À Mesma
Texto
I
Neste soneto, Bocage fala sobre os
prazeres vividos pelos amantes em um cenário acolhedor.
Se é
doce no recente, ameno Estio
Ver
toucar-se a manhã de etéreas flores,
E,
lambendo-se as areias, e os verdores,
Mole
e queixoso deslizar-se o rio:
Se é
doce no inocente desafio
Ouvirem-se
os voláteis amadores,
Seus
versos modulando, e seus ardores
Dentre
os aromas do pomar sombrio:
Se é
doce mares, céus ver anilados
Pela
quadra gentil, de Amor querida,
Que
esperta os corações, floreia os prados:
Mais
doce é ver-te de meus ais vencida,
Dar-me
em teus brandos olhos desmaiados
Morte,
morte de amor, melhor que a vida.
Bocage, Manuel Maria Barbosa
du. Obras de Bocarge.
Porto: Lello &
Irmão Editores, 1968. p. 423.
Texto
II: Doçura de, no estio recente
Manuel Bandeira reelabora, neste poema,
o soneto de Bocage.
Doçura
de, no estio recente,
Ver
a manhã toucar-se de flores
E o
rio mole queixoso
Deslizar,
lambendo areias e verduras;
Doçura
de ouvir as aves
Em
desafio de amores
Cantos,
risadas
Na
ramagem do pomar sombrio.
Doçura
de ver mar e céus
Anilados
pela quadra gentil
Que
floreia as campinas
Que
alegra os corações.
Doçura
muito maior
De
te ver
Vencida
pelos meus ais
Me
dar nos teus brandos olhos desmaiados
Morte,
morte de amor, muito melhor do que a vida,
Puxa!
Bandeira,
Manoel. Poesia completa e prosa.
Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1985. p. 78.
Interpretação
do texto:
1 –
O que há de comum entre os dois poemas?
Os dois poemas dizem
essencialmente o mesmo, tanto que podemos reconhecer no poema de Bandeira quase
todos os versos presentes no soneto de Bocage.
2 – Em
termos formais, em que eles se diferenciam?
O poema de Bocage é um
soneto composto por versos decassílabos que apresentam rimas interpoladas (ABBA
ABBA CDC CDC). Manuel Bandeira abandona a forma fixa utilizada por Bocage
(soneto); ele não faz uso de uma métrica regular nem de rimas.
3 –
As três primeiras estrofes do soneto de Bocage introduzem um raciocínio baseado
em hipóteses. A conclusão desse raciocínio é apresentada na última estofe do
soneto.
a) Que
raciocínio é esse?
As hipóteses propostas nas três estrofes dizem
respeito às alegrias e prazeres provocados pela possibilidade de alguém
usufruir os dons da natureza.
Na primeira estrofe, o eu lírico destaca o
prazer de ver uma manhã de verão se enfeitar de flores e acompanhar a trajetória
do rio, que banha as areias e os prados.
Na segunda estrofe, a alegria de desfrutar o
canto dos pássaros em um pomar.
Na terceira estrofe, o eu lírico fala da doçura
de ver os mares e céus azulados pela primavera, que traz alegria para os
corações e enche os prados de flores.
b) Qual
a conclusão a que chega o eu lírico?
O eu lírico conclui que o prazer associado à
natureza é menor do que aquele oferecido pelos braços da amada.
4 –
A linguagem é um elemento fundamental da releitura que Bandeira faz do soneto
de Bocage. Por quê?
Bandeira elimina as
inversões sintáticas e usa sinônimos para alguns dos termos utilizados por
Bocage. Ao fazer isso, produz quase uma “tradução” moderna do poema de Bocage.
5 –
O poema de Bandeira apresenta palavras organizadas de forma diferente. O que
essa disposição sugere ao leitor?
Na primeira estrofe, os
adjetivos mole e queixoso foram separados em dois versos
independentes, que sugerem o caminho da água do rio, que desliza “lambendo
areias e verduras”.
Na segunda estrofe, a
sobreposição dos substantivos amores, cantos e risadas em
versos diferentes pode ilustrar o efeito dos cantos dos pássaros, que se
confundem na alegria do pomar, ou também criar uma imagem gráfica que lembra a
presença dos pássaros, nos galhos das árvores, enquanto cantam.
6 –
Considere, agora, as diferenças identificadas.
a) Com
base nelas é possível afirmar que o segundo poema é mais moderno do que o
primeiro? Explique.
Sim. O fato de não ser um poema com forma fixa,
de haver uma disposição diferente das palavras, de haver uma estrutura
sintática mais direta, tudo isso caracteriza um estilo mais despojado, que soa
mais atual.
b) A
interjeição, puxa! presente no final do poema de Bandeira, ajuda a caracterizar
um olhar mais atual para o tema do amor? Por quê?
Sim. A interjeição puxa! traduz uma certa
irreverência e ironia sobre tantas maravilhas associadas ao tema do amor no
poema de Bocage. Esse é um cenário positivo demais para ser apresentado por um
poeta do século XX.
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