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sexta-feira, 17 de outubro de 2025

CRÔNICA: RECENSEAMENTO - RUBEM BRAGA - COM GABARITO

 Crônica: Recenseamento

              Rubem Braga

        São Paulo vai se recensear. O governo quer saber quantas pessoas governa. A indagação atingirá a fauna e a flora domesticadas.  Bois, mulheres e algodoeiros serão reduzidos a números e invertidos em estatísticas.

 
 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjLkrtjnzYjCHiu7zM12EL13nDgZa46EC0atqxOrKFhf2wwwk6gI4yxp5mfZnXuSYvsSqY8-2RJKN_fkYs2trvJ7EMf429RwHQtFW-wWQr6MZdv_vDQj-v0UCLruI9Zq2-2GeKVMUJHhhkRgO9PsXpAZoYoSDjbO54XPaiS6RAmgAQwpEYVLpWQgmYo-p8/s320/ibge-propoe-reduzir-questoes-do-censo-2-2.jpg



        O homem do censo entrará pelos bangalôs, pelas pensões, pelas casas de barro e de cimento armado, pelo sobradinho e pelo apartamento, pelo cortiço e pelo hotel, perguntando:

        -- Quantos são aqui?

        Pergunta triste, de resto. Um homem dirá:

        -- Aqui havia mulheres e criancinhas. Agora, felizmente, só há pulgas e ratos.

        E outro:

        -- Amigo, tenho aqui esta mulher, este papagaio, esta sogra e algumas baratas. Tome nota de seus nomes, se quiser. Querendo levar todos, é favor.

        E outro:

        -- Eu? Tinha um amigo e um cachorro. O amigo se foi, levando minhas gravatas e deixando a conta da lavadeira. O cachorro está aí, chama-se Lord, tem três anos e meio e morde como um funcionário público.

        E outro:

        -- Oh! sede bem-vindo. Aqui somos eu e ela, só nós dois. Mas nós dois somos apenas um. Breve, seremos três. Oh!

        E outro:

        -- Dois, cidadão, somos dois. Naturalmente o sr. não a vê.  Mas ela está aqui, está, está! A sua saudade jamais sairá de meu quarto e de meu peito!

        E outro:

        -- Aqui moro eu. Quer saber o meu nome? Procure uma senhorita loura que mora na terceira casa da segunda esquina, à direita. O meu nome está escrito na palma de sua mão.

        E outro:

        -- Hoje não é possível, não há dinheiro nenhum. Volte amanhã. Hein? Ah, o sr. é do recenseamento? Uff! Quantos somos? Somos vinte, somos mil. Tenho oito filhos e cinco filhas. Total: quinze pestes. Mas todos os parentes de minha mulher se instalaram aqui. Meu nome? Ahn... João Lourenço, seu criado. Jesus Cristo João Lourenço. A minha idade? Oh! pergunte à minha filha, pergunte. É aquela jovem sirigaita que está dando murros naquele piano. Ontem quis ir não sei onde com um patife que ela chama de "meu pequeno". Não deixei, está claro. Ela disse que eu sou da idade da pedra lascada. Escreva isso, cavalheiro, escreva. Nome: João Lourenço; profissão: idiota; idade: da pedra lascada.  Está satisfeito? Não, não faça caretas, cavalheiro. Creia que eu o aprecio muito. O sr. pelo menos não é parente da mulher. Isso é uma grande qualidade, cavalheiro! É a virtude que eu mais admiro! O sr. é divino, cavalheiro, o sr. é meu amigo íntimo desde já, para a vida e para a morte!

Rubem Braga. Para gostar de ler, vol. 3. São Paulo, Ática, 1979.

Fonte: Gramática da Língua Portuguesa Uso e Abuso. Suzana d’Avila – Volume Único. Editora do Brasil S/A. Ensino de 1º grau. 1997. p. 158.

Entendendo a crônica:

01 – No primeiro parágrafo, qual é a principal ironia ou contraste estabelecido pelo cronista ao listar os elementos que serão "reduzidos a números" pelo governo?

      A ironia principal é a equiparação entre seres humanos, animais e plantações. Ao afirmar que "Bois, mulheres e algodoeiros serão reduzidos a números," o cronista ridiculariza a visão puramente estatística do governo, que trata a complexidade da vida (mulheres) e a natureza (bois, algodoeiros) com a mesma frieza quantitativa.

02 – Qual é a pergunta feita pelo recenseador ("Quantos são aqui?") e por que o cronista a classifica como uma "Pergunta triste"?

      O cronista a classifica como uma "Pergunta triste" porque, em vez de obter uma resposta numérica simples, a indagação abre espaço para revelações de abandono, perda e solidão. As respostas subsequentes não falam apenas de números, mas de ausências ("havia mulheres e criancinhas," "o amigo se foi"), frustrações e vazios existenciais.

03 – Cite dois exemplos de respostas dadas ao recenseador que demonstram ironia ou sarcasmo por parte dos entrevistados.

      Dois exemplos são:

      O homem que lista "mulher, este papagaio, esta sogra e algumas baratas" e sarcasticamente convida: "Querendo levar todos, é favor." (Sugerindo o desejo de se livrar de alguns desses "membros" do agregado familiar).

      O homem que descreve o cachorro Lord, que "morde como um funcionário público" (uma crítica humorística à rigidez e à agressividade burocrática).

