Mostrando postagens com marcador CRÔNICA. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador CRÔNICA. Mostrar todas as postagens

sábado, 9 de agosto de 2025

CRÔNICA: ALÉM DO POSSÍVEL - FERREIRA GULLAR - COM GABARITO

 Crônica: Além do possível

              Ferreira Gullar

        Coisa fácil é julgar os outros e difícil é compreendê-los. Já afirmei, aqui, que quem admite a complexidade da realidade não pode ser radical nem sectário, pela simples razão de que, se os problemas são complexos, não serão resolvidos de uma penada. Alias, toda vez que se tenta fazê-lo, o desastre é inevitável. Mas a tendência mais comum é acreditar nas soluções milagrosas, mesmo porque aceitar que as coisas são complicadas custa muito, a não ser se se trata de nós mesmos. Claro, quando alguém nos acusa de ter agido mal, nossa resposta é sempre que não deu pra fazer melhor. “As coisas são complicadas”, a gente argumenta. E são mesmo, mas para os outros também.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjgrN-1FZnXiXRai23fdTszZuI8cMijpWOoQREPvnHih5DG6bes92ZnpEE73ij-4_HZf5c7-hTbpwx1kZ53hPU6_fQ2p5XNEUDVsG91x3Uy2424fA3VsFHn3Y6TqiHdqhqFSZTxXnR7z6Mca-22v2MbTIBxWioe4sKqnMmdTQzgqi40W1tW-Haq0vVFl3w/s1600/images.jpg


        Essas considerações vêm a propósito de uma conversa que tive com uma amiga muito querida, que vive sonhando. Devo esclarecer que nasci sob o signo de Virgo e sou, portanto, segundo a discutível astrologia, um tipo da terra, que vive pesando e medindo tudo, sem tirar os pés do chão. Tanto isso é verdade que muito raramente escrevo poesia, uma vez que a poesia nos obriga a voar. Essa é a razão por que, quando me perguntam se eu sou o poeta Ferreira Gullar, eu respondo: “Às vezes”. Dá então para entender a dificuldade que tenho de discutir certas coisas com uma pessoa do signo de Balança, por exemplo. Essa minha amiga é de Balança, isto é, não só hesita, sobe e desce, como flutua o tempo todo. E por isso, apesar do carinho que nos une, frequentemente nos desentendemos.

        -- Mas você não vê que isso é loucura, menina?

        -- Loucura? Só porque desejo ir pro deserto de Atacama catar múmia?

        -- Não sabia que você virou arqueóloga!

        -- E precisa ser arqueóloga pra ir catar múmia em Atacama?

        -- Precisa, sim. Mesmo porque aquilo deve ser um campo arqueológico, supervisionado pelo governo chileno. Não pode qualquer pessoa chegar lá e começar a cavucar.

        -- Você é um chato, ouviu! É por isso que não suporto os virginianos!

        -- Você não suporta é a realidade, meu amor!

        Pedi a conta e saímos amuados do restaurante. Ao chegar em casa, refleti.

        -- Que diabo tenho eu que ficar botando areia no sonho dos outros?

        E, como bom virginiano, aleguei que só falara aquilo temendo que ela entrasse numa fria, se tocasse para o deserto de Atacama e desse com os burros n’água.

        No dia seguinte, liguei para ela e me desculpei, expliquei-lhe que minha intenção era apenas alertá-la.

        -- E você pensa que eu sou maluca? Acha que eu ia mesmo me tocar para Atacama semana que vem?

        -- Temia que...

        -- O que você não entende é que tenho necessidade de sonhar, de imaginar coisas maravilhosas. Se as levarei à prática ou não, é secundário. Às vezes levo, como a viagem que fiz ao Himalaia e a outra, a Machu Picchu. Sei muito bem que fazer é mais difícil que sonhar, e por isso mesmo é que eu sonho.

        Caí em mim. Lembrei-me de uma coisa que sei e de que às vezes me esqueço: a vida não é só o possível. Sem o impossível, não se vai muito além da próxima esquina.

Ferreira Gullar. Além do possível. Em: Ferreira Gullar: crônicas para jovens. São Paulo: Global, 2011. p. 108-109 (Coleção Crônicas para jovens).

Fonte: Universos – Língua Portuguesa – Ensino fundamental – Anos finais – 9º ano – Camila Sequetto Pereira; Fernanda Pinheiro Barros; Luciana Mariz. Edições SM. São Paulo. 3ª edição, 2015. p. 80-81.

Entendendo a crônica:

01 – Qual a principal diferença de personalidade e visão de mundo entre o narrador e sua amiga, segundo o texto?

      O narrador, um virginiano, é pragmático e realista, "pesando e medindo tudo" e mantendo os "pés no chão". Ele foca no que é possível e concreto. Sua amiga, uma libriana, é sonhadora e flutuante. Ela tem a necessidade de imaginar coisas e idealizar, mesmo que não as realize de fato. Essa diferença de temperamentos é a causa de seus desentendimentos.

02 – Por que o narrador se identifica como poeta "às vezes"?

      Ele afirma que nasceu sob o signo de Virgem e se considera um tipo da terra, o que contrasta com a natureza da poesia, que exige "voar", ou seja, imaginar e sair da realidade concreta. Por isso, ele se vê como poeta apenas em momentos específicos, quando consegue se desprender de seu lado racional e pragmático para criar.

03 – Qual o motivo do desentendimento entre o narrador e sua amiga durante a conversa no restaurante?

      A amiga, sonhadora, expressa o desejo de ir ao deserto de Atacama catar múmias, uma ideia que o narrador considera "loucura" e irrealista. Ele, com sua visão pragmática, aponta as dificuldades práticas (a necessidade de ser arqueólogo, a supervisão governamental, etc.), enquanto ela enxerga a ideia como um simples sonho.

04 – Após a discussão, qual foi a reflexão do narrador?

      Depois de se desentender com a amiga, o narrador reflete sobre sua atitude e se questiona: "Que diabo tenho eu que ficar botando areia no sonho dos outros?". Ele percebe que sua tentativa de ser realista e alertá-la sobre os perigos foi, na verdade, uma intromissão desnecessária em algo que era apenas um sonho.

05 – Qual a principal lição que o narrador aprende com a amiga no final da crônica?

      A amiga explica que a necessidade de sonhar é essencial, e que a realização ou não do sonho é algo secundário. A partir disso, o narrador compreende que a vida não se resume apenas ao "possível" e que sem o "impossível" — ou seja, sem a capacidade de sonhar e idealizar — a vida se torna limitada e sem grandes avanços.

06 – Como a crônica "Além do Possível" trata a ideia de julgamento e compreensão?

      O texto começa afirmando que "coisa fácil é julgar os outros e difícil é compreendê-los". O narrador, ao longo da narrativa, exemplifica essa ideia. Inicialmente, ele julga o sonho da amiga como loucura, sem tentar entender a sua real importância para ela. Ao final, ele a compreende e se desculpa, percebendo que sua visão pragmática o impediu de enxergar o valor do "impossível".

07 – Qual o significado da última frase da crônica: "a vida não é só o possível. Sem o impossível, não se vai muito além da próxima esquina"?

      Essa frase sintetiza o aprendizado do narrador. Ela significa que a realidade concreta e pragmática (o possível) é apenas uma parte da vida. Para que haja progresso, inovação e até mesmo um sentido maior, é preciso sonhar, ter aspirações e idealizar (o impossível). Ficar preso apenas ao que é viável impede a pessoa de ir longe, de se aventurar e de transcender a rotina.

