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domingo, 31 de julho de 2022

POEMA: ÁRIES (21 DE MARÇO A 20 DE ABRIL) - THIAGO DE MELLO - COM GABARITO

 Poema: Áries (21 de março a 20 de abril)

            Thiago de Mello

Eu sei que Marte te ajuda,

companheiro.
Conheço bem de perto esse poder apaixonado,
a generosa força do teu signo de fogo.
Mas não confies demasiado. Cuidado contigo,
vejo um cansaço ao oeste do teu olho.
É preciso ter paciência com as vaidades verdes.
Evita a canção do vento que inventa
o redemoinho nas palavras,
e quando o sol estiver a pino
evita as próprias palavras,
um autêntico Áries deve preferir não dizer
quando o dizer é confundir.
O sectarismo está cravando no teu sonho
os seus dentes de nácar,
e nem te dás conta. Ademais, não são de nácar.

 

Não desanimes nunca, segue trabalhando

pelo reinado da claridão,
que, como sabes, ou precisas saber,
tem o gosto da vida
e a cor do sangue antes do amanhecer.
Tua luta te reserva grandes alegrias,
tanto mais belas porque repartidas,
e no começo do verão
resolverás definitivamente
teu grande problema secreto:
mas só se tiveres força
de olhar o sol de frente.


Pelo outono,

ligeiras perturbações cardiovasculares,
proporcionais ao medo
que circula em tuas artérias.

 

Os mais jovens,

ou os que ainda não perderam a juventude,
devem adiar sua noite de bodas
por umas poucas luas,
e ganhar bem esse tempo
para aprender devagarinho
que o compartir não dói e te acrescenta
de uma força maior que a das estrelas.
Os Áries que já se casaram,
que tratem de levar o barco
por águas mansas,
sem fazer mal a ninguém.
Haverá um instante da primavera
no qual os varões de Marte
que ainda resguardam a infância
(cuidado que ela está agonizante no peito!)
estarão extremamente sensíveis
à beleza das mulheres em geral.
Nem todos sucumbirão.

 

No meio do último decanato,

chegará um sol cinzento com grandes ameaças
à pobre face deste lindo mundo nosso.
Mas não te alteres:
continua fazendo a tua parte,
humilde e organizado,
na construção da alegria.

 

As mulheres morenas

devem acalmar o gênio,
e preferir
sobriamente
o sortilégio do quartzo rosado.

MELLO, Thiago de. A canção do amor armado. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. p. 45-46.

              Fonte: Livro Língua Portuguesa – Trilhas e Tramas – Volume 1 – Leya – São Paulo – 2ª edição – 2016. p. 168-171.

Entendendo o poema:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Sectarismo: intolerância; intransigência.

·        Nácar: substância branca, brilhante, com reflexos coloridos (róseos), que se encontra no interior das conchas.

·        Bodas: festa comemorativa de aniversário de casamento: bodas de prata (25 anos de casados); bodas de ouro (50 anos de casados) etc.

·        Varão: indivíduo do sexo masculino; homem corajoso, esforçado, respeitável.

·        Sucumbir: não resistir, ceder; ser vencido; ser derrotado.

·        Decanato: cada uma das três partes de dez graus em que se divide o signo do zodíaco.

·        Sortilégio: fascinação, sedução; bruxaria.

·        Quartzo: mineral ou “cristal de rocha” dura e transparente, de várias cores.

02 – Você já leu algum poema de Thiago de Mello?

      Resposta pessoal do aluno.

03 – O que a expressão “horóscopo para os que estão vivos” lhe sugere?

      Resposta pessoal do aluno.

04 – Que temáticas ou assuntos poderiam estar presentes em um livro intitulado A canção do amor armado?

      Resposta pessoal do aluno.

Horóscopo para os que estão vivos”: intertextualidade

        O poeta Thiago de Mello emprega o recurso da intertextualidade para construir o poema “Áries”, que integra um poema maior, intitulado “Horóscopo para os que estão vivos”, por sua vez, parte do livro A canção do amor armado.

        O poema “Áries” é uma paródia, pois sua construção se apropria do sentido do gênero “horóscopo” e o transgride.

