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sexta-feira, 28 de março de 2025

ROMANCE: SENHORA - 2ª PARTE - QUITAÇÃO VI - FRAGMENTO - JOSÉ DE ALENCAR - COM GABARITO

 Romance: Senhora – 2ª Parte – QUITAÇÃO VI – Fragmento

                  José de Alencar

        Aurélia passava agora as noites solitárias.

        Raras vezes aparecia Fernando, que arranjava uma desculpa qualquer para justificar sua ausência. A menina que não pensava em interrogá-lo, também não contestava esses fúteis inventos. Ao contrário buscava afastar da conversa o tema desagradável.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgXxrGnu1_04k7oMuKXXdPl5J46izhkUujVeVYByo2ZBgZjh1RvOUECYLJ39hZ-37ADuHrKzdl14E52sf0BMKsbik3ASk0RIaXxPaygz7tRyH_LzbCsNtb1xaGSAsYOqp-8nFbQ1xYuGBROY76OysCl3r9WvqnOugKs7OaEi9e-393CLLrUS9kEtn6eDYA/s320/20180611-senhora.jpg


        Conhecia a moça que Seixas retirava-lhe seu amor; mas a altivez do coração não lhe consentia queixar-se. Além de que, ela tinha sobre o amor ideias singulares, talvez inspiradas pela posição especial em que se achara ao fazer-se moça.

        Pensava ela que não tinha nenhum direito a ser amada por Seixas; pois toda a afeição que lhe tivesse, muita ou pouca, era graça que ela recebia. Quando se lembrava que esse amor a poupara à degradação de um casamento de conveniência, nome com que se decora o mercado matrimonial, tinha impulsos de adorar a Seixas, como seu Deus e redentor.

        Parecerá estranha essa paixão veemente, rica de heróica dedicação, que entretanto assiste calma, quase impassível, ao declínio do afeto com que lhe retribuía o homem amado, e se deixa abandonar, sem proferir um queixume, nem fazer um esforço para reter a ventura que foge.

        Esse fenômeno devia ter uma razão psicológica, de cuja investigação nos abstemos; porque o coração, e ainda mais o da mulher que é toda ela, representa o caos do mundo moral. Ninguém sabe que maravilhas ou que monstros vão surgir desses limbos.

        Suspeito eu porém que a explicação dessa singularidade já ficou assinalada. Aurélia amava mais seu amor do que seu amante; era mais poeta do que mulher; preferia o ideal ao homem.

        [...].

ALENCAR, José de. Senhora. 24. ed. São Paulo, Ática, 1994. p. 97. (Série Bom Livro).

Fonte: Português. Série novo ensino médio. Volume único. Faraco & Moura – 1ª edição – 4ª impressão. Editora Ática – 2000. São Paulo. p. 209.

Entendendo o romance:

01 – Como Aurélia se sente em relação à ausência de Fernando?

      Aurélia percebe que Fernando se distancia, mas não o questiona. Ela tenta evitar o assunto, demonstrando uma mistura de resignação e orgulho ferido.

02 – Qual a visão de Aurélia sobre o amor?

      Aurélia tem uma visão singular do amor, influenciada por sua situação incomum. Ela vê o afeto de Fernando como uma graça, algo que ela não tem o direito de exigir.

03 – Por que Aurélia sente gratidão por Fernando?

      Aurélia é grata a Fernando porque o amor dele a salvou de um casamento de conveniência, que ela considera uma forma de degradação.

04 – Como o narrador descreve a reação de Aurélia ao declínio do amor de Fernando?

      O narrador descreve a reação de Aurélia como calma e impassível, sem queixas ou tentativas de reter a felicidade que se esvai.

05 – Qual a explicação do narrador para o comportamento de Aurélia?

      O narrador sugere que Aurélia ama mais o ideal do amor do que o próprio Fernando. Ela é mais poeta do que mulher, preferindo a idealização à realidade.

06 – O que o narrador quis dizer com a frase “Aurélia amava mais seu amor do que seu amante; era mais poeta do que mulher; preferia o ideal ao homem.”?

      Essa frase resume a complexidade da personagem Aurélia. Ela valoriza mais a ideia romântica do amor do que o relacionamento real com Fernando Seixas. Para ela, o amor é uma idealização, uma poesia, e a realidade do relacionamento com Fernando não atende às suas expectativas.