 

CRÔNICA: RUÍDOS - LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO - COM GABARITO

 Crônica: RUÍDOS

             Luís Fernando Veríssimo

        A única linguagem verdadeiramente internacional é a linguagem do corpo. Não, não os gestos: os ruídos. A tosse, o espirro, o pum, o trombone de sovaco, você os conhece. Também é a única linguagem autêntica. Talvez por isso mesmo haja tanta preocupação em disfarçá-la, e desencorajar o seu uso em público. Desde pequenos aprendemos a reprimir, na medida do possível, as manifestações naturais do nosso corpo, e a nos sentirmos embaraçados quando não dá para controlar e o corpo se faz ouvir claramente, causando espanto e mal-estar. Ao mesmo tempo, aprendemos a nos expressar com palavras e frases – ou seja, a linguagem da dissimulação, da mentira e, ela sim, da ofensa – que, por mais bem pensadas e articuladas que sejam, não tem a honestidade de um bom arroto.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgmt_1Jkwf9WlWu1N8clUca1eBBhxQMyI_qA_UmOJZ8Zt6kL_MSMfEOjiAAlzilqmYeOcOb0BW_t4iwb5RCU3bwJeXHdwoD8Drj2w9T0nUtCdhI0sOBRkYkROVUuwZQP1dK45fo3fARXvnwj4UbdTuZByCTN4kQRpXkggiDHrPp6DrmZ6iQWQvkzcQZ1rA/s320/Sinais-e-ruidos-e1717186397125.jpg


        Valorizamos a hipocrisia, condenamos a autenticidade. E o que é mais civilizado, a palavra, que discrimina e exclui, ou o ronco da barriga, que é igual para todos e que aproxima as pessoas, além de descontrair o ambiente? Uns podem ser mais ou menos espalhafatosos, mas todos os homens espirram da mesma maneira. Os puns também são iguais – respeitadas as variações de entonação, inflexão e duração –, independentemente de raça, cor, classe ou credo religioso. E ninguém tosse com sotaque, ou com mais correção gramatical do que seu vizinho.

        E sustento a tese de que, para conferências de paz ou qualquer negociação internacional, os países deveriam mandar os "mal-educados", no bom sentido. Pessoas que estabelecessem, de saída, sua humanidade comum, fazendo os ruídos que todos os homens e todas as mulheres (menos) fazem, em qualquer lugar do mundo. A primeira meia hora dos encontros poderia ser só de troca de ruídos do corpo, para criar o clima. Depois, o entendimento viria naturalmente. Mas não, quem é que mandam para essas reuniões? Diplomatas. Logo diplomatas, educadíssimos, incapazes de chuparem um dente na frente de quem quer que seja!

        Não admira que ainda exista tanta discórdia no mundo.

Luís Fernando Veríssimo. O Mundo é Bárbaro: e o que nós temos a ver com isso. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008. p. 87-88.

Fonte: Universos – Língua Portuguesa – Ensino fundamental – Anos finais – 9º ano – Camila Sequetto Pereira; Fernanda Pinheiro Barros; Luciana Mariz. Edições SM. São Paulo. 3ª edição, 2015. p. 78.

Entendendo a crônica:

01 – De acordo com o autor, qual é a única linguagem verdadeiramente internacional e autêntica?

A – A linguagem escrita, pois supera barreiras de sotaque e pronúncia.

B – A linguagem verbal, pois permite expressar pensamentos complexos.

C – A linguagem dos gestos, pois é compreendida globalmente.

D – Os ruídos do corpo, como a tosse e o espirro.

02 – Qual é a principal crítica do autor em relação à educação social?

A – Ela não ensina as pessoas a se expressarem bem com palavras.

B – Ela valoriza a hipocrisia e condena a autenticidade dos ruídos do corpo.

C – Ela não considera a importância dos gestos em público.

D – Ela não prepara as pessoas para reuniões internacionais.

03 – A que o autor se refere quando fala em 'linguagem da dissimulação'?

A – Às palavras e frases, que podem ser usadas para mentir e ofender.

B – Ao sotaque e à correção gramatical na fala.

C – Aos ruídos do corpo que as pessoas tentam esconder.

D – À linguagem corporal não intencional.

04 – Qual é a proposta inusitada do autor para as conferências de paz?

A – Que os diplomatas sejam substituídos por pessoas 'mal-educadas' para criar um clima de humanidade comum.

B – Que os encontros comecem com uma discussão sobre os ruídos que mais aproximam as pessoas.

C – Que todas as reuniões sejam feitas sem o uso de palavras, apenas com ruídos.

D – Que diplomatas sejam ensinados a fazer os ruídos do corpo para se comunicarem melhor.

05 – Por que o autor argumenta que 'não admira que ainda exista tanta discórdia no mundo'?

A – Porque as pessoas valorizam a linguagem verbal em detrimento da linguagem autêntica dos ruídos corporais.

B – Porque os ruídos do corpo nem sempre são iguais para todos.

C – Porque as pessoas são incapazes de se comunicar de forma clara.

D – Porque os diplomatas são as pessoas mais educadas do mundo.

 

 

 

 

CRÔNICA: GENTE BOA - MAITÊ PROENÇA - COM GABARITO

 Crônica: Gente boa

              Maitê Proença

        Li outro dia um artigo sobre monges budistas, freiras de clausura e essa gente toda que medita com frequência. Estudos provam que eles têm mais desenvolvida a parte do cérebro que percebe o aspecto luminoso das coisas. Enxergam mínimas virtudes, têm mais com paixão e sabem amar com desprendimento.

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjxWvouuPwYTcVwE7V9rAVyXnfyoBBTyBef7OB_jq2LX204Q_EBuaKxrA9VJL5nFNsO2PT6Gih-FL9kTj65D-_mzxHfwLBdPfscihNYRuv8vdfAUZpDDDl5-DjUzFcaJx6_y3HT6xx-0Ll0w8XihzPDo4CvRfEE2HG88mhh-Xy4IBTYzQRKT6Hzj6b0r0Q/s320/79192016-conjunto-de-pessoas-de-religi%C3%A3o-cole%C3%A7%C3%A3o-de-personagens-diferentes-monge-budista-sacerdotes.jpg

        Há sete anos passei um mês em Myanmar, a antiga Birmânia, e lembro-me de sentir nitidamente que aquela gente era melhor que eu. Havia harmonia e benevolência na expressão das pessoas. Não penso que fosse a visão superficial de quem enxerga os encantos do exotismo. Lá eu acordava predisposta para o bem e não porque seja de fato boa, mas porque era o que se esperava de mim. Ninguém na rua imaginava que eu pudesse dar um golpezinho, enganar ou pensar algo negativo enquanto sorria gentilmente. A delicadeza estava por toda parte apontando para o que há de mais puro na gente, contagiando com qualidades altruístas. Enquanto estive com aquela gente, umas belezas emboloradas foram brotando feito susto de dentro de meus egoísmos. Não havia, na época, o hábito da televisão a qualquer hora, sequer existia TV por satélite, e a cultura mantinha-se, assim, preservada dos costumes ocidentais. Não vi uma pessoa vestindo calça jeans, nem eu mesma, que rapidamente aprendi a amarrar panos na cintura pra fazer saia igual à das moças de lá — se amarrar diferente vira saia de homem. A única infiltração de hábito ocidental que se percebe é um pouco de cinema e, mesmo assim, os filmes são quase sempre indianos. Quem chega ali vindo de um mundo onde tudo se consegue pela força fica perplexo diante de meninos e meninas que escolhem passar às vezes três anos de sua adolescência burilando o espírito em monastérios budistas, no preparo para a vida adulta. Saem sabendo tudo de abnegação, de generosidade, da importância do silêncio, do não julgamento… Sabem pouco ou nada de sexo, drogas e rock’n’roll. E conseguem viver sem isso, rindo! Não falarei do sistema político e suas violências, contradições há por toda parte, e não se contrapõem ao relato que faço aqui. Também não pretendo fazer o relato sentimental da pureza de um povo simples e isolado do mundo, mas é que a virtude precisa mesmo de exercício para manter-se espontânea, e aquele povo, sei lá por que, parece achar essa prática importante.