        O termo horóscopo tem o sentido de “previsão astrológica”, isto é, previsão baseada nas posições dos planetas e dos signos zodiacais no momento em que a pessoa nasceu. Com base nisso, são feitas análises da personalidade e previsões a respeito do futuro dos nascidos em cada signo. Os horóscopos diários, publicados em veículos de comunicação, têm o objetivo de orientar os leitores e/ou ouvintes a respeito de suas emoções e comportamentos.

05 – Explique o título do poema: “Áries (21 de março a 20 de abril)”

      É composto de elementos linguísticos do gênero parodiado, o horóscopo: o nome de um dos signos do zodíaco (Áries) e os dias de nascimento de todos os nascidos sob esse signo: de 21 de março a 20 de abril.

06 – Explique o uso dos seguintes termos e expressões:

        Marte te ajuda; signo de fogo; um autêntico Áries; último decanato.

      São termos e expressões específicos do gênero parodiado: o horóscopo.

07 – Releia e explique os seguintes versos:

        Conheço bem de perto esse poder apaixonado, a generosa força do teu signo de fogo.

      Descrição positiva de quem pertence a um dos signos influenciados pelo elemento fogo (no caso, o signo de Áries).

08 – Releia e explique as seguintes expressões:

        Mas não confies demasiado; Cuidado contigo; É preciso ter paciência; evita as próprias palavras; Não desanimes nunca, segue trabalhando; Mas não te alteres

      São conselhos e advertências presentes em textos de autoajuda, como os horóscopos.

09 – Releia e explique estas outras expressões:

        Ganhar bem esse tempo / para aprender devagarinho; levar o barco / por águas mansas; sem fazer mal a ninguém; continua fazendo a tua parte, / humilde e organizado; devem acalmar o gênio

      São incentivos à prática de atos virtuosos, de boas ações, presentes em textos de autoajuda, como os horóscopos. Comente o uso do diminutivo devagarinho que dá um tom coloquial e afetivo aos versos.

10 – Para divulgar mensagens políticas, durante o período da censura e da ditadura militar (após 1964), os artistas empregavam a linguagem figurada em suas obras. Considerando essa informação:

a)   Explique o uso de metáforas nos versos a seguir.

·        No meio do último decanato, / chegará um sol cinzento com grandes ameaças / à pobre face deste lindo mundo nosso.

·        Mas não te alteres: / continua fazendo a tua parte, / humilde e organizado, / na construção da alegria.

·        Pelo outono, / ligeiras perturbações cardiovasculares, / proporcionais ao medo / que circula em tuas artérias.

·        Não desanimes nunca, segue trabalhando / pelo reinado da claridão.

As metáforas podem estar associadas a denúncias à censura, à ditadura militar, constituir um apelo ao engajamento nas causas políticas e sociais, assim como um apelo pela defesa dos direitos humanos. O eu poético pede ao leitor que não desanime de lutar pelo fim da ditadura.

b)   Explique o título do poema maior, no qual está inserido o poema “Áries”, entre outros onze signos/ poemas: “Horóscopo para os que estão vivos”.

Provavelmente, esse título faz referência às pessoas que sobreviveram a perseguições políticas, prisões, sequestros, torturas, desaparecimentos e assassinatos praticados durante a ditadura militar. O poema seria dedicado às pessoas que sobreviveram a isso, fazendo previsões a respeito de seu “futuro”.

c)   Explique o título do livro de Thiago de Mello em que o poema foi publicado: A canção do amor armado.

A expressão “amor armado” é um paradoxo, que consiste no emprego de palavras com sentidos contrários: amor = o bem; armado = o mal. Assim, ele pode ser interpretado como a necessidade de lutar sem cometer violência; de lutar sem abrir mão do sentimento amoroso.

11 – Quais são os objetivos comunicativos desse poema? Explique.

      Objetivo poético e estético, por meio do trabalho com a linguagem; objetivo de emocionar o leitor e de convencê-lo a lutar pela construção da alegria, da liberdade, da solidariedade e do compartilhamento, sem desanimar.

12 – Explique o uso na construção do poema de:

a)   Verbos no modo imperativo, como em:

·        [...] não confies demasiado.