07 – O que o autor quis dizer com a frase “...o coração, e ainda mais o da mulher que é toda ela, representa o caos do mundo moral. Ninguém sabe que maravilhas ou que monstros vão surgir desses limbos.”?

      Essa frase reflete a visão do autor sobre a complexidade e a imprevisibilidade do coração humano, especialmente o da mulher. O autor sugere que o coração feminino é um mistério profundo, capaz de gerar tanto sentimentos nobres quanto obscuros.

 

ROMANCE: O GUARANI - SEGUNDA PARTE - FRAGMENTO - JOSÉ DE ALENCAR - COM GABARITO

 Romance: O Guarani – Segunda parte – Fragmento 

                 José de Alencar

        Peri – VIII – O BRACELETE

        O que Cecília viu, debruçando-se à janela, gelou-a de espanto e horror.

        De todos os lados surgiam répteis enormes que, fugindo pelos alcantis, lançavam-se na floresta; as víboras escapavam das fendas dos rochedos, e aranhas venenosas suspendiam-se aos ramos das árvores pelos fios da teia.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg4tr2H4B5sX1soP4nulctpGAUD_ZGpXvsvKxmG0RSr8bHZYjijiCxCzUOFjctMCCTV03TUoMNvzVLP2e-1aEPEZZP-M-PkX9kGgMqU8eQ73lxhFXZCmyFI4UclPMHZJ-SP_Rznk7eSCre7G2-ZT2cA-PYkvZ62X0A5Dl0is65f3jgP2I4xQjLbCHci14M/s320/223053_Capa_ALTA.jpg


        No meio do concerto horrível que formava o sibilar das cobras e o estrídulo dos grilos, ouvia-se o canto monótono e tristonho da cauã no fundo do abismo.

        O índio tinha desaparecido; apenas se via o reflexo da luz do facho.

        Cecília, pálida e trêmula julgava impossível que Peri não estivesse morto e já quase devorado por esses monstros de mil formas; chorava o seu amigo perdido, e balbuciava preces pedindo a Deus um milagre para salvá-lo.

        Às vezes fechava os olhos para não ver o quadro terrível que se desenrolava diante dela, e abria-os logo para perscrutar o abismo e descobrir o índio.

        Em um desses momentos um dos insetos que pululavam no meio da folhagem agitada esvoaçou, e veio pousar no seu ombro; era uma esperança, um desses lindos coleópteros verdes que a poesia popular chama lavandeira-de-deus.

        A alma nos momentos supremos de aflição suspende-se ao fio o mais tênue da esperança; Cecília sorriu-se entre as lágrimas, tomou a lavandeira entre os seus dedos rosados e acariciou-a.

        Precisava esperar; esperou, reanimou-se, e pôde preferir uma palavra ainda com a voz trêmula e fraca:

        — Peri!

        No curto instante que sucedeu a este chamado, sofreu uma ansiedade cruel; se o índio não respondesse, estava morto; mas Peri falou:

        — Espera, senhora!

        Entretanto, apesar da alegria que lhe causaram estas palavras, pareceu à menina que eram pronunciadas por um homem que sofria: a voz chegou-lhe ao ouvido surda e rouca.

        — Estás ferido? perguntou inquieta.

        Não houve resposta; um grito agudo partiu do fundo do abismo, e ecoou pelas fráguas; depois a cauã cantou de novo, e uma cascavel silvando bravia passou seguida por uma ninhada de filhos.

        Cecília vacilou; soltando um gemido plangente caiu desmaiada de encontro à almofada da janela.

        Quando, passado um quarto de hora, a menina abriu os olhos, viu diante dela Peri que chegava naquele momento, e lhe apresentava sorrindo uma bolsa de malha de retrós, dentro da qual havia uma caixinha de velado escarlate.

        Sem se importar com a joia, Cecília ainda impressionada pelo quadro horrível que presenciara, tomou as mãos do índio e perguntou-lhe com sofreguidão:

        — Não estás mordido, Peri?... Não sofres?... Dize!

        O índio olhou-a admirado do susto que via no seu semblante.

        — Tiveste medo, senhora?

        — Muito! exclamou a menina.

        O índio sorriu.

        — Peri é um selvagem, filho das florestas; nasceu no deserto, no meio das cobras; elas conhecem Peri e o respeitam.

        O índio dizia a verdade; o que acabava de fazer era a sua vida de todos os dias no meio dos campos: não havia nisto o menor perigo.