        Também não compreendo por que as pessoas mais simples tendem a ser melhores. Por que os jogadores de futebol, por exemplo, compram casa pra mãe, pra tia e pra família inteira, enquanto os “bem de berço”, se fazem fortunas, tratam logo de brigar com qualquer infeliz que possa um dia vir tirar uma lasquinha.

        Tenho consciência de que um dia fui melhor que hoje — quando era mais simples. A vida foi se sofisticando, me deixando esperta e mais apta pro jogo social. Tive ganhos com isso, mas perdi algo de genuíno que me diferenciava. Fui perdendo, no corre-corre do “fiz faço aconteço”, o que me aproximava de uma experiência particular e única — e melhor, eu acho. Felizmente, nada é irreversível e não preciso ir morar em Myanmar pra resgatar minhas virtudes distantes. Posso fazer isso do meu apartamento em Copacabana, já que nada é mais poderoso que a firmeza de uma intenção.

        Mas aí… cadê a firmeza?

Maitê Proença. Entre ossos e a escrita. Rio de Janeiro: Agir, 2008. p. 95-96.

Fonte: Universos – Língua Portuguesa – Ensino fundamental – Anos finais – 9º ano – Camila Sequetto Pereira; Fernanda Pinheiro Barros; Luciana Mariz. Edições SM. São Paulo. 3ª edição, 2015. p. 66.

Entendendo a crônica:

01 – De acordo com a crônica, qual foi a principal percepção da autora durante sua estadia em Myanmar?

A – Ela ficou frustrada com a falta de modernidade e de entretenimento como televisão e cinema.

B – Ela percebeu que as pessoas eram melhores que ela e que ela mesma se sentia predisposta ao bem.

C – Ela sentiu que a cultura ocidental era superior e que o povo de lá era muito atrasado.

D – Ela se sentiu isolada e solitária, pois não conseguia se comunicar com os habitantes locais.

02 – A autora compara a generosidade de monges e freiras com qual característica das pessoas simples em geral?

A – A capacidade de se afastar do mundo ocidental para ter virtudes.

B – A tendência de serem melhores e a espontaneidade da virtude em suas vidas.

C – A tendência a viverem em monastérios budistas.

D – A habilidade de meditar para desenvolver o cérebro.

03 – Qual é a principal razão pela qual a autora acredita que os habitantes de Myanmar mantêm suas virtudes?

A – O isolamento do país devido a um sistema político violento.

B – A exposição constante à cultura ocidental através da televisão e internet.

C – A forte influência do cinema indiano.

D – A prática constante da virtude, que se torna espontânea.

04 – A autora faz uma distinção entre jogadores de futebol e pessoas 'bem de berço' com fortunas. Qual é essa diferença?

A – Ambos os grupos tendem a brigar para proteger suas fortunas.

B – Jogadores de futebol compram casa para a família, enquanto os 'bem de berço' evitam dividir a fortuna.

C – Os 'bem de berço' são mais simples e generosos, enquanto os jogadores de futebol são mais espertos e egoístas.

D – Jogadores de futebol tendem a gastar seu dinheiro consigo mesmos, enquanto os 'bem de berço' ajudam a família.

05 – No final da crônica, qual é a principal reflexão da autora sobre o resgate de suas virtudes?

A – Ela decide que precisa se mudar para um local mais simples, como Myanmar, para se tornar uma pessoa melhor novamente.

B – Ela conclui que é impossível recuperar suas virtudes perdidas devido ao 'jogo social'.

C – Ela acha que suas virtudes se perderam para sempre no corre-corre da vida e não há como recuperá-las.

D – Ela acredita que a firmeza de uma intenção é o mais poderoso, mas questiona se ela tem essa firmeza.

 

 

 

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

CRÔNICA: MUITO CEDO PARA DECIDIR - FRAGMENTO - RUBEM ALVES - COM GABARITO

 Crônica: Muito cedo para decidir – Fragmento

              Rubem Alves

        Gandhi se casou menino. Foi casado menino. O contrato, foram os grandes que assinaram. Os dois nem sabiam direito o que estava acontecendo, ainda não haviam completado 10 anos de idade, estavam interessados em brincar. Ninguém era culpado: todo mundo estava sendo levado de roldão pelas engrenagens dessa máquina chamada sociedade, que tudo ignora sobre a felicidade e vai moendo as pessoas nos seus dentes. Os dois passaram o resto da vida se arrastando, pesos enormes, cada um fazendo a infelicidade do outro. 

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjut1vW8kGK8ChY7vAq6qiCjVcmn9PDxRaiAJNxmL-MNjVoMl-AynogxPRGR0sDKfXb_L9wstNlegljE1ztPLb0moujf77zvA9j41DVq_iWib5hcm5kVbn8SHPNQ4u8s54B0bV5VSVWOSfeGJuL5gm7mQ-79fJruncQsSKvb2GEQQRn8x80M8VwZFfnzTE/s320/11B-Mahatma-Ghandi_pt_BR.jpg


        Vocês dirão que felizmente esse costume nunca existiu entre nós: obrigar crianças que nada sabem a entrar por caminhos nos quais terão de andar pelo resto da vida é coisa muito cruel e... burra! Além disso já existe entre nós remédio para casamento que não dá certo.

        [...]

        Pois dentro de poucos dias vai acontecer com nossos adolescentes coisa igual ou pior do que aconteceu com o Gandhi e a mulher dele, e ninguém se horroriza, ninguém grita, os pais até ajudam, concordam, empurram, fazem pressão, o filho não quer tomar a decisão, refuga, está com medo. "Tomar uma decisão para o resto da minha vida, meu pai! Não posso agora!" e o pai e a mãe perdem o sono, pensando que há algo errado com o menino ou a menina, e invocam o auxílio de psicólogos para ajudar...

        Está chegando para muitos o momento terrível do vestibular, quando vão ser obrigados por uma máquina, do mesmo jeito como o foram Gandhi e Casturbai (era esse o nome da menina), a escrever num espaço em branco o nome da profissão que vão ter.

        Do mesmo jeito não: a situação é muito mais grave. Porque casar e descasar são coisas que se resolvem rápido. Às vezes, antes de se descasar de uma ou de um, a pessoa já está com uma outra ou um outro. Mas, com a profissão não tem jeito de fazer assim.

        Pra casar, basta amar.

