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sexta-feira, 17 de outubro de 2025

CRÔNICA: RECENSEAMENTO - RUBEM BRAGA - COM GABARITO

 Crônica: Recenseamento

              Rubem Braga

        São Paulo vai se recensear. O governo quer saber quantas pessoas governa. A indagação atingirá a fauna e a flora domesticadas.  Bois, mulheres e algodoeiros serão reduzidos a números e invertidos em estatísticas.

 
 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjLkrtjnzYjCHiu7zM12EL13nDgZa46EC0atqxOrKFhf2wwwk6gI4yxp5mfZnXuSYvsSqY8-2RJKN_fkYs2trvJ7EMf429RwHQtFW-wWQr6MZdv_vDQj-v0UCLruI9Zq2-2GeKVMUJHhhkRgO9PsXpAZoYoSDjbO54XPaiS6RAmgAQwpEYVLpWQgmYo-p8/s320/ibge-propoe-reduzir-questoes-do-censo-2-2.jpg



        O homem do censo entrará pelos bangalôs, pelas pensões, pelas casas de barro e de cimento armado, pelo sobradinho e pelo apartamento, pelo cortiço e pelo hotel, perguntando:

        -- Quantos são aqui?

        Pergunta triste, de resto. Um homem dirá:

        -- Aqui havia mulheres e criancinhas. Agora, felizmente, só há pulgas e ratos.

        E outro:

        -- Amigo, tenho aqui esta mulher, este papagaio, esta sogra e algumas baratas. Tome nota de seus nomes, se quiser. Querendo levar todos, é favor.

        E outro:

        -- Eu? Tinha um amigo e um cachorro. O amigo se foi, levando minhas gravatas e deixando a conta da lavadeira. O cachorro está aí, chama-se Lord, tem três anos e meio e morde como um funcionário público.

        E outro:

        -- Oh! sede bem-vindo. Aqui somos eu e ela, só nós dois. Mas nós dois somos apenas um. Breve, seremos três. Oh!

        E outro:

        -- Dois, cidadão, somos dois. Naturalmente o sr. não a vê.  Mas ela está aqui, está, está! A sua saudade jamais sairá de meu quarto e de meu peito!

        E outro:

        -- Aqui moro eu. Quer saber o meu nome? Procure uma senhorita loura que mora na terceira casa da segunda esquina, à direita. O meu nome está escrito na palma de sua mão.

        E outro:

        -- Hoje não é possível, não há dinheiro nenhum. Volte amanhã. Hein? Ah, o sr. é do recenseamento? Uff! Quantos somos? Somos vinte, somos mil. Tenho oito filhos e cinco filhas. Total: quinze pestes. Mas todos os parentes de minha mulher se instalaram aqui. Meu nome? Ahn... João Lourenço, seu criado. Jesus Cristo João Lourenço. A minha idade? Oh! pergunte à minha filha, pergunte. É aquela jovem sirigaita que está dando murros naquele piano. Ontem quis ir não sei onde com um patife que ela chama de "meu pequeno". Não deixei, está claro. Ela disse que eu sou da idade da pedra lascada. Escreva isso, cavalheiro, escreva. Nome: João Lourenço; profissão: idiota; idade: da pedra lascada.  Está satisfeito? Não, não faça caretas, cavalheiro. Creia que eu o aprecio muito. O sr. pelo menos não é parente da mulher. Isso é uma grande qualidade, cavalheiro! É a virtude que eu mais admiro! O sr. é divino, cavalheiro, o sr. é meu amigo íntimo desde já, para a vida e para a morte!

Rubem Braga. Para gostar de ler, vol. 3. São Paulo, Ática, 1979.

Fonte: Gramática da Língua Portuguesa Uso e Abuso. Suzana d’Avila – Volume Único. Editora do Brasil S/A. Ensino de 1º grau. 1997. p. 158.

Entendendo a crônica:

01 – No primeiro parágrafo, qual é a principal ironia ou contraste estabelecido pelo cronista ao listar os elementos que serão "reduzidos a números" pelo governo?

      A ironia principal é a equiparação entre seres humanos, animais e plantações. Ao afirmar que "Bois, mulheres e algodoeiros serão reduzidos a números," o cronista ridiculariza a visão puramente estatística do governo, que trata a complexidade da vida (mulheres) e a natureza (bois, algodoeiros) com a mesma frieza quantitativa.

02 – Qual é a pergunta feita pelo recenseador ("Quantos são aqui?") e por que o cronista a classifica como uma "Pergunta triste"?

      O cronista a classifica como uma "Pergunta triste" porque, em vez de obter uma resposta numérica simples, a indagação abre espaço para revelações de abandono, perda e solidão. As respostas subsequentes não falam apenas de números, mas de ausências ("havia mulheres e criancinhas," "o amigo se foi"), frustrações e vazios existenciais.

03 – Cite dois exemplos de respostas dadas ao recenseador que demonstram ironia ou sarcasmo por parte dos entrevistados.

      Dois exemplos são:

      O homem que lista "mulher, este papagaio, esta sogra e algumas baratas" e sarcasticamente convida: "Querendo levar todos, é favor." (Sugerindo o desejo de se livrar de alguns desses "membros" do agregado familiar).

      O homem que descreve o cachorro Lord, que "morde como um funcionário público" (uma crítica humorística à rigidez e à agressividade burocrática).

04 – Como a saudade é retratada em uma das respostas, mostrando que o número real de habitantes não corresponde ao número estatístico?