        Tinha-lhe bastado a luz do seu facho e o canto da cauã que ele imitava perfeitamente para evitar os répteis venenosos que são devorados por essa ave. Com este simples expediente de que os selvagens ordinariamente se serviam quando atravessavam as matas de noite, Peri descera e tivera a felicidade de encontrar presa aos ramos de uma trepadeira a bolsa de seda, que adivinhou ser o objeto dado por Álvaro.

        Soltou então um grito de prazer que Cecília tomou por grito de dor: assim como antes tinha tomado o eco do precipício por uma voz cava e surda.

        Entretanto Cecília que não podia compreender como um homem passava assim no meio de tantos animais venenosos sem ser ofendido por eles, atribuía a salvação do índio a um milagre, e considerava a ação simples e natural que acabava de praticar como um heroísmo admirável. A sua alegria por ver Peri livre de perigo, e por ter nas suas mãos a prenda de Álvaro foi tal, que esqueceu tudo o que se tinha passado.

        [...].

ALENCAR, José de. O guarani. 24. ed. São Paulo, Ática, 1999. p. 1225-126. (Série Bom Livro).

Fonte: Português. Série novo ensino médio. Volume único. Faraco & Moura – 1ª edição – 4ª impressão. Editora Ática – 2000. São Paulo. p. 203-204.

Entendendo o romance:

01 – Qual a reação de Cecília ao observar a cena na janela?

      Cecília fica gelada de espanto e horror ao ver répteis enormes surgindo de todos os lados e se lançando na floresta.

02 – O que Cecília pensa ter acontecido com Peri?

      Cecília acredita que Peri está morto e sendo devorado pelos monstros, devido à visão terrível que presenciou.

03 – Qual o símbolo de esperança que surge para Cecília em meio ao desespero?

      Uma esperança, um inseto verde chamado lavadeira-de-deus, pousa no ombro de Cecília, trazendo-lhe um fio de esperança.

04 – Como Peri consegue encontrar e recuperar a joia de Álvaro?

      Peri utiliza seu conhecimento da floresta e imita o canto da cauã para afastar os répteis venenosos, encontrando a bolsa de seda presa aos ramos de uma trepadeira.

05 – Qual a reação de Cecília ao ver Peri retornar?

      Cecília fica aliviada e preocupada com a segurança de Peri, perguntando se ele foi mordido ou ferido.

06 – Como Peri explica sua capacidade de andar ileso entre os animais venenosos?

      Peri explica que, como um selvagem filho das florestas, ele nasceu no meio das cobras, que o conhecem e o respeitam.

07 – Qual a interpretação de Cecília sobre a ação de Peri?

      Cecília, não compreendendo a habilidade de Peri, atribui sua sobrevivência a um milagre e considera sua ação um ato de heroísmo admirável.

 

terça-feira, 18 de março de 2025

ROMANCE: O GUARANI - I CENÁRIO - FRAGMENTO - JOSÉ DE ALENCAR - COM GABARITO

 Romance: O guarani – I Cenário – Fragmento

                 José de Alencar

        I CENÁRIO

        De um dos cabeços da Serra dos Órgãos desliza um fio de água que se dirige para o norte, e engrossado com os mananciais que recebe no seu curso de dez léguas, torna-se rio caudal.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgD2iYau9ixieLewb4HsGpM7zWdtxVjN3zqzGLCEIoUAxr75MEySuGUGQBbV1gN3Up2G1RPllOobxJyvyeenZisWeGDXywMsljhB7kz_6p1SkS4hZRkwedOALUSZwNTpZQlh4zFVESftToXO27x8ElrgDYZlrGPe6PHNzfGdBrKVMr9OSpwTvstwi8P9jE/s320/Amanhecer_no_Hercules_--.jpg


        É o Paquequer: saltando de cascata em cascata, enroscando-se como uma serpente, vai depois se espreguiçar na várzea e embeber no Paraíba, que rola majestosamente em seu vasto leito.

        Dir-se-ia que, vassalo e tributário desse rei das águas, o pequeno rio, altivo e sobranceiro contra os rochedos, curva-se humildemente aos pés do suserano. Perde então a beleza selvática; suas ondas são calmas e serenas como as de um lago, e não se revoltam contra os barcos e as canoas que resvalam sobre elas: escravo submisso, sofre o látego do senhor.

        Não é neste lugar que ele deve ser visto; sim três ou quatro léguas acima de sua foz, onde é livre ainda, como o filho indômito desta pátria da liberdade.

