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domingo, 19 de junho de 2022

ROMANCE: A MORENINHA - CAPÍTULO 23 (FRAGMENTO) - JOAQUIM MANUEL DE MACEDO - COM GABARITO

 Romance: A moreninha – capítulo 23 (fragmento)

                    Joaquim Manuel de Macedo

        [...]

        -- Então... pede-me para sua esposa?...

        -- A senhora o ouviu há pouco.

        -- Pois bem, Sr. Augusto, veja como verificou-se o prognóstico que fiz do seu futuro! Não se lembra que aqui mesmo lhe disse “que não longe estava o dia em que o Sr. havia de esquecer sua mulher”?

        -- Mas eu nunca fui casado... murmurou o estudante!...

        -- Oh! isso é uma recomendação contra a sua constância!...

        -- E quem tem culpa de tudo, senhora?

        -- Muito a tempo ainda me lança em rosto a parte que tenho na sua infidelidade, pois, eu emendarei a mão agora. O senhor há de cumprir a palavra que deu há sete anos!

        Augusto recuou dois passos.

        -- O senhor é um moço honrado, continuou a cruel Moreninha, e, portanto, cumprirá a palavra que deu, e só casará com sua desposada antiga.

        [...]

        D. Carolina deixou cair uma lágrima e falou ainda, mas já com voz fraca e trêmula:

        -- Sim, deve partir... vá... Talvez encontre aquela a quem jurou amor eterno... Ah! senhor! nunca lhe seja perjuro.

        -- Se eu encontrasse!...

        -- Então?... que faria?...

        -- Atirar-me-ia a seus pés, abraçar-me-ia com eles e lhe diria: “Perdoai-me, perdoai-me, senhora, eu já não posso ser vosso esposo! tomai a prenda que me deste...”

        E o infeliz amante arrancou debaixo da camisa um breve, que convulsivamente apertou na mão.

        -- O breve verde!... exclamou D. Carolina, o breve que contém a esmeralda!...

        -- Eu lhe diria, continuou Augusto: “recebei este breve que já não devo conservar, porque eu amo outra que não sois vós, que é mais bela e mais cruel do que vós!...”

        A cena se estava tornando patética; ambos choravam e só passados alguns instantes a inexplicável Moreninha pôde falar e responder ao triste estudante.

        -- Oh! pois bem, disse; vá ter com sua desposada, repita-lhe o que acaba de dizer, e se ela ceder, se perdoar, volte que eu serei sua... esposa.

        -- Sim... eu corro... Mas, meu Deus, onde poderei achar essa moça a quem não tornei a ver, nem poderei conhecer?... onde meu Deus?... onde?...

        E tornou a deixar correr o pranto, por um momento suspendido.

        -- Espere, tornou D. Carolina, escute, senhor. Houve um dia, quando a minha mãe era viva, em que eu também socorri um velho moribundo. Como o senhor e sua camarada, matei a fome de sua família e cobri a nudez de seus filhos; em sinal de reconhecimento também este velho me fez um presente: deu-me uma relíquia milagrosa que, asseverou-me ele, tem o poder uma vez na vida de quem a possui, de dar o que se deseja; eu cosi essa relíquia dentro de um breve; ainda não lhe pedi coisa alguma, mas trago-a sempre comigo; eu lha cedo... tome o breve, descosa-o, tire a relíquia e à mercê dela encontre sua antiga amada. Obtenha o seu perdão e me terá por esposa.

        -- Isto tudo me parece um sonho, respondeu Augusto, porém, dê-me, dê-me esse breve!

        A menina, com efeito, entregou o breve ao estudante, que começou a descosê-lo precipitadamente. Aquela relíquia, que se dizia milagrosa, era sua última esperança; e, semelhante ao náufrago que no derradeiro extremo se agarra à mais leve tábua, ele se abraçava com ela. Só falta a derradeira capa do breve... ei-la que cede e se descose... salta uma pedra... e Augusto, entusiasmado e como delirante, cai aos pés de D. Carolina, exclamando:

        -- O meu camafeu!... o meu camafeu!...

        A senhora D. Ana e o pai de Augusto entram nesse instante na gruta e encontram o feliz e fervoroso amante de joelhos e a dar mil beijos nos pés da linda menina, que também por sua parte chorava de prazer.

        -- Que loucura é esta? perguntou a senhora D. Ana.

