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quinta-feira, 25 de abril de 2024

CRÔNICA: PALAVRINHA PERIGOSA - WALCYR CARRASCO - COM GABARITO

 Crônica: Palavrinha Perigosa

               Walcyr Carrasco

  Visito uma amiga, dona de um antiquário. Detalhe: ela mora na parte de cima da loja. Para minha surpresa, nesse sábado, meio da tarde, parece haver uma festa no pátio. Várias pessoas bebem cerveja e comem bolinhos de bacalhau, fritos por uma senhora portuguesa, vizinha da loja. Um rapaz faz drinques e sucos. Minha amiga se apressa a me receber.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjLAZak3A6BslxwYIcQGYJenkAaL9XtFEVEyu6UVKuDT1z0LT0Bq4hkeZYWs2Q84XRmp5LiJhcxmf5R73HciYLa3kfCmsrxHRJel0keEvBimOB83O7bDrusijGAb1oLZ3q9Y1-Hf18Xesz73o4u8a-Au2XiDTG3s_Wl4qAt1RW5gokRuv1rjtEejFYfpN0/s320/ACEITAR.jpg


— Aceita uma cerveja? Ou prefere um suco?

Aceito, é claro. Um suco geladinho, delicioso. Como alguns bolinhos de bacalhau. Entro no papo. Dali a algum tempo, resolvo me despedir. Sorrio, grato pela tarde deliciosa.

— Bem, vou indo....

Imediatamente, ela saca um bloquinho, a caneta, e começa a fazer as

contas.

— Deixa ver. Você tomou um suco... ou foram dois? Quantos bolinhos de bacalhau?

A senhora portuguesa grita:

         — Seis! Ele comeu seis!       :

Bem, eu comi seis pensando que fosse de graça! Arranco algumas notas do

bolso, desenxabido. Ela recebe, feliz da vida.

— Volte sábado que vem.

É o drama da palavra "aceita". Ah, palavrinha perigosa!

Conheci uma jovem que veio do interior estudar. Vida difícil, morando em pensionato. Um dia resolveu fazer uma extravagância. Saiu com umas amigas, estudantes como. ela, para jantar fora. Sentaram-se no restaurante. Nenhuma tinha experiência de cidade grande. Veio o garçom.

— Aceitam uma entrada?

—Aceitamos!

— Aceitam um vinho?

— Oh, sim, aceitamos!

E foram aceitando. Certas de que fosse uma gentileza, já que ninguém estava falando em dinheiro. No final veio a conta. Quase morreram de susto. Passaram o mês comendo ovo com pão. 

O verbo aceitar acabou se tornando uma forma disfarçada de empurrar a mercadoria sem discutir o preço. O correto seria o garçom ter oferecido a carta de vinhos.

Em tempos bicudos, as coisas ficam ainda mais difíceis. Recentemente fui à casa de um amigo na Vila Madalena. Artesão. Mal entrei, ele lembrou.

— Ainda não dei seu presente de aniversário! Está guardado.

Foi para dentro, voltou com uma caixinha de madeira enfeitada com flores

do tipo que detesto. Sorriu e disse:     

— Que acha? Gosta?

-— É... linda!     

— Quer ficar com ela?

— Claro!

Afinal, o que se diz diante de um presente? Mas a coisa não era bem assim.

Saltitante, ele entrou no quarto. Voltou com um pacote.

— Este é seu presente.

— Ahnnn?

Desembrulho uma camiseta, atônito. Ele continua:

— Pela caixinha, vou fazer um preço especial!

E manda ver! Que tática, hein? Como voltar atrás, ainda por cima sendo uma obra assinada pelo próprio? Deu vontade de atirar a caixinha na cabeça dele.

Uma amiga, que mora em um bairro de classe média tradicional da cidade, anda apavorada. Diante da crise que assola as melhores famílias, a maioria das vizinhas partiu para negócios domésticos. Uma faz massas em casa. Outra, doces e bolos. As visitas amigáveis de antigamente transformaram-se em armadilhas.

