única alternativa que se apresentava seria entrar para uma escola de ensino profissional [...]”.
· “[Cabe esclarecer que Saramago é uma planta herbácea espontânea, cujas folhas, naqueles tempos, em épocas de carência, serviam como alimento na cozinha dos pobres]”.
·
“E foi aí, sem ajudas nem
conselhos, apenas guiado pela curiosidade e pela vontade de aprender, que o meu
gosto pela leitura se desenvolveu e apurou.”
· “O mais surpreendente era que o plano de estudos da escola, naquele tempo, embora obviamente orientado para formações profissionais técnicas, incluía, além do Francês, uma disciplina de Literatura.”
06 – Releia o trecho a
seguir e responda às questões.
“Fui
bom aluno na escola primária: na segunda classe já escrevia sem erros de
ortografia, e a terceira e quarta classes foram feitas em um só ano. Transitei
depois para o liceu, onde permaneci dois anos, com notas excelentes no
primeiro, bastante menos boas no segundo, mas estimado por colegas e
professores, ao ponto de ser eleito (tinha então 12 anos…) tesoureiro da
associação académica… Entretanto, meus pais haviam chegado à conclusão de que,
por falta de meios, não poderiam continuar a manter-me no liceu. [...]”.
a) Predominam sequências de que tipo?
Narrativas.
b) Qual marcador temporal introduz a passagem do narrador de uma fase escolar a outra?
Depois.
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