        -- Achei minha mulher!... bradava Augusto; encontrei minha mulher!

        -- Que quer dizer isto, Carolina?...

        -- Ah! minha boa avó!... respondeu a travessa Moreninha ingenuamente: nós éramos conhecidos antigos.

        [...].

MACEDO, Joaquim Manuel de. A moreninha. São Paulo: Ática, 1993. p. 132-5.

Fonte: Língua portuguesa 2 – Projeto ECO – Ensino médio – Editora Positivo – 1ª edição – Curitiba – 2010. p. 98-9.

Entendendo o romance:

01 – Por que Carolina recusa, inicialmente, a proposta de casamento de Augusto?

      Porque ela deseja que ele cumpra a promessa que havia feito no passado: casar-se com a menina com quem trocou objetos simbólicos do amor de ambos: uma esmeralda e um camafeu.

02 – Carolina rebate a argumentação de Augusto, que afirma não ter sido casado de fato afirmando “Oh! Isso é uma recomendação contra a sua constância!...”. Explique o sentido dessa frase e a importância dela no contexto romântico

      Para a jovem, o fato de Augusto se dispor a quebrar uma promessa para ficar com ela prova que ele não seria constante em seu amor, o que seria inconcebível no contexto amoroso romântico, em que os amores deveriam ser eternos. A inconstância de Augusto leva a jovem a questionar se deveria unir-se a ele.

03 – Como o autor resolve o impasse dos amantes?

      Carolina conta que também ela recebera uma relíquia de um velho moribundo e a entrega a Augusto. Ocorre então o reconhecimento dos amantes – eles eram as crianças que haviam prometido se casar no futuro, ou seja, não há impedimento algum quanto à união do casal, pelo contrário, ao ficarem juntos eles estão cumprindo a promessa que fizeram no passado.

04 – Considerando as falas dos personagens de Augusto e Carolina no trecho lido, é possível caracterizá-los como típicos heróis românticos? Comprove seu ponto de vista com elementos retirados do texto.

      Sim, eles são tipicamente românticos. Carolina está disposta a abrir mão de seu amor em nome da honra, dispõe-se a esperar por Augusto o tempo necessário, banha-se em lágrimas quando descobre que Augusto é o seu amado de infância, etc. Augusto, por sua vez, também age de forma sentimental, curvando-se ao desejo da amada, caindo aos seus pés quando a reconhece como a amada da infância, deixando-se levar pelo sentimentos, não pela razão.

05 – Uma das emoções possíveis para o conceito de verossimilhança é o de que a obra literária deve trabalhar coerentemente a partir do que é provável e possível em comparação com o mundo real. Levando em conta essa definição, você diria que o trecho lido é verossímil? Justifique sua resposta.

      Trata-se de uma situação bastante inverossímil, já que seriam pequenas as chances de duas crianças que se encontraram fortuitamente na infância se reencontram na idade adulta e se apaixonarem, tendo como obstáculo ao amor uma promessa feita na infância.

 

quinta-feira, 12 de agosto de 2021

ROMANCE: INFÂNCIA(FRAGMENTO II) - GRACILIANO RAMOS - COM GABARITO

 Romance: Infância (Fragmento II)


  Graciliano Ramos

        [...]

        Recolhi-me preocupado: os fugitivos, os lobos e o lenhador agitaram-me o sono. Dormi com eles, acordei com eles. As horas voaram. Alheio à escola, aos brinquedos de minhas irmãs, à tagarelice dos moleques, vivi com essas criaturas de sonho, incompletas e misteriosas.

        À noite meu pai me pediu novamente o volume, e a cena da véspera se reproduziu: leitura emperrada, mal-entendidos, explicações.

        Na terceira noite fui buscar o livro espontaneamente, mas meu velho estava sombrio e silencioso. E no dia seguinte, quando me preparei para moer a narrativa, afastou-me com um gesto, carrancudo.

        Nunca experimentei decepção tão grande. Era como se tivesse descoberto uma coisa muito preciosa e de repente a maravilha se quebrasse. E o homem que a reduziu a cacos, depois de me haver ajudado a encontrá-la, não imaginou a minha desgraça. A princípio foi desespero, sensação de perda e ruína, em seguida uma longa covardia, a certeza de que as horas de encanto eram boas demais para mim e não podiam durar.