      A saudade é retratada na resposta "Dois, cidadão, somos dois. Naturalmente o sr. não a vê. Mas ela está aqui, está, está! A sua saudade jamais sairá de meu quarto e de meu peito!" A saudade é personificada, tornando a pessoa ausente uma presença real e permanente no ambiente do eu lírico, alterando a contagem fria do recenseamento.

05 – No sexto parágrafo, o homem diz: "Aqui somos eu e ela, só nós dois. Mas nós dois somos apenas um. Breve, seremos três. Oh!" O que a afirmação "nós dois somos apenas um" sugere?

      Sugere a unidade afetiva e a fusão completa do casal apaixonado. No contexto do amor romântico, "nós dois somos apenas um" expressa uma identidade indivisível, que é mais importante do que a contagem individual do censo. O "Breve, seremos três" sugere, com alegria, a chegada de um filho.

06 – O que o último entrevistado (João Lourenço) revela sobre sua percepção do recenseamento, e como ele expressa seu desabafo pessoal?

      João Lourenço inicialmente confunde o recenseamento com um cobrador ("Hoje não é possível, não há dinheiro nenhum"). Ao perceber o erro, ele usa o recenseador como um receptor para um longo desabafo, classificando-se como "idiota" e sua idade como "da pedra lascada." Ele transfere a função do censo (quantificar) para a função catártica (desabafar frustrações pessoais e familiares).

07 – De que forma o tratamento que Rubem Braga dá ao tema "Recenseamento" ilustra uma característica fundamental da crônica?

      A crônica ilustra a característica de transformar um fato cotidiano e prosaico (o censo) em uma reflexão poética e humana. Rubem Braga utiliza a moldura do recenseamento para transcender o dado estatístico e acessar a subjetividade, o humor, a dor e os dramas ocultos por trás dos números, capturando a essência da vida em sociedade.

 

 

CRÔNICA: O ABRIDOR DE LATAS - MILLÔR FERNANDES - COM GABARITO

 Crônica: O abridor de latas

             Millôr Fernandes

        Pela primeira vez, no Brasil, um conto escrito inteiramente em câmera lenta.

        Quando esta história se inicia, já se passaram quinhentos anos, tal a lentidão com que ela é narrada. Estão sentadas à beira de uma estrada três tartarugas jovens, com 800 anos cada uma, uma tartaruga velha com 1.200 anos, e uma tartaruga bem pequenininha, com apenas 85 anos. As cinco tartarugas estão sentadas, dizia eu. E dizia-o muito bem pois elas estão sentadas mesmo. Vinte e oito anos depois do começo desta história a tartaruga mais velha abriu a boca e disse:

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiUC6Fih72nUaIBr1ficJzw2USrlNehy0obl3ZHghpM8JN7lyDR_fexIJMdP-DEoqQWUbt7iZth4v7CG1DzCmTjuKNfbiUEltFeH5vRnsEHUv1fSGdJZ41DCjyj1M9U-KXiRx_atvkNom4qCiGRwLoBx7uu6ZZCwFqmIuhdSJQawlDNl6vubrQMev153iU/s1600/TARTARUGAS.jpg


        — Que tal se fizéssemos alguma coisa para quebrar a monotonia desta vida?

        — Formidável! — disse a tartaruguinha mais nova, doze anos depois. — Vamos fazer um piquenique?

        Vinte e cinco anos depois, as tartarugas se decidiram a realizar o piquenique. Quarenta anos depois, tendo comprado algumas dezenas de latas de sardinhas e várias dúzias de refrigerantes, elas partiram. Oitenta anos depois, chegaram a um lugar mais ou menos aconselhável para um piquenique.

        — Ah — disse a tartaruguinha, oito anos depois —, excelente local este!

        Sete anos depois todas as tartarugas tinham concordado. Quinze anos se passaram e, rapidamente, elas tinham arrumado tudo para o convescote. Mas, súbito, três anos depois, elas perceberam que faltava o abridor de latas para as sardinhas.

        Discutiram e, ao fim de vinte anos, chegaram à conclusão de que a tartaruga menor devia ir buscar o abridor de latas.

        — Está bem — concordou a tartaruguinha três anos depois —, mas só vou se vocês prometerem que não tocam em nada enquanto eu não voltar.

        Dois anos depois as tartarugas concordaram imediatamente que não tocariam em nada, nem no pão nem nos doces. E a tartaruguinha partiu.

        Passaram-se cinquenta anos e a tartaruga não apareceu. As outras continuavam esperando. Mais dezessete anos e nada. Mais oito anos e nada ainda. Afinal uma das tartarugas murmurou:

        — Ela está demorando muito. Vamos comer alguma coisa enquanto ela não vem?

        As outras não concordaram, rapidamente, dois anos depois. E esperaram mais dezessete anos. Aí outra tartaruga disse:

        — Já estou com muita fome. Vamos comer só um pedacinho de doce que ela nem notará.

        As outras tartarugas hesitaram um pouco mas, quinze anos depois, acharam que deveriam esperar pela outra. E se passou mais um século nessa espera. Afinal a tartaruga mais velha não pôde mesmo e disse:

        — Ora, vamos comer mesmo só uns docinhos enquanto ela não vem.

        Como um raio as tartarugas caíram sobre os doces seis meses depois. E justamente quando iam morder o doce ouviram um barulho no mato por detrás delas e a tartaruga mais jovem apareceu:

        — Ah — murmurou ela —, eu sabia, eu sabia que vocês não cumpririam o prometido e por isso fiquei escondida atrás da árvore. Agora eu não vou mais buscar o abridor, pronto!

        FIM (trinta anos depois).

Millôr Fernandes. Trinta anos de mim mesmo. Rio de Janeiro, Ed. Nórdica, 1974.