        Mas na profissão, além de amar tem de saber. E o saber leva tempo pra crescer.

        A dor que os adolescentes enfrentam agora é que, na verdade, eles não têm condições de saber o que é que eles amam. Mas a máquina os obriga a tomar uma decisão para o resto da vida, mesmo sem saber.

        Saber que a gente gosta disso e gosta daquilo é fácil. O difícil é saber qual, dentre todas, é aquela de que a gente gosta supremamente. Pois, por causa dela, todas as outras terão de ser abandonadas. A isso que se dá o nome de "vocação"; que vem do latim, vocare, que quer dizer "chamar". É um chamado, que vem de dentro da gente, o sentimento de que existe alguma coisa bela, bonita e verdadeira à qual a gente deseja entregar a vida.

        [...]

        Um conselho aos pais e aos adolescentes: não levem muito a sério esse ato de colocar a profissão naquele lugar terrível. Aceitem que é muito cedo para uma decisão tão grave. Considerem que é possível que vocês, daqui a um ou dois anos, mudem de ideia. Eu mudei de ideia várias vezes, o que me fez muito bem. Se for necessário, comecem de novo. Não há pressa. Que diferença faz receber o diploma um ano antes ou um ano depois?

        [...]

        Assim, Raquel, não se aflija. A vida é uma ciranda com muitos começos.

        Coloque lá a profissão que você julgar a mais de acordo com o seu coração, sabendo que nada é definitivo. Nem o casamento. Nem a profissão. E nem a própria vida...

Rubem Alves. Estórias de quem gosta de ensinar: o fim dos vestibulares. Campinas: Papirus, 2000. p. 35-40.

Fonte: Universos – Língua Portuguesa – Ensino fundamental – Anos finais – 9º ano – Camila Sequetto Pereira; Fernanda Pinheiro Barros; Luciana Mariz. Edições SM. São Paulo. 3ª edição, 2015. p. 211.

Entendendo a crônica:

01 – Qual é a principal crítica do autor em relação ao casamento de Gandhi?

      O autor critica o fato de que Gandhi e sua esposa foram forçados a se casar ainda crianças, sem entender o que estava acontecendo. Ele descreve o casamento como um ato cruel e "burro", uma decisão imposta pela sociedade que os levou a uma vida de infelicidade.

02 – Qual é a analogia que o autor faz entre o casamento de Gandhi e o vestibular?

      Rubem Alves compara o vestibular com o casamento de Gandhi, pois ambos são situações em que adolescentes são forçados a tomar uma decisão grave e definitiva para suas vidas sem ter a maturidade e o conhecimento necessários para tal escolha.

03 – Por que o autor considera a decisão do vestibular "muito mais grave" do que o casamento?

      O autor argumenta que a escolha da profissão é mais grave porque, ao contrário do casamento que pode ser desfeito, a profissão exige tempo para o saber crescer. Não é algo que se resolve rapidamente e, uma vez trilhado o caminho, as outras opções são abandonadas.

04 – O que o texto define como "vocação"?

      O autor define "vocação" como um "chamado" que vem de dentro da pessoa, um sentimento de que existe algo "belo, bonito e verdadeiro" ao qual ela deseja dedicar sua vida. É a escolha suprema que faz com que as outras sejam deixadas de lado.

05 – Qual conselho o autor dá aos pais e adolescentes que estão nesse dilema?

      O autor aconselha que não levem a decisão da profissão "muito a sério", pois é muito cedo para uma escolha tão grave. Ele sugere que aceitem a possibilidade de mudar de ideia, que, se necessário, comecem de novo, e que não há pressa.

06 – Por que o autor usa sua própria experiência para dar conselhos?

      O autor usa sua própria experiência de ter mudado de ideia várias vezes para mostrar que a vida é uma jornada de múltiplos começos e que isso o fez muito bem. É uma forma de encorajar os adolescentes a não encararem a decisão como algo definitivo.

07 – Qual a mensagem final do autor para a leitora chamada Raquel?

      Para Raquel, a mensagem é para que não se aflija, pois a vida é uma ciranda com muitos começos. Ele a encoraja a escolher a profissão que mais se alinha com o seu coração, mas com a consciência de que nada é definitivo, nem a profissão, nem o casamento, nem a própria vida.

 

 

 

 

domingo, 27 de julho de 2025

CRÔNICA: GRINGO VENDO FUTEBOL - FRAGMENTO - MARIO PRATA - COM GABARITO

 Crônica: GRINGO VENDO FUTEBOL – Fragmento

              Mario Prata

        Um americano [...], na semana passada estava assistindo a um jogo de futebol comigo, pela televisão. Entendia a língua portuguesa, não entendia muito de futebol. E me fazia perguntas que me faziam pensar. A mais intrigante, foi esta:

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhizR_CiZXB9ek-NZfRYGQlN4zpQmSz7BQlfQwiga079IMD9crwUzFVAor-bZXesiZ8ADgzPy5MFdvoX-Fsl3FPw5nrKVZ7kDFPwG4auG52pFWQM0GooJ_5MChlkKERQJ7jEG-21mCZ8Qxb7bsN323enwgM1ZvK3Y9HNrN9J6zSXi3pj2KGBJ1-xCX2p6I/s1600/images.jpg


        -- Por que aquele homem olha na chuteira do reserva, quando ele vai substituir o outro?

        [...]. Expliquei para ele que há muitos e muitos anos atrás que nos sapatos e nas chuteiras usavam-se pregos para grudar a sola. Isto há mais de quarenta anos. Portanto, um jogador (por maldade ou descuido) poderia entrar em campo com um prego meio solto e machucar o adversário.

        -- Mas, se há tanto tempo não tem mais prego, por que olham?

        Eu estava entretido com o meu time disse não sei. Mas percebi que ele estava intrigado com o negócio. E insistiu:

        -- Os outros onze, quando entram, no começo do jogo, eles também olham a chuteira para ver se têm pregos?

        -- Não.

        -- Então por que esta implicância com os reservas? Olha lá, outro reserva entrando e mostrando a sola da chuteira. Por quê? [...]

        [...] E mais: se não tem mais prego, por que mostrar? Será que ninguém ligado ao futebol ainda não pensou nisto? O americano estava certo.

        Mais um pouco e ele continuou com suas observações:

        -- Por que o locutor diz que o jogador caiu?

        -- Porque caiu, uai.

        -- Sim, eu vi que ele caiu. É televisão. Ele não precisa me dizer. Olha lá, dizendo que o goleiro pegou a bola. Eu vi! Será que ele não pode me deixar assistir em paz? É televisão ou rádio?

        Penso:

        -- É que antes era rádio e eles acostumaram a narrar tudo.

        -- Mas então alguém precisa dizer para eles que a gente não é cego. Olha lá: dizendo que foi falta. Eu vi!!!

        O americano estava certo, os nossos locutores de televisão acham que estão transmitindo pelo rádio.

        -- Se o juiz já disse que vai ter mais três minutos de jogo, se o sujeito já levantou a placa mostrando, se lá em cima da televisão está dizendo que vamos ter três minutos de acréscimo, porque o locutor tem que avisar a gente que vamos ter mais três minutos de jogo? E precisa dizer que o jogo vai até os 48? Não é meio óbvio?

        O americano estava certo.