        Findas, porém, as manifestações secretas de mágoa, refleti, achei que o mal tinha remédio e expliquei o negócio a Emília, minha excelente prima. O rosto sereno, largos olhos pretos, um ar de seriedade — linda moça. A irmã, brincalhona e rabugenta, ora pelos pés, ora pela cabeça, ria como doida e logo explodia em acessos de cólera. Mas Emília não era deste mundo. Só se zangou comigo uma vez, no dia em que, tuberculosa, me viu beber água no copo dela. Um anjo.

        Confessei, pois, a Emília o meu desgosto e propus-lhe que me dirigisse a leitura. Esforcei-me por interessá-la contando-lhe a escuridão na mata, os lobos, os meninos apavorados, a conversa em casa do lenhador, o aparecimento de uma sujeita que se chamava Águeda. [...] Assim, era necessário que a priminha lesse comigo o romance e me auxiliasse na decifração dele.

        Emília respondeu com uma pergunta que me espantou. Por que não me arriscava a tentar a leitura sozinho?

        Longamente lhe expus a minha fraqueza mental, a impossibilidade de compreender as palavras difíceis, sobretudo na ordem terrível em que se juntavam. Se eu fosse como os outros, bem; mas era bruto em demasia, todos me achavam bruto em demasia.

        Emília combateu a minha convicção, falou-me dos astrônomos, indivíduos que liam no céu, percebiam tudo quanto há no céu. Não no céu onde moram Deus Nosso Senhor e a Virgem Maria. Esse ninguém tinha visto. Mas o outro, o que fica por baixo, o do Sol, da Lua e das estrelas, os astrônomos conheciam perfeitamente. Ora, se eles enxergavam coisas tão distantes, porque não conseguiria eu adivinhar a página aberta diante dos meus olhos? Não distinguia as letras? Não sabia reuni-las e formar palavras?

        Matutei na lembrança de Emília. Eu, os astrônomos, que doidice! Ler as coisas do céu, quem havia de supor?

        E tomei coragem, fui esconder-me no quintal, com os lobos, o homem, a mulher, os pequenos, a tempestade na floresta, a cabana do lenhador. Reli as folhas já percorridas. E as partes que se esclareciam derramavam escassa luz sobre os pontos obscuros. Personagens diminutas cresciam, vagarosamente me penetravam a inteligência espessa. Vagarosamente.

        Os astrônomos eram formidáveis. Eu, pobre de mim, não desvendaria os segredos do céu. Preso à terra, sensibilizar-me-ia com histórias tristes, em que há homens perseguidos, mulheres e crianças abandonadas, escuridão e animais ferozes.

Graciliano Ramos. Infância. Rio de Janeiro: Record, 2006.

Fonte: Livro – Tecendo Linguagens – Língua Portuguesa – 7º ano – Ensino Fundamental – IBEP 5ª edição – São Paulo, 2018, p. 163-6.

Entendendo o romance:

01 – Quais atitudes o pai toma ao tentar ensinar o menino a ler?

      No início, o pai é dedicado, e o menino fica encantado com a leitura; depois, porém, o pai age de maneira rude, o que afasta e desencanta o garoto, impedindo-o de continuar aprendendo.

02 – De que maneiro o menino busca uma solução para o problema?

      Ele procura a ajuda da prima, Emília, e pede a ela que continue ensinando a ele.

03 – Releia este trecho do fragmento II:

        “Recolhi-me preocupado: os fugitivos, os lobos e o lenhador agitaram-me o sono. Dormi com eles, acordei com eles. As horas voaram. Alheio à escola, aos brinquedos de minhas irmãs, à tagarelice dos moleques, vivi com essas criaturas de sonho, incompletas e misteriosas.”

a)   Quem são os “fugitivos, os lobos e o lenhador? Explique.

Não são personagens reais. Os fugitivos, os lobos e o lenhador são personagens d história que o menino está começando a ler.

b)   Por que o menino diz que dormia e acordava com “os fugitivos, os lobos e o lenhador”?

Porque não conseguia se desligar da história, estava encantado com a nova experiência, então continuava a pensar sobre os personagens até mesmo na hora de dormir.

c)   O que faz com que o menino deixe de lado os brinquedos de suas irmãs e a tagarelice dos moleques?

Seu interesse pela descoberta da leitura.