Fonte: Gramática da Língua Portuguesa Uso e Abuso. Suzana d’Avila – Volume Único. Editora do Brasil S/A. Ensino de 1º grau. 1997. p. 298.

Entendendo a crônica:

01 – Qual é a característica principal e incomum da forma como a crônica foi escrita, segundo o próprio narrador?

      A crônica foi escrita "inteiramente em câmera lenta", o que justifica a extrema lentidão dos acontecimentos e diálogos.

02 – Quantas tartarugas estão reunidas à beira da estrada e qual a idade da tartaruga mais velha?

      Estão reunidas cinco tartarugas (três jovens, uma velha e uma pequenina). A tartaruga mais velha tem 1.200 anos.

03 – Qual foi a sugestão inicial da tartaruga mais velha para "quebrar a monotonia" e quanto tempo levou para ela fazer essa sugestão?

      A sugestão foi: "Que tal se fizéssemos alguma coisa para quebrar a monotonia desta vida?". Levou vinte e oito anos depois do começo da história para ela dizer isso.

04 – Após decidirem fazer o piquenique, quanto tempo levou para as tartarugas chegarem ao local "mais ou menos aconselhável"?

      Levou quarenta anos para partirem após a decisão, e mais oitenta anos para chegarem ao local. (Total de 120 anos após a decisão de realizar o piquenique).

05 – Qual foi o objeto crucial que as tartarugas perceberam que faltava para o piquenique e quanto tempo levou para essa percepção?

      Elas perceberam que faltava o abridor de latas para as sardinhas. A percepção ocorreu três anos após terem arrumado tudo para o convescote (piquenique).

06 – Qual foi a promessa que a tartaruguinha menor exigiu para ir buscar o abridor de latas, e quem foi escolhida para a tarefa?

      A tartaruga menor concordou em ir buscar o abridor de latas, mas só se as outras prometessem que não tocariam em nada (pão, doces, etc.) enquanto ela não voltasse. A escolhida foi a tartaruga menor.

07 – O que as tartarugas que ficaram esperando fizeram que quebrou a promessa, e qual foi a revelação da tartaruga menor ao reaparecer?

      As tartarugas que ficaram esperando, depois de um século, resolveram comer os docinhos. A tartaruga menor revelou que sabia que elas não cumpririam o prometido e, por isso, ficou escondida atrás da árvore e, em punição, não iria mais buscar o abridor.

 

CRÔNICA: O RISADINHA - FRAGMENTO - PAULO MENDES CAMPOS - COM GABARITO

 Crônica: O Risadinha – Fragmento

             Paulo Mendes Campos

        Seria melhor dizer que ele não teve infância. Mas não é verdade. Eu o conheci menino, trepando às árvores, armando alçapão para canários-da-terra, bodoqueando as rolinhas, rolando pneu velho pelas ruas, pegando traseira de bonde, chamando o professor Asdrúbal de Jaburu. Foi este último um dos mais divertidos e perigosos brinquedos da nossa infância: o velho corria atrás da gente brandindo a bengala, seus bastos bigodes amarelos fremindo sob as ventas vulcânicas.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiut5l2MVZjo_DhAr5QmuenvRHInUu1_Ol3wLqw4tmq2X-zgx0PhTUuNsDWEO9WyWi23-wYhAGdHHSsdwQjPZjxnz6KIZyUNUwQ8rHTEnwseBinXHKSmLI4yKT132NU7Jy15YXZf4b8UZYuj9Iyc7JYH-ywm3DQS4cdtW8pZ5FyXmdGTMIFPyCQtlO-HIk/s320/ARVORE.jpg


        Nestor, em suma, teve a meninice normal de um filho de funcionário público em nosso tempo, tempo incerto, pois os recursos da Fazenda na província eram magros, e os pagamentos se atrasavam, enervando a população.

        Seus companheiros talvez nem soubessem que se chamasse Nestor; era para todos o Risadinha. Falava pouco e ria muito, um riso de fato diminutivo, nascido de reservados solilóquios, quase sempre extemporâneo. Certa feita, na aula de francês, quando entoávamos em coro o presente do subjuntivo do verbo s`en aller, Risadinha pespegou uma bólide de papel bem na ponta do nariz do professor, que era muito branco, pedante a capricho e tinha o nome de Demóstenes. O rosto do mestre passou do pálido ao rubro das suas tremendas cóleras. Um dos seus prazeres, sendo-lhe vetado por lei castigar-nos com o bastão, era desfiar em cima do culpado uma série de insultos preciosos, que ele ia escandindo um por um, sem pressa e com ódio.

        − Levante-se, seu Nestor! Sa-cri-pan-ta! Ne-gli-gen-te! Si-co-fan-ta! Tu-nan-te! Man-dri-ão! Ca-la-cei-ro! Pan-di-lha! Bil-tre! Tram-po-lei-ro! Bar-gan-te! Es-troi-na! Val-de-vi-nos! Va-ga-bun-do!...

        Pegando a deixa da única palavra inteligível, Risadinha erguia o dedo no ar e protestava, com ar ofendido:

        − Vagabundo, não, professor.

        Era um artista do cinismo, e sua momice de inocência era de tal arte que até mesmo seu Demóstenes não conseguia conter o riso. Como também somente ele já arrancara uma gargalhada do padre-prefeito, um alemão da altura da catedral de Colônia, num dia em que vinha caminhando lento e distraído, fora de forma.

        − Por que o senhorrr não está na forma? − perguntou-lhe rosnando o padre, como se estivesse de promotor da Inquisição, diante de um herege horripilante.