        -- Outra coisa – insistiu ele – você já notou que aquele jatinho de tinta branca que ele marca o campo na hora das falas, no final do jogo não sai mais quase nada lá de dentro? É porque foram muitas faltas, ou é o tubinho dele que não cabe mais spray? Olha lá, nem dá mais para ver a marquinha. Assim a barreira vai avançar.

        O americano, mais uma vez, estava certo.

        Quando acabou o jogo, ele que já havia assistido a outros jogos comigo, disse:

        -- Quer apostar como o repórter de campo vai perguntar o que foi que faltou ao time?

        O repórter perguntou.

        Mais tarde, no boteco, ele me perguntou:

        -- E por que todos os jogadores negros raspam a cabeça? É da regra?

Mário Prata. O Estado de São Paulo, p. D10, 2 jun. 2004.

Fonte: Universos – Língua Portuguesa – Ensino fundamental – Anos finais – 6º ano – Camila Sequetto Pereira; Fernanda Pinheiro Barros; Luciana Mariz. Edições SM. São Paulo. 3ª edição, 2015. p. 165.

Entendendo a crônica:

01 – Qual foi a pergunta mais intrigante feita pelo americano ao narrador da crônica?

      A pergunta mais intrigante feita pelo americano foi: "Por que aquele homem olha na chuteira do reserva, quando ele vai substituir o outro?"

02 – Qual é a explicação histórica para o hábito de olhar a chuteira dos jogadores, segundo o narrador?

      O narrador explica que, há muitos anos, usavam-se pregos nos sapatos e chuteiras para fixar as solas. Assim, um jogador poderia, por descuido ou maldade, entrar em campo com um prego solto e machucar o adversário.

03 – Quais são as críticas do americano em relação à narração dos jogos de futebol na televisão?

      O americano critica o fato de os locutores narrarem ações óbvias que podem ser vistas na televisão (como um jogador cair, o goleiro pegar a bola ou uma falta ser marcada). Ele sente que os locutores agem como se estivessem transmitindo pelo rádio e não permitindo que o espectador assista em paz.

04 – Que observações o americano faz sobre o spray de marcação de campo usado pelos juízes?

      O americano observa que o jatinho de tinta branca usado para marcar o campo nas faltas parece esvaziar ao longo do jogo, questionando se isso acontece por causa do grande número de faltas ou se o tubo não comporta mais spray. Ele nota que as marcações mal ficam visíveis, permitindo que a barreira avance.

05 – Além das questões sobre as chuteiras, a narração e o spray, qual outra observação final o americano faz sobre o futebol e os jogadores?

      Ao final, o americano faz duas observações: ele prevê, acertadamente, que o repórter de campo perguntaria o que "faltou ao time", e depois pergunta por que "todos os jogadores negros raspam a cabeça", questionando se é "da regra".

 

 

quinta-feira, 3 de julho de 2025

CRÔNICA: REENCONTRO - FRAGMENTO - DRAUZIO VARELLA - COM GABARITO

 Crônica: Reencontro – Fragmento

              Drauzio Varella

        Numa tarde chuvosa, tocou o telefone na Carceragem do Oito. Um funcionário atendeu e trouxe o recado em voz baixa para o seu Pires, o diretor do pavilhão:

        – Telefone para o seu Chico, é voz de moça.

        Como o regulamento proíbe ligações externas para detentos, o diretor foi ver quem era:

        – Quem quer falar com o seu Chico? Aqui não pode atender telefonema de fora!

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgBZzFZrFaAemAga4389mIwQ03FwMLOx689Nk8EMBgeRss9skRNFF-wiwYJ1WG5qyJZ-JFYcvTBaZtAYhXBX-Cya9n5c-eKXoIlH83A05X34pJFdL4j8EMQYaNlQNQwHI8OoxEj-DWMcZsDEYZCHnCz3ytZnm4iCm4UYK1OQ6zvg8rN6matZurKE5fqlNc/s320/istockphoto-1225348239-612x612.jpg


        Do outro lado, ouviu uma voz tímida:

        – Meu senhor, me desculpa, eu tenho vinte anos, uma irmã de dezoito e meu irmão, dezessete. Somos filhos do seu Chico. A última vez que vi meu pai eu tinha cinco anos, e meu irmão era tão pequeno que nem lembra o rosto dele. A gente pensava que ele tinha morrido. Quando eu soube que não, reuni com os irmãos e o pastor da igreja sem minha mãe saber, e decidimos procurar o pai. Foi muito difícil falar aí, mas hoje consegui explicar direitinho para a telefonista, que ficou com dó da gente e permitiu.

        A voz vinha embargada de medo. O chefe mandou chamar seu Chico.

        Seu Chico entrou ressabiado na Carceragem. Deu uma olhada geral; tudo parecia na rotina, os funcionários e alguns presos dedicados ao trabalho burocrático; seu Pires, de cabelos grisalhos e um lápis atrás da orelha, lia um relatório na escrivaninha.

        De frente para a janela, de costas para os outros, seu Chico disse alô e ficou mudo, por muito tempo. De onde estava, seu Pires percebeu as lágrimas nos olhos do prisioneiro.

        Por vários dias o diretor do pavilhão observou o comportamento solitário do outro. Sem entender, os ladrões mantinham respeitosa distância do líder entristecido. Dias depois seu Chico o procurou em tom grave:

        – Seu Pires, quero pedir um favor que faço questão de jamais esquecer.

        Contou o drama daqueles anos todos, a vingança da mulher por causa da morte do irmão, as cartas devolvidas, morto para os filhos, e a conversa com a mais velha.

        – Queria que o senhor me autorizasse a encontrar com eles lá fora, no coreto da Divinéia. Não quero meus filhos dentro de uma cadeia.

        – Assim o senhor me complica. Imagina se os outros 7 mil me pedem a mesma coisa. Em todo caso, como é uma situação especial, depois de tantos anos, vou abrir uma exceção, mas o senhor não pode ficar mais de vinte minutos.

        Na tarde marcada, seu Chico dirigiu-se ao coreto com dois detentos carregando um tapete vermelho, um vaso de flores, dois litros de guaraná, bolachas, pastéis e uma mesinha com toalha xadrez.

        Tudo arrumado no coreto, o ex-marinheiro, com camisa de manga comprida para esconder a tatuagem, parou com os braços cruzados sobre o peito forte e esperou.

        Passaram-se duas horas e as crianças não chegaram. Quando seu Pires decidiu, enfim, recolhê-lo, encontrou-o sentado, cotovelos apoiados nas coxas e a cabeça afundada nas mãos. Os dois homens voltaram ao pavilhão sem trocar palavra.

        Na semana seguinte, no mesmo horário, novamente a telefonista: os filhos de seu Chico aguardavam na portaria. Tantos anos no presídio não impediram que seu Pires se emocionasse. Foi ele mesmo dar a notícia na marcenaria. Encontrou o prisioneiro serrando um banco, a serra cantando de ensurdecer. Desligou-a da tomada.

        – Seu Chico, se arruma para ver seus filhos.

        Quando os olhos incrédulos do detento fitaram os dele, descobriram um homem terno que seu Chico não conhecia. Por sua vez, os do diretor captaram no rosto anguloso do ex-marinheiro o olhar da criança que pegou um balão caído do céu.

        Encontraram-se no coreto adornado às pressas com o tapete vermelho, a mesa, o lanche e o vaso de flores retirados do altar da Nossa Senhora Aparecida, na capela do pavilhão. As duas mocinhas tinham tranças e vestidos compridos; o menino, terno azul, gravata e uma Bíblia. Abraçaram-se e choraram, os quatro, demoradamente. Repetidas vezes.

