Texto: A história de Victor
Frankenstein
Capitulo
IV – O mistério é desvendado (Fragmento)
Mary
Shelley
[...]
A partir de então as Ciências Naturais
e particularmente a Química tornaram-se minha única ocupação. Lia aqueles
livros com ardor e assistia a todas as aulas. O Prof. Waldman – esse era o seu
nome – tornou-se um verdadeiro amigo. De mil maneiras facilitou, para mim, os
estudos. Eu ganhava força e logo tornei-me tão ardente e ansioso por
conhecimentos que, frequentemente, o dia amanhecia enquanto eu ainda estava
trabalhando em meu laboratório.
Dois anos passaram-se dessa maneira.
Não fui nenhuma vez a Genebra; estava ocupado, de corpo e alma, na pesquisa de
algumas descobertas que desejava fazer. Consegui desenvolver melhorias em
alguns instrumentos química, o que me proporcionou grande estima e admiração na
Universidade. Quando cheguei a esse ponto, tendo me tornado bem familiarizado
com a teoria e prática das Ciências Naturais, minha permanência em Ingolstadt
não era mais necessária; Pensei em retornar para meus amigos e minha cidade
natal, quando um incidente retornou minha partida.
Um dos fenômenos que, em especial,
tinha atraído minha atenção era o da estrutura do corpo humano; na verdade, de
qualquer animal. Sempre me perguntava se o princípio da vida tinha
continuidade. Então apliquei-me mais especificamente àqueles ramos das Ciências
Naturais que se relacionam com a Fisiologia. Dediquei-me à Anatomia e examinei
a causa e o progresso da decadência e, portanto, da morte do corpo humano.
Passava dias e noites envolvidos com minhas observações e pesquisas quando, do
meio da escuridão uma súbita luz brilhou – tão radiosa e incrível e, no
entanto, tão simples que, embora estonteado como tamanho da probabilidade que
se abria, fiquei surpreso que, entre tantos homens de gênio que haviam dirigido
seus estudos ao mesmo sentido, tenha sido somente eu o escolhido para descobrir
um segredo tão maravilhoso.
Depois de dias de trabalho e cansaço
extremos, consegui descobrir a causa da geração e da vida. Aliás, mais que
isso: tornei-me, eu mesmo, capaz de dar vida à matéria inanimada.
Sei que todos esperariam ser informados
desse segredo. Mas não pode ser. Quando eu chegar ao fim da minha história,
será fácil perceber por que jamais revelarei essa descoberta; é por demais
perigosa a aquisição de conhecimentos, e o homem que acredita que sua cidade
natal é o mundo inteiro é muito mais feliz que aquele que aspira tornar-se
maior do que sua natureza permite.
Hesitei por um longo tempo em relação à
maneira com que eu iria aplicar meu poder. Para preparar uma estrutura à qual
eu fosse dar vida, com todas as suas fibras intrincadas, músculos e veias,
teria de haver um trabalho de inconcebível dificuldade. No começo não sabia se
iria tentar a criação de um ser como eu, ou de um animal com uma organização
mais simples. Mas a minha imaginação estava por demais exaltada para permitir que
eu duvidasse da minha habilidade de dar vida a uma criatura tão complexa e
maravilhosa como o homem. Preparei-me para todo tipo de contratempos e
dificuldades, mas acreditava que teria sucesso. Foi com essa disposição que
iniciei a criação de um ser humano. Como as proporções diminutas de certas
partes e órgãos seriam um obstáculo para mim, resolvi que o ser teria uma
estatura gigantesca, dois metros e meio de altura. Depois de ter determinado
seu tamanho e tendo gasto alguns meses coletando e organizando os materiais,
comecei.
Trabalhei com incansável ardor. Meu
rosto tornou-se pálido de tanto estudo, e meu corpo emaciado pelo confinamento.
Algumas vezes, à beira da certeza, eu falhava. Ainda assim, agarrava-me à
esperança de que no dia seguinte ou na próxima hora eu conseguiria. Num quarto
solitário, no alto da casa, separado dos outros apartamentos por um corredor e
uma escada, eu tinha a minha oficina de terrível criação.
Assim foram passando os meses de verão,
enquanto eu me entregava, de corpo e alma ao meu projeto. Esqueci dos meus
parentes e amigos, a que eu não via há tanto tempo. Sabia que meu silêncio os
deixava inquietos, e lembrava-me das palavras do meu pai:
--- Sei que enquanto você estiver
satisfeito consigo, irá pensar em nós com afeição e nos mandará notícia
regularmente. Penso que qualquer interrupção em sua correspondência seja uma
prova de que você também está negligenciando seus outros deveres.