        − É porque estou com meu pezinho machucado, respondeu com doçura o Risadinha.

        − E por que o senhorrr não está mancando?

        Risadinha olhou com espanto para os seus próprios pés, começando a mancar vistosamente:

        − Desculpe, seu padre, é porque eu tinha esquecido.

        Foi um precursor de Cantinflas e, a despeito da opinião do leitor, nós lhe achávamos uma graça de doer a barriga.

        [...]

CAMPOS, Paulo Mendes. Para gostar de ler.

Fonte: Gramática da Língua Portuguesa Uso e Abuso. Suzana d’Avila – Volume Único. Editora do Brasil S/A. Ensino de 1º grau. 1997. p. 281.

Entendendo a crônica:

01 – Qual era o nome verdadeiro do personagem principal e qual era seu apelido?

      O nome verdadeiro do personagem principal era Nestor, mas ele era conhecido por todos como Risadinha.

02 – Que tipo de infância o narrador descreve que Nestor (o Risadinha) teve?

      O narrador descreve que Nestor teve a meninice "normal de um filho de funcionário público em nosso tempo", embora a época fosse de recursos magros e pagamentos atrasados. A meninice era marcada por brincadeiras típicas, como trepar em árvores, armar alçapão, "bodoquear" rolinhas e rolar pneu.

03 – Qual era a característica principal do Risadinha que lhe rendeu o apelido, e como o narrador descreve esse traço?

      A principal característica era o riso. O narrador o descreve como alguém que "falava pouco e ria muito, um riso de fato diminutivo, nascido de reservados solilóquios, quase sempre extemporâneo."

04 – Que travessura o Risadinha cometeu durante a aula de francês e qual foi a reação imediata do professor Demóstenes?

      Risadinha atirou uma "bólide de papel" (bolinha) bem na ponta do nariz do professor Demóstenes. A reação do professor foi passar do pálido ao rubro de cólera.

05 – Como o professor Demóstenes, impedido por lei de usar o bastão, punia o Risadinha verbalmente?

      Ele punia o Risadinha proferindo "uma série de insultos preciosos", que ia escandindo (falando pausadamente) um por um, sem pressa e com ódio. A lista de insultos incluía "Sacripanta", "Sicofanta", "Trampoleiro", "Vagabundo", entre outros.

06 – Qual foi a "jogada" de cinismo e inocência do Risadinha que conseguiu arrancar o riso até do professor Demóstenes?

      Ao ser xingado com a lista de insultos, Risadinha interrompeu o professor na única palavra que considerou ofensiva e inteligível ("Vagabundo") e protestou com ar ofendido: "Vagabundo, não, professor." Sua "momice de inocência" era tão perfeita que o professor não conseguiu conter o riso.

07 – Que estratagema o Risadinha usou para convencer o padre-prefeito de que seu pé estava machucado?

      Ao ser questionado pelo padre ("E por que o senhorrr não está mancando?"), Risadinha olhou para os próprios pés, começou a mancar vistosamente e pediu desculpas, dizendo: "Desculpe, seu padre, é porque eu tinha esquecido." Essa resposta também arrancou uma gargalhada do padre.

 

 

CRÔNICA: O FISCAL DA NOITE - RUBEM BRAGA - COM GABARITO

 Crônica: O FISCAL DA NOITE

            Rubem Braga

        Fui eu que vi o Cruzeiro erguer-se do mar e mais tarde chegar até o horizonte de minha varanda; vi duas estrelas muito brilhantes nascerem depois dele e subir também. Analfabeto olhando as estrelas, segui sua navegação sem saber seus nomes; vigiei de meu imóvel tombadilho.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiNGTzNKhh_qPVl3wRE-all6xXchKXrozviF8yKRxmaykhW4DP4TkpuYkJQ9k9tCmR5Vao-D8fi0zITbLHpq0F_a0m8FZuiNRDvDw-FPMZ01TnurtVcWxRmSF7d21ag-I5wbTNuo6qLhRXvbbk0l2lo2BvO7U91rEz4gD4Fho9tp4WlUPnpLFJHRtHXBv4/s320/PINTURA.jpg


        Estava solitário, mas não triste; lembrei o velho dito dos "A noite ainda é uma criança."

        Mas o tempo avança. Agora medito no seio de uma noite como à sombra de uma grande árvore; de raro em raro, madura cai uma estrela e se perde na escureza do céu ou do chão. Quase vejo o mar, apenas o pressinto e o sei arfando lânguido, sem vento.

        Deus me pôs nesta rede a olhar a noite. Não tenho sono nem de sair; não telefonarei para ninguém. Sou como um débil mental a quem houvessem dado o emprego de fiscalizar as estrelas, e acompanhado com paciência sua marcha lenta. Devo dizer que estão se comportando bem, tanto as mais novas como as mais velhas; andam de leste para de maneira morosa e sensata, guardando com atenção as respectivas distâncias. Se o major-fiscal me telefonar direi que não há nenhuma ração. O nascimento da lua está marcado para as 24h45m da madrugada; espero que seja pontual e não me dê aborrecimentos. O número de estrelas cadentes é diminuto.

        Informarei: "Pequenas baixas; o desperdício de estrelas durante a noite a meu cargo foi mínimo e, creio, inevitável; nosso estoque é imenso, senhor major." O major comunicará ao coronel, este ao general, este ao Presidente da República. O Presidente da República expedirá mensagens congratulatórias a Deus e a Albert Einstein, no Paraíso.