        Trinta minutos depois, o encarregado da Divinéia aproximou-se para levar seu Chico de volta para o pavilhão. Não teve coragem de interromper o encontro familiar e retornou da escadinha do coreto. O mesmo fez seu Pires, duas horas mais tarde.

        Meses depois do reencontro, numa revista incerta, os carcereiros encontraram no xadrez de seu Chico um arsenal de facas, entre elas uma enorme foice improvisada. A malandragem mais jovem nunca entendeu por que ele não escondia as armas em outro lugar:

        – O velho era sistemático, não adotava o método moderno, tinha que ser do jeito próprio que ele estava acostumado.

        Como punição seu Chico foi transferido para o interior. [...]

Drauzio Varella.

Fonte: Letra e Vida. Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – Coletânea de textos – Módulo 3 – CENP – São Paulo – 2005. p. 200-201.

Entendendo a crônica:

01 – Por que o diretor do pavilhão, Seu Pires, hesita em permitir que Seu Chico atenda ao telefonema e encontre seus filhos?

      O regulamento da prisão proíbe ligações externas para detentos, e Seu Pires teme abrir um precedente caso os outros 7 mil presos façam o mesmo pedido.

02 – Qual é a razão para o longo afastamento entre Seu Chico e seus filhos?

      A mulher de Seu Chico se vingou dele por causa da morte do irmão, devolvendo as cartas que ele enviava e fazendo com que os filhos pensassem que ele havia morrido.

03 – Como Seu Chico se prepara para o primeiro encontro com seus filhos após tantos anos?

      Seu Chico prepara um cenário especial no coreto da Divinéia, com um tapete vermelho, um vaso de flores, guaraná, bolachas, pastéis e uma mesinha com toalha xadrez.

04 – O que acontece no primeiro encontro marcado entre Seu Chico e seus filhos?

      Os filhos não aparecem no primeiro encontro marcado, causando grande tristeza e decepção em Seu Chico.

05 – Como Seu Pires reage ao saber que os filhos de Seu Chico estão na portaria na semana seguinte?

      Seu Pires se emociona e vai pessoalmente dar a notícia a Seu Chico na marcenaria, mostrando um lado terno que o detento não conhecia.

06 – Como as filhas e o filho de Seu Chico se vestem para o reencontro com o pai?

      As filhas usam tranças e vestidos compridos, e o filho veste terno azul, gravata e carrega uma Bíblia.

07 – O que é encontrado no xadrez de Seu Chico meses depois do reencontro e qual é a possível explicação para isso?

      Um arsenal de facas, incluindo uma foice improvisada, é encontrado no xadrez de Seu Chico. A explicação dada é que ele era "sistemático" e preferia seu próprio método de esconder as armas, em vez de adotar métodos mais modernos.

 

CRÔNICA: PRIMEIRA CARTA - PAULO FREIRE - COM GABARITO

 Crônica: Primeira carta

               Paulo Freire

        Voltar-me sobre minha infância remota é um ato de curiosidade necessário.

        Quanto mais me volto sobre a infância distante, tanto mais descubro que tenho sempre algo a aprender dela. Dela e da adolescência difícil. É que não faço este retorno como quem se embala sentimentalmente numa saudade piegas ou como quem tenta apresentar a infância e a adolescência pouco fáceis como uma espécie de salvo-conduto revolucionário. Esta seria, de resto, uma pretensão ridícula.

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEigacWfuYHbF0koV9NluOZGFjrNPBA4UhpEWULJ7wW94UV8tB0ajSqqzh0bm5TYor717kptvIRBpODj5BgTfJTIm8H9LqTSqbrUPNMAAzrYLTxZ0G2hjjNC2BiDQGLjkFH_v_zCw8hokPVUCavUwhPWXKZP3qcXopgyj0818CtIeg0FBvASnZOTsQl5oG4/s320/png-transparent-boy-child-infant-neonate-age-kindergarten-birth-mother.png 


        No meu caso, porém, as dificuldades que enfrentei, com minha família, na infância e na adolescência, forjaram em mim, ao contrário de uma postura acomodada diante do desafio, uma abertura curiosa e esperançosa diante do mundo, jamais me senti inclinado, mesmo quando me era ainda impossível compreender a origem de nossas dificuldades, a pensar que a vida era assim mesma, que o melhor a fazer diante dos obstáculos seria simplesmente aceitá-los como eram. Pelo contrário, em tenra idade, já pensava que o mundo teria de ser mudado. Que havia algo errado no mundo que não podia nem devia continuar. Talvez seja esta uma das positividades da negatividade do contexto real em que minha família se moveu. A de, submetido a certos rigores que outras crianças não sofriam, ter me tornado capaz de, pela comparação entre situações contrastantes, admitir que o mundo tivesse algo errado que precisava de conserto. Positividade que hoje veria em dois momentos significativos:

        * de, experimentando-me na carência, não ter caído no fatalismo;

        * de, nascido numa família de formação cristã, não ter me orientado rio sentido de aceitar a situação como sendo a expressão da vontade de Deus, entendendo, pelo contrário, que havia algo de errado no mundo e que este precisava de reparo.

        A minha posição, desde então, era a de otimismo crítico, isto é, a da esperança que inexiste fora do embate. Talvez venha daquela fase, a da infância remota, o hábito que me acompanha até hoje, o de entregar-me, de vez em quando, a um profundo recolhimento em mim mesmo, quase como se estivesse isolado do resto, das pessoas e das coisas que me cercam. Recolhido em mim mesmo, gosto de pensar, de me encontrar no jogo aparente de perder-me. Quase sempre me recolho assim, em indagações no sítio mais apropriado, meu gabinete de trabalho. Mas faço isso também em outros espaços e tempos.

        Assim, para mim, voltar-me, de vez em quando, sobre a infância remota é um ato de curiosidade necessário. Ao fazê-lo, tomo distância dela, objetivo-a, procurando a razão de ser dos fatos em que me envolvi e suas relações com a realidade social de que participei. Neste sentido é que a continuidade entre o menino de ontem e o homem de hoje se clarifica pelo esforço reflexivo que o homem de hoje exerce no sentido de compreender as formas como o menino de ontem, em suas relações no interior de sua família como na escola ou nas ruas, viveu a sua realidade. Mas, por outro lado, a experiência atribulada do menino de ontem e a atividade educativa, portanto, política, do homem de hoje não poderão ser compreendidas se tomadas como expressões de uma existência isolada, ainda quando não possamos negar a sua dimensão particular. Esta não é, porém, suficiente para explicar a significação mais profunda do meu quefazer. Experimentei-me, enquanto menino tanto quanto enquanto homem, socialmente e na história de uma sociedade dependente, participando, desde cedo, de sua terrível dramaticidade. Nesta, é bom sublinhar desde logo, é que se encontra a razão objetiva que explica a crescente radicalidade de minhas opções. Estariam equivocados, como de resto sempre estão, aquelas ou aqueles que procurassem ver nesta radicalidade, que jamais, porém, se alongou em sectarismo, a expressão traumática de um menino que se tivesse sentido desamado ou desesperadamente só.