04 – Como a saudade é retratada em uma das respostas, mostrando que o número real de habitantes não corresponde ao número estatístico?

      A saudade é retratada na resposta "Dois, cidadão, somos dois. Naturalmente o sr. não a vê. Mas ela está aqui, está, está! A sua saudade jamais sairá de meu quarto e de meu peito!" A saudade é personificada, tornando a pessoa ausente uma presença real e permanente no ambiente do eu lírico, alterando a contagem fria do recenseamento.

05 – No sexto parágrafo, o homem diz: "Aqui somos eu e ela, só nós dois. Mas nós dois somos apenas um. Breve, seremos três. Oh!" O que a afirmação "nós dois somos apenas um" sugere?

      Sugere a unidade afetiva e a fusão completa do casal apaixonado. No contexto do amor romântico, "nós dois somos apenas um" expressa uma identidade indivisível, que é mais importante do que a contagem individual do censo. O "Breve, seremos três" sugere, com alegria, a chegada de um filho.

06 – O que o último entrevistado (João Lourenço) revela sobre sua percepção do recenseamento, e como ele expressa seu desabafo pessoal?

      João Lourenço inicialmente confunde o recenseamento com um cobrador ("Hoje não é possível, não há dinheiro nenhum"). Ao perceber o erro, ele usa o recenseador como um receptor para um longo desabafo, classificando-se como "idiota" e sua idade como "da pedra lascada." Ele transfere a função do censo (quantificar) para a função catártica (desabafar frustrações pessoais e familiares).

07 – De que forma o tratamento que Rubem Braga dá ao tema "Recenseamento" ilustra uma característica fundamental da crônica?

      A crônica ilustra a característica de transformar um fato cotidiano e prosaico (o censo) em uma reflexão poética e humana. Rubem Braga utiliza a moldura do recenseamento para transcender o dado estatístico e acessar a subjetividade, o humor, a dor e os dramas ocultos por trás dos números, capturando a essência da vida em sociedade.

 

 

CRÔNICA: O FISCAL DA NOITE - RUBEM BRAGA - COM GABARITO

 Crônica: O FISCAL DA NOITE

            Rubem Braga

        Fui eu que vi o Cruzeiro erguer-se do mar e mais tarde chegar até o horizonte de minha varanda; vi duas estrelas muito brilhantes nascerem depois dele e subir também. Analfabeto olhando as estrelas, segui sua navegação sem saber seus nomes; vigiei de meu imóvel tombadilho.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiNGTzNKhh_qPVl3wRE-all6xXchKXrozviF8yKRxmaykhW4DP4TkpuYkJQ9k9tCmR5Vao-D8fi0zITbLHpq0F_a0m8FZuiNRDvDw-FPMZ01TnurtVcWxRmSF7d21ag-I5wbTNuo6qLhRXvbbk0l2lo2BvO7U91rEz4gD4Fho9tp4WlUPnpLFJHRtHXBv4/s320/PINTURA.jpg


        Estava solitário, mas não triste; lembrei o velho dito dos "A noite ainda é uma criança."

        Mas o tempo avança. Agora medito no seio de uma noite como à sombra de uma grande árvore; de raro em raro, madura cai uma estrela e se perde na escureza do céu ou do chão. Quase vejo o mar, apenas o pressinto e o sei arfando lânguido, sem vento.

        Deus me pôs nesta rede a olhar a noite. Não tenho sono nem de sair; não telefonarei para ninguém. Sou como um débil mental a quem houvessem dado o emprego de fiscalizar as estrelas, e acompanhado com paciência sua marcha lenta. Devo dizer que estão se comportando bem, tanto as mais novas como as mais velhas; andam de leste para de maneira morosa e sensata, guardando com atenção as respectivas distâncias. Se o major-fiscal me telefonar direi que não há nenhuma ração. O nascimento da lua está marcado para as 24h45m da madrugada; espero que seja pontual e não me dê aborrecimentos. O número de estrelas cadentes é diminuto.

        Informarei: "Pequenas baixas; o desperdício de estrelas durante a noite a meu cargo foi mínimo e, creio, inevitável; nosso estoque é imenso, senhor major." O major comunicará ao coronel, este ao general, este ao Presidente da República. O Presidente da República expedirá mensagens congratulatórias a Deus e a Albert Einstein, no Paraíso.

        Adormeço na rede, e desperto assustado; mas o céu está em ordem, e as estrelas marcham sempre na mesma direção, como crianças bem-comportadas. Deus me pôs nesta rede, e o Diabo me fez dormir. Felizmente a lua ainda não nasceu. Risco um fósforo para olhar meu relógio ("a opinião do prefeito de Genebra. sobre a hora de Ipanema"), meu famoso relógio antimagnético, antiatômico e antilírico, e suspiro aliviado; ainda faltam 18 minutos para o nascimento da lua. Levanto-me e tomo posição em outro   ângulo da varanda, murmurando: "Vamos providenciar isso."

Rubem Braga. Para gostar de ler, vol. 4. São Paulo, Ática, 1979.

Fonte: Gramática da Língua Portuguesa Uso e Abuso. Suzana d’Avila – Volume Único. Editora do Brasil S/A. Ensino de 1º grau. 1997. p. 175.

Entendendo a crônica:

01 – Qual é a atitude do narrador em relação às estrelas que observa no início da crônica?

      O narrador se descreve como um "Analfabeto olhando as estrelas", indicando que, embora as observe atentamente e siga sua "navegação" ("vigiei de meu imóvel tombadilho"), ele não sabe seus nomes.