        Adormeço na rede, e desperto assustado; mas o céu está em ordem, e as estrelas marcham sempre na mesma direção, como crianças bem-comportadas. Deus me pôs nesta rede, e o Diabo me fez dormir. Felizmente a lua ainda não nasceu. Risco um fósforo para olhar meu relógio ("a opinião do prefeito de Genebra. sobre a hora de Ipanema"), meu famoso relógio antimagnético, antiatômico e antilírico, e suspiro aliviado; ainda faltam 18 minutos para o nascimento da lua. Levanto-me e tomo posição em outro   ângulo da varanda, murmurando: "Vamos providenciar isso."

Rubem Braga. Para gostar de ler, vol. 4. São Paulo, Ática, 1979.

Fonte: Gramática da Língua Portuguesa Uso e Abuso. Suzana d’Avila – Volume Único. Editora do Brasil S/A. Ensino de 1º grau. 1997. p. 175.

Entendendo a crônica:

01 – Qual é a atitude do narrador em relação às estrelas que observa no início da crônica?

      O narrador se descreve como um "Analfabeto olhando as estrelas", indicando que, embora as observe atentamente e siga sua "navegação" ("vigiei de meu imóvel tombadilho"), ele não sabe seus nomes.

02 – Qual é o estado de espírito do narrador ao meditar na varanda?

      Ele afirma que, embora estivesse "solitário, mas não triste", no início. Depois, ao meditar "no seio de uma noite como à sombra de uma grande árvore", ele não tem sono nem vontade de sair ou telefonar, assumindo o papel de observador paciente.

03 – Que comparação o narrador utiliza para descrever a sua função de observador da noite?

      Ele se compara a um "débil mental a quem houvessem dado o emprego de fiscalizar as estrelas, e acompanhado com paciência sua marcha lenta."

04 – Como o narrador avalia o comportamento das estrelas sob sua "fiscalização"?

      Ele informa que elas estão se comportando bem, "tanto as mais novas como as mais velhas", e que andam "de leste para de maneira morosa e sensata, guardando com atenção as respectivas distâncias."

05 – Qual é a única "preocupação" que o narrador tem com a chegada do novo astro?

      A preocupação dele é com o nascimento da lua, marcado para as 24h45m da madrugada. Ele espera que ela "seja pontual e não me dê aborrecimentos."

06 – Qual é o teor do relatório que o narrador planeja enviar ao "major-fiscal" sobre as estrelas cadentes?

      Ele planeja informar: "Pequenas baixas; o desperdício de estrelas durante a noite a meu cargo foi mínimo e, creio, inevitável; nosso estoque é imenso, senhor major."

07 – O que leva o narrador a despertar assustado na rede e o que o alivia?

      Ele adormece na rede e desperta assustado. O que o alivia é ver que "o céu está em ordem, e as estrelas marcham sempre na mesma direção, como crianças bem-comportadas", e constatar, olhando seu relógio, que a lua "ainda não nasceu", faltando 18 minutos para o seu horário marcado.

 

 

CRÔNICA: PELADA DE SUBÚRBIO - ARMANDO NOGUEIRA - COM GABARITO

 Crônica: Pelada de subúrbio

             Armando Nogueira 

        Nova Iguaçu, quatro horas da tarde, sábado de sol. Dois times suam a alma numa pelada barulhenta; o campo em que correm os dois times abre-se como um clarão de barro vermelho cercado por uma ponte velha, um matagal e uma chácara silenciosa, de muros altos.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjErtfElsnAmz-29WHJDrYzNs-GBbvYYsIVMimPD5a0kuSIuvuHD6E_cPLcmJZUfn3qFvT0vNQWIUOq3toh2wIDgBB9QOuPuwPFOMkNfQPKrz0OEdvhXQ-VCrzLNmraeKu2ejOI8ZrsBJS09AMujMompGClVxlqxEBfdyNqdI1nR79JbICnA-cthOg0TCQ/s320/PELADA.jpg


        A bola, das brancas, é nova e rola como um presente a encher o grande vazio de vidas tão humildes que, formalmente divididas, na verdade, juntam-se para conquistar a liberdade na abstração de uma vitória.

        Um chute errado manda a bola, pelos ares, lá nos limites da chácara, de onde é devolvida, sem demora, por um arremesso misterioso. Alguns minutos mais tarde, outra vez a bola foi cair nos terrenos da chácara, de onde voltou lançada com as duas mãos por um velhinho com jeito de caseiro.

        Na terceira, a bola ficou por lá; ou melhor, veio mas, cinco minutos depois, embaixo do braço de um homem gordo, cabeludo, vestido numa calça de pijama e nu da cintura para cima. Era o dono da chácara.

        A rapaziada, meio assustada, ficou na defensiva, olhando: ele entrou, foi andando para o centro do campo, pôs a bola no chão e, quando os dois times ameaçavam agradecer, com palmas e risos, o gesto do vizinho generoso, o homem tirou da cintura um revólver e disparou seis tiros na bola.

        No campo, invadido pela sombra da morte, só ficou a bola, murcha.

Armando Nogueira. In: O melhor da crônica brasileira.

Fonte: Gramática da Língua Portuguesa Uso e Abuso. Suzana d’Avila – Volume Único. Editora do Brasil S/A. Ensino de 1º grau. 1997. p. 271.

Entendendo a crônica:

01 – Qual é a descrição do cenário em que se desenrola a partida de futebol?

      A partida acontece em Nova Iguaçu, em um sábado de sol. O campo é um "clarão de barro vermelho" e é cercado por uma "ponte velha, um matagal e uma chácara silenciosa, de muros altos".

02 – Qual o significado que a bola nova, das brancas, representa para os jogadores?