        Desta forma, a minha radical rejeição à sociedade de classes, como uma sociedade necessariamente violenta, seria, para tais possíveis analistas, a maneira pela qual se estaria explicitando hoje o "desencontro" afetivo que eu teria vivido na infância.

        Na verdade, porém, não fui um menino desesperadamente só nem desamado. Jamais me senti ameaçado, sequer, pela dúvida em torno da afeição de meus pais entre si como de seu amor por nós, por meus irmãos, por minha irmã e por mim. E terá sido essa segurança o que nos ajudou a enfrentar, razoavelmente, o real problema que nos afligiu durante grande parte de minha infância e adolescência – o da fome. Fome real, concreta, sem data marcada para partir, mesmo que não tão rigorosa e agressiva quanto outras fomes que conhecia. De qualquer maneira, não a fome de quem faz operação de amígdalas ou a de quem faz dieta para ficar elegante. A nossa fome, pelo contrário, foi a que chegava sem pedir licença, a que se instala e se acomoda e vai ficando sem tempo certo para se despedir. Fome que, se não amenizada, como foi a nossa, vai tomando o corpo da gente, fazendo dele, às vezes, uma escultura arestosa, angulosa. Vai afinando as pernas, os braços, os dedos. Vai escavando as órbitas em que os olhos quase se perdem, como era a fome mais dura de muitos companheiros nossos e continua sendo a fome de milhões de brasileiros e brasileiras que dela morrem anualmente.

        Quantas vezes fui vencido por ela sem condições de resistir a sua força, a seus "ardis", enquanto procurava "fazer" os meus deveres escolares. Às vezes, me fazia dormir, debruçado sobre a mesa em que estudava, como se estivesse narcotizado. E quando, reagindo ao sono que me tentava dominar, escancarava os olhos que fixava com dificuldade sobre o texto de história ou de ciências naturais – “lições” de minha escola primária –, as palavras eram como se fossem pedaços de comida.

        Em outras ocasiões, à custa de tremendo esforço, me era possível realmente lê-las, uma a uma, mas nem sempre conseguia entender a significação do texto que elas compunham.

        Muito longe estava eu, naquela época, de participar de uma experiência educativa em que educandos e educadoras, enquanto leitores e leitoras, se soubessem produtores também da inteligência dos textos. Experiência educativa na qual a compreensão dos textos não estivesse depositada neles por seu autor ou autora à espera de que leitores a descobrissem. Entender um texto era sobretudo decorá-lo mecanicamente, e a capacidade de memoralizá-lo era vista como um sinal de inteligência. Quanto mais, então, me sentia incapaz de fazê-lo, tanto mais sofria pelo que me parecia ser a minha rudeza insuperável.

        Foi preciso que vivesse muitos momentos como aqueles, mas, sobretudo, que começasse a comer melhor e mais amiudadamente, a partir de certo tempo, para que percebesse que minha rudeza, afinal, não era tão grande quanto pensava. Ela era, pelo menos, menor do que a fome tanta que eu tinha.

        Anos mais tarde, como diretor da Divisão de Educação de uma instituição privada, no Recife, me seria fácil compreender quão difícil era para as meninas e meninos proletários, submetidos ao rigor de uma fome maior e mais sistemática do que a que eu tivera e sem nenhuma das vantagens de que desfrutara, como criança de classe média, alcançar um razoável índice de aprendizagem.

        Não precisava de consultar estudos científicos que tratassem das relações entre desnutrição e dificuldades de aprendizagem. Tinha um conhecimento de primeira mão, existencial, destas relações.

        Revia-me no perfil raquítico, nos olhos grandes e às vezes tristes, nos braços alongados, nas pernas finas de muitos deles. Neles, revia também alguns de meus companheiros de infância que, se vivos ainda hoje, possivelmente não lerão o livro que surgirá das cartas que lhe escrevo e não saberão que a eles agora me refiro com respeito e saudade. Toinho Morango, Baixa, Dourado, Reginaldo.

        Ao referir-me, porém, à relação entre condições concretas desfavoráveis e dificuldades de aprendizagem, devo deixar clara minha posição em face da questão. Em primeiro lugar, de maneira nenhuma aceito que estas condições sejam capazes de criar em quem as experimenta uma espécie de natureza incompatível com a capacidade de escolarização. O que vem ocorrendo é que, de modo geral, a escola autoritária e elitista que aí está não leva em consideração, na organização curricular e na maneira como trata os conteúdos programáticos, os saberes que vêm se gerando na cotidianidade dramática das classes sociais submetidas e exploradas. Passa-se por muito longe do fato de que as condições difíceis, por mais esmagadoras que sejam, geram nos e nas que as vivem saberes sem os quais não lhes seria possível sobreviver. No fundo, saberes e cultura das classes populares dominadas e que experimentam entre si níveis diferentes de exploração e de consciência da própria exploração. Saberes que, em última análise, são expressões de sua resistência.

        Estou convencido de que as dificuldades referidas diminuiriam se a escola levasse em consideração a cultura dos oprimidos, sua linguagem, sua forma de fazer contas, seu saber fragmentário do mundo de onde afinal transitariam até o saber mais sistematizado, que cabe à escola trabalhar. Obviamente, esta não é a tarefa a ser cumprida pela escola de classe dominante, mas tarefa para ser realizada na escola de classe dominante, entre nós, agora, por educadores e educadoras progressistas, que vivem a coerência entre seu discurso e sua prática.

        Muitas vezes, em minhas visitas constantes às escolas, quando conversava com uns e com outros e não apenas com as professoras, imaginava, de forma bastante realista, o quanto lhes estaria custando aprender suas lições, desafiados pela fome quantitativa e qualitativa que os consumia.

        Numa daquelas visitas, uma professora me falou, preocupada, de um deles. Discretamente, fez com que eu dirigisse minha atenção a uma figurinha miúda, que, num canto da sala, era como se estivesse ausente, distante do que se passava em seu redor. "Parte da manhã", disse ela, "ele leva dormindo. Seria uma violência acordá-lo, não acha? Que faço?"

        Pedrinho, soubemos mais tarde, era o terceiro filho de uma família numerosa. Seu pai, operário numa fábrica local, não ganhava o suficiente para oferecer à família um mínimo de condições materiais. Viviam em promiscuidade num mocambo precário. Pedrinho não apenas quase nada comia, mas também tinha de trabalhar para ajudar a sobrevivência da família. Vendia frutas pelas ruas, fazia mandados, carregava fretes na feira popular de seu bairro.

        A escola era, para ele, em última análise, um parêntese, um espaço-tempo em que repousava de sua canseira diária. Pedrinho não era uma exceção e havia situações piores que a dele. Mais dramáticas ainda.

        Ao olhá-los, ao conversar com eles e com elas, recordava o que também representara para mim estudar com fome. Lembrava-me do tempo que gastava dizendo e redizendo, olhos fechados, cadernos nas mãos: Inglaterra, capital Londres, França, capital Paris. Inglaterra, capital Londres. "Repete, repete que tu aprendes", era a sugestão mais ou menos generalizada no meu tempo de menino. Como aprender, porém, se a única geografia possível era a geografia de minha fome? A geografia dos quintais alheios, das fruteiras – mangueiras, jaqueiras, cajueiros, pitangueiras –, geografia que Temístocles – meu irmão imediatamente mais velho do que eu -e eu sabíamos, aquela sim, de cor, palmo a palmo. Conhecíamos os seus segredos e na memória tínhamos os caminhos mais fáceis que nos levavam às fruteiras melhores.

