Poema: Essa
Negra Fulô
Jorge
de Lima
Ora, se deu que chegou
(isso já faz muito tempo)
no bangüê dum meu avô
uma negra bonitinha,
chamada negra Fulô.
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
— Vai forrar a minha cama
pentear os meus cabelos,
vem ajudar a tirar
a minha roupa, Fulô!
Essa negra Fulô!
Essa negrinha Fulô!
ficou logo pra mucama
pra vigiar a Sinhá,
pra engomar pro Sinhô!
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
vem me ajudar, ó Fulô,
vem abanar o meu corpo
que eu estou suada, Fulô!
vem coçar minha coceira,
vem me catar cafuné,
vem balançar minha rede,
vem me contar uma história,
que eu estou com sono, Fulô!
Essa negra Fulô!
"Era um dia uma princesa
que vivia num castelo
que possuía um vestido
com os peixinhos do mar.
Entrou na perna dum pato
saiu na perna dum pinto
o Rei-Sinhô me mandou
que vos contasse mais cinco".
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
Vai botar para dormir
esses meninos, Fulô!
"minha mãe me penteou
minha madrasta me enterrou
pelos figos da figueira
que o Sabiá beliscou".
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá
Chamando a negra Fulô!)
Cadê meu frasco de cheiro
Que teu Sinhô me mandou?
— Ah! Foi você que roubou!
Ah! Foi você que roubou!
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
O Sinhô foi ver a negra
levar couro do feitor.
A negra tirou a roupa,
O Sinhô disse: Fulô!
(A vista se escureceu
que nem a negra Fulô).
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê meu lenço de rendas,
Cadê meu cinto, meu broche,
Cadê o meu terço de ouro
que teu Sinhô me mandou?
Ah! foi você que roubou!
Ah! foi você que roubou!
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
O Sinhô foi açoitar
sozinho a negra Fulô.
A negra tirou a saia
e tirou o cabeção,
de dentro dêle pulou
nuinha a negra Fulô.
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê, cadê teu Sinhô
que Nosso Senhor me mandou?
Ah! Foi você que roubou,
foi você, negra fulô?
Essa negra Fulô!
Cadê meu lenço de rendas,
Cadê meu cinto, meu broche,
Cadê o meu terço de ouro
que teu Sinhô me mandou?
Ah! foi você que roubou!
Ah! foi você que roubou!
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
O Sinhô foi açoitar
sozinho a negra Fulô.
A negra tirou a saia
e tirou o cabeção,
de dentro dêle pulou
nuinha a negra Fulô.
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê, cadê teu Sinhô
que Nosso Senhor me mandou?
Ah! Foi você que roubou,
foi você, negra fulô?
Essa negra Fulô!
Jorge
de Lima. Poesia completa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
Entendendo o poema:
01 – O poema é uma narrativa
e conta uma história que envolve a escrava Fulô. A palavra fulô é uma variação
popular da palavra flor.
a)
Que relação tem esse dado com o desfecho da
narrativa?
O nome da personagem sugere que ela seja bonita, o que coincide com
o provável desfecho da história: o senhor de engenho se apaixona pela negra.
b)
Que relação tem o eu lírico do texto com o
Sinhô da história contada?
O Sinhô era o dono do engenho; logo, era o avô do eu lírico,
conforme o verso “no banguê dum meu avô”.
02 – Esse poema, no conjunto
da obra de Jorge de Lima, pertence à fase em que ele se voltou para temas
brasileiros, ligados à tradições populares.
a)
Identifique no poema palavras e expressões
que demonstrem a preocupação do poeta de empregar uma língua brasileira.
Entre outras, Fulô, Sinhô, Sinhá, cafuné, frasco de cheiro, levar
couro, Cadê.
b)
Faça a escansão de alguns versos do poema.
Que tipo de verso, muito comum no cancioneiro popular e nas cantigas de roda,
foi empregado nesse poema?
A redondilha maior (versos de 7 sílabas poéticas).
c)
Identifique no texto um trecho que comprove a
incorporação de outros elementos da cultura popular na construção do poema.
São os versos entre aspas, que incorporam elementos do cancioneiro
popular (poemas, cantigas de roda).
03 – Ao longo do poema, a
expressão “Essa negra Fulô” pode ser lida com diferentes entonações e, de
acordo com o contexto e a entonação, ganha diferentes sentidos. Que sentido tem
essa expressão no contexto em que:
a)
O Sinhô vai ver a negra levar couro do
feitor?
Sentido de espanto, surpresa e interesse.
b)
A Sinhá acusa a negra de ter roubado vários
de seus pertences?
Sentido de acusação, raiva e desprezo.
04 – Fulô é acusada de
roubar lenço, cinto, broche, terço de ouro, perfume. Na sua opinião, Fulô
estaria realmente roubando os pertences da Sinhá? Tanto em caso afirmativo
quanto negativo, levante hipóteses sobre por que isso estaria acontecendo.
As duas
possibilidades existem. Como Fulô é vaidosa, ela pode estar roubando esses
objetos de Sinhá para ficar bonita e seduzir o Sinhô. Outra leitura é Sinhá
acusar a negra por ciúme, para que ela seja castigada. Outra possibilidade
ainda é o Sinhô estar roubando os objetos da esposa para poder “castigar” a
moça sozinho.
05 – Releia a última
estrofe. Nela a Sinhá pergunta “Cadê, cadê teu Sinhô / que Nosso Senhor me
mandou?”
a)
Como você interpreta o “sumiço” do Sinhô?
É provável que o Sinhô não tenha sumido do engenho e, sim, que tenha
se afastado da Sinhá, pelo fato de estar se relacionando com Fulô.
b)
Que dado da formação étnica do povo
brasileiro o poema retrata?
O relacionamento (sexual, afetivo) entre escravos e seus senhores.
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