Texto: Manifesto Futurista
Richard
Humphreys
Queremos cantar o amor do perigo, o hábito
à energia e à temeridade.
A coragem, a audácia e a rebelião serão
elementos essenciais da nossa poesia.
Até hoje a literatura tem exaltado a
imobilidade pensativa, o êxtase e o sono. Queremos exaltar o movimento
agressivo, a insônia febril, a velocidade, o salto mortal, a bofetada e o
murro.
Afirmamos que a magnificência do mundo
se enriqueceu de uma beleza nova: a beleza da velocidade. Um carro de corrida
adornado de grossos tubos semelhantes a serpentes de hálito explosivo... um
automóvel rugidor, que parece correr sobre a metralha, é mais belo que a
Vitória de Samotrácia.
Queremos celebrar o homem que segura o
volante, cuja haste ideal atravessa a Terra, lançada a toda velocidade no
circuito de sua própria órbita.
O poeta deve prodigalizar-se com ardor,
fausto e munificência, a fim de aumentar o entusiástico fervor dos elementos
primordiais.
Já não há beleza senão na luta. Nenhuma
obra que não tenha um caráter agressivo pode ser uma obra-prima. A poesia deve
ser concebida como um violento assalto contra as forças ignotas para obrigá-las
a prostrar-se ante o homem.
Estamos no promontório extremo dos
séculos!... Por que haveremos de olhar para trás, se queremos arrombar as
misteriosas portas do Impossível? O Tempo e o Espaço morreram ontem. Vivemos já
o absoluto, pois criamos a eterna velocidade omnipresente.
Queremos glorificar a guerra - única
higiene do mundo -, o militarismo, o patriotismo, o gesto destruidor dos
anarquistas, as belas ideias pelas quais se morre e o desprezo da mulher.
Queremos destruir os museus, as
bibliotecas, as academias de todo o tipo, e combater o moralismo, o feminismo e
toda vileza oportunista e utilitária.
Cantaremos as grandes multidões
agitadas pelo trabalho, pelo prazer ou pela sublevação; cantaremos a maré
multicor e polifônica das revoluções nas capitais modernas; cantaremos o vibrante
fervor noturno dos arsenais e dos estaleiros incendiados por violentas luas
elétricas: as estações insaciáveis, devoradoras de serpentes fumegantes: as
fábricas suspensas das nuvens pelos contorcidos fios de suas fumaças; as pontes
semelhantes a ginastas gigantes que transpõem as fumaças, cintilantes ao sol
com um fulgor de facas; os navios a vapor aventurosos que farejam o horizonte,
as locomotivas de amplo peito que se empertigam sobre os trilhos como enormes
cavalos de aço refreados por tubos e o voo deslizante dos aviões, cujas hélices
se agitam ao vento como bandeiras e parecem aplaudir como uma multidão
entusiasmada.
In: Richard
Humphreys. Futurismo. São Paulo: Cosac & Naify, 2001. p. 11.
Entendendo o texto:
01 – O Manifesto Futurista é
apresentado sobre a forma de itens. Segundo o item 3 do Manifesto, até aquele
momento, início do século XX, a literatura tinha exaltado "a imobilidade,
o êxtase e o sono pensativos".
a)
De acordo com esses atributos conferidos à
literatura, como esta era vista por Marinetti?
Como estática, contemplativa, interior, reflexiva.
b)
De acordo com os quatro primeiros itens, que
elementos da modernidade se contrapõem ao perfil da literatura e da época
anterior?
Basicamente, a ação e a velocidade.
02 – O automóvel, uma
novidade na época que o manifesto foi publicado, é comparado por Marinetti à
Vitória de Samotrácia, uma das mais importantes obras da cultura clássica.
a)
Que significado tem a comparação feita por
Marinetti?
Ao pôr por terra uma vasta e rica tradição cultural de 2 mil anos, a
comparação constitui um exemplo claro de irreverência e ousadia em relação aos
valores vigentes na época.
b)
Dos fragmentos que seguem, qual (ou quais)
traduz(em) o mesmo espírito iconoclasta da comparação?
·
“Por que olhar para trás se o que
queremos é arrombar as portas misteriosas do impossível?".
·
"O poeta deve consumir-se de ardor,
esplendor e generosidade".
·
"Destruiremos os museus, as
bibliotecas, as academias de toda sorte".
03 – O Futurismo italiano
capta o espírito de efervescência política da época e de certa forma antevê os
grandes acontecimentos políticos da época, como a primeira guerra mundial (1914-1918)
e a Revolução Russa(1917).
a)
Qual é o ponto de vista a respeito da guerra
expresso no manifesto?
O de que a guerra é saudável, pois é uma forma de higiene.
b)
Identifique no último item elementos que
apontam para a valorização das revoluções populares.
“Multidões entusiasmadas pela insurreição”; “Ondas multicolores e
polifônicas da revolução”.
04 – No momento em que o
texto foi publicado, a Itália ainda era pouco industrializada e pouco
desenvolvida economicamente. Com o manifesto, Marinetti pretendia ajudar a
levar o país à modernidade. Identifique, no último parágrafo, elementos da
modernidade que Marinetti gostaria de ver estabelecida na Itália.
Estaleiros, luz elétrica, fumaça, pontes, navios, trens, aviões.
05 – Não foi por acaso que,
na década de 1920, o Futurismo tornou-se a arte oficial do fascismo italiano.
Do ponto de vista ideológico, o movimento defendia algumas posições que hoje
seriam recriminadas e consideradas politicamente incorretas. Além da defesa da
guerra, que outra posição você incluiria entre as ideias “politicamente
incorretas”?
O desprezo à
mulher e o combate ao feminismo, a destruição de bibliotecas e museus, etc.
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