02 – Qual é o estado de espírito do narrador ao meditar na varanda?

      Ele afirma que, embora estivesse "solitário, mas não triste", no início. Depois, ao meditar "no seio de uma noite como à sombra de uma grande árvore", ele não tem sono nem vontade de sair ou telefonar, assumindo o papel de observador paciente.

03 – Que comparação o narrador utiliza para descrever a sua função de observador da noite?

      Ele se compara a um "débil mental a quem houvessem dado o emprego de fiscalizar as estrelas, e acompanhado com paciência sua marcha lenta."

04 – Como o narrador avalia o comportamento das estrelas sob sua "fiscalização"?

      Ele informa que elas estão se comportando bem, "tanto as mais novas como as mais velhas", e que andam "de leste para de maneira morosa e sensata, guardando com atenção as respectivas distâncias."

05 – Qual é a única "preocupação" que o narrador tem com a chegada do novo astro?

      A preocupação dele é com o nascimento da lua, marcado para as 24h45m da madrugada. Ele espera que ela "seja pontual e não me dê aborrecimentos."

06 – Qual é o teor do relatório que o narrador planeja enviar ao "major-fiscal" sobre as estrelas cadentes?

      Ele planeja informar: "Pequenas baixas; o desperdício de estrelas durante a noite a meu cargo foi mínimo e, creio, inevitável; nosso estoque é imenso, senhor major."

07 – O que leva o narrador a despertar assustado na rede e o que o alivia?

      Ele adormece na rede e desperta assustado. O que o alivia é ver que "o céu está em ordem, e as estrelas marcham sempre na mesma direção, como crianças bem-comportadas", e constatar, olhando seu relógio, que a lua "ainda não nasceu", faltando 18 minutos para o seu horário marcado.

 

 

CRÔNICA: A BORBOLETA AMARELA - RUBEM BRAGA - COM GABARITO

 Crônica: A borboleta amarela

             Rubem Braga

        Era uma borboleta. Passou roçando em meus cabelos, e no primeiro instante pensei que fosse uma bruxa ou qualquer outro desses insetos que fazem vida urbana; mas, como olhasse, vi que era uma borboleta amarela.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgqjzr5iWOERo2K2W03a62cYK7t6-zpt0sneCJDmHLumkz3ua98fDp7SQzohwD9wFwjN6qWMtZJ5SRv5Fu2eUUwFZRlO6EiIgkntgRO4uL1gFasWjiVkmumVH55nmsCkvpVyqBptdc3cduaTswriR4Jke62THclDhIKSpJCwZVbS5pSM4fM1BJ_Qp4amzA/s320/BORBOLETA.jpg


        Era na esquina de Graça Aranha com Araújo Porto Alegre; ela borboleteava junto ao mármore negro do Grande Ponto; depois desceu, passando em face das vitrinas de conservas e uísques; eu vinha na mesma direção; logo estávamos defronte da ABI. Entrou um instante no hall, entre duas colunas; seria uma jornalista? – pensei com certo tédio.

        Mas logo saiu. E subiu mais alto, acima das colunas, até o travertino encardido. Na Rua México eu tive de esperar que o sinal abrisse; ela tocou, fagueira, para o outro lado, indiferente aos carros que passavam roncando sob suas leves asas. Fiquei a olhá-la. Tão amarela e tão contente da vida, de onde vinha, aonde iria? Fora trazida pelo vento das ilhas – ou descera saçaricante e leve da floresta da Tijuca ou de algum morro – talvez o de São Bento? Onde estaria uma hora antes, qual sua idade? Nada sei de borboletas. Nascera, acaso, no jardim do Ministério da Educação? Não; o Burle Marx faz bons jardins, mas creio que ainda não os faz com borboletas – o que, aliás, é uma boa ideia. Quando eu o mandar fazer os jardins do meu palácio, direi: Burle, aqui sobre esses manacás, quero uma borboleta amare… Mas o sinal abriu e atravessei a rua correndo, pois já ia perdendo de vista a minha borboleta.

        A minha borboleta! Isso, que agora eu disse sem querer, era o que eu sentia naquele instante: a borboleta era minha – como se fosse meu cão ou minha amada de vestido amarelo que tivesse atravessando a rua na minha frente, e eu devesse segui-la. Reparei que nenhum transeunte olhava a borboleta; eles passavam, devagar ou depressa, vendo vagamente outras coisas – as casas, os veículos – ou se vendo; só eu vira a borboleta, e a seguia, com meu passo fiel. Naquele ângulo há um jardinzinho, atrás da Biblioteca Nacional. Ela passou entre os ramos de acácia e de uma árvore sem folhas, talvez um flamboyant; havia, naquela hora, um casal de namorados pobres em um banco, e dois ou três sujeitos espalhados pelos outros bancos, dos quais uns são de pedra, outros de madeira, sendo que estes são pintados de azul e branco. Notei isso pela primeira vez, aliás, naquele instante, eu sempre passo por ali; é que minha borboleta amarela me tornava sensível às cores.

        Ela borboleteou um instante sobre um casal de namorados; depois passou quase junto da cabeça de um mulato magro, sem gravata, que descansava num banco; e seguiu em direção à avenida. Amanhã eu conto mais.

Rubem Braga. Para gostar de ler. São Paulo, Ática, 1979.

