ARTIGO DE OPINIÃO: UM AMOR, UMA CABANA
Ana Miranda
Nossos pais diziam que para nos tornarmos seres
completos era preciso escrever um livro, plantar uma árvore e ter um filho. Meu
pai, que era engenheiro, acrescentava: construir uma casa. Escrevi livros, até
demais, tenho um filho e plantei uma árvore, no jardim da casa onde cresci, uma
muda de pau-rosa, ou flor-do-paraíso, que havia sido esquecida ao lado de uma
cova estreita e funda, uma muda frágil, com poucas folhas, mais alta do que a
menininha que a salvou. A muda cresceu, transformou-se em um majestoso
flamboyant, coberto de flores vermelhas.
Mas nunca construí uma casa. Sonho com isso.
Gostaria de construir uma casa de taipa, com as próprias mãos, amassar o barro,
atirar o barro nos enxaiméis e fasquias de madeira. Não se trata de uma
idiossincrasia, nem de um gesto poético, muito menos uma visão religiosa. A
taipa é um material apaixonante. Tem uma nobreza histórica. As reforçadas casas
e igrejas coloniais brasileiras foram feitas de taipa de pilão, há ainda hoje
na Alemanha casas em taipa construídas no século 13, a própria muralha da
China, símbolo de solidez, é taipa. A taipa tem mais de 9.000 anos, serviu a
construções no Egito, na Mesopotâmia.
Um amigo meu, arquiteto, projetou e construiu
belíssimas casas de taipa. Ele se chama Cydno Silveira e o conheci em Brasília,
poucos anos depois de plantar meu flamboyant. Cydno estudava na UnB quando,
observando residências rurais, surpreendeu-se com a quantidade de casas de
taipa, feitas de maneira intuitiva, quase como abelhas fazem suas colmeias.
Nunca tinha ouvido falar naquilo em seu curso, e percebeu o quanto era elitista
o ensino de arquitetura. Fotografou as casas de taipa todas que encontrava. Ele
se formou, passou a trabalhar com as técnicas industriais, como concreto
armado, mas nunca esqueceu a taipa. Deu-se conta de que não sabia construir da
maneira mais rudimentar e resolveu aprender. Estudou durante anos a técnica.
Descobriu taipas diversas, como a de pedra, usada no Piauí, a de madeira com
bolas de barro, vista no Maranhão, a taipa de carnaúba, a taipa mista de
moldura de tijolos, a taipa feita com sobras de madeira e sucata. Descobriu a
maleabilidade incrível do barro, novas estruturas, novos dimensionamentos do
espaço e imensas possibilidades de melhoria na técnica tradicional. Estudou a
combinação com elementos da cultura industrial, mas sem descaracterizar a
antiga construção de estuque.
A casa de taipa nasce do chão, vem da
natureza, é construída com o material que está ali, a terra e as árvores e tem
uma grande contribuição a dar a um país que não oferece moradia para todos,
como o Brasil. O projeto de casas populares, que Cydno afinal desenvolveu, ensina
o homem a construir sua própria casa e a cuidar dela. Tem o sentido de manter
viva a sabedoria popular da taipa. Está sendo feita uma experiência na cidade
de Bayeux. Paraíba, para treinamento de pessoas no projeto, construção,
melhoria e restauração de edificações em taipa de pau a pique. Não recebendo a
casa pronta, mas construindo-a, o dono toma por ela mais amor. Se for privado
de sua terra, ele saberá construir uma nova habitação. O saber lhe pode servir
como meio de vida, e a profissão tem um nome: taipeiro.
A casa de taipa é uma grande alternativa para a
habitação no meio rural e nas periferias urbanas. Típica das populações mais
pobres, é uma forma de independência, uma estratégia milenar de abrigo,
preservada nos sertões brasileiros especialmente pelas mulheres. O sistema de
autoconstrução elimina a aquisição de material, o transporte, o crédito,
elimina o BNH e o processo industrial de construção, permite o mutirão e,
principalmente, educa. É rápida a construção, usa-se mão de obra não qualificada,
e é um instrumento para a posse imediata da terra. Permite uma construção tanto
de caráter provisório quanto perene e a técnica pode ser levada a lugares onde
não chega o material industrializado. Uma simples caiação evita a umidade e
basta fechar as frestas onde o barbeiro gosta de fazer seu ninho. Integra a
família, as mulheres e as crianças trabalham na construção e integra o grupo na
sociedade quando em regime de mutirão. Apesar de tudo isso é completamente
ignorada pelos meios administrativos, considerada subabitação, não há nem mesmo
linha de crédito nos órgãos do governo para casa de taipa. Marcos Freire, antes
de morrer, estava tratando de corrigir esse lapso. Nas esferas “civilizadas” há
dificuldade em compreender a taipa. Não há legislação nem a favor nem contra.