        Aí, o Paquequer lança-se rápido sobre o seu leito, e atravessa as florestas como o tapir, espumando, deixando o pelo esparso pelas pontas do rochedo, e enchendo a solidão com o estampido de sua carreira. De repente, falta-lhe o espaço, foge-lhe a terra; o soberbo rio recua um momento para concentrar as suas forças, e precipita-se de um só arremesso, como o tigre sobre a presa.

        Depois, fatigado do esforço supremo, se estende sobre a terra, e adormece numa linda bacia que a natureza formou, e onde o recebe como em um leito de noiva, sob as cortinas de trepadeiras e flores agrestes.

        A vegetação nessas paragens ostentava outrora todo o seu luxo e vigor; florestas virgens se estendiam ao longo das margens do rio, que corria no meio das arcarias de verdura e dos capitéis formados pelos leques das palmeiras.

        Tudo era grande e pomposo no cenário que a natureza, sublime artista, tinha decorado para os dramas majestosos dos elementos, em que o homem e apenas um simples comparsa.

        No ano da graça de 1604, o lagar que acabamos de descrever estava deserto e inculto; a cidade do Rio de Janeiro tinha-se fundado havia menos de meio século, e a civilização não tivera tempo de penetrar o interior.

        Entretanto, via-se à margem direita do rio uma casa larga e espaçosa, construída sobre uma eminência, e protegida de todos os lados por uma muralha de rocha cortada a pique.

        A esplanada, sobre que estava assentado o edifício, formava um semicírculo irregular que teria quando muito cinquenta braças quadradas; do lado do norte havia uma espécie de escada de lajedo feita metade pela natureza e metade pela arte.

        Descendo dois ou três dos largos degraus de pedra da escada, encontrava-se uma ponte de madeira solidamente construída sobre uma fenda larga e profunda que se abria na rocha. Continuando a descer, chegava-se à beira do rio, que se curvava em seio gracioso, sombreado pelas grandes gameleiras e angelins que cresciam ao longo das margens.

        Aí, ainda a indústria do homem tinha aproveitado habilmente a natureza para criar meios de segurança e defesa.

        De um e outro lado da escada seguiam dois renques de árvores, que, alargando gradualmente, iam fechar como dois braços o seio do rio; entre o tronco dessas árvores, uma alta cerca de espinheiros tornava aquele pequeno vale impenetrável.

José de Alencar. O guarani. 17. ed. São Paulo: Ática, 1992. p. 15-16.

Fonte: Lições de texto. Leitura e redação. José Luiz Fiorin / Francisco Platão Savioli. Editora Ática – 4ª edição – 3ª impressão – 2001 – São Paulo. p. 199-200.

Entendendo o romance:

01 – Qual é o rio principal descrito no início do romance?

      O rio principal é o Paquequer, que nasce na Serra dos Órgãos e deságua no rio Paraíba.

02 – Como o rio Paquequer é descrito em sua parte alta e em sua foz?

      Na parte alta, o rio é descrito como selvagem, rápido e impetuoso, saltando entre rochas e florestas. Próximo à foz, ele se torna calmo e sereno, como um lago, submisso ao rio Paraíba.

03 – Qual é a comparação utilizada para descrever o rio Paquequer em sua fúria?

      O rio é comparado a um "tapir" e a um "tigre", destacando sua força e velocidade ao atravessar as florestas e se precipitar em cascatas.

04 – Como é a vegetação nas margens do rio Paquequer?

      A vegetação é descrita como exuberante e selvagem, com florestas virgens, arcarias de verdura e palmeiras, criando um cenário grandioso e natural.

05 – Em que ano se passa a história descrita no fragmento?

      A história se passa no ano de 1604.

06 – Como era a ocupação da região na época em que se passa a história?

      A região era deserta e inculta, com a cidade do Rio de Janeiro recém-fundada e a civilização ainda não tendo penetrado no interior.

07 – O que se encontra na margem direita do rio?

      Na margem direita, encontra-se uma casa grande e espaçosa, construída sobre uma elevação rochosa e protegida por uma muralha natural.

08 – Como é o acesso à casa descrita no fragmento?

      O acesso é feito por uma escada de lajedo e uma ponte de madeira sobre uma fenda na rocha, com um vale protegido por cercas de espinhos.

09 – Qual a importância do cenário natural na obra de José de Alencar?

