Crônica: A GRANDE GUERRA
Paulo Mendes Campos
As árvores sempre amaram os homens,
desde o princípio dos tempos. Confessam este amor sem parar, as horas todas do
dia. Mesmo quando a luz se retira e elas desaparecem de nossa vista, continuam
a dizer que nos amam, fazendo perfume para a nossa noite e música para os
nossos sonhos.
Mas as árvores não são apenas os
maiores artistas que existem; são também os mais sábios cientistas. Se
a gente lotasse o Mineirão de cientistas, os cem mil sábios ali
reunidos saberiam muito menos do que uma árvore. E a mais profunda e
indispensável ciência da árvore é transformar veneno em ar puro.
Muito poucos homens, por incrível que
pareça, entendem a língua das árvores. Um em mil? Talvez nem isso. Um dia, por
causa dessa ignorância, reunidos numa sala fechada, os homens declararam guerra
às árvores.
Observados hoje, depois que tudo
aconteceu, os motivos alegados parecem ridículos. Há árvores demais no mundo,
diziam. – Já começam a invadir as nossas terras. – Melhor enfrenta-las e
transformá-las em objetos úteis: casas, móveis, navios, lenha. – Não podemos é
permanecer de braços cruzados. – O progresso exige que acabemos com as árvores.
Argumentos, de fato, ridículos; mas os
argumentos a favor de todas as outras guerras são muito parecidos, depois de
vistos (como se diz) à luz da história.
Foram mobilizados facões, machados,
serrotes. O mais terrível guerreiro era um que ama o combate por si mesmo,
capaz de lutar indiferentemente pelo bem ou pelo mal, capaz de cozinhar para o
homem, sem que esse gesto simpático signifique bondade; em outra oportunidade,
esse mesmo guerreiro poderá destruir sem remorso a humanidade inteira. Seu nome
é Fogo.
E a guerra começou. As árvores, que
também não entendem a língua dos homens, apesar de amá-los, continuaram em paz,
a fazer o que sempre fazem: sombra, flores, frutos, desenhos, poesia. E a
transformar veneno em oxigênio.
Foi uma guerra feia e covarde. Todos os
homens, quase todos (com exceção das pessoas de ouvido fino, que entendem a
língua dos vegetais), entraram na luta de extermínio. Quem não pertencia a um
exército regular, punha o machado no ombro e saia de manhã para brigar sozinho.
Os mais humildes, que nem dispunham de machadinha, armavam-se de fósforo ou
isqueiro. Até as crianças, as mais assanhadas e menos inteligentes,
participavam da guerra, e da maneira mais diabólica: construíam balões que,
levados pelo vento, causavam perdas incalculáveis ao doce e inocente inimigo.
Essa guerra foi iniciada na era da
civilização, há algumas centenas de anos, quando o homem aprendeu a fazer
navios ligeiros, pontes sólidas, casas confortáveis e catedrais belíssimas.
Foi iniciada e jamais teve trégua, prosseguindo
até o dia de hoje, auxiliada agora pelas armas modernas, como a serra elétrica
e o trator.
Desarmadas, ou armadas apenas de boa
vontade, as árvores opuseram uma única resistência: foram criando outras
árvores, tantas quanto podiam no furor da batalha, na esperança de que, findas
as hostilidades, outras plantas crescessem e continuassem a fazer oxigênio,
sombra, flores, frutos, perfume, desenhos e poesia.
Mas acontece o seguinte: como imensas
florestas já tombaram na luta, dando lugar a amplidões estéreis, o número de
árvores em nosso tempo é insignificante. O número de homens, pelo contrário,
tornou-se (como dizem) uma verdadeira explosão.
Assim, para dizer tudo em poucas
palavras, a vitória dos homens contra as árvores está muito próxima. No ritmo
que vamos, em pouco tempo não ficará uma floresta em pé.
Há um único problema: estamos
enfrentando agora novos inimigos, aqueles que aparecem quando as árvores
morrem: os riachos e os rios estão secando-se de sede, atormentando os homens;
os temporais adoidados destroem as plantações, atormentando os homens; os
animais desaparecem, atormentando os homens; a terra arrebenta-se e não presta
mais para nada, atormentando os homens; o sol queima as sementeiras e castiga
toda a criação, atormentando os homens. Em vez de dar música nas ramagens, a
ventania dá vento; em lugar de perfume, aspiramos o fumo das máquinas; em troca
de poesia, vamos entrando cada vez mais por uma paisagem sem flores, sem
pássaros, sem verde. E já estamos sentindo falta de ar.
Superpovoada de homens e despovoada de
árvores, a própria Terra, a única que possuímos, chega ao fim e aos poucos
morre.
Resultado final: as árvores perdem a
guerra e os homens ganham o inferno.
Paulo Mendes Campos.
A grande guerra, publicado no livro Para gostar de ler 24. São Paulo: Editora
Ática.
Entendendo a crônica:
01 – É possível afirmar que essa crônica apresenta uma
crítica? Por quê?
Sim, pois critica
a maneira como o ser humano explora a natureza e como ele costuma resolver
problemas por meio da guerra.
02 – Qual é o ponto de vista
defendido pelo cronista nesse texto?
O cronista
defende que os homens declararam guerra às árvores injustamente e estão
sofrendo as consequências desse ato.
03 – Transcreva a frase do
texto que resume o ponto de vista do cronista quanto às consequências da guerra
entre homens e árvores.
“[...] as árvores
perdem a guerra e os homens ganham o inferno”.
04 – Guerra, além de luta
armada entre nações que disputam algum território ou discordam em relação a uma
ideologia, significa também luta contra qualquer coisa a que se atribua uma
valor nocivo, isto é, prejudicial à humanidade.
a)
Em que parágrafo o cronista expõe os motivos
alegados pelos homens para a guerra.
No 4° parágrafo.
b)
Qual é a visão do autor sobre os argumentos
dos homens para declarar a guerra?
O autor explica que os argumentos dos homens são sem fundamento,
assim como todos os outros argumentos usados para fazer guerras.
05 – Na crônica, as árvores
são as protagonistas da história e os homens são os antagonistas (aquele que se
opõe ao protagonista). Explique qual é o efeito de o autor retratar as árvores
como protagonistas.
O autor enfatizou
a crueldade dos homens ao colocar as árvores como vítimas representando a
natureza.
06 – Por que o cronista
afirma que as árvores são mais sábias que os cientistas?
Porque elas
transformam “veneno em ar puro”.
07 – A crônica foi escrita
em 3ª pessoa.
a)
Retire trechos do texto que comprovem essa
afirmação.
“E a guerra começou. As árvores, que também não entendem a língua
dos homens, apesar de amá-los, continuaram em paz, a fazer o que sempre fazem:
sombra, flores, frutos, desenhos, poesia”.
b)
Essa crônica poderia ser escrita em 1ª pessoa?
Justifique sua resposta.
Não. O cronista desenvolve um ponto de vista sobre uma situação que
é exterior a ele, que pertence aos seres humanos em geral.
08 – Nessa guerra
apresentada pelo cronista existe um vencedor? Explique.
Não, porque nessa
luta todos saem perdendo, pois a destruição da natureza, a longo prazo, leva à
destruição do ser humano, que depende dela para sobreviver.
azavore
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