      A bola é vista como "um presente a encher o grande vazio de vidas tão humildes que, formalmente divididas, na verdade, juntam-se para conquistar a liberdade na abstração de uma vitória".

03 – Quem é a primeira pessoa a devolver a bola da chácara, e quem é a pessoa que a traz de volta na terceira vez?

      A primeira vez, a bola é devolvida por um "arremesso misterioso"; depois, por um "velhinho com jeito de caseiro". Na terceira vez, ela é trazida de volta por um "homem gordo, cabeludo, vestido numa calça de pijama e nu da cintura para cima", que era o dono da chácara.

04 – Qual é a atitude inicial dos jogadores (a "rapaziada") quando o dono da chácara entra no campo com a bola na mão?

      A rapaziada fica "meio assustada, ficou na defensiva, olhando", mas, depois que ele põe a bola no chão, eles "ameaçavam agradecer, com palmas e risos, o gesto do vizinho generoso".

05 – Qual é o ato surpreendente e violento que o dono da chácara comete, e qual é o resultado final desse ato no campo?

      Em vez de ser um gesto generoso, o homem tira um revólver da cintura e dispara seis tiros na bola. O resultado é que no campo, que foi "invadido pela sombra da morte, só ficou a bola, murcha".

 

 

CRÔNICA: A BORBOLETA AMARELA - RUBEM BRAGA - COM GABARITO

 Crônica: A borboleta amarela

             Rubem Braga

        Era uma borboleta. Passou roçando em meus cabelos, e no primeiro instante pensei que fosse uma bruxa ou qualquer outro desses insetos que fazem vida urbana; mas, como olhasse, vi que era uma borboleta amarela.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgqjzr5iWOERo2K2W03a62cYK7t6-zpt0sneCJDmHLumkz3ua98fDp7SQzohwD9wFwjN6qWMtZJ5SRv5Fu2eUUwFZRlO6EiIgkntgRO4uL1gFasWjiVkmumVH55nmsCkvpVyqBptdc3cduaTswriR4Jke62THclDhIKSpJCwZVbS5pSM4fM1BJ_Qp4amzA/s320/BORBOLETA.jpg


        Era na esquina de Graça Aranha com Araújo Porto Alegre; ela borboleteava junto ao mármore negro do Grande Ponto; depois desceu, passando em face das vitrinas de conservas e uísques; eu vinha na mesma direção; logo estávamos defronte da ABI. Entrou um instante no hall, entre duas colunas; seria uma jornalista? – pensei com certo tédio.

        Mas logo saiu. E subiu mais alto, acima das colunas, até o travertino encardido. Na Rua México eu tive de esperar que o sinal abrisse; ela tocou, fagueira, para o outro lado, indiferente aos carros que passavam roncando sob suas leves asas. Fiquei a olhá-la. Tão amarela e tão contente da vida, de onde vinha, aonde iria? Fora trazida pelo vento das ilhas – ou descera saçaricante e leve da floresta da Tijuca ou de algum morro – talvez o de São Bento? Onde estaria uma hora antes, qual sua idade? Nada sei de borboletas. Nascera, acaso, no jardim do Ministério da Educação? Não; o Burle Marx faz bons jardins, mas creio que ainda não os faz com borboletas – o que, aliás, é uma boa ideia. Quando eu o mandar fazer os jardins do meu palácio, direi: Burle, aqui sobre esses manacás, quero uma borboleta amare… Mas o sinal abriu e atravessei a rua correndo, pois já ia perdendo de vista a minha borboleta.

        A minha borboleta! Isso, que agora eu disse sem querer, era o que eu sentia naquele instante: a borboleta era minha – como se fosse meu cão ou minha amada de vestido amarelo que tivesse atravessando a rua na minha frente, e eu devesse segui-la. Reparei que nenhum transeunte olhava a borboleta; eles passavam, devagar ou depressa, vendo vagamente outras coisas – as casas, os veículos – ou se vendo; só eu vira a borboleta, e a seguia, com meu passo fiel. Naquele ângulo há um jardinzinho, atrás da Biblioteca Nacional. Ela passou entre os ramos de acácia e de uma árvore sem folhas, talvez um flamboyant; havia, naquela hora, um casal de namorados pobres em um banco, e dois ou três sujeitos espalhados pelos outros bancos, dos quais uns são de pedra, outros de madeira, sendo que estes são pintados de azul e branco. Notei isso pela primeira vez, aliás, naquele instante, eu sempre passo por ali; é que minha borboleta amarela me tornava sensível às cores.

        Ela borboleteou um instante sobre um casal de namorados; depois passou quase junto da cabeça de um mulato magro, sem gravata, que descansava num banco; e seguiu em direção à avenida. Amanhã eu conto mais.

Rubem Braga. Para gostar de ler. São Paulo, Ática, 1979.

Fonte: Gramática da Língua Portuguesa Uso e Abuso. Suzana d’Avila – Volume Único. Editora do Brasil S/A. Ensino de 1º grau. 1997. p. 149.

Entendendo a crônica:

01 – Qual é o contraste fundamental que o cronista estabelece no início do texto ao descrever a borboleta e o cenário?

      O contraste fundamental é entre a fragilidade, a beleza e a liberdade da natureza (a borboleta amarela, "fagueira," "contente da vida") e a aridez, o cinza e a pressa da vida urbana (a esquina de ruas movimentadas, o "mármore negro," os "carros que passavam roncando"). A borboleta é um elemento estranho e fascinante nesse ambiente de concreto.

02 – O cronista demonstra humor e ironia ao pensar no que a borboleta poderia ser ao entrar na ABI (Associação Brasileira de Imprensa). Qual é o teor dessa ironia?