—- Não quer levar uma lasanha para casa?

A ingênua caiu na conversa algumas vezes. Logo depois de embrulhada a massa, ou a bandeja de docinhos, vinha o preço.

— Mas... mas...

Nos bons tempos, bastava devolver o prato com outra gulodice. Minha amiga desenvolveu uma tática.

— Estou de regime.

Ninguém acredita, é claro. Continua gordíssima. Mas com o dinheiro no

bolso.

 Eu optei pela franqueza.

— Não aceito não.

— Mas está tão gostoso.

— Não quero, não quero e não quero!

Vou acabar passando por mal-educado. Mas do jeito que as coisas vão,

ficou perigoso aceitar até presente de aniversário.

 Entendendo o texto

01. Qual é o principal tema abordado na crônica "Palavrinha Perigosa" de Walcyr Carrasco?

a.   Experiências gastronômicas.

b.   Os desafios de viver na cidade grande.

c.   A arte de presentear.

d.   Os mal-entendidos causados pelo verbo "aceitar".

02. Qual é a situação inicial descrita pelo autor ao visitar a amiga no antiquário?

a. Uma festa de aniversário.

b. Uma degustação de vinhos.

c. Um encontro casual.

d. Um evento de venda de antiguidades.

     03. O que acontece quando o autor menciona que vai embora após a festa?

         a. Ele é cobrado pelos gastos que teve.

         b. Ele recebe presentes inesperados.

         c. Ele é convidado para outra festa.

         d. Ele é elogiado pela sua presença.

   04. Qual é o exemplo dado pelo autor sobre o uso perigoso da palavra "aceitar" em um restaurante?

         a. Uma jovem pede diversos pratos sem saber o preço.

         b. Um grupo de amigos é surpreendido com uma conta alta após aceitar vários itens.

         c. Um garçom oferece gentilezas que no final se revelam caras.

          d. Um restaurante oferece promoções falsas aos clientes.

  05. O que o autor descobre ao aceitar um presente de aniversário de um amigo artesão?

         a. O presente era um objeto valioso.

         b. O presente era uma caixa vazia.

         c. O amigo queria vendê-lo por um preço especial.

         d. O amigo esperava uma reação negativa.

 06. Como as visitas amigáveis se transformaram em armadilhas no bairro da amiga do autor?

         a. Os vizinhos começaram a se afastar uns dos outros.

         b. As vizinhas passaram a oferecer alimentos com preços ocultos.

         c. As visitas se tornaram cada vez mais frequentes.

         d. As vendas de massas e doces aumentaram.

   07. Qual é a estratégia desenvolvida pela amiga do autor para lidar com as ofertas indesejadas de comida?

          a. Ela alega estar de dieta.

          b. Ela recusa educadamente.

          c. Ela finge não estar em casa.

          d. Ela aceita e depois devolve os alimentos.

    08. Por que o autor considera perigoso aceitar até presentes de aniversário?

         a. Porque geralmente são presentes caros.

         b. Porque podem vir acompanhados de cobranças ou vendas ocultas.

          c. Porque os presentes podem ser de má qualidade.

          d. Porque os presentes podem ser indesejados.

   09. Qual é o sentimento principal transmitido pelo autor em relação às mudanças nas relações sociais devido às dificuldades econômicas?

          a. Contentamento.

          b. Confusão.

          c. Desconfiança.

          d. Preocupação.

   10. Qual é a mensagem central que o autor deseja transmitir com a crônica "Palavrinha Perigosa"?

         a. A importância de aceitar presentes generosos.

         b. A necessidade de ser franco ao recusar ofertas.

         c. Os perigos de assumir compromissos sem entender as consequências.

         d. As vantagens de viver em uma cidade grande.

