quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

ARTIGO DE OPINIÃO: UM AMOR, UMA CABANA - ANA MIRANDA - COM GABARITO

ARTIGO DE OPINIÃO: UM AMOR, UMA CABANA
                                         Ana Miranda


     Nossos pais diziam que para nos tornarmos seres completos era preciso escrever um livro, plantar uma árvore e ter um filho. Meu pai, que era engenheiro, acrescentava: construir uma casa. Escrevi livros, até demais, tenho um filho e plantei uma árvore, no jardim da casa onde cresci, uma muda de pau-rosa, ou flor-do-paraíso, que havia sido esquecida ao lado de uma cova estreita e funda, uma muda frágil, com poucas folhas, mais alta do que a menininha que a salvou. A muda cresceu, transformou-se em um majestoso flamboyant, coberto de flores vermelhas.

       Mas nunca construí uma casa. Sonho com isso. Gostaria de construir uma casa de taipa, com as próprias mãos, amassar o barro, atirar o barro nos enxaiméis e fasquias de madeira. Não se trata de uma idiossincrasia, nem de um gesto poético, muito menos uma visão religiosa. A taipa é um material apaixonante. Tem uma nobreza histórica. As reforçadas casas e igrejas coloniais brasileiras foram feitas de taipa de pilão, há ainda hoje na Alemanha casas em taipa construídas no século 13, a própria muralha da China, símbolo de solidez, é taipa. A taipa tem mais de 9.000 anos, serviu a construções no Egito, na Mesopotâmia.
       Um amigo meu, arquiteto, projetou e construiu belíssimas casas de taipa. Ele se chama Cydno Silveira e o conheci em Brasília, poucos anos depois de plantar meu flamboyant. Cydno estudava na UnB quando, observando residências rurais, surpreendeu-se com a quantidade de casas de taipa, feitas de maneira intuitiva, quase como abelhas fazem suas colmeias. Nunca tinha ouvido falar naquilo em seu curso, e percebeu o quanto era elitista o ensino de arquitetura. Fotografou as casas de taipa todas que encontrava. Ele se formou, passou a trabalhar com as técnicas industriais, como concreto armado, mas nunca esqueceu a taipa. Deu-se conta de que não sabia construir da maneira mais rudimentar e resolveu aprender. Estudou durante anos a técnica. Descobriu taipas diversas, como a de pedra, usada no Piauí, a de madeira com bolas de barro, vista no Maranhão, a taipa de carnaúba, a taipa mista de moldura de tijolos, a taipa feita com sobras de madeira e sucata. Descobriu a maleabilidade incrível do barro, novas estruturas, novos dimensionamentos do espaço e imensas possibilidades de melhoria na técnica tradicional. Estudou a combinação com elementos da cultura industrial, mas sem descaracterizar a antiga construção de estuque.
        A casa de taipa nasce do chão, vem da natureza, é construída com o material que está ali, a terra e as árvores e tem uma grande contribuição a dar a um país que não oferece moradia para todos, como o Brasil. O projeto de casas populares, que Cydno afinal desenvolveu, ensina o homem a construir sua própria casa e a cuidar dela. Tem o sentido de manter viva a sabedoria popular da taipa. Está sendo feita uma experiência na cidade de Bayeux. Paraíba, para treinamento de pessoas no projeto, construção, melhoria e restauração de edificações em taipa de pau a pique. Não recebendo a casa pronta, mas construindo-a, o dono toma por ela mais amor. Se for privado de sua terra, ele saberá construir uma nova habitação. O saber lhe pode servir como meio de vida, e a profissão tem um nome: taipeiro.
      A casa de taipa é uma grande alternativa para a habitação no meio rural e nas periferias urbanas. Típica das populações mais pobres, é uma forma de independência, uma estratégia milenar de abrigo, preservada nos sertões brasileiros especialmente pelas mulheres. O sistema de autoconstrução elimina a aquisição de material, o transporte, o crédito, elimina o BNH e o processo industrial de construção, permite o mutirão e, principalmente, educa. É rápida a construção, usa-se mão de obra não qualificada, e é um instrumento para a posse imediata da terra. Permite uma construção tanto de caráter provisório quanto perene e a técnica pode ser levada a lugares onde não chega o material industrializado. Uma simples caiação evita a umidade e basta fechar as frestas onde o barbeiro gosta de fazer seu ninho. Integra a família, as mulheres e as crianças trabalham na construção e integra o grupo na sociedade quando em regime de mutirão. Apesar de tudo isso é completamente ignorada pelos meios administrativos, considerada subabitação, não há nem mesmo linha de crédito nos órgãos do governo para casa de taipa. Marcos Freire, antes de morrer, estava tratando de corrigir esse lapso. Nas esferas “civilizadas” há dificuldade em compreender a taipa. Não há legislação nem a favor nem contra. Quando da construção de Carajás, Cydno realizou um projeto de moradias em taipa de pau a pique para os empregados, utilizando o fartíssimo material do lugar. Seu projeto não foi aceito e os tijolos, o cimento e o ferro viajaram de avião até Carajás.
     Na taipa não há desperdício de material e nem agressão ecológica, a madeira usada nas estruturas é em quantidade cinco vezes menor do que a necessária na queima de tijolos para uma parede das mesmas dimensões [..].
     O Cydno vai projetar a minha casa de taipa. Vou querer na casa uma lareira, um fogão a lenha e uma vassoura daquelas de gravetos, Uma árvore frondosa por perto, pode ser flamboyant, um gramado na sombra para piquenique, contemplação ou leitura. Também dizia meu pai, nas coisas mais simples está o sentido da vida.
                                                                   Ana Miranda