Fonte: Gramática da Língua Portuguesa Uso e Abuso. Suzana d’Avila – Volume Único. Editora do Brasil S/A. Ensino de 1º grau. 1997. p. 149.

Entendendo a crônica:

01 – Qual é o contraste fundamental que o cronista estabelece no início do texto ao descrever a borboleta e o cenário?

      O contraste fundamental é entre a fragilidade, a beleza e a liberdade da natureza (a borboleta amarela, "fagueira," "contente da vida") e a aridez, o cinza e a pressa da vida urbana (a esquina de ruas movimentadas, o "mármore negro," os "carros que passavam roncando"). A borboleta é um elemento estranho e fascinante nesse ambiente de concreto.

02 – O cronista demonstra humor e ironia ao pensar no que a borboleta poderia ser ao entrar na ABI (Associação Brasileira de Imprensa). Qual é o teor dessa ironia?

      O cronista manifesta ironia ao pensar se a borboleta "seria uma jornalista?" e sentir "certo tédio" em seguida. Isso satiriza a rotina, a seriedade e a trivialidade da vida profissional e intelectual urbana, que é vista como tediosa e oposta à beleza espontânea e livre da borboleta.

03 – A borboleta provoca uma grande mudança na percepção do cronista. Qual é o principal efeito que ela causa no seu olhar, conforme ele mesmo relata no quarto parágrafo?

      A borboleta o torna "sensível às cores" e aos detalhes do ambiente que ele antes ignorava, apesar de passar por ali diariamente. Ele nota a cor dos bancos e a presença de "namorados pobres," indicando que a borboleta o tira da alienação e aguça sua sensibilidade para a poesia e a vida ao seu redor.

04 – No quarto parágrafo, o eu lírico afirma que a borboleta era "minha." O que esse sentimento de posse inesperado sugere sobre sua conexão com o inseto?

      O sentimento de posse sugere que a borboleta despertou uma forte conexão afetiva e um desejo de contemplação exclusiva. Ao compará-la a "meu cão ou minha amada de vestido amarelo," o cronista transfere para o inseto o afeto e a fidelidade que se tem por um ser querido, elevando a borboleta a um símbolo pessoal de beleza e inspiração.

05 – Qual é a reação dos outros transeuntes à borboleta e o que essa indiferença sublinha sobre o tema da crônica?

      Os transeuntes não olham para a borboleta, passando "vendo vagamente outras coisas" (casas, veículos). Essa indiferença sublinha o tema da alienação e da cegueira urbana. O cronista é o único capaz de quebrar sua rotina e notar, e valorizar, a beleza efêmera da natureza.

06 – O cronista passa algum tempo especulando sobre a origem da borboleta (morro de São Bento, Tijuca, jardim do Ministério da Educação). O que essa especulação reforça no texto?

      A especulação reforça o mistério, a efemeridade e a natureza imprevisível da beleza. Ao não saber de onde a borboleta veio, o cronista enfatiza que a inspiração e a poesia são dádivas que irrompem inesperadamente na rotina, vindo de um lugar desconhecido, puro e incontrolável (a natureza).

07 – De que forma a atitude do cronista de "correr" para não perder a borboleta ilustra uma característica fundamental do gênero crônica?

      O ato de correr para não perder de vista o objeto de sua atenção ilustra a característica da observação minuciosa do cotidiano e a valorização do efêmero. A crônica transforma um fato banal (uma borboleta na rua) em um momento de reflexão e poesia, mostrando a capacidade do cronista de capturar a beleza passageira do dia a dia antes que ela desapareça.

quinta-feira, 14 de agosto de 2025

CRÔNICA: MÃE - FRAGMENTO - RUBEM BRAGA - COM GABARITO

 Crônica: Mãe – Fragmento

              Rubem Braga

        [...] 

        Depois de fingir três vezes não ouvir seu nome gritado pelo pai, o garoto saiu do mar resmungando, mas logo voltou a se interessar pela alegria da vida, batendo bola com o amigo. Então a Mãe começou a folhear a revista mundana — “que vestido horroroso o da Marieta neste coquetel” — “que presente de casamento vamos dar à Lúcia? tem de ser uma coisa boa” — e outros pequenos assuntos sociais foram aflorados numa conversa preguiçosa. Mas de repente:

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhZPxQbRhL19lo4m8W4fVo9pJCJ9pIMwa2SRfKuiW_J0Nd1BJrJhT6e0bnDroQgF_rRy8it2PsJh7cHSMQKuBqDTjPU6-wjwt7H4ZX9JqKXol7kKPg8EcPr-ALZ718XFjypRaVhLdPgMEAIX6-s8SFQ1sU_RpyJNFX-0Mrv8vjKan6fWuIn6cPBK3ypslg/s320/mae(1).png

        — Cadê Joãozinho?

        O outro menino, interpelado, informou que Joãozinho tinha ido em casa apanhar uma bola maior.

        — Meu Deus, esse menino atravessando a rua sozinho! Vai lá, João, para atravessar com ele, pelo menos na volta!

        O pai (fica em minúscula; o Dia é da Mãe) achou que não era preciso:

        — O menino tem OITO anos, Maria!

        — OITO anos, não, oito anos, uma criança. Se todo dia morre gente grande atropelada, que dirá um menino distraído como esse!

        [...]

Rubem Braga. A cidade e a roça. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1964. p. 57. (Fragmento).

