Relato de viagem
O
que você vai ler
O trecho do relato de viagem que você
vai ler foi escrito pelo navegador brasileiro Amyr Klink, que já realizou
diversas façanhas, como passar um ano inteiro na Antártida e dar a volta ao
mundo pela rota mais difícil: a circum-navegação em torno do continente antártico.
O texto a seguir faz parte de um livro chamado Cem dias entre céu e mar,
em que Amyr Klink relata uma viagem de travessia do Atlântico Sul. O navegador
percorreu 7 mil quilômetros, da Namíbia (África) à cidade de Salvador (Brasil),
entre 10 de junho e 19 de setembro de 1984. Foi a primeira vez que um homem
cruzou sozinho o Atlântico Sul em um barco a remo de 6 metros de
comprimento.
Durante a travessia, Amyr registrou,
dia após dia, os desafios enfrentados e os pensamentos a respeito do que viu.
Partir
A situação a bordo era desoladora. O
vento ensurdecedor, o mar difícil, roupas encharcadas, muito frio e alguns
estragos. Pela frente, uma eternidade até o Brasil. Para trás, uma costa
inóspita, desolada e perigosamente próxima. Sabia melhor que ninguém avaliar as
dificuldades que eu teria daquele momento em diante. Estava saindo na pior
época do ano, final de outono, e teria pela frente um inverno inteiro no
mar.
[...]
Finalmente, meu caminho dependeria do
meu esforço e dedicação, de decisões minhas e não de terceiros, e eu me sentia
suficientemente capaz de solucionar todos os problemas que surgissem, de
encontrar saídas para os apuros em que porventura me metesse.
Se estava com medo? Mais que a espuma
das ondas, estava branco, completamente branco de medo. Mas, ao me encontrar
afinal só, só e independente, senti uma súbita calma. Era preciso começar a
trabalhar rápido, deixar a África para trás, e era exatamente o que eu estava
fazendo.
[...]
Não estava obstinado de maneira cega
pela ideia da travessia, como poderia parecer - estava simplesmente encantado.
Trabalhei nela com os pés no chão, e, se em algum momento, por razões de
segurança, tivesse que voltar atrás e recomeçar, não teria a menor hesitação.
Confiava por completo no meu projeto e não estava disposto a me lançar em cegas
aventuras. Mas não poder pelo menos tentar teria sido muito triste. Não
pretendia desafiar o Atlântico - a natureza é infinitamente mais forte do que o
homem -, mas sim conhecer seus segredos, de um lado ao outro. Para isso era
preciso conviver com os caprichos do mar e deles saber tirar proveito. E eu
sabia como.
[...]
Acordei no dia seguinte sobressaltado,
dolorido após o esforço feito na véspera. Mal me lembrava de ter deitado para
dormir. Encaixado no fundo da popa, eu não sentia o movimento do barco e só via
o horizonte e as estrelas passando rápido pela janelinha. Mas, ao me levantar
para ir ao trabalho, percebi que o mar piorara bastante durante a noite.
Paciência! Agora era comigo mesmo. Tinha um imenso e desconhecido oceano pela
frente que na verdade me atraía, e para trás, gravada na memória, uma fase
dura, da qual não sentia a mínima saudade.
E comecei a remar. Remar de costas,
olhando para trás, pensando para frente. Eu queria me afastar o mais
rapidamente possível da costa africana. Avançava com dificuldade, devido às
ondas que me molhavam a cada cinco minutos, mas não podia parar. Cada
centímetro longe dessa região era de fundamental importância.
Sopram ali, o ano todo, ventos
implacáveis, que movem as dunas do deserto da Namíbia e carregam a areia fina,
deixando os diamantes à flor da superfície. Diamantes da mais alta qualidade
(gem quality), lavados pelo mar e polidos pela areia, e em tal extensão que sua
exploração é fortemente controlada e delimitada.
É a "zona proibida dos
diamantes", que isola toda a costa até Walvis Bay e onde qualquer
embarcação que se aproxima não tarda a ser apreendida. Nenhum veículo, por
terra, ou ar, que ultrapasse seus limites pode sair dali. Por mar, a mesma
coisa. Por outro lado, qualquer aproximação, ainda que de emergência, é
impraticável, pois não existe em enorme extensão de litoral um único abrigo ou
enseada acessível, ou livre de arrebentação.
Ao mesmo tempo, eu navegava na região
que detém o recorde do maior número de naufrágios junto à costa, em tempo de
paz, até 1945, de todo o continente africano. Não sem razão. Zona de
ressurgência fria, com turbulências térmicas e ondas acima da altura média para
sua latitude, a navegação por essas águas é dificultada por fenômenos anormais
surgidos com as bruscas variações de temperatura.
[...]