 ENTENDENDO O TEXTO:

      No texto, a autora aborda uma questão social: a falta de moradia de uma grande parcela da população brasileira. E, diante dessa questão, defende um ponto de vista.
      O que ela defende como solução dos problemas de habitação para a área rural e a periferia urbana?

01 – Identifique o principal argumento que comprova este ponto de vista.
a) (  ) “A taipa é um material apaixonante. Tem uma nobreza histórica”.
b) (X)“A casa de taipa nasce do chão, vem da natureza, é construída com o material que está ali, a terra e as árvores[...]”
c) (  )A taipa tem mais de 9.000 anos, serviu a construções no Egito, na Mesopotâmia.”

02 – Marque com (x) a alternativa que traduz o que predomina no texto
a) (X)Uma análise crítica das escolhas de material para a construção de casas populares.
b) (  )Uma visão poética e expressiva em relação às casas de taipa.
c) (  )Lembranças e sentimentos da autora.
d) (  )Levante hipóteses.

03 – Por que a taipa, um material resistente ao tempo, maleável, de baixo custo e que tem baixo consumo de recursos naturais, não é utilizada nas construções de casas populares e em geral?
      Porque é completamente ignorada pelos meios administrativos, considerada subsbitaçao não há nem mesmo linha de crédito nos órgãos do governo para esta casa. Não há legislação nem a favor e nem contra.

04 – Que vantagens há em se ensinar a população a construir suas próprias casas?
      É rápida a construção, usa-se mão de obra não qualificada, e é um instrumento para a posse imediata. Integra a família, as mulheres e as crianças trabalham na construção e integra o grupo na sociedade quando em regime de mutirão.

05 – Segundo a autora, “Nas esferas ´civilizadas´ há dificuldade em compreender a taipa”. O uso das aspas na palavra civilizadas dá um tom de ironia, ou seja, sugere uma ideia exatamente contrária. Qual é essa ideia?
      Da a ideia de um tempo bem antigo, com relação ao dia de hoje.

06 – A autora cita que seu pai costumava dizer que “para nos tornarmos seres completos era preciso escrever um livro, plantar uma árvore e ter um filho” e “construir uma casa”. Que princípios ou valores são destacados a partir dessas ações?
      Essa frase tem um significado muito profundo, que nos leva à nossa origem, nos religando à energia divina e nos ensinando um caminho de volta ao nosso Pai.
      A árvore está relacionada a criação do mundo e que cada um de nós tem que plantar a sua semente espiritual.
      Ter um filho - nada mais é do que compartilhar o seu conhecimento. É ter um discípulo.
      Escrever um livro - significa fazer da sua história um exemplo de superação. 



Nenhum comentário:

Postar um comentário