Fonte: Língua Portuguesa: Singular & Plural. Laura de Figueiredo; Marisa Balthasar e Shirley Goulart – 6º ano – Moderna. 2ª edição, São Paulo, 2015. p. 284.

Entendendo a crônica:

01 – Como o garoto, Joãozinho, reage quando o pai o chama para sair do mar?

      Joãozinho fingiu não ouvir o pai três vezes antes de sair do mar, resmungando, mas logo em seguida se interessou novamente por brincar de bola com o amigo.

02 – O que a mãe estava fazendo e sobre o que ela conversava antes de notar a ausência do filho?

      A mãe estava folheando uma revista mundana e conversava sobre "que vestido horroroso o da Marieta" e "que presente de casamento vamos dar à Lúcia?", entre outros pequenos assuntos sociais.

03 – Qual foi a pergunta que a mãe fez de repente, indicando sua preocupação?

      A pergunta que a mãe fez de repente foi: "Cadê Joãozinho?"

04 – Onde o amigo de Joãozinho informou que ele havia ido?

      O amigo de Joãozinho informou que ele havia ido em casa apanhar uma bola maior.

05 – Qual foi o argumento da mãe para a preocupação com Joãozinho atravessando a rua, e como o pai reagiu a isso?

      A mãe argumentou que, apesar de Joãozinho ter oito anos, ele era uma criança e que, se adultos morrem atropelados, o que dirá um menino distraído. O pai, por sua vez, achou que não era necessário se preocupar tanto, destacando que o menino tinha "OITO anos".

 

quarta-feira, 9 de abril de 2025

MINICONTO: O POMBO - RUBEM BRAGA - COM GABARITO

 Miniconto: O pombo

                 Rubem Braga

        Vinícius de Moraes contava ter ouvido de uma sua tia-avó, senhora idosa muito boazinha, que um dia ela estava na sala de jantar, em sua casa do interior, quando um lindo pombo pousou na janela. A senhora foi se aproximando devagar e conseguiu pegar a ave. Viu então que em uma das patas havia um anel metálico onde estavam escritas umas coisas.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjVQ-y1Ff8jF0pfM6wj4IfzmushOziH2gOEbHPU3EFwwHBWJnrG_wyLWH2CTykX5o7QPybt0OYRJ5sU0rXb7XmiobIRcjMrexOYfdtrtIfVPv1J31MWXzTmZqBshcTox8HKkkVcN95cB9lEhOkm9i78dYCAl_gg6EyqQC6W0kvrZaU6bczX4x8yGql4_qE/s320/istockphoto-1405625971-612x612.jpg


        — Era um pombo-correio, titia.

        — Pois é. Era muito bonitinho e mansinho mesmo. Eu gosto muito de pombo.

        — E o que foi que a senhora fez?

        A senhora olhou Vinícius com ar de surpresa, como se a pergunta lhe parecesse pueril:

        — Comi, uai.

 BRAGA, Rubem. O Recado de Primavera. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Record, 1985. p. 76.

Fonte: Livro – Português: Linguagens, 7ª Série – William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães, 1ª ed. 15ª reimpressão – São Paulo: Atual Editora, 2003. p. 21.

Entendendo o miniconto:

01 – Quem é o narrador da história dentro do miniconto?

      O narrador é Rubem Braga, que relata uma história contada por Vinícius de Moraes sobre uma tia-avó dele.

02 – Qual a principal característica da tia-avó de Vinícius de Moraes descrita no início do miniconto?

      Ela é descrita como uma senhora idosa muito boazinha.

03 – Que detalhe chamou a atenção da tia-avó no pombo que pousou em sua janela?

      Ela notou que o pombo possuía um anel metálico em uma de suas patas, com algumas coisas escritas nele.

04 – Qual a explicação de Vinícius de Moraes para o anel na pata do pombo?

      Vinícius explicou à tia que se tratava de um pombo-correio.

05 – Qual a reação inesperada da tia-avó ao ser questionada sobre o que fez com o pombo?

      Ela olhou para Vinícius com surpresa, como se a pergunta fosse infantil, e respondeu simplesmente que o comeu.

 

 

quarta-feira, 6 de novembro de 2024

CRÔNICA:AMOR E OUTROS MALES - RUBEM BRAGA - COM GABARITO

 Crônica: Amor e outros males

              Rubem Braga

        Uma delicada leitora me escreve: não gostou de uma crônica minha de outro dia, sobre dois amantes que se mataram. Pouca gente ou ninguém gostou dessa crônica; paciência. Mas o que a leitora estranha é que o cronista "qualifique o amor, o principal sentimento da humanidade, de coisa tão incômoda". E diz mais: "Não é possível que o senhor não ame, e que, amando, julgue um sentimento de tal grandeza incômodo".

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjsAUf0yCp6cUGpQQF1rR5k63EZUDaTQ3vXH_FZ3rayeTxHsOp8K5cQSz0ggtTd5nzeatKlAM31saW0mfjnjQATGdGVCh3EvBOsiUeHzg7YarX0VtSlRaxxrxl_q1OyIVMq-tShlf6jZxXS2-gKiWPZM62NhVqC1aBkf7kPY_JN92PlSnaAlFbZ-hQVYj4/s1600/AMOR.jpg


        Não, minha senhora, não amo ninguém; o coração está velho e cansado. Mas a lembrança que tenho de meu último amor, anos atrás, foi exatamente isso que me inspirou esse vulgar adjetivo – "incômodo". Na época eu usaria talvez adjetivo mais bonito, pois o amor, ainda que infeliz, era grande; mas é uma das tristes coisas desta vida sentir que um grande amor pode deixar apenas uma lembrança mesquinha; daquele ficou apenas esse adjetivo, que a aborreceu.