·        [...] não te alteres: / continua fazendo a tua parte.

O modo imperativo é usado para dar orientações, conselhos: o tom do poema é de autoajuda.

b)   Verbos no futuro do presente do indicativo, como em:

·        Haverá um instante da primavera.

·        Chegará um sol cinzento com grandes ameaças.

Os verbos estão no futuro do presente do indicativo são usados para fazer previsões, como nos horóscopos.

 

 

sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

POEMA: LIÇÃO DE ESCURIDÃO - THIAGO DE MELLO - COM GABARITO

 Poema: LIÇÃO DE ESCURIDÃO

              Thiago de Mello

Caboclo companheiro meu de várzea,
contigo cada dia um pouco aprendo
as ciências desta selva que nos une.

Contigo, que me ensinas o caminho dos ventos,
me levas a ler, nas lonjuras do céu,
os recados escritos pelas nuvens,
me avisas do perigo dos remansos
e quando devo desviar de viés a proa da canoa
para varar as ondas de perfil.

Sabes o nome e o segredo de todas as árvores,
a paragem calada que os peixes preferem
quando as águas começam a crescer.
Pelo canto, a cor do bico, o jeito de voar.
identificas todos os pássaros da selva.
Sozinho (eu mais Deus, tu me explicas).
atravessas a noite no centro da mata.
corajoso e paciente na tocaia da caça.
a traição dos felinos não te vence.

Contigo aprendo as leis da escuridão,
quando me apontas na distância da margem,
viajando na noite sem estrelas,
a boca (ainda não consigo ver) do Lago Grande
de onde me fui pequenino e te deixei.

De novo no chão da infância,
contigo aprendo também
que ainda não tens olhos para ver
as raízes de tua vida escura,
não sabes quais são os dentes que te devoram
nem os cipós que te amarram à servidão.

Nos teus olhos opacos
aprendo o que nos distingue.
Já repartes comigo a ciência e a paciência.
Quero contigo repartir a esperança,
estrela vigilante em minha fronte
e em teu olhar apenas um tição
encharcado de engano e cativeiro.



Barreirinha, 1981
Publicado no livro Mormaço na Floresta (1981).
In: MELLO, Thiago de. Vento geral, 1951/1981: doze livros de poemas. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 198.

Fonte da imagem: https://www.google.com/url?sa=i&url=https%3A%2F%2Fwww.ecycle.com.br%2F4807-florestas&psig=AOvVaw0oL9Vvl1CrtjP-_azzWxjk&ust=1609004182254000&source=images&cd=vfe&ved=0CAIQjRxqFwoTCNix1PDV6e0CFQAAAAAdAAAAABAD

Entendendo o poema:

01 – Que tema é abordado no poema?

      A sabedoria da mãe natureza.

02 – É possível fazer uma reflexão com a leitura do poema. Você concorda com as afirmações feitas pelo eu lírico?

      Resposta pessoal do aluno.

03 – O título do poema motiva a leitura?

      Sim. Ele desperta a curiosidade para saber que lição se tira da escuridão.

04 – Em que pessoal verbal o eu lírico conta o fato no poema? Comprove com um verso.

      Em primeira pessoal do singular. “Contigo, que me ensinas o caminho dos ventos...”.

 

segunda-feira, 11 de maio de 2020

POEMA: PARA REPARTIR COM TODOS - THIAGO DE MELLO - COM GABARITO

Poema: PARA REPARTIR COM TODOS
              Thiago de Mello

Com este canto te chamo,
porque dependo de ti.
Quero encontrar um diamante,
sei que ele existe e onde está.

Não me acanho de pedir
ajuda: sei que sozinho
nunca vou poder achar.
Mas desde logo advirto:
para repartir com todos.

Traz a ternura que escondes
machucada no teu peito.

Eu levo um resto de infância
que meu coração guardou.
Vamos precisar de fachos
para as veredas da noite,
que oculta e, às vezes, defende
o diamante

Vamos juntos.
Traz toda a luz que tiveres,
não te esqueças do arco-íris
que escondeste no porão.
Eu ponho a minha poronga,
de uso na selva, é uma luz
que se aconchega na sombra.

