sábado, 8 de abril de 2023

TEXTO: A COR DE UM PAÍS PLURAL - PRECONCEITO RACIAL - COM GABARITO

 TEXTO: A COR DE UM PAÍS PLURAL

“E aí, neguinho?”, “Ô, Pelé, pega aquela caixa!”, “Tudo bem, japa?”, “Entra aí, alemão!”, “Me dá uma bala, meu: você parece turco!”. Quem nunca ouviu no dia-a-dia frases como essa? O Brasil se diz um país sem preconceito racial, mas será que essas frases não ocultam algum tipo de preconceito?

A seguir você vai ler um painel de textos, com depoimentos importantes de pessoas que já viveram situações relacionadas com o preconceito racial.

O PRECONCEITO RACIAL

TEXTO I

       No ano passado, eu passeava num shopping de Curitiba com a minha mãe, quando gostei de uma blusa.

      Entrei na loja. Vi o preço. Era caríssima. Mesmo assim, quis experimentar.

      Mas ninguém me atendia. As vendedoras me olhavam de cima para baixo.

      Olhavam e faziam que não me viam. Fiquei nervosa e fui embora. Disse à minha mãe o que tinha acontecido. Decidi, então, voltar. Entrei e contei até dez. Todos continuavam a me ignorar. Aí explodi. “Será que tenho de abrir minha bolsa e mostrar o cartão de crédito?” Virei as costas e sai. A gerente então correu atrás de mim. Tentou me explicar que não podia adivinhar que eu tinha dinheiro para comprar a blusa. Não quis ouvi-la, não. Poxa, só porque sou negra não posso ter dinheiro? O preconceito existe, sim. [...]

Cinthya Rachel, 18 anos, a Biba do Castelo Ra-Tim-Bum.(Veja, 24/6/1998.)

TEXTO II

       Moro num prédio de classe média. Aos nove anos, eu era o único negro. Três amigos meus viviam chamando meus pais de “Café” e “King Kong”. Eu me sentia humilhado. O síndico dizia que lugar de negro era na senzala. Aos onze anos, deixei de frequentar o playground. Ficava em casa. Nunca mais brinquei no prédio. Mas não jeito. Se saio na rua cinco vezes, em pelo menos uma sou insultado. No ano passado, ao voltar do colégio a pé, o motorista de uma Kombi jogou o carro em cima de mim e gritou: “Vai para casa, macaco”. Na época em que me isolei dos garotos do prédio, todos os fins de semana meus pais arrumavam programas fora de casa para mim. Num deles fomos à Hípica e decidi aprender a montar. Comecei a competir. Em seis anos, ganhei 18 medalhas e 2 troféus. O hipismo me ajudou a superar o problema do preconceito.

Augusto Modesto, 16 anos, estudante em São Paulo (Idem)

TEXTO III

        Em 1968, [a atriz Zezé Mota], aos 25 anos, com o Teatro de Arena, estreou uma temporada no Harlem, reduto dos negros pobres de Nova York. O movimento black power ainda não havia eclodido com toda a sua força, mas os negros americanos já procuravam substituir o sentimento de humilhação por um tipo de orgulho barulhento da raça. Zezé apareceu usando uma peruca no estilo Chanel – cabelos lisos, escorridos. “Os americanos perguntaram a Boal (Augusto Boal, diretor do grupo) por que eu usava um cabelo que não era de negro se eu era negra”, lembra a atriz. Zezé arrancou a peruca. Mas seus cabelos de verdade continuavam a não ser os de uma negra. Estavam alisados. “Voltei para o hotel, lavei o cabelo e assumi meu lado negro”, conta. “Foi um batismo.”

Zezé Mota, cantora e atriz (Idem)

Fonte da imagem-https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgNEO7IOjTZNfzMNlsU6pVCP9_tcnQZmz4ddXrachqcfBSdV7vCZ_3q34vUrzxJSdYGIMoPah9_MSqBGA0gcFqPIVy479GJlxNQXYpj1wpJHyEtDmo63tVmERfOzbwheyh6WV6CiXum-tPAn37caX-lQnzlctVrVPRAqoOzd0ar6WU5LX6hau5YKfiW/s320/cabelo-crespo-como-cuidar.jpg


TEXTO IV

       Desde os 12 anos, coloquei na minha cabeça que eu poderia me dar bem no futebol. Era um sonho, eu sabia. Então, por segurança, estudava para ser torneiro mecânico. Enquanto eu vendia pastéis em feiras livres, meus dois irmãos capinavam o jardim dos vizinhos. Mamãe oferecia tapetes nas ruas e papai era gari da prefeitura. A vida era difícil. Refrigerante e frango, só aos domingos. Na escola, como eu não tinha dinheiro para comprar doces na hora da merenda, meus amigos diziam: “Também, teu pai é preto e lixeiro”. Até hoje me lembro de um garoto branco, o Marcos. Ele era muito rico para os nossos padrões, mas era o único que não se incomodava com a minha cor. Era meu melhor amigo. Trocávamos as roupas e ele deixava eu usar as dele, muito mais caras e bonitas do que as minhas. Eu nunca ia às festas boas do meu bairro. Tinha medo da discriminação. Sei que os grã-finos me olhavam de maneira diferente, então procurava o povão em bailes funk. Tudo isso era triste para mim, mas a pior decepção foi quando me apaixonei pela filha de um marinheiro. Ele não admitia vê-la ao lado de um negro com cabelo black power. E esse racista arruinou tudo.