        Não sei se vale a pena lhe contar que a minha amada era linda; não, não a descreverei, porque só de revê-la em pensamento alguma coisa dói dentro de mim. Era linda, inteligente, pura e sensível – e não me tinha, nem de longe, amor algum; apenas uma leve amizade, igual a muitas outras e inferior a várias.

        A história acaba aqui; é, como vê, uma história terrivelmente sem graça, e que eu poderia ter contado em uma só frase. Mas o pior é que não foi curta. Durou, doeu e – perdoe, minha delicada leitora – incomodou.

        Eu andava pela rua e sua lembrança era alguma coisa encostada em minha cara, travesseiro no ar; era um terceiro braço que me faltava, e doía um pouco; era uma gravata que me enforcava devagar, suspensa de uma nuvem. A senhora acharia exagerado se eu lhe dissesse que aquele amor era uma cruz que eu carregava o dia inteiro e à qual eu dormia pregado; então serei mais modesto e mais prosaico dizendo que era como um mau jeito no pescoço que de vez em quando doía como bursite. Eu já tive um mês de bursite, minha senhora; dói de se dar guinchos, de se ter vontade de saltar pela janela. Pois que venha outra bursite, mas não volte nunca um amor como aquele. Bursite é uma dor burra, que dói, dói, mesmo, e vai doendo; a dor do amor tem de repente uma doçura, um instante de sonho que mesmo sabendo que não se tem esperança alguma a gente fica sonhando, como um menino bobo que vai andando distraído e de repente dá uma topada numa pedra. E a angústia lenta de quem parece que está morrendo afogado no ar, e o humilde sentimento de ridículo e de impotência, e o desânimo que às vezes invade o corpo e a alma, e a "vontade de chorar e de morrer", de que fala o samba?

        Por favor, minha delicada leitora; se, pelo que escrevo, me tem alguma estima, por favor: me deseje uma boa bursite.

Fonte: Português – José De Nicola – Ensino médio – Volume 1 – 1ª edição, São Paulo, 2009. Editora Scipione. p. 80.

Entendendo a crônica:

01 – Qual a principal crítica da leitora à crônica de Rubem Braga?

      A leitora critica a maneira como o autor qualifica o amor como algo "incômodo", discordando da ideia de que um sentimento tão intenso possa ser visto dessa forma.

02 – Como Rubem Braga justifica sua visão sobre o amor, especialmente no contexto da crônica?

      Rubem Braga justifica sua visão a partir de uma experiência pessoal de amor não correspondido, que lhe causou grande sofrimento. Ele descreve as sensações físicas e emocionais associadas a essa experiência, como uma dor constante e invasiva.

03 – Qual a relação entre a dor física e a dor emocional explorada na crônica?

      O autor estabelece uma analogia entre a dor física (como a bursite) e a dor emocional causada pelo amor não correspondido. Ambas são descritas como intensas, persistentes e capazes de afetar profundamente a vida de uma pessoa.

04 – Qual o efeito da lembrança do amor não correspondido na vida do cronista?

      A lembrança do amor não correspondido é uma presença constante na vida do cronista, causando-lhe sofrimento e angústia. Ele a compara a um fardo que carrega consigo, uma dor que o acompanha em todos os momentos.

05 – Qual a intenção do autor ao utilizar a expressão "boa bursite" no final da crônica?

      Ao desejar uma "boa bursite", o autor expressa seu desejo por uma dor física que seja menos complexa e mais fácil de lidar do que a dor emocional causada pelo amor não correspondido. É uma forma de ironia, onde ele busca alívio em uma dor física, mesmo que seja dolorosa.

06 – Qual a importância da crônica para a compreensão da visão de Rubem Braga sobre o amor e o sofrimento?

      A crônica revela uma visão complexa e ambivalente sobre o amor. Rubem Braga demonstra que o amor pode ser tanto uma fonte de alegria quanto de grande sofrimento, e que a experiência amorosa pode deixar marcas profundas na alma humana.

07 – Como a crônica "Amor e Outros Males" se relaciona com a obra de Rubem Braga como um todo?

      A crônica se encaixa na obra de Rubem Braga por abordar temas universais como o amor, a dor, a saudade e a passagem do tempo. O autor utiliza uma linguagem simples e direta para expressar sentimentos complexos, o que é característico de seu estilo.

 

domingo, 7 de abril de 2024

CONTO: NEGÓCIO DA ROÇA - RUBEM BRAGA - COM GABARITO

 Conto: NEGÓCIO DA ROÇA

           Rubem Braga

        -- Comprei um cavalo por 700 cruzeiros e vendi por 900. Não ganhei nem perdi.

        -- Mas como? Se você comprou por 700 e vendeu por 900, como é que você não ganhou nem perdeu?

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgckxteLPRlopnCVEg5Z3TZwb-CzMdxhsTnKKUgLL3D_CAdqPKKxVvjmQMjOPr_2PD0_R11ftDw8nF2BZphNPY_E7N32EYnjmDouFB_kg1AIA0fo19PdqFM2WxRE-XK4KPH3WoegX4wokBKKHFdhp6uuEFUeDrl-1AcMyQwYTtztRcjSkEzWuqTVGrse9o/s320/CAVALO.jpg


        -- Não ganhei nem perdi.