04 – O menino desabafa com a prima sobre sua dificuldade para ler, mas ela conta a ele sobre os astrônomos. Veja a maneira pela qual o menino reflete sobre eles:

        “[...] Ora, se eles enxergavam coisas tão distantes, porque não conseguiria eu adivinhar a página aberta diante dos meus olhos? Não distinguia as letras? Não sabia reuni-las e formar palavras?

        Matutei na lembrança de Emília. Eu, os astrônomos, que doidice! Ler as coisas do céu, quem havia de supor?

        E tomei coragem, fui esconder-me no quintal, com os lobos, o homem, a mulher, os pequenos, a tempestade na floresta, a cabana do lenhador. [...]”.

a)   O que você acha da ideia de os astrônomos lerem o céu? Por quê?

Resposta pessoal do aluno.

b)   O que estimulou o menino a enfrentar sua dificuldade de ler?

A prima lhe mostra que, se os astrônomos leem o céu, que está tão distante e nunca foi visto por ninguém, ele poderia ler o que está bem próximo a ele.

c)   O que o narrador revela com a frase: “E tomei coragem, fui esconder-me no quintal, com os lobos, o homem, a mulher, os pequenos, a tempestade na floresta, a cabana do lenhador”?

O narrador revela que se retirou, se isolou, para tentar ler sozinho, para mergulhar na história que desejava compreender.

05 – Leia as informações do quadro e responda às questões com base no fragmento.

        Narrar é contar uma história. Há diferentes gêneros textuais que se organizam em narrativas, como romance, contos, crônicas, lendas, fábulas, mitos, entre outros.

        Nas narrativas ficcionais há:

·        Narrador – relator dos fatos, dos quais pode ser participante como narrador-personagem (primeira pessoa), observador (somente observa) e onisciente (terceira pessoa), quando observa e tem acesso até aos pensamentos dos personagens.

·        Personagens – protagonista (personagem principal) e antagonista/forças antagônicas (vilão ou situação que atrapalha os desejos do protagonista) e secundários (participam de forma secundária nas ações).

·        Espaço – ambiente em que os fatos acontecem.

·        Tempo – quando ocorrem as ações ou quanto duram. O tempo pode ser cronológico (medido elo relógio ou calendário) ou psicológico (como o personagem o percebe no pensamento).

·        Enredo – conjunto de episódios que compõem a narrativa, dividido em: apresentação dos fatos e personagens, situação-problema ou conflito (o que gera os fatos), clímax (momento de maior tensão da história) e desfecho (conclusão/resolução do conflito).

a)   Quem é o personagem protagonista desse romance? Explique.

O menino é o protagonista do romance. Ele narra a história e todas as ações ocorrem em torno da situação-problema na qual está envolvido.

b)   Qual é a situação-problema na qual o menino está envolvido?

Ele não sabe ler, o que o faz se sentir inferiorizado em relação a outras pessoas.

c)   Há um vilão ou uma força antagônica que atrapalha o desejo do protagonista? O que ou quem seria? Explique.

Não há um vilão, mas força antagônica, que seria a falta de acesso às escolas de qualidade.

d)   Quem são os personagens secundários?

Os colegas, o pai e a prima.

e)   Quando ocorre essa passagem da história?

Quando o personagem tinha 9 anos, ou seja, no início do século XX (1900).

f)    Onde ocorre a história? Como é possível supor essa informação?

Como o menino afirma ter vizinhos, aparenta ser em uma área urbana, uma cidade, não no campo. E os locais são: escola, casa e quintal da casa.

       

domingo, 8 de agosto de 2021

ROMANCE: O CARTEIRO E O POETA(FRAGMENTO) - ANTONIO SKÁRMETA - COM GABARITO

 Romance: O carteiro e o poeta (Fragmento)

                Antonio Skármeta

        – Dom Pablo?...

        – Você fica aí parado como um poste.

        Mário retorceu o pescoço e procurou os olhos do poeta, indo de baixo para cima.

        – Cravado como uma lança?

        – Não, quieto como uma torre de xadrez.

        – Mais tranquilo que um gato de porcelana?

        Neruda soltou o trinco do portão e acariciou o queixo.

        – Mário Jiménez, afora às Odes elementares, tenho livros muito melhores. É indigno que você fique me submetendo a todo tipo de comparações e metáforas.

        – Como é, dom Pablo?!

        – Metáforas, homem!

        – Que são essas coisas?

        O poeta colocou a mão sobre o ombro do rapaz.