Quando da construção de Carajás, Cydno realizou um projeto de moradias em taipa
de pau a pique para os empregados, utilizando o fartíssimo material do lugar.
Seu projeto não foi aceito e os tijolos, o cimento e o ferro viajaram de avião
até Carajás.
Na taipa não há desperdício de material e nem
agressão ecológica, a madeira usada nas estruturas é em quantidade cinco vezes
menor do que a necessária na queima de tijolos para uma parede das mesmas
dimensões [..].
O Cydno vai projetar a minha casa de taipa. Vou
querer na casa uma lareira, um fogão a lenha e uma vassoura daquelas de
gravetos, Uma árvore frondosa por perto, pode ser flamboyant, um gramado na
sombra para piquenique, contemplação ou leitura. Também dizia meu pai, nas
coisas mais simples está o sentido da vida.
Ana Miranda
ENTENDENDO O TEXTO:
No texto, a autora aborda
uma questão social: a falta de moradia de uma grande parcela da população
brasileira. E, diante dessa questão, defende um ponto de vista.
O que ela defende como
solução dos problemas de habitação para a área rural e a periferia urbana?
01 – Identifique o principal argumento que comprova este ponto de vista.
a) ( ) “A taipa é um material apaixonante. Tem uma nobreza
histórica”.
b)
(X)“A casa de taipa nasce do chão, vem da natureza, é construída com o material
que está ali, a terra e as árvores[...]”
c) ( )A taipa tem mais de 9.000 anos, serviu a construções no
Egito, na Mesopotâmia.”
02 – Marque com (x) a alternativa que traduz o que predomina no texto
a)
(X)Uma análise crítica das escolhas de material para a construção de casas
populares.
b) ( )Uma visão poética e expressiva em relação às casas de
taipa.
c) ( )Lembranças e sentimentos da autora.
d) ( )Levante hipóteses.
03 – Por que a taipa, um material resistente ao tempo, maleável, de
baixo custo e que tem baixo consumo de recursos naturais, não é utilizada nas
construções de casas populares e em geral?
Porque é completamente ignorada pelos
meios administrativos, considerada subsbitaçao não há nem mesmo linha de
crédito nos órgãos do governo para esta casa. Não há legislação nem a favor e
nem contra.
04 – Que vantagens há em se ensinar a população a construir suas
próprias casas?
É rápida a construção, usa-se mão de obra
não qualificada, e é um instrumento para a posse imediata. Integra a família,
as mulheres e as crianças trabalham na construção e integra o grupo na
sociedade quando em regime de mutirão.
05 – Segundo a autora, “Nas esferas ´civilizadas´ há dificuldade em
compreender a taipa”. O uso das aspas na palavra civilizadas dá um tom de
ironia, ou seja, sugere uma ideia exatamente contrária. Qual é essa ideia?
Da a ideia de um tempo
bem antigo, com relação ao dia de hoje.
06 – A autora cita que seu pai costumava dizer que “para nos tornarmos
seres completos era preciso escrever um livro, plantar uma árvore e ter um
filho” e “construir uma casa”. Que princípios ou valores são destacados a
partir dessas ações?
Essa frase tem um significado muito
profundo, que nos leva à nossa origem, nos religando à energia divina e nos
ensinando um caminho de volta ao nosso Pai.
A árvore está relacionada a criação do
mundo e que cada um de nós tem que plantar a sua semente espiritual.
Ter um filho - nada mais é do que
compartilhar o seu conhecimento. É ter um discípulo.
Escrever um livro - significa fazer da
sua história um exemplo de superação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário