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quinta-feira, 3 de julho de 2025

ARTIGO DE OPINIÃO: MINHA HISTÓRIA COMO PROFESSORA - ROSA MARIA MONSANTO GLÓRIA - COM GABARITO

 Artigo de opinião: Minha história como professora

                Rosa Maria Monsanto Glória

        A todos os professores deste enorme país, por tudo que representam para os seus alunos, especialmente aqueles que conseguem perceber a relevância do seu papel. A todos que de um modo ou de outro contribuíram para que a cada dia eu me tornasse mais o que sou hoje: PROFESSORA

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj5gKYgUkpEU6kPcsEbj_pTgknIdFNJPA6k13_V1HOJzzNLi2Q6xqVPXUF3FsGlAxmtdSXDUP41Mo_7G05xVxknmjZEXjQmT4ogAe8wlElJh7Xtj5hq1v9ahDq2zLYCkzvlrnoa7xXhbH5u-X8LLej2YH5C6XkHoB3RlnK2gzgJjdmnXOLw0eMUT_TfWpg/s320/professora-lousa-quadro-negro.jpg


        É engraçado como a escola sempre esteve muito presente na minha vida. Parando agora para refletir melhor, já nem sei se ela não tem sido minha própria vida. Bem, nem quero me aprofundar nisso, para não correr o risco de fazer com que pensem (ou que os que me conhecem, confirmem) que eu seja maluca...

        Pra começo de conversa, vou contar como começou esta obsessão, penso, como para a maioria das crianças pequenas e sem muitos recursos financeiros (para não dizer pobres) da minha geração.

        As escolas de educação infantil eram "artigo de luxo". As públicas eram poucas e muito concorridas e as particulares eram para os ricos ou para os filhos de mães que trabalhavam fora, coisa que, pelo menos perto de onde eu morava, não era muito comum. Lembro-me de que na rua onde eu morava nenhuma mãe trabalhava fora. Portanto, como eu não atendia a nenhum desses critérios, nem era rica, nem minha mãe trabalhava fora, não fui para o "Jardim" – era assim que se dizia na época. Porém, vocês nem podem imaginar como eu sonhava em ir para a escola, na verdade eu queria mesmo era ir para o "Grupo" – como se chamavam as escolas de Ensino Fundamental –, as escolas de verdade, onde a gente aprendia a ler e a escrever.

        Na rua onde morava e moro até hoje, havia meninas mais velhas que eu, que já iam para a escola de uniforme e "mala", enquanto eu, criancinha, como elas diziam, ficava em casa sonhando com o dia em que pudesse ir também.

        Tenho a nítida lembrança do dia em que minha mãe foi fazer a matrícula no 1° ano e começou então a providenciar as coisas para que eu fosse para a escola. Ela mesma costurou minha saia com tecido xadrezinho de preto e branco com uma prega na frente e minhas camisas branquinhas com gola e bolso com o distintivo do Grupo. Também havia os sapatos tipo colegial preto e as meias brancas até os joelhos. Mas o que mais me fascinou, o que mais me encantou foi a mala preta que ganhei do meu avô. Ela era maravilhosa, tinha um cheirinho bom de couro, dentro dela cabia um mundo de coisas: os cadernos novos, o estojo, os livros que com certeza a professora pediria para comprar, enfim, tudo que fosse preciso para uma menina que queria muito ir para a escola.

        Chegou o grande dia, nem dormi direito, tamanha era a minha ansiedade. Quando deu a hora de ir para a escola, tenho certeza de que se não fosse pelo fato de minha mãe me levar pela mão, o que as pessoas veriam pela rua seria uma meninazinha de laço na cabeça – a única de uniforme no primeiro dia de aula – flutuando até chegar à porta da escola, sendo ancorada por uma grande mala preta, levando ali todos os seus sonhos.

