quinta-feira, 23 de maio de 2019

POEMA: LISBON REVISITED - ÁLVARO DE CAMPOS - COM GABARITO

Poema: Lisbon Revisited
       
       Álvaro de Campos

NÃO: Não quero nada.
Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.

Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral! 


Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) —
Das ciências, das artes, da civilização moderna!

Que mal fiz eu aos deuses todos?

Se têm a verdade, guardem-na!

Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?

Não me macem, por amor de Deus!

Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?

Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja da companhia!

Ó céu azul — o mesmo da minha infância —
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflete!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.

Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho! 

                   In Fernando Pessoa. Obra poética. Rio de Janeiro. Nova Aguilar, 1986.

Entendendo o poema:

01 – Do ponto de vista formal, aponte três características modernistas do poema.
      A presença de versos livres de estrofes heterogêneas e de uma linguagem coloquial, próxima da fala.

02 – Desde a primeira estrofe, o sujeito poético imprime um tom exasperado, irritado, ao seu discurso, que se caracteriza fundamentalmente pela negação.
a)   O que está sendo negado nas cinco estrofes iniciais?
As conclusões, as estéticas, a moral, a metafísica, os sistemas completos das ciências, das artes e da civilização moderna, a verdade.

b)   Transcreva o verso dessas cinco estrofes que mostra com maior clareza a postura irônica do sujeito poético perante os valores por ele negados:
O verso é: “Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) –“.

03 – Na sua opinião:
a)   A quem o sujeito poético está se dirigindo, em suas negações?
O sujeito poético está se dirigindo a todos aqueles que defendem e representam os valores por ele negados.

b)   O que é negado como um todo, ao longo do poema?
Ao longo do poema, o sujeito poético está negando todos os valores da civilização moderna.

04 – A Modernidade caracteriza-se pela fragmentação do ser humano – a perda do sentimento de “ser inteiro”, advinda da relativização das certezas, da multiplicidade de opções, da falta de parâmetros para a escolha do que fazer, do melhor caminho a seguir. Considerando essa característica da Modernidade, releia a sexta estrofe e responda:
a)   Como o sujeito poético se auto define?
O sujeito poético se auto define como um técnico e, ao mesmo tempo, como um “doido”.

b)   Em que sentido o sujeito poético pode ser considerado representativo da Modernidade?
O sujeito poético pode ser considerado representativo da Modernidade porque nele percebemos a cisão entre racionalidade, técnica e irracionalidade, loucura. Nesse sentido, ele exemplifica a fragmentação do homem moderno.

05 – No contexto de negação de valores, há um verso no poema que ironiza o modo de vida burguês, com suas instituições e suas rotinas.
a)   Transcreva esse verso.
“Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?”

b)   Cite as instituições e os comportamentos burgueses ironizados por esse verso.
O casamento, a futilidade, o apego aos costumes rotineiros, como pagar impostos.

06 – O sujeito poético se apoia na morte e na solidão para renegar os valores do mundo em que vive. O que essa postura revela a seu respeito?
      Essa postura revela sua marginalidade, seu desajustamento em relação ao mundo em que vive.

07 – Pelo nervosismo e perturbação podemos considerar “neurótica” sua postura perante o mundo e as pessoas. Partindo dessa afirmação, escolha uma estrofe reveladora dessa neurose e justifique sua escolha.
      A oitava estrofe pode ser escolhida, pois nela o sujeito poético revela o máximo de exasperação diante das pressões para se ajustar aos valores do mundo moderno e compactuar com eles.

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