      O cenário natural em "O Guarani" não é apenas um pano de fundo, mas um elemento que interage com os personagens e a trama, refletindo a grandiosidade e a selvageria do Brasil colonial. Além disso o autor utiliza do cenário para mostrar a diferença entre a natureza e o homem, onde a natureza é sublime e o homem um simples coadjuvante.

10 – Quais elementos de segurança e defesa foram construídos ao redor da casa?

      Foram construídos uma escada de lajedo, uma ponte de madeira sobre uma fenda na rocha e uma cerca de espinhos que protege o vale que dá acesso à casa.

 

 

segunda-feira, 25 de novembro de 2024

CRÔNICA: FOLHAS SOLTAS, CONVERSA COM OS MEUS LEITORES - (FRAGMENTO) - JOSÉ DE ALENCAR - COM GABARITO

 Crônica: Folhas soltas, conversa com os meus leitores – Fragmento

              José de Alencar

        [...]

        Houve tempo em que na sociedade não havia homens, porém nomes; os indivíduos eram como esses bustos de mármore que se encontram nas galerias de escultura, e no capitel das quais vemos escritos os nomes de César, Sólon, Licurgo, Platão e outros. [...]

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhLE3kg3KKx_weMWOeOKO4MUZ6OfSaHcXP_xtLuLJDPyiv-FnttDtE1NwnVa3rAqUHJgSZqbnmtw_xQr3156C65AOCmlYgjA9HGUUP70U22TJnSX8A87QopSjr1jRuJ4lUF5VP4toihZkR8MCGk9avsCLlWzciumuMbF-4AOhwiKy5LLDycNVWezFA-zY8/s1600/BUSTO.jpg


        Os pais eram para os filhos um nome, e nada mais; as mulheres casavam-se com um nome, e a crônica ou a história registrava, não as ações de um homem, mas os títulos de uma descendência.

        Hoje isto passou.

        Um nome é uma combinação de letras que significa tanto como qualquer palavra do dicionário; um título é muitas vezes um apelido que não vale a firma de um homem honesto.

        Atualmente a nobreza mudou de sistema.

        Em vez de nomes, os homens tornaram-se números ou cifras; os indivíduos, de bustos de mármore, passaram a ser cofres de ferro, cheios de bilhetes do banco ou de moedas de ouro.

        Se quando vos achais em sociedade pensais que aqueles cavalheiros e senhoras que vedes, moças ou velhas, pertencem à espécie humana, estais em um erro, do qual deveis emendar-vos.

        Todas aquelas figuras com forma humana são bilhetes de tesouro, letras de câmbio, ações de companhia, vales de banqueiro; nenhuma delas tem nome, nem parentes, nem família. São letras de conta, números e cifras que se combinam. [...]

        Agora, apresenta-se na sociedade um número, um número de contos de réis de renda, um número representativo de um capital.

        Virá tempo em que substituirá a forma cediça das apresentações por outra mais original e mais diplomática.

        Em lugar de se dizer: “Tenho a honra de apresentar-lhe o Sr. F., pessoa digna de estima”, a gente [...] servir-se-á desta fórmula: “Dou-lhe a honra de apresentar-lhe uma fortuna de duzentos e cinquenta contos de réis”.

        Então o homem ou senhora, com o sorriso o mais amável, apertará a mão da fortuna, e lhe responderá com um cumprimento gracioso. [...]

José de Alencar. “Folhas soltas: conversa com os meus leitores”. In: Crônicas escolhidas de José de Alencar. São Paulo: Ática / Folha de São Paulo, 1995, p. 186-188.

Fonte: Linguagem em Movimento – língua Portuguesa Ensino Médio – vol. 1 – 1ª edição – FTD. São Paulo – 2010. Izeti F. Torralvo/Carlos A. C. Minchillo. p. 201-202.

Entendendo a crônica:

01 – Qual a principal crítica social presente no fragmento?

      A principal crítica social presente no fragmento é a valorização exacerbada do dinheiro e dos bens materiais em detrimento das qualidades humanas. Alencar critica a superficialidade das relações sociais e a importância que a sociedade atribui à riqueza.

02 – Como Alencar descreve a mudança na forma como as pessoas se relacionam?

      Alencar descreve uma mudança radical na forma como as pessoas se relacionam. Antigamente, as pessoas eram identificadas por seus nomes e títulos, que representavam uma linhagem e uma história. Atualmente, as pessoas são reduzidas a números e cifras, sendo valorizadas apenas por sua riqueza.