De fato, nada colaborava para que eu
achasse normal a paisagem à minha volta. Ondas completamente descontroladas,
águas escuras, tempo encoberto, um barulho ensurdecedor. Por onde andariam as
tranquilas águas azuis do Atlântico de que tanto ouvi falar? Sem dúvida, longe
da África.
[...]
No fim do dia, ao me levantar para
amarrar os remos e jogar a biruta no mar, antes de ir dormir, olhei para o
horizonte e, em vez de mar, como imaginava, o que vi? As dunas do deserto!
Durante a noite, enquanto dormia, o barco derivara de volta e eu me encontrava
novamente junto à costa.
[...]
Naquela mesma noite fui acordado
diversas vezes por ondas que golpeavam o barco com impressionante violência. O
mar parecia ter enlouquecido e não havia mais nada que eu pudesse fazer a não
ser permanecer deitado e rezar. Choques tremendos, um barulho assustador, tudo
escuro; adormeci. E acordei, deitado no teto, quase me afogando em sacolas e
roupas que me vieram à cabeça. Tudo ao contrário: eu havia capotado.
Indescritível sensação. Estaria sonhando ainda?
Não. Alguns segundos, outra onda e tudo
voltava à posição normal em total desordem!
Mal tive tempo de analisar o que se
passou, e o mundo deu novamente uma volta completa, tão rápida que nem cheguei
a sair do lugar. Lembrei-me da blusa verde, que ganhei da Anne Marie, solta
no cockpit, e dos remos - estariam ainda inteiros no seu lugar? Impossível
descobrir naquele momento. Precisava tirar a água primeiro. Não havia tempo
para pensar. Sem que eu parasse um minuto de acionar a alavanca da bomba, o dia
começou a nascer e pude então perceber o tamanho da encrenca.
[...]
Amyr Klink. Cem
dias entre céu e mar. 3. ed. São Paulo:
Companhia das Letras,
1995. p. 21-22 e 47-50.
Glossário
Arrebentação: choque
das ondas ou lugar onde elas se quebram.
Biruta: aparelho
para indicar a direção do vento.
Cockpit: local
destinado aos pilotos de carros de corrida ou em algumas embarcações.
Derivar: desviar
da rota.
Desolador: que
apresenta aparência de isolamento, desamparo e aflição.
Enseada: pequena
baía na costa do mar, que serve de porto a embarcações.
Hesitação: indecisão,
dúvida.
Inóspito: desfavorável
à vida; difícil.
Latitude: distância
de um ponto do globo terrestre em relação à linha do Equador.
Obstinado: inflexível;
que defende uma opinião ou propósito, mesmo quando contrários à razão;
teimoso.
Popa: parte
de trás de uma embarcação.
Ressurgência: movimento
ascendente de águas profundas para a superfície.
Sobressaltado: bastante
agitado; inquieto.
Entendendo o texto:
01 – Com base nas
informações do texto e da seção O que você vai ler, responda.
a) O relato trata de
que viagem?
De uma travessia
do oceano Atlântico (Atlântico Sul).
b) Quem está realizando
a viagem?
Amyr Klink.
c) Quem está relatando
essa viagem?
O próprio Amyr Klink.
d) Qual é o veículo
utilizado na viagem?
Um barco a remo de 6 metros de
comprimento.
e) Como é a região por
onde Amyr Klink passou?
É uma região
perigosa, com ressurgências e turbulências, ondas com altura acima da média e
com variações de temperatura.
02 – O texto que você leu
apresenta duas partes: em uma delas, Amyr Klink fala dos sentimentos dele em
determinado momento da viagem e, em outra, apresenta uma situação de perigo que
enfrentou. Quais os títulos dessas duas partes respectivamente?
A parte do texto
em que o navegador revela medos, apreensões e certezas tem o título “Partir”.
Na outra parte, o título é “Uma foca solitária”, em que Amyr Klink relata o
momento em que o barco fica à deriva e capota.
03 – Releia a primeira parte
do texto. Como Amyr Klink se sentia em relação à viagem a que se lançou?
Embora estivesse
com medo, ele se sentia capaz de solucionar todos os problemas que surgissem,
de encontrar saídas para os apuros em que porventura se metesse, sentia confiança
em seu projeto, mas tinha consciência dos desafios, a serem superados.
04 – Amyr Klink planejou a
viagem antes de realizá-la. Retire do texto um trecho.
“Não estava obstinado de maneira cega
pela ideia da travessia, como poderia parecer – estava simplesmente encantado.
Trabalhei nela com os pés no chão e, se em algum momento, por razões de
segurança, tivesse que voltar atrás e recomeçar, não teria a menor
hesitação.”
