Artigo de Opinião: Cada um é cada um
JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA
Cada um é cada um, diz a sabedoria
popular. E, ouvindo diferentes pessoas contarem o mesmo gol, chega-se à
conclusão de que esta é uma verdade inquestionável, uma lei irrefutável.
Alguns falam rapidamente, outros são
lentos, alguns têm um vocabulário rebuscado, outros inventam gírias, uns
capricham nos erres, outros deslizam nos esses, uns são fanhos, outros são
gagos etc. E cada um conta o gol que viu de um jeito particular, único.
Quereis exemplos que comprovem tal
tese, desconfiado leitor e descrente leitora? Pois dar-vos-ei. Tomemos então,
para fins de comprovação, o segundo gol do Paysandu contra o Palmeiras:
O
narrador objetivo falaria: "Aos 23 min do segundo tempo, Luís Fernando
cruzou para Trindade, que cabeceou a bola e fez 2 a 1".
O
econômico diria: "Luís. Cruzamento. Trindade. Cabeça. Bola. Redes. Gol".
O
interrogativo: "E não é que o Paysandu ganhou, mesmo depois de estar
perdendo? Quando aconteceu a virada? No meio do segundo tempo, você acredita?
Quem fez o cruzamento? O Luís Fernando. Para quem? Para o Trindade, sabe aquele
que entrou no fim do primeiro tempo? E o que o Trindade fez? Cabeceou para o
gol. Assim o Paysandu está na final contra o Cruzeiro e a dois jogos de
disputar a Libertadores da América, não é demais?".
O
antiquado: "Já nos estertores da árdua pugna, o hábil Luís Fernando
cobrou uma penalidade na intermediária e alçou magistralmente a esfera
prateada, pondo-a na calva cabeça do rompedor Trindade, que subiu mais alto que
os desesperados contrários, tocando-a fulminante contra os macios cordéis da
meta inimiga".
O
matemático: "Aos 23min e 12s do tempo segundo, o atleta de número 6
fez um cruzamento parabólico a cinco passos da linha lateral, pondo o círculo
na cabeça do atleta de camisa 16, sendo que este solucionou o problema
desviando a esfera a 45 de sua posição referencial, fazendo-a alojar-se no
canto baixo do delta, a 12 centímetros da mão esquerda do palmeirense de camisa
número 1.
O
rabugento: "Depois de várias tentativas fracassadas, o Luís Fernando
finalmente acertou um cruzamento, fazendo a bola, sabe Deus como, chegar à
cabeça do Trindade, que, enfim, estava onde devia estar. Contando com a ajuda
zagueiros palmeirenses, uns cabeças-de-bagre, ele subiu e desviou a bola sem
muita força, mas o goleiro, mal colocado, não conseguiu defender".
O
helênico: "Já no ômega da partida, com a esperteza e a malícia de um
sátiro, Luís Fernando fez um cruzamento para o epicurista atacante Trindade,
que cabeceou com a fúria de Hércules, vazando a meta defendida pelo goleiro,
cujo esforço foi mais infrutífero que o de Sísifo e mais vão que o das
danaides. Indiferente a tudo, o arconte validou o feito, correndo para o
círculo central da ágora".
O
anglicista: "O Louis levantou a bola para o Threendade, que, com seu
feeling, se antecipou aos backs e cabeceou no córner do goalkeeper. Crazy,
baby!".
O
caipira: "Uê, gente, ses não viram, não? Foi assim, ó: O Luís Fernando
deu uma bicanca, e a bola foi parar no meio do fuzuê, onde tava o Trindade. Aí
o danado triscou de cabeça, assim meio de banda, e a bola foi parar lá dentro
da rede. Nem que o goleiro fosse passarinho, ele pegava não".
Ou seja, cada um é cada um, e cada gol
é muitos.
Folha de São
Paulo. “Esporte”, 30/07/2002. d. 3.
Entendendo o texto:
01 – O título “Cada um é
cada um” faz parte, como diz Torero, da sabedoria popular. E é bem coloquial,
não é mesmo? Você o considera adequado ao texto? Como defenderia sua opinião?
Resposta pessoal
do aluno. Sugestão: Mas a expectativa é de que a resposta seja sim, pois o
título traduz um dito popular que combina com o texto de humor, cujo assunto está
ligado a um espore também popular. Além disso, o texto tem como suporte o
jornal e aparece em uma seção destinada a opinião do colunista.
02 – Crie um outro título
para o mesmo texto, em que apareça a palavra estilo e que mantenha o sentido
dado pelo colunista.
Respostas
possíveis: - Cada um tem seu estilo.
- Cada
gooool, um estilo.
03 – Na sua opinião, qual
dos narradores envolve mais o ouvinte ao narrar o gol? Por quê?
Resposta
possível: O interrogativo, porque o narrador dá a impressão de conversar com o
ouvinte ao emitir opinião ou perguntar e responder.
04 – No segundo parágrafo,
Torero apresenta “estilos” de fala. E você, como classificaria seu “estilo” de
fala? Você está satisfeito com ele ou gostaria que fosse diferente? Por quê?
Resposta pessoal
do aluno.
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