03 – Qual a função das metáforas utilizadas por Alencar para descrever essa transformação?

      As metáforas utilizadas por Alencar, como "bustos de mármore" e "cofres de ferro", servem para ilustrar de forma clara e impactante a transformação ocorrida nas relações sociais. Elas criam uma imagem vívida da superficialidade e da materialidade das novas relações.

04 – Qual a ironia presente no final do fragmento?

      A ironia está presente na sugestão de uma nova forma de apresentação social, onde as pessoas são introduzidas não por seus nomes, mas pelo valor de sua fortuna. Essa proposta irônica evidencia a crítica de Alencar à valorização excessiva do dinheiro.

05 – Qual a relação entre o título do fragmento e o conteúdo?

      O título "Folhas soltas" sugere a ideia de reflexões soltas, de pensamentos que surgem de forma espontânea e que não seguem uma ordem lógica. Essa característica se encaixa perfeitamente com o tom crítico e irônico do texto, que aborda de forma livre e informal as transformações da sociedade.

06 – Qual a importância desse fragmento para a compreensão da obra de Alencar?

      Esse fragmento revela a preocupação de Alencar em analisar as transformações sociais de sua época. Ele demonstra um olhar crítico em relação à valorização do materialismo e à superficialidade das relações humanas, temas que permeiam toda a sua obra.

07 – Qual a atualidade da crítica de Alencar?

      A crítica de Alencar continua atual, pois a valorização excessiva do dinheiro e a superficialidade nas relações sociais são problemas ainda presentes na sociedade contemporânea. As redes sociais, por exemplo, intensificaram essa tendência, com a exposição constante de bens materiais e a busca por validação através de likes e seguidores.

 

 

domingo, 22 de maio de 2022

ROMANCE: IRACEMA CAPÍTULO XV - JOSÉ DE ALENCAR - COM GABARITO

 Romance: Iracema Capítulo XV          

                 José de Alencar

        [...]

        Nasceu o dia e expirou.

        Já brilha na cabana de Araquém o fogo, companheiro da noite. Correm lentas e silenciosas no azul do céu, as estrelas, filhas da lua, que esperam a volta da mãe ausente.

        Martim se embala docemente; e como a alva rede que vai e vem, sua vontade oscila de um a outro pensamento. Lá o espera a virgem loura dos castos afetos; aqui lhe sorri a virgem morena dos ardentes amores.

        Iracema recosta-se langue ao punho da rede; seus olhos negros e fúlgidos, ternos olhos de sabiá, buscam o estrangeiro e lhe entram n'alma. O cristão sorri; a virgem palpita; como o saí, fascinado pela serpente, vai declinando o lascivo talhe, que se debruça enfim sobre o peito do guerreiro.

        Já o estrangeiro a preme ao seio; e o lábio ávido busca o lábio que o espera, para celebrar nesse ádito d'alma, o himeneu do amor.

        No recanto escuro o velho Pajé, imerso em funda contemplação e alheio às cousas deste mundo, soltou um gemido doloroso Pressentira o coração o que não viram os olhos? Ou foi algum funesto presságio para a raça de seus filhos, que assim ecoou n'alma de Araquém?

        Ninguém o soube.

        O cristão repetiu do seio a virgem indiana. Ele não deixará o rasto da desgraça na cabana hospedeira. Cerra os olhos para não ver; e enche sua alma com o nome e a veneração de seu Deus:

        — Cristo! . . . Cristo! . . .

        Volta a serenidade ao seio do guerreiro branco, mas todas as vezes que seu olhar pousa sobre a virgem tabajara, ele sente correr-lhe pelas veias uma onda de ardente chama. Assim quando a criança imprudente revolve o brasido de intenso fogo, saltam as faúlhas inflamadas que lhe queimam as faces.

        Fecha os olhos o cristão, mas na sombra de seu pensamento surge a imagem da virgem, talvez mais bela. Embalde chama o sono às pálpebras fatigadas; abrem-se, malgrado seu.

        Desce-lhe do céu ao atribulado pensamento uma inspiração.

        — Virgem formosa do sertão, esta é a última noite que teu hóspede dorme na cabana de Araquém, onde nunca viera, para teu bem e seu. Faze que seu sono seja alegre e feliz.

        — Manda; Iracema te obedece. Que pode ela para tua alegria?

        O cristão falou submisso, para que não o ouvisse o velho Pajé:

        — A virgem de Tupã guarda os sonhos da jurema que são doces e saborosos!