      O cronista manifesta ironia ao pensar se a borboleta "seria uma jornalista?" e sentir "certo tédio" em seguida. Isso satiriza a rotina, a seriedade e a trivialidade da vida profissional e intelectual urbana, que é vista como tediosa e oposta à beleza espontânea e livre da borboleta.

03 – A borboleta provoca uma grande mudança na percepção do cronista. Qual é o principal efeito que ela causa no seu olhar, conforme ele mesmo relata no quarto parágrafo?

      A borboleta o torna "sensível às cores" e aos detalhes do ambiente que ele antes ignorava, apesar de passar por ali diariamente. Ele nota a cor dos bancos e a presença de "namorados pobres," indicando que a borboleta o tira da alienação e aguça sua sensibilidade para a poesia e a vida ao seu redor.

04 – No quarto parágrafo, o eu lírico afirma que a borboleta era "minha." O que esse sentimento de posse inesperado sugere sobre sua conexão com o inseto?

      O sentimento de posse sugere que a borboleta despertou uma forte conexão afetiva e um desejo de contemplação exclusiva. Ao compará-la a "meu cão ou minha amada de vestido amarelo," o cronista transfere para o inseto o afeto e a fidelidade que se tem por um ser querido, elevando a borboleta a um símbolo pessoal de beleza e inspiração.

05 – Qual é a reação dos outros transeuntes à borboleta e o que essa indiferença sublinha sobre o tema da crônica?

      Os transeuntes não olham para a borboleta, passando "vendo vagamente outras coisas" (casas, veículos). Essa indiferença sublinha o tema da alienação e da cegueira urbana. O cronista é o único capaz de quebrar sua rotina e notar, e valorizar, a beleza efêmera da natureza.

06 – O cronista passa algum tempo especulando sobre a origem da borboleta (morro de São Bento, Tijuca, jardim do Ministério da Educação). O que essa especulação reforça no texto?

      A especulação reforça o mistério, a efemeridade e a natureza imprevisível da beleza. Ao não saber de onde a borboleta veio, o cronista enfatiza que a inspiração e a poesia são dádivas que irrompem inesperadamente na rotina, vindo de um lugar desconhecido, puro e incontrolável (a natureza).

07 – De que forma a atitude do cronista de "correr" para não perder a borboleta ilustra uma característica fundamental do gênero crônica?

      O ato de correr para não perder de vista o objeto de sua atenção ilustra a característica da observação minuciosa do cotidiano e a valorização do efêmero. A crônica transforma um fato banal (uma borboleta na rua) em um momento de reflexão e poesia, mostrando a capacidade do cronista de capturar a beleza passageira do dia a dia antes que ela desapareça.

sexta-feira, 10 de outubro de 2025

CRÔNICA: MINUTAS - ÉRICO VERÍSSIMO - COM GABARITO

 Crônica: MINUTAS

              Érico Veríssimo

        Um homem chega num balcão e tenta chamar a atenção da balconista para atendê-lo.

        – Senhorita...

        – Um minutinho.

        O homem vira-se para outro ao seu lado e diz:

        – Ih, já vi tudo.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgnQMAR4OiOeONrRDZgDdZbfUrh9gJchaSmUOTawjYV8f_S6nw-bffIJqbjmQ0xbWkyjjCfTbZBfm6qHp2i7ioHU-J3zU2JUm_-6PT_v7QyuQ8zwUlUPvMRI1P-YF6dlnm7GTkWSTTjhbK_YFRL3i5_Sh1cine8pQBRNRafy_0cGbWpn6yIMbJclfUrCag/s320/BALCAO.jpg


        – O que foi?

        – Ela disse “um minutinho”. Quer dizer que vai demorar. No Brasil, um minuto dura sessenta segundos, como em qualquer outro lugar, mas “um minutinho” pode durar uma hora.

        O homem tenta de novo:

        – Senhorita...

        – Só um instantinho.

        – Ai...

        – O que foi?

        – Ela disse “um instantinho”. Um “instantinho” demora mais que um minutinho. Parece que um minutinho é feito de vários instantinhos, mas é o contrário. Um “instantinho” contém vários “minutinhos”. Senhorita!

        – Só dois segundinhos!

        O homem começa a se retirar.

        – Aonde é que o senhor vai?

        – Ela disse “dois segundinhos”. Isso quer dizer que só vai me atender amanhã.

Érico Veríssimo. Jornal do Brasil, 28/06/96.

Fonte: Gramática da Língua Portuguesa Uso e Abuso. Suzana d’Avila – Volume Único. Editora do Brasil S/A. Ensino de 1º grau. 1997. p. 66.

Entendendo a crônica:

01 – Qual é o problema inicial que impulsiona o diálogo e o humor da crônica?

      O problema inicial é a dificuldade do cliente (o homem) em ser atendido pela balconista. Ele tenta chamar a atenção dela, mas é constantemente interrompido e adiado por expressões que, em vez de significar rapidez, anunciam uma espera prolongada.

02 – De acordo com o homem da crônica, qual é a diferença de duração entre um "minuto" e um "minutinho" no contexto brasileiro de atendimento?

      O homem ironiza que o minuto real dura sessenta segundos, "como em qualquer outro lugar". Já o "minutinho", no contexto do atendimento, é uma expressão que sinaliza demora e, segundo ele, pode durar até "uma hora", indicando uma promessa vazia de rapidez.

03 – Na hierarquia de espera criada pelo homem, qual expressão é mais longa: "um minutinho" ou "um instantinho"? Por quê?