Entretanto eu desejava, por assim
dizer, adiar tudo o que estivesse relacionado aos meus sentimentos de afeto até
que o grande objeto estivesse terminado. Hoje em dia estou convencido de que um
ser humano deveria sempre preservar sua mente serena e em paz, nunca permitindo
que uma paixão ou um desejo passageiro perturbe sua tranquilidade. Se algo que
você faz, mesmo sendo um estudo, enfraquece seus afetos e destrói seu gosto
pelos prazeres simples onde nada de mal pode haver, então essa sua atividade
não é boa, não convém à mente humana.
Meu pai não me repreendia em suas
cartas; somente perguntava com mais insistência sobre minhas atividades. O
inverno, a primavera e um novo verão passaram e eu continuava trabalhando, sem
ao menos olhar para as folhas que brotavam e os botões que floresciam. Meu
entusiasmo era reprimido pela minha ansiedade, e eu parecia mais alguém
condenado à escravidão do que um artista ocupado com a sua obra favorita. Todas
as noites eu tinha uma febre baixa e tornava-se extremamente nervoso. Uma folha
que caísse de uma árvore me assustava e eu evitava as pessoas como se fosse
culpado de um crime. Somente a energia de meu propósito me sustentava e eu
acreditava que, assim que minha criação estivesse completa, exercício físico e
divertimentos iriam afastar qualquer doença que eu tivesse adquirido.
Capítulo
V – Nasce o monstro
Era uma hora da madrugada de uma
lúgubre noite de novembro quando terminei meu trabalho. A chuva batia contra a
vidraça e minha vela estava se extinguindo; minha ansiedade chegava à agonia no
instante em que vi os baços olhos amarelos da criatura se abrirem. Respirava
pesadamente e um movimento convulsivo agitava seus membros.
Como posso descrever as minhas emoções
diante dessa catástrofe, desse desgraçado que, com tanto cuidado e esforço eu
tinha me empenhado em formar? Seus membros eram proporcionados e eu tinha
selecionado seus traços para serem belos. Belos! Meu Deus! Sua pele amarela mal
cobria a trama de músculos e artérias abaixo; seu cabelo era negro, lustroso,
ondulado; seus dentes brancos perolados. Mas tudo isso somente formava um
contraste mais horrível com seus olhos aguados, que pareciam quase da mesma cor
que as órbitas brancas pardacentas nas quais estavam colocados, com sua pele
enrugada e lábios negros retos.
Eu
havia trabalhado por quase dois anos, com o único propósito de dar vida a um
corpo inanimado. Para isso, me privei de descanso e saúde. Mas, ao terminar, a
beleza do sonho desaparecera e o horror e desgosto encheram meu coração.
Incapaz de enfrentar o aspecto do ser que eu tinha criado, corri para fora do
laboratório e fiquei por um longo tempo andando pelo meu quarto, sem conseguir
acalmar minha mente para poder dormir.
Quando, finalmente, peguei no sono, não
consegui descansar. [...] Acordei sobressaltado, com um suor frio na testa, os
dentes batendo, até que, à luz da lua, vi o monstro olhando fixamente para mim,
em pé ao lado da minha cama. Seus maxilares abriram-se e ele articulou alguns
sons incompreensíveis, com a face arreganhada em um estranho sorriso. Uma das
suas mãos estava esticada, aparentemente querendo segurar-me, mas eu escapei e
fugi pelas escadas. Escondi-me no quintal da casa onde morava, andando de um
lado para o outro em grande agitação, escutando atentamente cada ruído que por
acaso anunciasse a aproximação do cadáver demoníaco a que eu tinha, tão
desgraçadamente, dado vida.
Ah! Nenhum mortal poderia suportar o
horror daquela fisionomia. Uma múmia que vivesse outra vez não seria tão
medonha quanto aquele infeliz. Eu o tinha observado quando ainda inacabado. Era
feio; mas quando aqueles músculos e articulações tornaram-se capazes de
movimento, ficou tão medonho que nem mesmo Dante poderia tê-lo concebido.
Alternando agitação externa com langor
e fraqueza, passei a noite aterrorizado e sentindo a amargura do
desapontamento. Os sonhos, que tinham sido meu alimento e meu descanso, eram
agora o meu inferno.
[...]
Mary Shelley. Frankenstein.
Trad. Cláudia Lopes. São Paulo: Scipione, 1997. p. 23-28.
Entendendo o texto:
01 – De acordo com o texto,
qual o significado das palavras abaixo:
·
Emaciado: magro.
·
Negligenciando: descuidando.
·
Lúgubre: sinistro, fúnebre.
·
Baço: sem brilho.
·
Langor: moleza.
02 – Suas hipóteses sobre a
criação de Victor Frankenstein se confirmaram?
Resposta pessoal
do aluno.
03 – O que você achou do
texto? Que sensações ele despertou em você?
Resposta pessoal
do aluno.
04 – Como você imagina que
essa história termina?
Resposta pessoal
do aluno.
05 – Qual era o objetivo do
Dr. Victor Frankenstein?