        Um triste sorriso pungiu os lábios de Iracema:

        — O estrangeiro vai viver para sempre à cintura da virgem branca; nunca mais seus olhos verão a filha de Araquém, e ele já quer que o sono feche suas pálpebras, e que o sonho o leve à terra de seus irmãos!

        — O sono é o descanso do guerreiro, disse Martim; e o sonho a alegria d'alma. O estrangeiro não quer levar consigo a tristeza da terra hospedeira, nem deixá-la no coração de Iracema!

        A virgem ficou imóvel.

        — Vai, e torna com o vinho de Tupã.

        Quando Iracema foi de volta, já o Pajé não estava na cabana; tirou a virgem do seio o vaso que ali trazia oculto sob a carioba de algodão entretecida de penas. Martim lho arrebatou das mãos, e libou as gotas do verde e amargo licor.

        Agora podia viver com Iracema, e colher em seus lábios o beijo, que ali viçava entre sorrisos, como o fruto na corola da flor. Podia amá-la, e sugar desse amor o mel e o perfume, sem deixar veneno no seio da virgem.

        O gozo era vida, pois o sentia mais forte e intenso; o mal era sonho e ilusão, que da virgem não possuía senão a imagem.

        Iracema afastara-se opressa e suspirosa.

        Abriram-se os braços do guerreiro adormecido e seus lábios; o nome da virgem ressoou docemente.

        A juruti, que divaga pela floresta, ouve o terno arrulho do companheiro; bate as asas, e voa a conchegar-se ao tépido ninho. Assim a virgem do sertão, aninhou-se nos braços do guerreiro.

        Quando veio a manhã, ainda achou Iracema ali debruçada, qual borboleta que dormiu no seio do formoso cacto. Em seu lindo semblante acendia o pejo vivos rubores; e como entre os arrebóis da manhã cintila o primeiro raio do sol, em suas faces incendidas rutilava o primeiro sorriso da esposa, aurora de fruído amor.

        A jandaia fugira ao romper d'alva e para não tornar mais à cabana.

        Vendo Martim a virgem unida ao seu coração, cuidou que o sonho continuava; cerrou os olhos para torná-los a abrir.

        A pocema dos guerreiros, troando pelo vale, o arrancou ao doce engano; sentiu que já não sonhava, mas vivia. Sua mão cruel abafou nos lábios da virgem o beijo que ali se espanejava.

        — Os beijos de Iracema são doces no sonho; o guerreiro branco encheu deles sua alma. Na vida, os lábios da virgem de Tupã amargam e doem como o espinho da jurema.

        A filha de Araquém escondeu no coração a sua ventura. Ficou tímida e inquieta, como a ave que pressente a borrasca no horizonte. Afastou-se rápida, e partiu.

        As águas do rio banharam o corpo casto da recente esposa.

        Tupã já não tinha sua virgem na terra dos tabajaras.

        [...].

ALENCAR, José de. Iracema. Porto Alegre: L&PM, 2002.

Fonte: Livro – Viva Português 2° – Ensino médio – Língua portuguesa – 1ª edição 1ª impressão – São Paulo – 2011. Ed. Ática. p. 41-4.

Entendendo o romance:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Arrebóis: os tons avermelhados do céu no amanhecer e no entardecer.

·        Borrasca: temporal com chuvas e ventos intensos.

·        Carioba: espécie de camisa de algodão.

·        Corola: conjunto de pétalas da flor.

·        Entretecida: entrelaçada, intercalada.

·        Espanejar: desabrochar.

·        Fluído: gozado, desfrutado.

·        Jandaia: designação comum a várias aves semelhantes, como papagaios e periquitos.

·        Juruti: designação comum a várias aves semelhantes, como pombas e rolinhas.

·        Libar: beber, sorver; beber mais por prazer do que por necessidade.

·        Pejo: pudor, vergonha.

·        Pocema: grito de guerra.

·        Pungir: começar a apontar, começar a aflorar.

·        Rubor: a cor vermelha nas faces provocada por vergonha.

·        Rutilar: fazer brilhar, resplandecer.

·        Troar: retumbar, trovejar.

·        Viçar: desenvolver-se com força.

02 – Releia:

        “— A virgem de Tupã guarda os sonhos da jurema que são doces e saborosos!