 

 

CRÔNICA: A PRAÇA - WALCYR CARRASCO - COM GABARITO

 Crônica: A Praça

           Walcyr Carrasco

 

No final da adolescência, meu sonho era ser ator. Até fiz pontas no teatro. O salário era baixo, mas eu cumpria o ritual de todos os candidatos a astro. Ia religiosamente ao restaurante Gigetto, onde famosos e aspirantes se cruzavam. (Por sinal, o Gigetto mantém até hoje a tradição.) Eu pertencia à turma do couvert. Espécime que, por falta de fundos, contentava-se em filar o couvert alheio. Puxava uma cadeira e me pendurava em mesas lotadas. Tomava no máximo um refrigerante. Surrupiava azeitonas e pedaços de pão com manteiga.

  Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgK9vzNmn6A0JDeImTnXC8KyuVJiioT2toh3nCO06kWIzcI_0EpTj2WuuCqIAep9o6ZldXYABEb8INaQocuLow25uNaLfWbm5eSxy28T4F3sjKPO929ZUySp9RtqIH7G4mZA5pfWfT6TBaTw-l8s6f6W4G71JnXuv2LDkMJrbVTrut21Edh7oAzOKkZ8v4/s320/praca-da-republica.jpg

Tipos como eu eram comuns. A ponto de, em certa época, o Piolin, outra meca de aspirantes a ator, exigir que pelo menos alguém na mesa pedisse um prato. Entrava no restaurante e espreitava mesa por mesa, até achar algum conhecido com emprego suficiente para encomendar um frango a passarinho. As horas passavam, com longas conversas sobre testes, espetáculos a ser montados etc. Onde estavam procurando um magricela loirinho e tão míope a ponto de ser capaz de cair do palco?

Havia um problema de horário. Invariavelmente, a chamada "classe teatral" ia ao restaurante depois dos espetáculos. Eu morava no bairro da Lapa, e o ônibus parava à meia-noite, para voltar a circular ao amanhecer. Eram bons tempos. Para mim, ao menos. Embora não certamente para meus pais, que viviam descabelados, olhando a cada quinze minutos pela janela. -— Não veio ainda — murmurava minha mãe. 

— Já está na hora dele tomar jeito! — rosnava meu pai.

Se não pintava nenhuma festa, só havia uma maneira de chegar em casa. Ficar conversando até o amanhecer. Eu e meus amigos, a pé como eu, caminhávamos pelas ruas, batendo papo. Um casal de amigos vivia em uma quitinete da rua Caio Prado. Era comum receberem meia dúzia de visitantes às duas da manhã. Acordavam e ficavam conversando até o sol raiar. Ou nos acomodávamos no chão, para esperar o fim da madrugada. Isso quando não éramos impedidos de entrar pelo porteiro do prédio, que fiscalizava o excesso de bagunça.

Mas, na maioria das noites, andávamos. Não bebíamos, como pode parecer. Só caminhávamos, falando sobre a vida, sonhos, arte, projetos. Ou sobre ávida alheia, porque ninguém é de ferro. Lembro especialmente de uma noite em que, junto com um amigo, Cândido, sentei em um banco da praça da República. Absolutamente vazia. A não ser por uns patos que viviam no laguinho. Cândido não era ator, mas adorava a noite. Vivia em uma pensão no raio que o parta. A família, do interior. Esperava a decisão de um inventário. Nunca mais o vi, e às vezes tento imaginar o que aconteceu com ele. Soube, há anos, que a tal fortuna saiu. Já é uma vantagem. Passamos a noite batendo papo naquele banco. Ele se lamentava. Acabara de romper com a namorada, trocado por um baiano que ela conhecera no carnaval em Salvador. Falamos longamente sobre a vida. Às vezes passava alguém, nos olhava. Ou até cumprimentava de longe, e continuava seu caminho. O dia amanheceu, e nem sentimos o tempo passar. Ainda fomos tomar uma média com pão e manteiga. Fui ao ponto, peguei o ônibus. Quase dormi no banco, mas cheguei em casa leve, após uma boa noite de conversa.

Hoje, por uma dessas coincidências da vida, moro em um apartamento que dá frente para a praça da República. Patinhos no lago, nem pensar. Não resistiriam mais de meia hora, até serem levados, depenados e assados. Quando quero atravessar a praça, evito passar por cima. Prefiro ir por baixo, pela estação do metrô, que é mais seguro. Outro dia estava com um vizinho, pronto para voltar à superfície pela escada rolante. Um rapaz aproximou-se, chocado.