        – Para esclarecer mais ou menos de maneira imprecisa, são modos de dizer uma coisa comparando-a com outra.

        – Dê-me um exemplo...

        Neruda olhou o relógio e suspirou.

        – Bem, quando você diz que o céu está chorando. O que é que você quer dizer com isto?

        – Ora, fácil! Que está chovendo, ué!

        – Bem, isso é uma metáfora.

        – E por que se chama tão complicado, se é uma coisa tão fácil?

        – Porque os nomes não têm nada a ver com a simplicidade ou complexidade das coisas. Pela sua teoria, uma coisa pequena que voa não deveria ter um nome tão grande como mariposa. Elefante tem a mesma quantidade de letras que mariposa, é muito maior e não voa – concluiu Neruda, exausto. Com um resto de ânimo indicou ao solícito Mário o rumo da enseada. Mas o carteiro teve a presença de espírito de dizer:

        – Puxa, eu bem que gostaria de ser poeta!

        – Rapaz! Todos são poetas no Chile. É mais original que você continue sendo carteiro. Pelo menos caminha bastante e não engorda. Todos os poetas aqui no Chile são barrigudos. Neruda retomou o trinco do portão e dispunha-se a entrar quando Mário, olhando o voo de um pássaro invisível, disse:

        – É que se eu fosse poeta poderia dizer o que quero.

        – E o que é que você quer dizer?

        – Bom, o problema é justamente esse. Como não sou poeta, não posso dizer.

        [...]

        Neruda apertou os dedos no cotovelo do carteiro e o foi conduzindo até o poste onde havia estacionado a bicicleta.

        – [...] Agora vá para a enseada pela praia e, enquanto você observa o movimento do mar, pode ir inventando metáforas.

        – Dê-me um exemplo!...

        – Olhe este poema: “Aqui na Ilha, o mar, e quanto mar. Sai de si mesmo a cada momento. Diz que sim, que não, que não. Diz que sim, em azul, em espuma, em galope. Diz que não, que não. Não pode sossegar. Chamo-me mar, repete, batendo numa pedra, sem convencê-la. E então, com sete línguas verdes, de sete tigres verdes, de sete cães verdes, de sete mares verdes, percorre-a, beija-a, umedece-a e golpeia-se o peito, repetindo seu nome”.

        Fez uma pausa, satisfeito.

        – O que você acha?

        – Estranho.

        – “Estranho”. Mas que crítico mais severo!

        – Não, dom Pablo. Estranho não é o poema. Estranho é como eu me sentia quando o senhor recitava o poema.

        – Querido Mário, vamos ver se você desenreda um pouco, porque eu não posso passar toda a manhã desfrutando o papo.

        – Como se explica? Quando o senhor dizia o poema, as palavras iam daqui para ali.

        – Como o mar, ora!

        – Pois é, moviam-se exatamente como o mar.

        – Isso é ritmo.

        – Eu me senti estranho, porque com tanto movimento fiquei enjoado.

        – Você ficou enjoado...

        – Claro! Eu ia como um barco tremendo em suas palavras.

        As pálpebras do poeta se despregaram lentamente.

        – “Como um barco tremendo em minhas palavras”.

        – Claro!

        – Sabe o que você fez Mário?

        – O quê?

        – Uma metáfora.

        – Mas não vale, porque saiu só por puro acaso.

        – Não há imagem que não seja casual, filho.


Antonio Skármeta. O Carteiro e o Poeta. Rio de Janeiro: Record, 1996.

Fonte: Livro – Tecendo Linguagens – Língua Portuguesa – 9º ano – Ensino Fundamental – IBEP 5ª edição – São Paulo, 2018, p. 40-2.

Entendendo o romance.

01 – O texto se desenrola quase que integralmente em forma de diálogo entre os personagens, o carteiro e o poeta, mas, ainda assim, há trechos que possibilitam perceber a presença do narrador. Qual o foco narrativo em que foi escrito? Dê um exemplo.

      O foco narrativo é de terceira pessoa. Exemplos: “Neruda apertou os dedos no cotovelo do carteiro e o foi conduzindo até o poste onde havia estacionado a bicicleta.” / “Mário retorceu o pescoço e procurou os olhos do poeta, indo de baixo para cima.” / “As pálpebras do poeta se despregaram lentamente.”

02 – Em que espaço se passa esse trecho da narrativa? Transcreva um trecho do texto que comprove sua resposta.