Marcelo Pereira Surcin, o Marcelinho Carioca, jogador de futebol (Idem)

TEXTO V

       Nossa raça ficou muito tempo no escuro, mas agora somos uma sensação. A revolução começou pela estética. O negro, hoje, se acha bonito, se veste melhor. Sou um modelo para os meninos que, como eu, foram criados na pobreza das periferias. Zelando pela minha imagem, me cuidando, sei que posso melhorar a autoestima dessa garotada e servir de exemplo para eles. Não bebo, não fumo, não curto drogas. [...] Precisamos crescer com consciência, seguir uma ideologia, promover ações solidárias. Nossos pais eram aplaudidos quando deixavam a escola para trabalhar. Nossos avós pensavam “que bom, meu filho não é vagabundo”. Resultado: ficaram burros. Não tínhamos cultura para nos relacionar com o branco, que por sua vez não sabia como tratar o negro. A minha geração também começou a trabalhar cedo, mas não largou os estudos. Meus pais sempre disseram que eu devia ser melhor que eles. Que eu tinha de trabalhar e estudar ao mesmo tempo. Por isso, a luta contra o preconceito é mais eficiente.

José de Paula Neto, o Netinho, vocalista do Negritude Júnior(Idem).

TEXTO VI

       Numa das aulas de um curso de pós-graduação, fui incumbida pela professora de observar a apresentação de alguns trabalhos de colegas da sala e fazer um comentário avaliativo.

        Depois de concluída minha exposição, a professora comentou: “O debate foi tão intenso que a “japoronga” até arregalou os olhos!”. Nesse momento, me senti paralisada pela crueldade das palavras. Não consegui fazer nada, a não ser esboçar um sorriso sem graça e sentar-me quieta. Fui embora com um sentimento de tristeza tão grande, pensando que mesmo no meio universitário ainda teria que ouvir comentários pejorativos como esse.

        Entender  que atitudes e palavras como essas, ainda que sutis, são expressões de preconceito foi um processo doloroso para mim, que me acompanhou por toda a vida e em todos os lugares.

Cristina Akisino, brasileira, neta de japoneses, pesquisadora iconográfica em São Paulo

Fonte: Livro- Português: Linguagem, 6ª Série- William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães, 2ª.ed – São Paulo: Atual Editora, 2002.p.114-7.

COMPREENSÃO E INTERPRETAÇÃO

01. No texto I, Cinthya conta a experiência que teve ao querer comprar uma blusa. Releia a explicação que a gerente deu a Cinthya.

a)   Na sua opinião, os funcionários da loja agiriam da mesma forma com uma pessoa branca, mas vestida com roupas simples?

Provavelmente sim, pois pareceu que o procedimento normal é não atender quem supostamente não tem condições de comprar.

b)   O preconceito manifestado pelas pessoas dessa loja é social, racial ou dos dois tipos?

É primeiramente social, contudo, pode ser também racial, pois a vendedora, pelo fato de a cliente ser negra, achou que ela não tivesse dinheiro para comprar a blusa.

02. No texto II, Augusto sentia-se humilhado por causa do preconceito que sofria. O hipismo, porém, mudou a vida dele. Por que você acha que isso aconteceu?

Resposta pessoal.

Sugestão: Porque o esporte melhorou a autoestima do garoto, isto é, fez com que visse que ele tinha valor.

03. A atriz Zezé Mota conta que o contato com os negros americanos, em 1968, foi para ela uma espécie de batismo. Que sentido tem essa palavra nesse contexto?

A atriz dá a entender que, a partir dessa experiência, ela se assumiu como negra, iniciou uma fase nova em sua vida, agora com uma identidade negra.

04. No depoimento do jogador Marcelinho Carioca, há exemplos de pessoas preconceituosas e exemplos de pessoas sem preconceito.

a)   Quais são os exemplos de pessoas sem preconceito?

O amigo Marcos e a namorada branca.

b)   De acordo com o texto, a ausência de preconceitos pode aproximar as pessoas? Justifique sua resposta.

Sim. A amizade entre Marcelinho e Marcos mostra justamente que, quando não há preconceito, podem acontecer relações verdadeiras entre as pessoas.

c)   Pelo que conta o jogador, o preconceito leva a vítima ao isolamento? Por quê?

Sim, porque a vítima fica com medo de se expor e sofrer agressões, conforme mostra o exemplo das festas de grã-finos do bairro.

05. De acordo com o depoimento do cantor Netinho, a revolução entre os negros começou pela estética. Mas o texto acaba revelando outro tipo de revolução.

a)   O que o cantor quer dizer com a palavra estética?

Ele se refere ao reconhecimento da beleza do negro pelo próprio negro. Antes o negro se depreciava, hoje ele se acha bonito.

b)   Qual é o outro fator importante que acabou dando mais condições aos negros de se destacarem socialmente? Por que ele é importante?

Os estudos, pois, de acordo com o cantor, com cultura o negro fica mais preparado para se relacionar com o branco e combater o preconceito.

06. Na situação vivida por Cristina Akisino em sala de aula:

a)   Você acha que a intenção da professora era magoar a aluna, debochando dela perante a classe?

Resposta pessoal.

b)   O comentário da professora revela preconceito racial ou não? Por quê?

Sim, porque, além de empregar “japoronga” – termo geralmente usado de forma pejorativa -, a professora se referiu a característica raciais da aluna, sem que houvesse nenhuma necessidade naquela situação.

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