        -- Você não disse que comprou por 700?

        -- Comprei.

        -- E não vendeu por 900?

        -- Vendi.

        -- Então você ganhou 200.

        -- Não ganhei nem perdi.

        -- Mas como?

        -- Comprei o cavalo por 700 contos e não paguei. Vendi por 900 e não me pagaram. Não ganhei nem perdi.

Rubem Braga. Recado de primavera. 3. Ed. Rio de Janeiro: Record, 1985. p. 46.

Fonte: Livro – Português: Linguagem, 6ª Série – William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães, 2ª ed. – São Paulo: Atual Editora, 2002. p. 233.

Entendendo o conto:

01 – Qual o significado da palavra cruzeiro no conto?

      É a antiga moeda brasileira, anterior ao real.

02 – Qual é o tema principal do conto "Negócio da Roça" de Rubem Braga?

      O conto trata de uma situação humorística que envolve uma negociação aparentemente simples, mas confusa, relacionada à compra e venda de um cavalo.

03 – Quem são os personagens principais nesse diálogo sobre o negócio do cavalo?

      Os personagens principais são dois interlocutores cujos nomes não são especificados no texto.

04 – Como o vendedor explica que não ganhou nem perdeu dinheiro na transação do cavalo?

      O vendedor explica que embora tenha comprado o cavalo por 700 cruzeiros e vendido por 900, ele não recebeu o dinheiro da venda nem pagou pelo cavalo, portanto, não houve lucro ou prejuízo real.

05 – Qual é a ironia presente na conversa entre os personagens sobre o negócio do cavalo?

      A ironia reside na maneira como o vendedor manipula a informação, sugerindo uma transação financeira lucrativa quando na verdade ele não efetuou nenhum pagamento ou recebimento.

06 – Como o conto ilustra a astúcia ou malandragem do personagem vendedor?

      O vendedor demonstra sua astúcia ao distorcer a realidade da transação para dar a impressão de lucro, quando na verdade não houve troca real de dinheiro.

07 – Qual é a mensagem subjacente transmitida por meio deste diálogo no conto?

      O conto brinca com a ideia de como as pessoas podem manipular informações para criar ilusões de sucesso ou lucro, embora a realidade financeira seja outra.

08 – Como a linguagem e o estilo de Rubem Braga contribuem para o humor presente nesta história?

      O estilo simples e coloquial de Rubem Braga, combinado com o diálogo intrigante e absurdo dos personagens, cria um tom humorístico e irônico, revelando a natureza cômica da situação de negociação do cavalo.

 

 

 

 

domingo, 19 de novembro de 2023

CRÔNICA: HOMEM NO MAR - RUBEM BRAGA - COM GABARITO

 CRÔNICA: Homem no Mar

                   Rubem Braga

       De minha varanda vejo, entre árvores e telhados, o mar. Não há ninguém na praia, que resplende ao sol. O vento é nordeste, e vai tangendo, aqui e ali, no belo azul das águas, pequenas espumas que marcham alguns segundos e morrem, como bichos alegres e humildes; perto da terra a onda é verde.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjxeK13VF-yDToqguHPqJ0OPWUN8Gv3Rd59A5FvhLxdvCKfPXgMmT8ur6ac5h2MfS1fQdvvHUBCuGMptpS3s1DJHbbQJNKKl1Hk8fsJIiSSjvD4u516Ad6cRh1nIHdTL6hewnBJm-fsx1plnVIwF4q6EN4_MbapwHt0Kbwk0lX8O7js8-YEEDpSibaZ5UQ/s1600/MAR.jpg


        Mas percebo um movimento em um ponto do mar; é um homem nadando. Ele nada a uma certa distância da praia, em braçadas pausadas e fortes; nada a favor das águas e do vento, e as pequenas espumas que nascem e somem parecem ir mais depressa do que ele. Justo: espumas são leves, não são feitas de nada, toda sua substância é água e vento e luz, e o homem tem sua carne, seus ossos, seu coração, todo seu corpo a transportar na água.

      Ele usa os músculos com uma calma energia; avança. Certamente não suspeita de que um desconhecido o vê e o admira porque ele está nadando na praia deserta. Não sei de onde vem essa admiração, mas encontro nesse homem uma nobreza calma, sinto-me solidário com ele, acompanho o seu esforço solitário como se ele estivesse cumprindo uma bela missão. Já nadou em minha presença uns trezentos metros; antes, não sei; duas vezes o perdi de vista, quando ele passou atrás das árvores, mas esperei com toda confiança que reaparecesse sua cabeça, e o movimento alternado de seus braços. Mais uns cinquenta metros, e o perderei de vista, pois um telhado a esconder? Que ele nade bem esses cinquenta ou sessenta metros; isto me parece importante; é preciso que conserve a mesma batida de sua braçada, e que eu o veja desaparecer assim como o vi aparecer, no mesmo rumo, no mesmo ritmo, forte, lento, sereno. Será perfeito; a imagem desse homem me faz bem.