      Diante da casa do poeta, possivelmente perto de uma praia. Exemplos: “Neruda soltou o trinco do portão e acariciou o queixo.” / “Neruda retomou o trinco do portão e dispunha-se a entrar [...]”. / “Com um resto de ânimo indicou ao solícito Mário o rumo da enseada.” / “Neruda apertou os dedos no cotovelo do carteiro e o foi conduzindo até o poste onde havia estacionado a bicicleta.” / “[...] Agora vá para a enseada pela praia e, enquanto você observa o movimento do mar, pode ir inventando metáforas.”.

03 – Normalmente, o discurso direto, que reproduz na escrita um diálogo, é introduzido por verbos de elocução, como falar, dizer, comentar, perguntar, responder, observar, exclamar, gritar, aconselhar, etc. Mesmo não usando esses verbos, como é possível notar a presença do discurso direto no texto e identificar os personagens a que as falas se referem?

      O discurso direto geralmente é antecedido pelo travessão, que aponta o início da fala de um personagem e quando ocorre mudança de interlocutores. Dessa forma, é possível perceber o discurso direto no texto pelo uso de travessões diante das falas e, pelo conteúdo dessas falas, a quem elas se referem.

04 – No texto, qual definição o poeta dá para a palavra “metáforas”?

      “São modos de dizer uma coisa comparando com outra”.

05 – Diante da estranheza do carteiro ao dizer que a palavra era complicada, embora se referisse a uma coisa tão fácil, Dom Pablo responde-lhe que os nomes não têm nada a ver com a simplicidade ou complexidade das coisas. O que o poeta pretende mostrar ao carteiro com essa afirmação?

      Que não há relação direta entre os nomes das coisas e o que são ou representam.

06 – Em sua opinião, o exemplo que o poeta apresenta torna mais simples o entendimento dessa frase?

      Resposta pessoal do aluno.

07 – Por que o poeta responde ao carteiro, no final do texto, que “não há imagem que não seja casual? Explique essa afirmação.

      Ele quer dizer que as imagens surgem de maneira natural, não de forma minunciosamente planejada, ou seja, a criação de imagem é espontânea.

08 – O carteiro atribui à expressão “o céu está chorando” o sentido de “está chovendo”. Responda:

a)   Qual dessas expressões foi empregada em sentido figurado?

O céu está chorando.

b)   E qual foi empregada em sentido real, denotativo?

Está chovendo.

 

ROMANCE: A PATA DA GAZELA I (FRAGMENTO) - JOSÉ DE ALENCAR - COM GABARITO

 Romance: A PATA DA GAZELA I (Fragmento)

               José de Alencar

        Estava parada na Rua da Quitanda, próximo à da Assembleia, uma linda vitória, puxada por soberbos cavalos do Cabo.

        Dentro do carro havia duas moças; uma delas, alta e esbelta, tinha uma presença encantadora; a outra, de pequena estatura, muito delicada de talhe, era talvez mais linda que sua companheira.

         Estavam ambas elegantemente vestidas e conversavam a respeito das compras que já tinham realizado ou das que ainda pretendiam fazer.

        — Daqui aonde vamos? perguntou a mais baixa, vestida de roxo-claro.

        — Ao escritório de papai: talvez ele queira vir conosco. Na volta passaremos pela Rua do Ouvidor, respondeu a mais esbelta, cujo talhe era desenhado por um roupão cinzento.

        O vestido roxo debruçou-se de modo a olhar para fora, no sentido contrário àquele em que seguia o carro, enquanto o roupão, recostando-se nas almofadas, consultava uma carteirinha de lembranças, onde naturalmente escrevera a nota de suas encomendas.

        — O lacaio ficou-se de uma vez! disse o vestido roxo com um movimento de impaciência.

        — É verdade! respondeu distraidamente a companheira.

Estas palavras confirmavam o que aliás indicava o simples aspecto da carruagem: as senhoras estavam à espera do lacaio, mandado a algum ponto próximo. A impaciência da moça de vestido roxo era partilhada pelos fogosos cavalos, que dificilmente conseguia sofrear um cocheiro agaloado.

        Depois de alguns momentos de espera, sobressaltou-se o roupão cinzento, e, conchegando-se mais às almofadas, como para ocultar-se no fundo da carruagem, murmurou:

        — Laura!... Laura!...

        E, como sua amiga não a ouvisse, puxou-lhe pela manga.

