terça-feira, 28 de maio de 2019

CRÔNICA: A GRANDE GUERRA - PAULO MENDES CAMPOS - COM GABARITO

Crônica: A GRANDE GUERRA
                      Paulo Mendes Campos

       As árvores sempre amaram os homens, desde o princípio dos tempos. Confessam este amor sem parar, as horas todas do dia. Mesmo quando a luz se retira e elas desaparecem de nossa vista, continuam a dizer que nos amam, fazendo perfume para a nossa noite e música para os nossos sonhos.

        Mas as árvores não são apenas os maiores artistas que existem; são também os mais sábios cientistas. Se a gente lotasse o Mineirão de cientistas, os cem mil sábios ali reunidos saberiam muito menos do que uma árvore. E a mais profunda e indispensável ciência da árvore é transformar veneno em ar puro.
        Muito poucos homens, por incrível que pareça, entendem a língua das árvores. Um em mil? Talvez nem isso. Um dia, por causa dessa ignorância, reunidos numa sala fechada, os homens declararam guerra às árvores.
     Observados hoje, depois que tudo aconteceu, os motivos alegados parecem ridículos. Há árvores demais no mundo, diziam. – Já começam a invadir as nossas terras. – Melhor enfrenta-las e transformá-las em objetos úteis: casas, móveis, navios, lenha. – Não podemos é permanecer de braços cruzados. – O progresso exige que acabemos com as árvores.
        Argumentos, de fato, ridículos; mas os argumentos a favor de todas as outras guerras são muito parecidos, depois de vistos (como se diz) à luz da história.
        Foram mobilizados facões, machados, serrotes. O mais terrível guerreiro era um que ama o combate por si mesmo, capaz de lutar indiferentemente pelo bem ou pelo mal, capaz de cozinhar para o homem, sem que esse gesto simpático signifique bondade; em outra oportunidade, esse mesmo guerreiro poderá destruir sem remorso a humanidade inteira. Seu nome é Fogo.
        E a guerra começou. As árvores, que também não entendem a língua dos homens, apesar de amá-los, continuaram em paz, a fazer o que sempre fazem: sombra, flores, frutos, desenhos, poesia. E a transformar veneno em oxigênio.
        Foi uma guerra feia e covarde. Todos os homens, quase todos (com exceção das pessoas de ouvido fino, que entendem a língua dos vegetais), entraram na luta de extermínio. Quem não pertencia a um exército regular, punha o machado no ombro e saia de manhã para brigar sozinho. Os mais humildes, que nem dispunham de machadinha, armavam-se de fósforo ou isqueiro. Até as crianças, as mais assanhadas e menos inteligentes, participavam da guerra, e da maneira mais diabólica: construíam balões que, levados pelo vento, causavam perdas incalculáveis ao doce e inocente inimigo.
        Essa guerra foi iniciada na era da civilização, há algumas centenas de anos, quando o homem aprendeu a fazer navios ligeiros, pontes sólidas, casas confortáveis e catedrais belíssimas.
        Foi iniciada e jamais teve trégua, prosseguindo até o dia de hoje, auxiliada agora pelas armas modernas, como a serra elétrica e o trator.
        Desarmadas, ou armadas apenas de boa vontade, as árvores opuseram uma única resistência: foram criando outras árvores, tantas quanto podiam no furor da batalha, na esperança de que, findas as hostilidades, outras plantas crescessem e continuassem a fazer oxigênio, sombra, flores, frutos, perfume, desenhos e poesia.
        Mas acontece o seguinte: como imensas florestas já tombaram na luta, dando lugar a amplidões estéreis, o número de árvores em nosso tempo é insignificante. O número de homens, pelo contrário, tornou-se (como dizem) uma verdadeira explosão.
        Assim, para dizer tudo em poucas palavras, a vitória dos homens contra as árvores está muito próxima. No ritmo que vamos, em pouco tempo não ficará uma floresta em pé.
        Há um único problema: estamos enfrentando agora novos inimigos, aqueles que aparecem quando as árvores morrem: os riachos e os rios estão secando-se de sede, atormentando os homens; os temporais adoidados destroem as plantações, atormentando os homens; os animais desaparecem, atormentando os homens; a terra arrebenta-se e não presta mais para nada, atormentando os homens; o sol queima as sementeiras e castiga toda a criação, atormentando os homens. Em vez de dar música nas ramagens, a ventania dá vento; em lugar de perfume, aspiramos o fumo das máquinas; em troca de poesia, vamos entrando cada vez mais por uma paisagem sem flores, sem pássaros, sem verde. E já estamos sentindo falta de ar.
        Superpovoada de homens e despovoada de árvores, a própria Terra, a única que possuímos, chega ao fim e aos poucos morre.
        Resultado final: as árvores perdem a guerra e os homens ganham o inferno.
                                     Paulo Mendes Campos. A grande guerra, publicado no livro Para gostar de ler 24. São Paulo: Editora Ática.
Entendendo a crônica:

01 – É possível afirmar que essa crônica apresenta uma crítica? Por quê?
      Sim, pois critica a maneira como o ser humano explora a natureza e como ele costuma resolver problemas por meio da guerra.

02 – Qual é o ponto de vista defendido pelo cronista nesse texto?
      O cronista defende que os homens declararam guerra às árvores injustamente e estão sofrendo as consequências desse ato.

03 – Transcreva a frase do texto que resume o ponto de vista do cronista quanto às consequências da guerra entre homens e árvores.
      “[...] as árvores perdem a guerra e os homens ganham o inferno”.

04 – Guerra, além de luta armada entre nações que disputam algum território ou discordam em relação a uma ideologia, significa também luta contra qualquer coisa a que se atribua uma valor nocivo, isto é, prejudicial à humanidade.
a)   Em que parágrafo o cronista expõe os motivos alegados pelos homens para a guerra.
No 4° parágrafo.

b)   Qual é a visão do autor sobre os argumentos dos homens para declarar a guerra?
O autor explica que os argumentos dos homens são sem fundamento, assim como todos os outros argumentos usados para fazer guerras.

05 – Na crônica, as árvores são as protagonistas da história e os homens são os antagonistas (aquele que se opõe ao protagonista). Explique qual é o efeito de o autor retratar as árvores como protagonistas.
      O autor enfatizou a crueldade dos homens ao colocar as árvores como vítimas representando a natureza.

06 – Por que o cronista afirma que as árvores são mais sábias que os cientistas?
      Porque elas transformam “veneno em ar puro”.

07 – A crônica foi escrita em 3ª pessoa.
a)   Retire trechos do texto que comprovem essa afirmação.
“E a guerra começou. As árvores, que também não entendem a língua dos homens, apesar de amá-los, continuaram em paz, a fazer o que sempre fazem: sombra, flores, frutos, desenhos, poesia”.

b)   Essa crônica poderia ser escrita em 1ª pessoa? Justifique sua resposta.
Não. O cronista desenvolve um ponto de vista sobre uma situação que é exterior a ele, que pertence aos seres humanos em geral.

08 – Nessa guerra apresentada pelo cronista existe um vencedor? Explique.
      Não, porque nessa luta todos saem perdendo, pois a destruição da natureza, a longo prazo, leva à destruição do ser humano, que depende dela para sobreviver.



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