05 – Na primeira parte do
texto, Amyr Klink demonstra respeito à natureza. Transcreva a passagem que
mostra a visão do autor sobre seu relacionamento com a natureza.
“Não pretendia desafiar o Atlântico – a
natureza é infinitamente mais forte do que o homem –, mas sim conhecer seus
segredos, de um lado para o outro. Para isso era preciso conviver com os
caprichos do mar e deles saber tirar proveito. E eu sabia como.”
06 – Releia o título da
segunda parte do texto. Que significado ele tem, levando em conta o que foi
relatado por Amyr Klink?
Esse título faz
uma comparação do navegador com um animal marinho e indica que Amyr Klink
estava navegando sozinho, tal como uma foca solitária.
07 – Mesmo sabendo das
dificuldades que enfrentaria na viagem, há situações, na segunda parte do
texto, em que o autor se vê apreensivo e surpreso.
a) De qual região era
fundamental que Amyr Klink se afastasse rapidamente? Por quê?
Da costa
africana, pois nessa região sopram ventos implacáveis o ano todo e porque se
tratava de uma região recorde em naufrágios, de todo o continente africano até
1945.
b) Qual perigo ele
estaria correndo se não se afastasse logo dessa região? Justifique sua
resposta.
A embarcação de
Amyr Klink poderia ser aprendida se ele se aproximasse da “zona proibida dos
diamantes”. Além disso, uma aproximação, mesmo que emergencial, seria
impraticável, pois nessa região não existe um único abrigo ou lugar acessível
para ancorar a embarcação que seja livre de arrebentação.
c) Como Amyr Klink se
sente ao avistar as dunas do deserto da Namíbia?
Ele fica surpreso,
pois não esperava que a embarcação mudasse de rota e ele, em vez de ver o mar,
voltasse a ver a costa.
Após remar
durante um dia inteiro, ele esperava ter alcançado o alto-mar, mas, ao avistar
as dunas, compreendeu que ainda não tinha conseguido se afastar da costa
africana.
e) O que aconteceu com
o barco que deixou o navegador totalmente incapacitado para agir?
Durante uma
noite, o barco foi golpeado por ondas extremamente violentas e capotou. Só
quando o barco voltou a posição normal o navegador pôde tomar as providências
necessárias.
08 – Com base no texto lido,
é possível imaginar as situações que o navegador enfrentou nessa fase da
viagem? Por quê?
Sim, pois o texto
dá muitas informações e descrições que nos possibilitam saber como era o barco
e imaginar as condições climáticas, os principais perigos e quais desafios o
navegador estava enfrentando.
09 – Você acredita que Amyr
Klink teve sucesso em sua travessia? Justifique sua resposta.
Resposta pessoal
do aluno.
10 – Se você fosse realizar
uma viagem como essa de Amyr Klink, o que seria necessário saber?
Espera-se que os
alunos mencionem a necessidade de conhecimentos marítimos e de navegação, fazer
um planejamento da viagem, realizar uma pesquisa sobre a região a ser visitada,
etc.
Mim ajudou bastante muito obgd 😍😍muito maravilhosa está página
ResponderExcluirde nada, obrigado pelo elogio a pagina
ExcluirObg por me ajudar!!ツ
ResponderExcluirde nada obg por acessar nossa pagina
ExcluirObrigada!
ResponderExcluirde nada obrigado pela preferencia
ExcluirObrigado 😍😍
ResponderExcluirObrigado isso me ajudou bastante para atividades
ResponderExcluirvaleu tmj
Excluir😍😙😚😎
ResponderExcluirMuito obrigado
ResponderExcluirde nada
ExcluirPode ser trabalhado com alunos do oitavo ano?
ResponderExcluiracho que sim ne meu amigo
ExcluirObrigada
ResponderExcluirObrigado me ajudou muito
ResponderExcluirObd
ResponderExcluirAmei não preciso perder paciência !!😆🙈🤦♀️
ResponderExcluirpois e
ExcluirObrigado 🤩 e muito bom esse aplicativo
ResponderExcluirESSA PAGINA BRILHA NA PASSARELA🤩🤩
ResponderExcluirMentira
Excluirolha bem interessante,inclusive minha mae conheceu ele em Santa Catarina
ResponderExcluirjoinville ela tinha 11 anos pois a tia dela vendia pescados para ele
e verdade se voce conhece ele pergunte a ele que vai dizer que ja foi para Joinville a maior cidade de Santa Catarina so nao e capital porque nao e litoranea
ExcluirPara de mentir, Joinville nem tem mundial time ruim. Até o Vasco tem
ExcluirAjudou muito mesmo amei essa página
ResponderExcluirGosto muito dessa página e seus idealizadores, pois atendem perfeitamente as demandas aos quais nós professores necessitamos. Parabéns!!!
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