        — O que é, Amélia?

        — Não vês? Aquele moço que está ali defronte nos olhando.

        — Que tem isto? disse Laura sorrindo.

        — Não gosto! replicou Amélia com um movimento de contrariedade. Há quanto tempo está ali e sem tirar os olhos de mim?

        — Volta-lhe as costas!

        — Vamos para diante.

        — Como quiseres.

        Avisado o cocheiro, avançou alguns passos, de modo a tirar ao curioso a vista do interior do carro; mas o mancebo não desanimou por isso e, passando de uma a outra porta, tomou posição conveniente para contemplar a moça com uma admiração franca e apaixonada.

        Simples no traje, e pouco favorecido a respeito de beleza; os dotes naturais que excitavam nesse moço alguma atenção eram uma vasta fronte meditativa e os grandes olhos pardos, cheios do brilho profundo e fosforescente que naquele momento derramavam pelo semblante de Amélia.

        [...]

        Notando Amélia a insistência do mancebo, ficou vivamente contrariada. Aquele olhar profundo, que parecia despedir os fogos surdos de uma labareda oculta, incutia nela um desassossego íntimo. Agitava-se impaciente, como uma criatura no meio de um sono inquieto ou mesmo de um ligeiro pesadelo.

        Até que abriu o chapeuzinho-de-sol para interceptar a contemplação apaixonada de que era objeto. Nesta ocasião, Laura, que frequentemente se debruçava para ver quando vinha o lacaio, retraiu o corpo com vivacidade:

        — Enfim; aí vem!

        — Felizmente! disse Amélia.

        O lacaio aproximava-se a passos medidos; trazia na mão um embrulho de papel azul, que o atrito dos dedos e a oscilação dos objetos envoltos desfizera, obrigando o portador a apertá-lo de vez em quando.

        Julgando ao cabo de alguns instantes que o lacaio já tocava o estribo da carruagem, Amélia, tomando um tom imperativo, disse para o cocheiro:

        — Vamos! vamos!

        Ao aceno que lhe fez o cocheiro, o lacaio correu, chegando a tempo de apanhar o carro, que partia ao trote largo da fogosa parelha. Deitar o embrulho na caixa da vitória, rodear em dois saltos e galgar o estribo da almofada, foi para o criado, habituado a essa manobra, negócio de um instante. Não percebera ele, porém, que, abrindo-se o papel com a corrida, um dos objetos nele contidos escorregara e, justamente na ocasião de deitar o embrulho na caixa do carro, caíra na calçada.

        Laura, que se inclinara com vivo interesse para tomar o embrulho das mãos do lacaio, tivera um pressentimento do acidente, ao ver o papel desenrolado. Fechando-o rapidamente e escondendo-o por baixo do assento da vitória, ela debruçou-se ainda uma vez para verificar se com efeito alguma coisa havia caído. Ao mesmo tempo acompanhava o movimento com estas palavras de contrariedade:

        — Como ele manda isto! Por mais que se lhe recomende!

        Laura nada viu, porque já a vitória rodava ligeiramente sobre os paralelepípedos. Nesse momento, porém, dobrando a Rua da Assembleia, se aproximara um moço elegante não só no traje do melhor gosto, como na graça de sua pessoa: era sem dúvida um dos príncipes da moda, um dos leões da Rua do Ouvidor; mas desse podemos assegurar pelo seu parecer distinto que não tinha usurpado o título.

        O mancebo viu casualmente o lacaio quando passara por ele correndo, e percebeu que um objeto caíra do embrulho. 3 Naturalmente não se dignaria abaixar para apanhá-lo, nem mesmo deitar-lhe um olhar, se não visse aparecer ao lado da vitória o rosto de uma senhora, que o aspecto da carruagem indicava pertencer à melhor sociedade.

        Então apressou-se, para ter ocasião de fazer uma fineza e pretexto de conhecer a senhora, que lhe parecera bonita. Os leões são apaixonadíssimos de tais encontros; acham-lhes um sainete que destrói a monotonia das relações habituais.

        Quando o moço ergueu-se com o objeto na mão, já o carro dobrava a Rua Sete de Setembro. Ficou ele um momento indeciso, olhando em torno, como se esperasse alguma informação a respeito da pessoa a quem pertencia o carro. Sem dúvida a senhora era conhecida em alguma loja de fazendas; talvez tivesse aí feito compras.