Criar um ser
humano perfeito a partir de matéria inanimada.
06 – Qual conflito
desequilibra o desenvolvimento da narrativa?
O ser criado pelo
Dr. Victor Frankenstein não era belo, nem perfeito.
07 – É possível perceber no
texto que Victor passou boa parte de sua vida estudando e se aprimorando em
diversas áreas do conhecimento, a fim de concretizar seu objetivo.
a)
Essa atitude de dedicação exclusiva e
persistência teve algumas implicações em sua vida pessoal. Que implicações
foram essas?
Sua saúde ficou debilitada. Além disso, ele se distanciou dos amigos
e familiares.
b)
Ele se arrependeu de ter se dedicado à
realização de seus objetivos? Identifique um trecho que comprove sua resposta.
Sim. “Mas, ao terminar, a beleza do sonho desaparecera e horror e
desgosto encheram meu coração.”
08 – O cientista conseguiu a
realização de algo jamais conquistado por um ser humano.
a)
Qual foi a grande realização de Victor?
Dar vida à matéria inanimada.
b)
Que conhecimentos foram necessários para que
o cientista realizasse seus objetivos?
Ter domínio sobre determinadas áreas do conhecimento, como as
Ciências Naturais, a Fisiologia e a Anatomia.
c)
Após concretizar seus objetivos, o cientista
se mostra decepcionado com sua criação. Explique quais foram os fatores que o
levaram a ter esse sentimento.
A criação do cientista não correspondia ao modelo ideal almejado por
ele: um ser humano belo e perfeito. Ao contrário disso, o ser criado por Victor
era grotesco, repugnante e, portanto, o cientista o associou a algo ruim. Esse
resultado provocou um choque imediato em Victor.
09 – Releia este trecho:
“[...] é por demais perigosa a aquisição de conhecimentos, e o homem que
acredita que sua cidade natal é o mundo inteiro é muito mais feliz que aquele
que aspira tornar-se maior do que sua natureza permite.”. Em sua opinião, o que
esse trecho revela em relação às buscas do ser humano?
Revela que,
muitas vezes, o ser humano, ao se apropriar de determinados conhecimentos, pode
usá-los de forma negativa, criando algo que seja nocivo a sua própria espécie e
ao mundo em que vive.
10 – O cientista se
concentrou exclusivamente em seu projeto de criar um ser perfeito e dar vida a
ele. No entanto, ao finalizá-lo percebeu que todo o seu trabalho tinha
resultado em algumas consequências imediatas. Quais foram elas?
O ser criado pelo
cientista ganhou proporções não previstas por ele, o que fez com que a situação
fugisse de seu controle. A criatura versus seu criador.
11 – Victor Frankenstein
decidiu fazer algo inusitado: criar um ser humano. A criação humana é algo que
sempre intrigou a humanidade. A ciência sempre buscou explicar a origem da
vida.
a)
Por que você acha que as pessoas necessitam
buscar respostas para o desconhecido?
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: A curiosidade e o espírito
investigativo são características inerentes ao ser humano. Além disso, o
desconhecimento é algo que fascina, encanta e desperta o interesse de todos.
b)
Em sua opinião, quais são as possíveis
consequências positivas e negativas dessas ações do ser humano?
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Positiva: muitas vezes, a busca
incessante por desvendar o desconhecido pode levar o ser humano a ultrapassar
seus limites. Negativa: a ganância pode leva-lo a agir de forma a trazer
prejuízos ao próprio ser humano.
12 – No primeiro parágrafo
do texto, há algumas palavras grafadas em letra maiúscula. Identifique-as e
explique por que isso ocorreu.
Ciências Naturais
(área do conhecimento); Química (área do conhecimento) e Prof. Waldman (nome próprio).
13 – Releia o seguinte
trecho d texto: “O Prof. Waldman – era esse o seu nome – tornou-se um
verdadeiro amigo”.
a)
Que função o travessão exerce nesse trecho?
A função de indicar o aposto explicativo.
b)
Com que intenção essa informação é
acrescentada ao texto?
Para explicar ao leitor que Waldman era o nome do professor que
havia se tornado amigo de Victor Frankenstein.
14 – Ao observar sua
criação, Victor descreve-a. Essa descrição é física ou psicológica? Explique.
Física. Pois apresenta os aspectos
visíveis do ser criado por Victor.
15 – No trecho: “De mil
maneiras facilitou, para mim, os estudos.”, há uma figura de linguagem.
Identifique-a e explique em que ela consiste.
Hipérbole. Que
consiste em um exagero da ideia que se pretende expressar. Nesse caso, mil maneiras enfatiza que foram várias,
diversas.
é possível afirmar que as personagens teria Arnfeld, texto 1, e Vitor Frankenstein, texto 2, apresentam a mesma confiança no poder da ciência de transformar e resolver os problemas do homem? justifique
ResponderExcluir