Texto: DE COSTAS PARA O ANO-NOVO
Resignado, como se o mau tempo fosse o
único tempo possível, recolhi o que restava da buja e deixei apenas a velinha
de tempestade solteira. Talvez viúva. Disparou então de uma vez a fúria do
Southern Ocean. Foram-se a graça e o resto de bom humor. Foram-se as últimas
gotas de paciência para tentar entender o que se passava. Caos completo. Uma
desordem contínua de água e espuma. O mar estava desmoronando ao redor. A
escota da velinha, único motor puxando o Paratii a uma velocidade completamente
ilegal, encostou, sem que notasse, numa roldana da vela grande, puiu e ameaçava
estourar. Se um pedaço de pano se soltasse ou se o cabo se partisse, decolaríamos
para um desastre espetacular.
Criei coragem, cortei um pedaço de cabo,
saí e, arrastando-me como um polvo até a ponta da retranca, fiz uma escota de
reserva rezando para não ser arrancado dali por uma onda. Que falta faziam os
outros quatro membros... O cabo de dezesseis milímetros voava no vento como um
fiozinho de lã. Fazer as voltas e os nós pendurado sobre a espuma não foi nem
um pouco divertido. Em vez de falar em voz alta, eu gritava. Gritava para mim
mesmo o que deveria fazer, que o nó não estava firme. Gritava para ouvir minha
própria voz no meio daquela turbina eólica infernal, que não parava. Gritava
para não parar de fazer força, para não desistir dos nós que era preciso dar.
Voltei para dentro, miraculosamente
pouco ensopado. Com uma toalha preta e felpuda me enxuguei de roupa e tudo:
casaco, macacão, botas. Minutos depois, uma cachoeira lateral vinda do norte
bateu na popa, no meio de uma descida de onde de oeste. O Paratii atravessou. A
cozinha subia e a mesa de navegação foi para baixo. De toalha em punho,
escorreguei até bater na parede oposta. Do lado de fora, a retranca, onde eu me
encontrava minutos antes, mergulhou inteira na onda, com a vela panejando
desesperadamente, até que o piloto retomasse o rumo. “Muito tempo, muito
tempo”, gritei. Desliguei o piloto e assumi o leme interno. Meu Deus, pior
ainda, o barco endireitou, mas eu não conseguia manter o rumo certo por falta
de referência. Olhando para a frente, não havia meio de saber por quais ondas
estava descendo, as de norte ou as de oeste. Comandar pela bússola também não
resolvia o problema. Virei de costas para a proa e, olhando para as ondas,
segurando o leme por trás, descobri um jeito de pilotar ao contrário, apenas
controlando as paredes de água e a birutinha de vento da targa traseira.
Surfando de costas! Quem diria! Não era exatamente o modo como planejei virar o
ano e começar vida nova. As deliberações de ano-novo se resumiram a uma só:
escapar vivo.
KLINK, Amyr. Mar sem fim:
360° ao redor da Antártica.
São Paulo: Companhia
das Letras, 2000. p. 102-103.
Texto
de viagem
Eu estava apreensiva, sem notícias do
Amyr desde o dia 27. Não ter ouvido sua voz na virada de ano foi motivo de
muita preocupação. Procurava um quase impossível acesso à internet em Paraty
quando, depois de uma semana de silêncio, o telefone tocou. Era o Amyr (UFA!).
Fui ficando cada vez mais impressionada conforme ele ia descrevendo a situação
que enfrentou no mar na passagem de ano:
"Foi impressionante. Os ventos
chegavam a 120 quilômetros horários e as ondas de vinte metros vinham de todos
os lados, me obrigando a ficar de plantão no convés por cinquenta horas.
Ventava tanto que o mar estava branco(...)."
"(...) Estou exausto, com dores
por todo o corpo. Mal consigo me mexer. O vento estava forte demais e as ondas
deram muito trabalho. O leme de vento segura o barco quase em qualquer
situação, mas dessa vez ficou de folga.
Não deu para usar o leme de vento nem o
piloto automático. Foi impressionante(...)."
(...)
No momento o Amyr acaba de reparar os
danos decorrentes da tempestade que o "abraçou" no sul da Austrália.
Aproveita a calmaria e o tempo bom para amarrar as velas e para "secar
suas meias".
Marina
Bandeira Klink. Textos da viagem. In: KLINK, Amyr, op. cit. p. 234-235.
Entendendo o texto:
01 – Logo no início de seu
relato, Amyr klink afirma que estava” resignado, como se o mau tempo fosse o
único tempo possível” O que ele quis dizer com essa afirmação?
Se o mau tempo
parecia ser o único possível, ele não teria escolha e, portanto, o melhor a
fazer, para tentar sofrer menos, seria conformar-se: não ficar pensando em como
seria a navegação se o tempo estivesse bom.
02 – Escreva duas das ações
realizadas para vencer a tempestade.
Possibilidades:
Cortar um cabo e fazer uma escota de reserva para amarrar a vela; dar nós na
corda pendurado sobre a espuma do mar; arrastar-se feito um polvo para chegar
ao outro lado do barco; falar/gritar para si mesmo o que deveria fazer.
03 – No segundo parágrafo do
relato, Amyr escreve; “Que falta faziam os outros quatros membros”. O que ele
quis dizer com isso?
O autor conta que
se arrastou como um polvo até a retranca, só que ele não tinha oito membros,
como o molusco, e isso lhe fazia falta naquela hora em que precisava fazer
muitas voltas e nós, segurar-se, etc.
04 – Depois de ter
conseguido vencer o desafio de dar os nós e segurar a vela do barco em meio a
uma tempestade, o navegador teve de enfrentar problemas que aconteciam dentro
do barco. Escreva com suas palavras o que estava acontecendo.
Possibilidades:
Entrada de água no barco, a turbulência do mar fazendo o barco adernar, o
desequilíbrio do velejador e sua queda ao chão.
05 – Amyr relata assim um
problema depois de ter conseguido o controle interno do barco assim:
“O
barco endireitou, mas eu não consegui manter o rumo certo por falta de
referência”.
O que ele quis dizer com “falta
de referência”?
Que estava sem direção, sem saber para que lado conduzir o
veleiro.
06 – O que Amyr quis dizer
com a exclamação “Surfando de costas! Quem diria!”?
Surfar de costas
era algo que ele nunca imaginara fazer.
07 – Depois de falar com o
marido por telefone, a esposa de Amyr relata:
“No momento o Amyr acaba de reparar os
danos decorrentes da tempestade que o ‘abraçou’ no sul da Austrália. Aproveita
a calmaria e o tempo bom para marrar as velas e para ‘secar suas meias’”.
a) no texto qual o sentido de
abraçou?
Envolveu,
sufocou.
b) Qual foi a intenção de
marina ao empregar aspas na expressão “abraçou” e “secar as meias”?
Sugestão: Na
palavra abraçou pode-se notar certa ironia, pois abraçar é uma ação afetiva, e
não houve nada de afetividade no que aconteceu com Amyr.
Em secar suas meias também se nota
ironia, pois provavelmente todas as suas roupas ficaram molhadas com a
violência das águas e não apenas as meias. A intenção é mostrar, em tom de
brincadeira, de ironia, que a gravidade da história foi maior do que aquilo que
o sentido comum dessas palavras expressaria, etc.
Muito bom obrigado
ResponderExcluirNossa! me tirou do sufoco. muito obrigada
ResponderExcluirObrigada. tava muito aperiado
ResponderExcluirObrigada ajudou muito.....
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