        Conhecíamos os lugares mais seguros, onde, cuidadosamente, entre folhas secas, acolhedoras, mornas, escondíamos as bananas que tirávamos ainda "em vez" e que assim "agasalhadas" amadureciam "resguardadas" de outras fomes, como, sobretudo, do "direito de propriedade" dos donos dos quintais.

        Um desses donos de quintais me flagrou um dia, manhã cedo, tentando furtar um lindo mamão em seu quintal. Apareceu inesperadamente em frente a mim, sem que eu tivesse tido a oportunidade de fugir. Devo ter empalidecido. A surpresa me desconcertou. Não sabia o que fazer de minhas mãos trêmulas, das quais mecanicamente tombou o mamão. Não sabia o que fazer do corpo todo – se ficava empertigado, se ficava relaxado, em face da figura sisuda e rígida, toda ela expressão de uma dura censura a meu ato.

        Apanhando a fruta, tão necessária a mim naquele instante, de forma significativamente possessiva, o homem me fez um sermão moralista que não tinha nada que ver com minha fome.

        Sem dizer palavra – sim, não, desculpe ou até logo – deixei o quintal e fui andando sumido, diminuído, achatado, para casa, metido na mais fundo de mim mesmo. O que eu queria naquele instante era um lugar em que nem eu mesmo pudesse me ver.

        Muitos anos depois, em circunstância distinta, experimentei novamente a estranha sensação de não saber o que fazer das mãos, do corpo todo: "Capitão, mais um passarinho pra gaiola", disse, debochadamente, no "corpo da guarda" de um quartel do Exército no Recife, depois do golpe de estado de 1° de abril de 1964, o polícia que me trouxera preso de casa. Os dois, o policial e o capitão, com riso desdenhoso e irônico, me olhavam a mim; em pé, frente a eles, sem saber de novo o que fazer de minhas mãos, de meu corpo todo.

        Uma coisa eu sabia – naquela vez não havia furtado nenhum mamão.

        Já não me lembro do que me terão "ensinado" na escola, no dia daquela manhã em que fui flagrado com o mamão do vizinho na mão. O que sei é que, se foi difícil resolver, na escola, certos problemas de aritmética, nenhuma dificuldade tive em aprender a calcular o tempo necessário para que as bananas amadurecessem em função do momento de maturação em que se encontravam quando as "agasalhávamos" em nossos secretos esconderijos.

        A nossa geografia imediata era, sem dúvida, para nós, não só uma geografia demasiado concreta, se posso falar assim, mas tinha um sentido especial. Nela se interpenetravam dois mundos, que vivíamos intensamente. O mundo do brinquedo em que, meninos, jogávamos futebol, nadávamos em rio, empinávamos papagaio e o mundo em que, enquanto meninos, éramos, porém, homens antecipados, às voltas com a nossa fome e a fome dos nossos.

        Tivemos companheiros em ambos esses mundos, entre os quais, porém, alguns jamais souberam, existencialmente, o que significava passar todo um dia a um pedaço de pão, a uma xícara de café, a um pouco de feijão com arroz, ou buscar, pelos quintais alheios, uma fruta disponível. E mesmo quando, entre eles, alguns participavam conosco de arremetidas a quintais alheios, o faziam por diferentes razões: por solidariedade ou pelo gosto da aventura. Em nosso caso, havia algo mais vital – a fome a amainar. Isto não significava, todavia, que não houvesse em nós também, ao lado da necessidade que nos movia, o prazer da aventura. No fundo, vivíamos, como já salientei, uma radical ambiguidade: éramos meninos antecipados em gente grande. A nossa meninice ficava espremida entre o brinquedo e o "trabalho", entre a liberdade e a necessidade.

        Aos onze anos eu tinha ciência das precárias condições financeiras da família mas não tinha como acudi-la através de um trabalho qualquer. Assim como meu pai não podia prescindir da gravata, que, mais do que pura expressão da moda masculina, era representação de classe, não podia permitir que eu, por exemplo, trabalhasse na feira semanal, carregando pacotes ou fosse serviçal de alguma casa.

        Nas sociedades altamente desenvolvidas é que membros da classe média podem, sobretudo em momentos difíceis, realizar tarefas consideradas subalternas sem que isto signifique ameaça ou real perda de status.

Paulo Freire.

Fonte: Letra e Vida. Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – Coletânea de textos – Módulo 3 – CENP – São Paulo – 2005. p. 158-162.

Entendendo a crônica:

01 – Qual é o propósito do autor ao revisitar sua infância remota na crônica?

      O autor revisita sua infância remota como um ato de curiosidade necessário, buscando aprender com as dificuldades enfrentadas e compreender como elas forjaram sua postura curiosa e esperançosa diante do mundo, além de entender a origem de suas opções radicais e sua relação com a realidade social.

02 – Como as dificuldades da infância e adolescência moldaram a visão de mundo do autor?

      As dificuldades, em vez de levarem a uma postura acomodada, forjaram no autor uma abertura curiosa e esperançosa diante do mundo. Ele jamais aceitou que a vida "era assim mesmo" e, desde cedo, pensou que o mundo "teria de ser mudado", desenvolvendo um otimismo crítico e uma esperança que só existe no embate.

03 – O que o autor destaca como "positividades da negatividade" de seu contexto familiar e social?

      Ele destaca duas positividades: primeiro, não ter caído no fatalismo apesar de experimentar a carência; segundo, apesar de uma formação cristã, não ter aceitado a situação como vontade de Deus, mas sim ter entendido que havia algo errado no mundo que precisava de reparo.

04 – Qual foi o "problema real" que afligiu a família do autor durante grande parte de sua infância e adolescência?

      O problema real que afligiu a família do autor foi a fome, descrita como "real, concreta, sem data marcada para partir", que se instalava e permanecia, afetando fisicamente as pessoas.

05 – Como a fome afetava o desempenho escolar do jovem Paulo Freire?

      A fome o vencia "sem condições de resistir", fazendo-o dormir debruçado sobre os deveres escolares como se estivesse narcotizado. Mesmo quando conseguia ler, as palavras eram como "pedaços de comida", e ele tinha dificuldades em entender o significado dos textos, sentindo-se "rude" por não conseguir decorar mecanicamente.

06 – Qual é a principal crítica de Paulo Freire à escola "autoritária e elitista" em relação às crianças das classes populares?

      Sua principal crítica é que essa escola não leva em consideração os saberes que se geram na cotidianidade dramática das classes sociais submetidas e exploradas. Ela desconsidera a cultura, a linguagem e a forma de pensar dessas crianças, que são essenciais para sua sobrevivência e que deveriam ser a base para transitar para o saber mais sistematizado.

07 – O que representa o episódio em que o autor foi flagrado tentando furtar um mamão e como ele o compara a uma experiência posterior?

      O episódio do mamão representa a humilhação e a sensação de impotência diante da fome. O sermão moralista do dono do quintal, que ignorava sua real necessidade, o fez sentir-se "sumido, diminuído, achatado". Ele compara essa sensação àquela vivida anos depois, ao ser preso após o golpe de 1964, onde novamente se viu sem saber o que fazer do corpo, mas com a consciência de que, desta vez, "não havia furtado nenhum mamão", ou seja, não havia uma "justificativa" tão visceral para sua situação.