— Fui cercado por seis pivetes. Queriam minha carteira, nem sei como estou aqui.

Meu vizinho recuou, com medo. Eu ainda conversei. O rapaz só queria desabafar, ainda tremia. O síndico do meu prédio participa de um grupo que tenta fazer tai chi na praça. Pouca gente vai, mas ele insiste a duras penas. Há sujeira. Há uma coisa pesada no ar. Nunca mais sentei em um banco, nem mesmo de dia.     

Juro, tenho saudade daquele tempo em que ficar conversando na praça podia ser uma coisa normal. Não só nela. Não conheço ninguém capaz de cometer a ousadia de sentar em uma praça, mesmo em um bairro, e passar a noite batendo papo. Parece que o centro, com tanto policiamento, ainda é o lugar mais seguro. Pois em muitos bairros assaltam-se até prédios inteiros. Havia menos linhas de ônibus. Menos projetos disso e daquilo. Mas o laguinho podia ter patos.

Sinto que perdi alguma coisa essencial. Hoje, tenho meu apartamento, carro. Não preciso esperar o horário do ônibus.

Mas, no fundo, sou proprietário de muito menos. Antes, eu era dono da cidade.           

Entendendo o texto

01.Qual era o sonho principal do autor na adolescência?

     a. Ser médico.

     b. Tornar-se um músico famoso.

     c. Ser um ator.

     d. Viajar pelo mundo.

02. Onde o autor e seus amigos costumavam se encontrar após os espetáculos teatrais?

    a. No restaurante Gigetto.

    b. Na estação de metrô.

    c. Na praia.

    d. No parque.

03. Como o autor descreve sua rotina noturna após os espetáculos teatrais?

    a. Voltando para casa de carro.

    b. Conversando nas ruas até o amanhecer.

    c. Assistindo filmes em casa.

    d. Indo para festas.

04. O que o autor costumava fazer para retornar para casa quando o ônibus já não estava mais em circulação?

    a. Pegava um táxi.

    b. Ficava conversando até o amanhecer.

    c. Caminhava com os amigos.

    d. Pedalava até em casa.

05. Qual era o sentimento dos pais do autor em relação aos seus hábitos noturnos?

     a. Preocupação.

     b. Indiferença.

     c. Alegria.

     d. Despreocupação.

06. O que o autor e seu amigo Cândido faziam nas noites em que se encontravam na praça da República?

     a. Jogavam futebol.

     b. Conversavam até o amanhecer.

     c. Corriam ao redor do lago.

     d. Observavam os patos.

07. Qual era o tema principal da conversa do autor e de Cândido durante a noite na praça?

     a. Arte e sonhos.

     b. Esportes e competições.

     c. Política e economia.

     d. Tecnologia e ciência.

08. Como o autor descreve sua relação atual com a praça da República?

      a. Evita atravessá-la.

      b. Frequenta-a diariamente.

      c. Participa de grupos de exercício lá.

      d. Alimenta os patos no lago.

09. O que o autor sente falta em relação aos tempos passados na praça da República?

     a. Os patos no lago.

     b. As longas conversas noturnas.

     c. A sensação de segurança.

     d. A variedade de ônibus disponíveis.

10. Qual é a principal reflexão do autor ao comparar seu presente com o passado vivido na cidade?

      a. Ele se sente mais realizado agora.

      b. Ele percebe que tinha mais liberdade e propriedade sobre a cidade no passado.

      c. Ele prefere a tranquilidade do seu apartamento atual.

      d. Ele valoriza mais as oportunidades que teve na juventude.

 

 

CRÔNICA: MUAMBAS DE LUXO - WALCYR CARRASCO - COM GABARITO

 Crônica: Muambas de Luxo

                Walcyr Carrasco

 

HÁ DUAS SEMANAS FIZ as malas e parti para os Estados Unidos. Férias! Ainda sou do tipo caipira, que quando vai pegar um avião anuncia aos quatro ventos. Nunca mais farei isso. Mal contei, começaram as encomendas:

— Você me compra creme de barbear? — pediu um.