      Para o homem, "um instantinho" demora mais que "um minutinho". Ele satiriza a lógica ao dizer que, embora um minuto seja maior que um instante real, no jargão do mau atendimento, "um 'instantinho' contém vários 'minutinhos'", indicando que a expressão é usada para justificar uma espera ainda maior e mais indefinida.

04 – Qual é a última expressão usada pela balconista, e qual é a conclusão radical que o homem tira dela?

      A última expressão usada pela balconista é "Só dois segundinhos!". A conclusão radical que o homem tira é que essa expressão significa que ela "só vai me atender amanhã". Quanto menor a unidade de tempo usada na promessa, maior é a certeza da demora, no que se torna o clímax irônico da crônica.

05 – Que crítica social ou cultural Erico Veríssimo faz ao satirizar o uso das expressões de tempo como "minutinhos" e "instantinhos"?

      Veríssimo faz uma crítica social à qualidade e à procrastinação no atendimento (especialmente o público ou comercial) e à falta de compromisso com a pontualidade no Brasil. Ele ironiza o uso de diminutivos ("-inho") para mascarar a falta de pressa e a ineficiência, transformando termos de brevidade em sinônimos de longa espera.

06 – Qual figura de linguagem é central para o humor e a crítica desta crônica? Justifique.

      A figura central é a hipérbole (o exagero) combinada com a ironia. A hipérbole está na atribuição de durações absurdas às pequenas unidades de tempo ("um minutinho pode durar uma hora"; "dois segundinhos" significa "só amanhã"). A ironia reside no contraste entre o significado literal das palavras (tempo curto) e o significado prático e social (tempo indeterminado e longo).

07 – Por que o homem decide se retirar quando ouve "Só dois segundinhos!"?

      Ele se retira porque, de acordo com a lógica satírica que ele estabeleceu, o uso de uma unidade de tempo extremamente curta, como "dois segundinhos", significa que a espera será a mais longa de todas, possivelmente um dia inteiro. A promessa de rapidez extrema o convence, ironicamente, de que a situação é irrecuperável e que não vale a pena esperar.

 

 

quinta-feira, 2 de outubro de 2025

CRÔNICA: A PRIMEIRA NAMORADA - FERNANDO SABINO - COM GABARITO

 Crônica: A primeira namorada

             Fernando Sabino

        Conheceu Letícia num passeio de bicicleta. Marcou encontro para de noite. Letícia foi. Perto da casa dela, que era perto da Rádio Emissora. Passou a encontrar-se toda noite com ela — dizia, em casa, que ia à Rádio Emissora.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh7xENFROq6kUhWrjWMCL99FnAQHoo5XCw-abSYMbZaxKs7nZX5Mz9ZAFu5yTaH6Os3At9x0VTBYFwpzg4ZWP0YhFE6A_F0XZBfRg_1FfHYA0IUQUyVAdQSjiZXabQ42aRZGtLrCU8_A0AB34N4YJqwEKUb9E1F9ZCGf5wgOFy0egnoHKixNa-XEd5Ufu0/s320/BICICLETA.jpg


        — O que é que esse menino tanto faz na Rádio Emissora? — inquietava-se a mãe. Em vez de estudar, toda noite...

        Acabou indo mesmo à Rádio, em companhia de Letícia, para assistir aos programas. Depois, saía com ela de mãos dadas — beijo, não, ela não deixava, ele não insistia. Letícia era diferente, Eduardo amava Letícia.

        — Eu te amo para o resto da vida.

        — Eu também.

        — Então escreve isso aqui, na minha caderneta.

        Letícia escrevia: "eu te amo...

        — Eternamente.

        — ... eternamente para o resto da minha vida".

        — Agora assina.

        Letícia assinou.

        — Olha minha mãe na janela.

        Eduardo tinha medo, queria fugir. Mas a mãe de Letícia acenava para eles.

        — Não tenha medo.

        A mãe de Letícia era diferente, falava umas coisas engraçadas, deixava que a filha namorasse. Eduardo fazia planos para o futuro.

        — Quando eu crescer, vou ser artista.

        — Artista de quê?

        — Não sei: artista.                                 

Fernando Sabino. O encontro marcado. Rio de Janeiro, Record, 1984.

Fonte: Português – 1º grau – Descobrindo a gramática 8. Gilio Giacomozzi; Gildete Valério; Cláudia Reda Fenga. São Paulo. FTD, 1992. p. 157.

Entendendo a crônica:

01 – Como Eduardo e Letícia se conheceram?

      Eles se conheceram durante um passeio de bicicleta.

02 – O que Eduardo dizia em casa para justificar seus encontros noturnos com Letícia?

      Ele dizia à mãe que ia para a Rádio Emissora.

03 – Qual era a principal diferença entre o relacionamento deles e um namoro convencional da época, de acordo com o texto?

      O texto menciona que eles andavam de mãos dadas, mas não se beijavam, pois ela não permitia.

04 – O que Letícia escreveu na caderneta de Eduardo?

      Ela escreveu a frase "eu te amo... eternamente para o resto da minha vida".

05 – Qual foi a reação da mãe de Letícia ao ver o casal na janela?

      A mãe de Letícia acenou para eles e disse a Eduardo para não ter medo, demonstrando uma atitude compreensiva.

06 – Que planos para o futuro Eduardo fez para si mesmo?

      Ele planejava ser "artista", mas sem saber qual tipo de artista.

07 – Qual a principal característica da mãe de Letícia, que a diferenciava do que seria esperado?

      Ela era descrita como "diferente", falava "coisas engraçadas" e, ao contrário do que se esperava, deixava a filha namorar.