        Um triste sorriso pungiu os lábios de Iracema:

        — O estrangeiro vai viver para sempre à cintura da virgem branca; nunca mais seus olhos verão a filha de Araquém, e ele já quer que o sono feche suas pálpebras, e que o sonho o leve à terra de seus irmãos!”. O que Iracema imaginava que Martim desejava sonhar sob o efeito da bebida da jurema?

      Iracema imaginava que os sonhos de Martim seriam ligados a sua terra (Portugal) e a tudo que deixara por lá.

03 – Diante do desejo de Martim de provar a jurema, um sorriso triste aponta nos lábios da índia. Qual pode ter sido a razão da tristeza de Iracema?

      Ela possivelmente imaginou que, com a proximidade da partida, Martim preferisse ficar mais tempo com ela a sonhar com a mulher branca que deixara em Portugal.

04 – As diversas comparações e metáforas presentes ao longo do romance Iracema são responsáveis pela criação do tom poético da obra, como em:

        “— O sono é o descanso do guerreiro, disse Martim; e o sonho a alegria d'alma. O estrangeiro não quer levar consigo a tristeza da terra hospedeira, nem deixá-la no coração de Iracema!

        Observe a oposição representada pelos termos destacados e complete a frase a seguir no caderno. O elemento, nesse contexto, que poderia corresponder à tristeza da terra hospedeira, aquilo que um sonho bom deveria substituir, é .............

·        A saudade da própria terra, Portugal, que Martim deixou há bastante tempo.

·        A saudade da noiva, que o espera em sua terra de origem.

·        A impossibilidade de ter Iracema, de amá-la.

·        As tristezas e as decepções vividas no Brasil.

·        A melancolia observada em todos os índios da tribo em que estava.

05 – Releia:

        “Agora podia viver com Iracema, e colher em seus lábios o beijo, que ali viçava entre sorrisos, como o fruto na corola da flor. Podia amá-la, e sugar desse amor o mel e o perfume, sem deixar veneno no seio da virgem.”. Se o amor de Martim pela índia era impossível, por que, nesse momento, ele acredita poder “viver com Iracema, e colher em seus lábios o beijo”?

      Porque o efeito da jurema lhe dava a possibilidade de viver em sonho algo que não poderia ser vivido na realidade.

06 – Complete as frases no caderno. No contexto do trecho: “Podia amá-la, e sugar desse amor o mel e o perfume, sem deixar veneno no seio da virgem”, mel e perfume significam a sensação agradável sentida naquele estado de sonho. A frase “sem deixar veneno no seio da virgem”, portanto, pode significar .........

·        Não permitir que Iracema bebesse o licor de Tupã, bebida destinada apenas aos guerreiros.

·        Viver as delícias do contato com Iracema apenas em sonho, sem de fato consumar o amor, protegendo, assim, a virgindade da índia.

·        Não permitir que Iracema tomasse contato com seus sonhos, seus desejos.

·        Não deixar que, durante seus sonhos, a jurema vertesse sobre o corpo de Iracema.

·        Proteger Iracema de qualquer agressão que pudesse vir dos índios de sua tribo.

07 – A certeza de Martim de que havia estado com Iracema apenas em sonho pode ser comprovada pelo seguinte trecho:

a)   “[...] e colher em seus lábios o beijo, que ali viçava entre sorrisos, como o fruto na corola da flor.”

b)   “O gozo era vida, pois o sentia mais forte e intenso [...]”.

c)   “[...] o mal era sonho e ilusão, que da virgem não possuía senão a imagem”.

08 – É possível, no trecho lido, verificar uma integração entre as ações e descrições das personagens e os elementos da paisagem. Releia:

        “Quando veio a manhã, ainda achou Iracema ali debruçada, qual borboleta que dormiu no seio do formoso cacto. Em seu lindo semblante acendia o pejo vivos rubores; e como entre os arrebóis da manhã cintila o primeiro raio do sol, em suas faces incendidas rutilava o primeiro sorriso da esposa, aurora de fruído amor.”

a)   A manhã que surge ainda encontra a índia junto de Martim. Em seu rosto brilha um sorriso, “o primeiro sorriso da esposa”. A que elemento da paisagem é comparado o sorriso de Iracema?

Ao primeiro raio do sol que cintila entre os arrebóis da manhã.

b)   O que essa comparação revela sobre esse momento da vida de Iracema?

A comparação enfatiza a nova condição de Iracema, que nasce para uma nova vida. Ela não é mais a virgem de Tupã, ela traz agora o “primeiro sorriso da esposa”.