segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

TEXTO: DECLARAÇÃO DE AMOR -(VOLUNTÁRIO) FREI BETTO - COM GABARITO

TEXTO:  DECLARAÇÃO DE AMOR
                  Frei Betto


 Visto a camisa do Ano Internacional do Voluntariado, promovido pela ONU, e faço do meu tempo livre laço e abraço que nos une aos desfavorecidos. Espelho-me em meu próximo. Faço de sua dor o meu ardor, de seu sofrer o meu dever, de seu desamparo o ponto em que paro, ouço e destrilho-me do comodismo para ir ao seu encontro.

       Abro as janelas do espírito e espano a poeira da dessolidariedade. Arranco os olhos da TV, o traseiro do sofá, a indolência da ociosidade e recolho a língua de inconfidentes mesquinharias. Vou até lá, onde a carência é expectativa de mão amiga: a creche da periferia, o hospital de indigentes, o asilo de memórias esquecidas, as instituições do terceiro setor comprometidas com o pão de cada dia da verdadeira democracia: a cidadania.
     Não faço o trabalho do poder público, nem o isento da obrigação de resgatar, o quanto antes, a dívida social. Não me disponho a ser mão de obra gratuita de entidades que sonegam o direito ao trabalho com o recibo adulterado da boa vontade alheia.
       Ser voluntário é somar esforços, entrar pela porta da compaixão e repartir o que nenhum mercado oferece ou provê: carinho, apoio, talento, cumplicidade, de modo a dar a vez a quem foi emudecido pela opressão, e voz a quem foi excluído pela injustiça.
      O voluntariado resgata a minha autoestima, redesenha minha face humana, desdobra as fibras endurecidas de minha abissal preguiça, insere-me na dinâmica social, faz-me próximo dessas multidões premiadas injustamente pela loteria biológica por nascerem empobrecidas. Eu poderia ser um deles. Meu bem-estar, mais que privilégio, é (b)ônus.
      Sou voluntário porque sou solidário, presente no universo das aflições, na esfera alucinada dos dependentes químicos, na saudável reinvenção do esporte junto àqueles que estão próximos a ser derrotados pelo jogo do crime.
      Mobilizo coletas de alimentos para quem sabe que “a fome é ontem”, como exclamou Gabriela Mistral, e trabalho em favor da conquista de direitos, para quem padece desmandos estruturais e políticos.
      Apoio empresas cientes de sua responsabilidade social. Busco torná-las elos da vasta corrente ética que já não faz da obsessão do lucro sua única razão de ser, pois centram o ser humano em seus empreendimentos ecológicos, liberam funcionários para atividades voluntárias, sem reduzir-lhes salários ou cobrar-lhes reposição de horas. São empresas prestadoras do único serviço que não tem preço: o gesto samaritano.
      Não faço “caridade”, nem dou esmolas. Longe de mim o assistencialismo que aplaca os descasos políticos como quem aplica pomadas.
      Voluntário, sou multidão. Solidário, sou mutirão. Somando com todos aqueles que têm fome e sede de justiça.
      Inebriado pela utopia bíblica do paraíso, recuso-me a acatar qualquer uma das fraturas que negam à família humana o direito à fraternura. Dou as mãos a quem acredita que a felicidade é o artigo único da Declaração Universal dos Direitos Humanos.  

                                            Frei Betto. O Estado de S. Paulo, 15/10/1997.


ENTENDENDO O TEXTO:

01 – O texto tem como título Declaração de amor. Sabendo que declarar significa dar a conhecer, manifestar, anunciar, comunicar, responda.
a) O que o autor dá a conhecer ou anuncia nesse texto?
      Como ser voluntário.

02 – O autor assume de modo consistente a sua posição de comprometimento com os menos favorecidos. Assinale a alternativa que confirme a posição do autor.
a) ( x ) “Visto a camisa do Ano Internacional do Voluntariado, promovido pela ONU, e faço do meu tempo livre laço e abraço que nos une aos desfavorecidos.”
b) (  ) “Arranco os olhos da TV, o traseiro do sofá, a indolência da ociosidade e recolho a língua de inconfidentes mesquinharias.”
c) (  ) “Apoio empresas cientes de sua responsabilidade social”.

03 – A posição do autor vai se revelando pela explicitação do que significa “vestir a camisa”. Releia os dois primeiros parágrafos e explique o que significa essa ideia, segundo o autor.
      Segundo o autor, "vestir a camisa " é comprometimento com o voluntariado, e não fazer o trabalho do poder público ou ser mão de obra gratuita de entidades que sonegam o direito ao trabalho com o recibo adulterado da boa vontade alheia.

04 – O autor apresenta aos leitores sua escala de valores pessoais, ao expressar os motivos que o fazem engajar-se no movimento voluntário.
a) Quais são esses motivos?
      Unir aos desfavorecidos, somar esforços, dar carinho, apoio, cumplicidade, de modo a dar a vez a quem foi emudecido pela opressão, e voz a quem foi excluído pela injustiça.

b) Além do que o voluntariado pode proporcionar aos menos favorecidos, na sua opinião, que outros ganhos pessoais poderiam ser acrescentados?
      Resposta pessoal.

05 – De acordo com o autor, ser voluntário é ser solidário e participar ativamente com ações concretas.
a) Entre as diversas ações que realiza, o autor cita o apoio a determinadas empresas. Em que essas empresas se destacam?
      Empresas ciente se sua responsabilidade social, prestadoras de um único serviço que não tem preço: o gesto samaritano.

b) Na sua opinião, qual estratégia desperta mais o interesse das pessoas pelo voluntariado: abordar as consequências da falta de ação solidária ou citar exemplos de ações bem-sucedidas?
      Resposta pessoal.




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