Não vale desanimar,
nem preferir os atalhos
sedutores que nos perdem,
para chegar mais depressa.

Vamos achar o diamante
para repartir com todos.
Mesmo com quem não quis vir
ajudar, pobre de sonho.
Com quem preferiu ficar
sozinho bordando de ouro
o seu umbigo engelhado.

Mesmo com quem se fez cego
ou se encolheu na vergonha
de aparecer procurando.
Com quem foi indiferente
e zombou das nossas mãos
infatigadas na busca.

Mas também com quem tem medo
do diamante e seu poder,
e até com quem desconfia
que ele exista mesmo.

E existe:
o diamante se constrói
quando o procuramos juntos
no meio da nossa vida
e cresce, límpido, cresce,
na intenção de repartir
o que chamamos de amor.
                                 MELLO, Thiago de. Mormaço na floresta. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1981. p. 55-6.
Fonte: Linguagem Nova. Faraco & Moura. Editora Ática. 8ª série. p. 66-9.

Entendendo o poema:

01 – A quem o poeta se dirige?
      Ao leitor.

02 – Com que finalidade?
      O poeta convida todos para ajudá-lo a encontrar um diamante.

03 – Que advertência ele faz?
      Ele adverte que o diamante deve ser repartido com todos.

04 – Segundo o poeta, a busca é longa, difícil e não há como simplifica-la. Em que estrofe aparece essa ideia?
      Na 5ª estrofe.

05 – Na sexta estrofe, fala-se dos que foram convidados para a busca e não aceitaram o convite. O poeta classifica-os em alguns tipos. Quais?
      O que não tem sonhos ou expectativas (“... falto de sonho”); o egoísta (“... preferiu ficar sozinho...”); o que se dá por vencido; o indiferente; o medroso; e o desconfiado.

06 – Depois de assegurar que o tal diamante existe, o poeta explica de que se trata. Trata-se de uma pedra, de um objeto material? Explique sua resposta.
      Não, trata-se da solidariedade que deveria unir todos os homens; da construção de uma sociedade mais justa, voltada para o bem comum, sustentada pela intenção de repartir o amor.

07 – Esse diamante já existe ou se constrói à medida que os homens o procuram?
      A segunda alternativa é a verdadeira.

08 – Portanto, o que mais vale para o poeta: o encontro do diamante ou a sua procura?
      Pelo texto percebe-se que a procura é mais importante que o encontro do próprio diamante.

09 – Considerando a maneira como interpretamos o poema, o que seriam os “atalhos/sedutores que nos perdem/para chegar mais depressa” (5ª estrofe)?
      Se a solidariedade é o objetivo da busca, a metáfora “atalhos sedutores” pode referir-se a egoísmo, ausência de ética, falta de amor ao próximo, pressa na realização individual quando esta se sobrepõe à coletiva.

10 – “Eu levo um resto de infância / que meu coração guardou”. Na sua opinião, por que o poeta faz referência à infância?
      A infância é quase sempre idealizada como época de pureza, inocência, disponibilidade, resistência à corrupção do meio e sinceridade.

11 – “(...) não te esqueças do arco-íris / que escondeste no porão”.
a)   O termo destacado está empregado em sentido próprio ou figurado?
O termo está empregado em sentido figurado.

b)   Se aceitasse o convite do poeta, que arco-íris você levaria para a jornada?
Resposta pessoal do aluno.

12 – O poeta escolheu o diamante e não outra pedra preciosa par construir sua metáfora. Que características desta pedra justificariam a escolha?
      A resistência, a transparência e a beleza.

13 – No seu poema-convite, que pronome o poeta utiliza para dirigir-se ao leitor? Esse pronome é de uso comum na sua região?
      O poeta emprega o pronome de segunda pessoa do singular (tu).

14 – A árvore simbólica que resulta da dança da fita, o diamante de que trata o poema e a ideia de sonho da epígrafe tem um ponto em comum. Qual?
      Dependem da participação de todos.


terça-feira, 11 de junho de 2019

POEMA: O SONHO DOMADO - THIAGO DE MELLO - COM GABARITO

Poema: O SONHO DOMADO
              
             Thiago de Mello

Sei que é preciso sonhar.