— Aqui existem tantas marcas...

— O que eu gosto é americano. Nas lojas, cobram 7 reais.

  Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg-tEsKkRkvqNOBAMPkyPYiWifPeA0z-1U1bhOYQtnlPnkhOccsOe9dWGueDOd_deI3RzF5XNjIozvi2SW91woM0PQviSqW84AYqEOnNSv33V_QjH8HlO4l8cAC2kR9IzMV465SSFsrkbtt8pdfXL8h7SMu5efo4NAyIbwQowmu5_a1KU95W0UjU2c-qsY/s1600/MUAMBAS.jpg



         No free shop, só 4!      .        .

Nos dias seguintes recebi uma enxurrada de telefonemas:

— Eu uso um perfume que é caríssimo no Brasil.

— Uma vez eu ganhei um relógio com um cachorrinho que late ao despertar. Da Disney. Arruma um para o meu sobrinho?

É um constrangimento. As pessoas se comportam como se estivessem no interior da selva amazônica, ávidas por gotas de civilização. Há pedidos completamente estapafúrdios. Meses atrás, um ator de voz afinada pediu a um amigo meu que ia a Nova York: "Não poderia trazer partituras musicais para um show?". O turista passou duas tardes correndo a cidade e achou algumas. Ao entregá-las, ouviu um rosnado:

— Só essas? Se tivesse procurado com vontade teria encontrado mais.

O show nunca foi montado. A amizade esfriou. Muitas vezes tentei

recusar, explicando:

— Vou a trabalho, nem sei se terei tempo...

A pessoa sempre insiste. Age como se fosse desfeita. Entre . o pedido e a entrega existem várias armadilhas capazes de acabar com uma amizade. Como a questão do preço. Certa vez um rapaz insistiu para que eu trouxesse um gravadorzinho. Comprei na primeira loja. Ainda me lembro do sorriso do chinês do balcão. Ao chegar, entendi o porquê de tanta alegria.

— Aqui no Brasil é muito mais barato!

— Você ainda queria que eu pechinchasse? -— admirei-me.

Ele me olhou torto, como se eu estivesse tirando algum por fora. Algumas situações ficam muito desagradáveis. Um advogado, conhecido meu, esqueceu-se de procurar um xampu. Ao voltar, comprou num shopping e o entregou à colega de escritório como se fosse trazido do exterior. Cobrou metade do que pagou. Só para não ficar chato. Foi pior: agora vai viajar de novo e a moça lhe deu uma lista enorme, para aproveitar o preço.

Pavoroso é o amigo que encomenda pôster. Não adianta bater o pé, dizer que não cabe em mala nenhuma, que serei obrigado à trazer na mão.

— E leve, qual o problema de carregar? — ouço de volta.

Nem sei como reagir diante da observação. Carregar tralha é horrível até em viagens curtas de ônibus, como de São Paulo a Santos. Quanto mais em aeroportos, onde se deve chegar duas horas antes, esperar para embarcar etc, etc. Será que ninguém pensa que em vez de fazer compras eu quero aproveitar a viagem? Bem, minha mãe dizia que pimenta nos olhos dos outros é refresco.

A frase mais terrível certamente é:

— Você traz que depois a gente acerta.

Por causa dela, cheguei a dar calote. Há alguns anos uma produtora teatral me pediu para encontrar um diretor em Nova York e pegar um texto com ele. Pagaria as despesas, explicou. Esperei no hotel, o homem não chegava. Eu tinha um compromisso, saí correndo. Voltei, encontrei o texto e um bilhete com a conta. Era um livro caríssimo, fora dos catálogos. Telefono para ele, não encontro. Ele liga de volta, deixa recado. Acabei partindo sem pagar. Foi a sorte. A produtora pegou o livro, sorriu, agradeceu, disfarçou e nem perguntou quanto custara. Ou seja: eu também não iria receber.