        Não obtendo, porém, informações, nem colhendo resultado da pergunta que fizera a um caixeiro próximo, resolveu-se a meter o objeto no bolso e seguir seu caminho.

        [...]

                   ALENCAR, José de. A pata da gazela. Disponível em: https://bit.ly/2PP3NCW. Acesso em: 19 set. 2018.

Fonte: Livro – Tecendo Linguagens – Língua Portuguesa – 9º ano – Ensino Fundamental – IBEP 5ª edição – São Paulo, 2018, p. 50-3.

Fonte da imagem - https://www.google.com/url?sa=i&url=https%3A%2F%2Fwww.youtube.com%2Fwatch%3Fv%3DvB9pJpQj0Yo&psig=AOvVaw271us3Za4h4aQzAy70Objh&ust=1628538443944000&source=images&cd=vfe&ved=0CAsQjRxqFwoTCOCAguSYovICFQAAAAAdAAAAABAE

Entendendo o romance:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Agaloado: bordado com galões (tiras de tecido bordados com fios dourados).

·        Mancebo: Jovem, moço.

·        Sainete: graça.

·        Sofrear: fazer parar ou diminuir a marcha de um cavalo.

·        Vitória: carruagem para dois passageiros, com quatro rodas e cobertura dobrável.

02 – O fragmento do romance lido indica tratar-se de uma história policial, de aventura, de amor ou de terror?

      Indica tratar-se de uma história de amor.

03 – Qual é o foco narrativo desse romance?

      O romance é narrado em terceira pessoa.

04 – No texto, O narrador apresenta uma minuciosa descrição das personagens. Que elementos nos permitem perceber de que classe social as moças fazem parte?

      A descrição da carruagem; a forma como as moças estavam elegantemente vestidas; a conversa delas sobre as compras que já tinham realizado e as que ainda pretendiam fazer; o criado que esperavam. Tudo isso configura personagens de classe social abastada.

05 – Nesse romance, as roupas das personagens são tão importantes na caracterização delas que o narrador substitui o nome das moças pelo traje que portam. Selecione dois exemplos do texto que ilustram essa afirmação e transcreva-os.

      “O vestido roxo debruçou-se de modo a olhar para fora [...]”; “[...] o roupão, recostando-se nas almofadas, consultava uma carteirinha de lembranças [...]”.

06 – Leia o trecho a seguir, que se refere ao comportamento de Amélia, e responda à questão.

        Notando Amélia a insistência do mancebo, ficou vivamente contrariada. Aquele olhar profundo, que parecia despedir os fogos surdos de uma labareda oculta, incutia nela um desassossego íntimo. [...]”. O que o trecho pode revelar a respeito das características psicológicas da personagem?

      O trecho revela ser a personagem uma moça recatada, de comportamento reservado.

07 – Que atitudes Amélia tomou para se proteger e se esquivar do olhar do rapaz que a admirava?

      Avisou ao cocheiro que avançasse alguns passos, de modo que tirasse o interior do carro da vista do rapaz; abriu o chapeuzinho de sol, para impedir a contemplação apaixonada de que era objeto.

08 – Pelo fragmento lido, é possível identificar a situação-problema que se constrói e será responsável pelo desenvolvimento da história. Indique as alternativas que apresentam os acontecimentos fundamentais que desencadearam essa situação.

a)   O lacaio apressado não percebe que deixa cair, na rua, um objeto do embrulho que carregava.

b)   O cocheiro leva a vitória mais à frente, para tirá-la do foco do olhar do moço apaixonado.

c)   Um jovem interessado apanha o objeto perdido e busca informações sobre sua possível proprietária.

d)   Laura, desconfiada de que algo foi deixado para trás pelo lacaio, olha pela janela da vitória em direção à rua.

e)   O rapaz bem-vestido, não obtendo informações sobre a dona do objeto perdido, guarda-o no bolso.

Alternativas: a, c, d, e.

09 – Que objeto você imagina ter caído do embrulho?

      Resposta pessoal do aluno.

10 – Que ideias e sentimentos você imagina que o jovem bem-vestido terá em relação ao objeto encontrado?

      Resposta pessoal do aluno.

11 – Ao ver o objeto encontrado, o rapaz tirará algumas conclusões sobre sua proprietária. O que você acha que ele pensará sobre ela? Por quê?

      Resposta pessoal do aluno.