Campo sem orvalho, seca
a fronte de quem não sonha.

Quem não sonha o azul do voo
perde o seu poder de pássaro.

A realidade da relva
cresce em sonho no sereno
para não ser relva apenas,
mas a relva que se sonha.

Não vinga o sonho da folha
se não crescer incrustado
no sonho que se fez árvore.

Sonhar, mas sem deixar nunca
que o sol do sonho te arraste
pelas campinas do vento.

É sonhar, mas cavalgando
o sonho e inventando o chão
para o sonho florescer.

Entendendo o poema:

01 – O que significa o sonho para o eu poético do texto?
      Significa sonho controlado, mas com os pés no chão.

02 – O que significa:
a)   Sonho domado?
Sonho controlado, criado, inventado.

b)   O sonho florescer?
Significa algo mágico, como uma nova vida.

03 – Qual a palavra no texto que está no mesmo campo de significado de “domado”?
      A palavra é incrustado – algo ou aquilo que está grudado, cravejado, encravado.

04 – Qual o tema do texto?
      O tema é o sonho. Aquele que a gente inventa, cria.

05 – Cite elementos da natureza encontrados no poema.
      Campo – orvalho – relva – sereno – folha – árvore – vento – sol – campinas.


terça-feira, 23 de outubro de 2018

POEMA: OS ESTATUTOS DO HOMEM - THIAGO DE MELLO - COM GABARITO

Poema: Os Estatutos do Homem 
              Thiago de Mello
         
 (Ato Institucional Permanente) 

Artigo I 
Fica decretado que agora vale a verdade.
agora vale a vida,
e de mãos dadas,
marcharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II
Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III
Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV
Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.

Parágrafo único:
O homem, confiará no homem
Como um menino confia em outro menino.

Artigo V
Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa
com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa.

Artigo VI
Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo VII
Por decreto irrevogável fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da claridade,
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo VIII
Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não pode dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que dá à planta o milagre da flor.

Artigo IX
Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.
Mas que sobretudo tenha
sempre o quente sabor da ternura.

Artigo X
Fica permitido a qualquer pessoa,
qualquer hora da vida,
uso do traje branco.

Artigo XI
Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo,
muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII
Decreta-se que nada será obrigado
nem proibido,
tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela.

Parágrafo único:
Só uma coisa fica proibida:
amar sem amor.

Artigo XIII
Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou.

Artigo Final.
Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre
o coração do homem. 
                            Thiago de Mello, Santiago do Chile, abril de 1964.
Entendendo o poema:

01 – A última estrofe do poema, a respeito da linguagem usada no fragmento citado é correto afirmar que:
I – Predomina a linguagem coloquial para que o texto se torne claro e objetivo.
II – Trata-se de uma linguagem técnica já que o poeta faz uma alusão à Declaração Universal dos Direitos Humanos.
III – O autor aproveita poeticamente o formato e a linguagem do texto normativo para escrever o seu poema.
        Está(ão) correta(s) apena(s) a(s) afirmativa(s).
a)   I e II.
b)   III.
c)   II.
d)   I.
e)   I, II e III.

02 – Os versos presentes no artigo X nos chamam a atenção para um grande problema que aflige a sociedade: a violência. Assim, considerando que “uso do traje branco” representa, sobretudo, o culto pela paz, por que você acha que ela está sendo tão difícil de ser conquistada nos dias atuais?
      Por muitos motivos. O grande desafio das pessoas hoje é encontrar um modo pacífico de conviver. A vida em sociedade torna-se cada vez mais difícil, onde os conflitos e as intrigas marcam sua presença, não permitindo que a paz social seja alcançada. O grande problema é que as pessoas não se respeitam, mas procuram derrubar-se entre si, através do sentimento de inveja que se lança sobre aqueles que são ou possuem mais.