Finalmente aprendi. Ao desembarcar em Cumbica, fui ao free shop tratar das encomendas. Fiquei uma hora escolhendo licores, chocolates, latinhas de patê, telefones sem fio. Cheguei aos perfumes. De todos, só não havia o meu. Senti-me injustiçado. Estava lá, camelando com as compras, e para mim nada? Podem me chamar de egoísta. Abandonei o carrinho.

Os amigos fazem de tudo para transformar o turista em ás do contrabando. Decidi: encomendas, não mais. Sei de gente que ficará de nariz torcido. Assumo: odeio peregrinar pelas lojas, carregar malas, esfalfar-me nos aeroportos. Para muambeiro de luxo, nunca tive vocação.

Entendendo o texto

01. Qual é o tema principal abordado na crônica "Muambas de Luxo" de Walcyr Carrasco?

a. Comportamento dos turistas em viagem.

b. A experiência de compras em free shops.

c. Dicas de viagem para os Estados Unidos.

d. Histórias engraçadas de malas extraviadas.

   02. Qual é o sentimento do autor em relação às encomendas feitas por amigos e conhecidos durante sua viagem?

          a. Alegria por ajudar.

          b. Indiferença.

          c. Frustração e irritação.

          d. Entusiasmo por fazer compras.

   03. Por que o autor descreve seus amigos como transformando-o em um "ás do contrabando"?

         a. Porque gostam de envolvê-lo em atividades ilegais.

         b. Porque o incentivam a trazer produtos de forma clandestina.

         c. Porque esperam que ele traga produtos de forma vantajosa durante suas viagens.

         d. Porque querem colecionar itens exóticos trazidos por ele.

   04. O que o autor menciona como um dos pontos negativos das encomendas que recebe durante suas viagens?

         a. O peso extra na bagagem.

         b. A falta de interesse dos amigos.

         c. O desinteresse das lojas em atender seus pedidos.

         d. A dificuldade de escolher os produtos certos.

 05. Qual foi a reação do autor ao descobrir que o gravador comprado no exterior era mais barato no Brasil?

         a. Ele ficou contente por ter conseguido um bom negócio.

       b. Ele se surpreendeu com a reação de seu amigo.

      c. Ele se sentiu mal por não ter pechinchado o preço.

      d. Ele achou engraçada a situação.

    06. O que aconteceu com o show que o autor ajudou a providenciar partituras musicais?

      a. O show foi um grande sucesso.

      b. O show foi cancelado.

      c. O autor não menciona o resultado do show.

      d. O autor não chegou a assistir ao show.

   07. Por que o autor decidiu não mais aceitar encomendas durante suas viagens?

      a. Porque seus amigos não apreciavam seus esforços.

      b. Porque ele não gosta de fazer compras.

      c. Porque a experiência se tornou desagradável e estressante.

      d. Porque ele prefere viajar sem bagagem.

  08.Qual foi a situação que levou o autor a dar um "calote" involuntário durante uma viagem?

      a. Ele esqueceu de pagar uma conta de hotel.

      b. Ele não conseguiu encontrar um diretor de teatro em Nova York.

      c. Ele foi enganado ao comprar um produto caro no exterior.

      d. Ele não recebeu o pagamento pelo livro que entregou.

  09. O que fez o autor abandonar suas compras no free shop ao final da crônica?

      a. Ele percebeu que estava gastando demais.

      b. Ele não encontrou o perfume que queria.

      c. Ele decidiu não mais comprar presentes para seus amigos.

      d. Ele sentiu-se injustiçado ao perceber que seus amigos não valorizavam seus esforços.

10. Qual é a conclusão principal que o autor tira ao final da crônica "Muambas de Luxo"?

       a. Ele decide viajar mais frequentemente para os Estados Unidos.

       b. Ele percebe que não gosta de fazer compras para os outros durante suas viagens.

       c. Ele conclui que seus amigos não são gratos por suas ajudas.

       d. Ele decide se mudar para o exterior permanentemente.