       É apenas a imagem de um homem, e eu não poderia saber sua idade, nem sua cor, nem os traços de sua cara. Estou solidário com ele, e espero que ele esteja comigo. Que ele atinja o telhado vermelho, e então eu poderei sair da varanda tranquilo, pensando — "vi um homem sozinho, nadando no mar; quando o vi ele já estava nadando; acompanhei-o com atenção durante todo o tempo, e testemunho que ele nadou sempre com firmeza e correção; esperei que ele atingisse um telhado vermelho, e ele o atingiu".

       Agora não sou mais responsável por ele; cumpri o meu dever, e ele cumpriu o seu. Admiro-o. Não consigo saber em que reside, para mim, a grandeza de sua tarefa; ele não estava fazendo nenhum gesto a favor de alguém, nem construindo algo de útil; mas certamente fazia uma coisa bela, e a fazia de um modo puro e viril.

       Não desço para ir esperá-lo na praia e lhe apertar a mão; mas dou meu silencioso apoio, minha atenção e minha estima a esse desconhecido, a esse nobre animal, a esse homem, a esse correto irmão.

Janeiro, 1953.

Extraído do livro "A Cidade e a Roça", Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1964, pág. 11.

Entendendo o texto

01.Qual é o elemento central da crônica "Homem no Mar" de Rubem Braga?

a) A paisagem marítima.

b) O vento nordeste.

c) A admiração pelo homem nadando.

d) Praia deserta.

02. Como o narrador descreve as espumas no mar em relação ao homem que nada?

a) Como bichos alegres e humildes.

b) Como obstáculos perigosos.

c) Como símbolos de fragilidade.

d) Como elementos perturbadores.

03. O que o narrador espera que o homem alcance para se sentir tranquilo e satisfeito em sua observação?

a) Um barco à deriva.

b) Uma ilha distante.

c) Um telhado vermelho.

d) Um banco de areia.

04. Qual é o sentimento predominante do narrador em relação ao homem que nada no mar?

a) Desprezo.

b) Admiração.

c) Indiferença.

d) Desconfiança.

05. O que o narrador destaca como importante sobre o esforço do homem nadando nos últimos cinquenta metros?

a) Sua velocidade.

b) Sua resistência.

c) Sua batida de braçada.

d) Sua interação com as espumas.

06.No primeiro parágrafo da crônica, identificamos onde o cronista se encontra ao observar o fato cotidiano que inspira o texto.

a) Que lugar é esse?

     A varanda da casa.

b) Qual é o ângulo de visão que o cronista tem do mar? Explique.

     Vê o mar de cima entre as árvores e telhados.

c) Como o clima está nesse dia?

    Ensolarado, brilhante, há muito vento.

07. No segundo parágrafo, o cronista apresenta o fato que vê no mar.

a) o que o cronista percebe ao comparar o nadador às espumas do mar?

As espumas parecem ir mais depressa do que o homem.

b) Como ele avalia e justifica essa percepção?

Considera razoável que as espumas sejam mais rápidas que o homem, e feitas de água vento e luz, enquanto o nadador tem sua carne, seus ossos, seu coração e todo o seu corpo a transportar na água. 

08. A partir do terceiro parágrafo, o cronista revela seus sentimentos em relação à cena que observa.

a) Quais são os sentimentos do cronista em relação ao nadador?

Ele sente admiração e solidariedade em relação ao homem.

b) De que forma ele justifica esses sentimentos?

O cronista não sabe porque admira o nadador, mas acompanha sua ação, como se cumprisse uma missão.

c) O interesse do cronista pelo nadador é correspondido/ Explique.

Não o cronista avalia que o nadador nem suspeita que seja observado, e admirado por ele.

d) Que pistas indicam que o cronista observa o nadador com atenção?

Ele sabe que o homem nadou cerca de 300 metros, desde que começou a observá-lo, e afirma que já o perdeu de vista duas vezes, mas esperou que ele reaparecesse. Ele também sabe que dali a 50, 60 metros o homem vai sair de seu campo de visão.

09.  No quarto parágrafo, o cronista afirma: “É apenas a imagem de um homem, e eu não poderia saber sua idade, nem sua cor, nem os traços de sua cara” Que item explica a importância desse fato na crônica?

I. Esse fato é importante porque, se o homem fosse jovem, o cronista não ficaria tão admirado por ele nadar bem.

II. A passagem comprova que a admiração do cronista pelo nadador não se prende a nenhuma característica particular daquele indivíduo.

III. de acordo com o trecho, podemos perceber que o homem nada a uma grande distância do cronista, o que justifica a sua admiração por ele.

 

10.  Ainda o quarto parágrafo, apesar de avaliar que o nadador não sabe que está sendo observado, o cronista afirma: “Estou solidário com ele, e espero que ele esteja comigo” Explique o que você entende dessa afirmação.

O cronista parece imaginar ter feito um pacto com o nadador: se o cronista continuar a observá-lo ele continuará nadando.

11.  No segundo parágrafo, o cronista admite que admira o nadador, mas não sabe o motivo desse sentimento. No quinto, ele chega a uma conclusão. Qual?

Conclui que mesmo sem realizar um grande gesto, ou construir algo útil, o homem fazia algo belo de modo puro e vigoroso.

12. Em sua opinião, a cena na praia que chamou a atenção do cronista teria tido o mesmo efeito sobre outros observadores? Por quê?

Resposta pessoal.

13.Considerando o que você observou a respeito dos sentimentos expressos na crônica, qual é a reflexão proposta no texto?

O cronista propõe uma reflexão sobre o que desperta os nossos sentimentos em relação aos outros o que nos faz admirar ou não alguém.