03 – Gradação é a distribuição progressiva de uma série de elementos, em ordem ascendente ou em ordem descendente. Thiago de Mello utiliza, no texto, esse recurso em: fica decretado, estabelecido, permitido, proibido.
      Assinale abaixo a única alternativa que NÃO apresenta gradação.

    a)   Um homem se humilha / Se castram seu sonho / Seu sonho é sua vida / E vida é trabalho... / E sem o seu trabalho / O homem não tem honra / E sem a sua honra / se morre, se mata (...) Gonzaquinha.
b)   Tudo começou no meu quarto, onde concebi as ideias que me levariam a dominar o mundo.
c)   Amou daquela vez como se fosse a última / Beijou sua mulher como se fosse a última / E cada filho seu como se fosse o único / E atravessou a rua com seu passo tímido.
d)   Meu caro, para mim, você é um simples roedor. Que digo? Um verme (...) menos que isso. Uma bactéria! Um vírus! (...)
e)   O primeiro milhão possuído excita, acirra, assanha águia do milionário. Olavo Bilac.

04 – Podemos afirmar que há comunicação entre O Estatuto do Homem e outros textos, ou seja, intertexto.
Assinale a alternativa em que fica claro esse diálogo.
a)   Fica estabelecida, durante dez séculos, / A prática sonhada pelo profeta Isaías, / E o lobo e o cordeiro pastarão juntos / E a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.
b)   Fica proibido o usa da palavra liberdade, / A qual será suprimida dos dicionários / E do pântano enganoso das bocas.
c)   Fica decretado que o dinheiro / Não poderá nunca mais comprar / O sol das manhãs vindouras.
d)   Fica decretado que os homens / Estão livres do jugo da mentira. / Nunca mais será preciso usar a couraça do silêncio.
e)   Fica decretado que o homem / Não precisará nunca mais / Duvidar do homem.

05 – Em relação ao poema, assinale a opção INCORRETA:
a)   Nos versos apresentados pelo Artigo I, o poeta faz uma alusão aos versos: O presente é tão grande, não nos afastemos. / Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas, escritos por Carlos Drummond.
b)   Ainda enfatizando o Artigo I, pode-se dizer que a vida verdadeira é aquela em que há fraternidade, solidariedade e identidade de ideias.
c)   Ao longo dos versos, o poeta utiliza a linguagem predominantemente conotativa, expressando-a por meio de figuras de linguagem, entre as quais podemos perceber algumas, como a metáfora, a prosopopeia e a metonímia.
d)   No primeiro verso do Artigo Final, o autor proíbe o uso da palavra liberdade, fato que contraria o decreto do Artigo V. Todavia, após a leitura dos demais versos da estrofe, ocorre bem o contrário. O poeta alega que a palavra estava apenas na boca dos homens, mas não no coração. Para ele, a vivência da liberdade deve ser concreta e não abstrata, assim como os elementos da natureza são concretos.
e)   A palavra estatutos, título do poema, reporta-nos a um conjunto de regras que deveria nortear a vida do homem e, além disso, alguns termos, como Artigo, Parágrafo único, fica decretado, remetem-nos aos textos legais.

06 – Leia o trecho do poema, e responda às perguntas:
“Artigo Final o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre
o coração do homem.”

a)   A estrofe acima expressa uma posição contrária à liberdade?
Não, a estrofe acima não expressa uma posição contrária à liberdade. Ela reafirma a necessidade de que a liberdade seja mais que um simples conceito, que uma garantia legal abstrata e vazia, e que passe a ser algo que seja efetivamente presente, experienciado, vivido, pelos próprios sujeitos.

b)   Explique qual é a relação entre esse poema e a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
A estrofe, se relaciona com a Declaração Universal dos Direitos Humanos na medida em que cria uma “cláusula” que serve para todas as pessoas, garantindo para todo sujeito um direito básico e inalienável: o direito a experienciar a liberdade, viver sem ser oprimido.

07 – Que significa Estatuto?
      É uma lei orgânica que expressa formalmente os princípios que regem a organização de um Estado, Sociedade ou Associação; conjunto de normas; código ou regulamento que tem valor de lei ou norma.

08 – Nos versos: “Fica decretado que os homens / Estão livres do jugo da mentira”, o sentido figurado da palavra destacada “jugo” só não está correto em:
a)   Força.
b)   Submissão.
c)   Obediência.
d)   Opressão.
e)   Sujeição.