 

 

 

 

domingo, 25 de fevereiro de 2024

CRÔNICA: CABEÇAS-DE-VENTO - WALCYR CARRASCO - COM GABARITO

  Crônica: Cabeças-de-Vento

                                       Walcyr Carrasco

 UM DOS MAIORES SUSTOS de minha vida aconteceu exclusivamente por culpa minha. Trabalhava em um escritório em uma pequena travessa do bairro dos Jardins. Recebi um amigo, conversamos. Saímos de noitinha. Chuviscava; Corremos até o carro. Tentei abrir, não conseguia. Um carro entrou na rua em disparada. Brecou rangendo os pneus. Quatro rapazes mal-encarados saíram às pressas, deixando as portas abertas. Não tive dúvidas: íamos ser assaltados. O escritório fechado. Rua vazia. Gelei. Um dos sujeitos parou a dois metros. Os outros formaram um arco atrás dele.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh_HWp7PnJUgllfb6hSDlwcWtlLFQBMLpMuTI-UIjHJu30VkWLaM8AEhvOW19EsIqXKHvtYBMPKuLQQNT69-seC6qcgOQVWzWYEFD_3z2k3oPpZ_2XCilUfEjmTJjYFwWJmB_PXV6g7kRcBNEo57RCTKUkBJF2Kjwi0M3-E4DhJ7Flz6Z-Mqqaqgng5AhY/s320/CABE%C3%87A.jpg


— Boa noite — rosnou.

— Boa noite — gemi de volta.

         — Largue o carro — gritou ele.      

Tremi. Era mesmo um bando de ladrões. Eu e meu amigo imóveis de medo.

— Vamos, largue o carro! — insistiu o mal-encarado.

— Mas... é meu -— consegui dizer, quase em lágrimas, abraçando o capo. — E seu coisa nenhuma. É meu.

Ergueu o punho, ameaçador. Já ia responder quando olhei para o lado. Lá estava meu carro, estacionado a poucos metros. Quem estava tentando levar o automóvel alheio era eu! Constrangidíssimo, tentei explicar:

— Ih! Acho que me enganei. O meu é aquele lá.   

 Quem poderia acreditar? O meu era azul, o dele marrom. Pior: de modelos completamente diferentes. Meu amigo babava com o vexame. Fugimos às pressas, antes de levarmos uma surra. Certamente o sujeito e a turma vão contar a vida toda como certa vez afugentaram dois perigosos ladrões com a boca na botija.

Carros são um prato ótimo para distraídos. Dia desses um amigo entrou na garagem do prédio, que tem dois pavimentos. Horrorizado, descobriu que seu carro estava todo enlameado.

— Alguém deve ter usado escondido! Só pode ser o garagista!

Cheio de raiva, pegou uma mangueira. Lavou. Arrumou pano velho para enxugar. Quando chegou na frente, notou parte da pintura descascada.

   — Ainda por cima devem ter raspado na parede. E muita safadeza. 

Já estava prestes a chamar o síndico. De repente descobriu que tinha lavado o carro de outra pessoa. Pior, de um modelo diferente do seu! Simplesmente errara o pavimento da garagem, caminhara até onde julgara ser sua vaga e o resto ficou por conta da distração. Tenho uma amiga experta em distrações culinárias. Convida para um churrasco e esquece de comprar a carne. Certa vez preparou um jantar para dez pessoas. Só eu fui. Ficou arrasada. Lá pelas tantas, ligou para um convidado.

— Por que você não veio no meu jantar?

— O quê? Você não avisou!

Tinha esquecido de convidar. Tenho um amigo tão distraído que, em certo dia de chuva, ficou de dar carona a uma companheira na saída do trabalho.

Ofereceu.

— Vou até o estacionamento, tiro o carro e pego você na porta.

A amiga sorriu, agradecida. São raros os cavalheiros hoje em dia. Pois bem:

o "cavalheiro" chapinhou até o estacionamento. Pegou o carro e saiu. A moça aguardava na porta. Ele passou por ela distraidamente, deu tchauzinho e foi embora. A coitada pensou que fosse brincadeira. Quarenta minutos depois percebeu que havia algo errado. Foi obrigada a sair na chuva, no escuro, até um ponto de ônibus Só no dia seguinte, quando estava prestes a levar uns tapas, ele percebeu o engano. — Ih... eu esqueci que você estava me esperando! Se dirijo, às vezes viro na rua errada, sem pensar. Principalmente quando estou acostumado com um caminho e esqueço que vou para outro lugar. Levanto para dar um telefonema urgente, paro para tomar um café e quando lembro passou o horário comercial. Meu amigo Cláudio, um distraído contumaz, jura que é genético. Certa vez, nos bons tempos do centro da cidade, seu avô e sua avó foram assistir a uma ópera no Teatro Municipal. Ela, com casaco de peles e joias, elegante como era de praxe. O casal saiu caminhando. A rua Xavier de Toledo estava em obras, cheia de tapumes e buracos bem fundos. A avó caiu dentro de um deles. O marido nem percebeu. Distraído, foi para casa, sentou-se para ler o jornal. Horas depois a mulher apareceu. Suja de barro até os cabelos. O casaco de pele destruído. Ele espantou-se: — Onde é que você estava?

Hoje em dia daria divórcio. Na época, ela contentou-se em rugir. De tudo, uma lição se aprende. Quando se fala em distraídos, sem dúvida a tragédia anda ao lado da comédia.

Entendendo o texto

01. Qual foi o motivo do susto vivenciado pelo protagonista na crônica?

a) Ele foi perseguido por ladrões.

b) Ele se enganou pensando que ia ser assaltado.

c) Ele perdeu seu carro.

d) Ele viu um acidente de carro.

    02. O que o protagonista abraçou quando os supostos ladrões ordenaram que largasse?

         a) Um poste

         b) Seu amigo

         c) Uma árvore

         d) O capô de um carro

   03. Por que o amigo do protagonista ficou horrorizado ao encontrar seu carro na garagem do prédio?

         a) Estava todo enlameado.

         b) Estava amassado.

         c) Estava com os pneus furados.

         d) Estava bloqueando a saída.

  04. O que o amigo do protagonista descobriu quando chegou na frente do carro que estava lavando?

        a) A pintura estava descascada.

        b) O pneu estava murcho.

        c) O motor estava falhando.

        d) O carro não era o seu.

  05. Qual foi a distração culinária da amiga do protagonista mencionada na crônica?

       a) Esqueceu de comprar carne para o churrasco.

       b) Preparou um jantar para dez pessoas e só o protagonista apareceu.

       c) Não avisou os convidados sobre o jantar.

       d) Esqueceu de acender o fogão.

  06. O que o amigo distraído do protagonista esqueceu de fazer quando prometeu dar carona para a companheira de trabalho?

       a) Tirar o carro do estacionamento.

       b) Encontrar a companheira na porta do trabalho.

       c) Voltar para buscá-la após estacionar o carro.

       d) Ligar para avisar que estava a caminho.

  07. Qual é a principal causa das distrações do protagonista quando dirige?

        a) Ele costuma se distrair com o celular.

        b) Ele tem problemas de visão.

        c) Ele se perde facilmente.

        d) Ele está sempre atrasado.

   08. O que aconteceu com a avó do amigo distraído do protagonista durante uma ida ao Teatro Municipal?

       a) Ela perdeu seu casaco de pele.

       b) Ela ficou presa em um buraco na rua.

       c) Ela foi atropelada.

       d) Ela se perdeu no caminho.

  09. Qual foi a reação do marido da avó do amigo distraído quando ela voltou para casa suja de barro?

       a) Ele ficou muito preocupado.

       b) Ele riu da situação.

       c) Ele não percebeu.

       d) Ele pediu o divórcio.

  10. Qual é a lição que se aprende com as histórias de distrações na crônica?

       a) Distrações podem resultar em tragédias.

       b) Distrações são sempre engraçadas.

       c) É importante prestar atenção aos detalhes.

       d) É inevitável cometer erros por distração.