        A vida seguiu em frente, eu adorava a escola, as professoras, os colegas de classe. Ia para lá num período e no outro brincava de escola e de outras coisas também. Durante todo o primário não tive nenhuma falta, ia todos os dias, chovesse ou fizesse sol. Não suportava a ideia de ter de faltar por qualquer que fosse o motivo, nem mesmo quando nasceu minha irmãzinha e era emenda de feriado. Quando chegavam as férias, que naquele tempo eram muito mais longas, principalmente se a gente fechasse as notas, eu ficava eufórica nos primeiros dias, até mesmo meio exibida, pois sempre fechava as notas com médias altas e era muito elogiada por isso – porém depois de uma ou duas semanas o que eu mais queria era que elas acabassem. Morria de saudades de tudo, até mesmo da merendeira que era muito ranzinza e brigava se a gente deixasse uma gotinha de sopa no prato... Da professora, então, nem se fale! E para passar o tempo eu engraxava minha mala e deixava tudo arrumado lá dentro, tornando a fazer isso muitas vezes durante as férias. Agora, adulta, penso que a escola cumpria, para mim e para as outras crianças, um papel extremamente importante: ela era o principal espaço de convivência social que tínhamos; nós de fato frequentávamos a escola, alguns de nós frequentavam a igreja, brincávamos juntos e nada mais, pelo menos para mim era assim. Não tinha shopping, festinhas, balé, natação, judô, inglês...Tinha a escola.

        Cresci mais e ela continuou sendo minha fiel companheira, fazia parte da fanfarra, do grupo de teatro, do coral, ia às aulas de educação física no período oposto ao da aula regular. Se tinha gincana, lá estava eu. Arrecadar prendas para a festa junina era uma farra. Dos desfiles cívicos, eu participava também. No campeonato de handebol entre as escolas do bairro, é claro que eu ia, mas só para torcer, pois era péssima atleta.

        Já não levava minha malinha preta, afinal no ginásio não ficava bem, o que os meninos iriam pensar?! Mas os sonhos continuavam comigo e a escola ainda fazia parte deles. Estava definido: seria professora.

        Fui para o curso de magistério, numa das escolas mais concorridas da minha cidade, depois de ter sofrido a espera da segunda chamada do exame "vestibulinho". Estava radiante e orgulhosa de mim mesma, afinal não era nada fácil entrar para aquela escola (pública) – mesmo que tivesse conseguido a vaga na segunda lista, ainda assim era motivo de glória. Fui para o primeiro dia de aula na escola nova com o coração aos pulos, como quando tinha sete anos, ia de uniforme e minha malinha agora se transformara numa bolsa esportiva – Tiger –, como era moda na época, novamente presente do meu avô. Na "mala", caderno universitário, estojinho, carteira com alguns trocados, passe escolar e a certeza de que seguia pelo caminho certo, seria professora, a melhor que pudesse ser.

        Os quatro anos que passei naquela escola foram "os melhores da minha vida", pelo menos é o que eu pensava na época. Tinha aulas pela manhã, e quase todas as tardes ficava por lá também, um dia era educação física, no outro, estágio, nos outros eram trabalhos na biblioteca (a mais amada que eu já frequentei) ou na sala de estágio, outro espaço maravilhoso da escola que chegava a causar uma pontinha de inveja aos outros alunos dos outros cursos, afinal só as professoras e as "meninas do magistério" tinham uma sala para trabalhos e reuniões. Ali vivi muitas coisas importantes da minha vida, conheci muitas pessoas, tive professores que me fizeram ver a vida de outra forma e acreditar ainda mais nesta profissão, fiz amizades duradouras, o primeiro namorado, ri, chorei, cantei, dancei, amei, vivi... Estar ali naquela escola, utilizar todos aqueles espaços, participar de tudo que me fosse possível, viver intensamente aquele lugar era tudo que eu sempre sonhei, era a escola que cabia na minha malinha de sonhos.

        O curso acabou: estava formada, era professora. Na cabeça o sonho realizado e a certeza de continuar vivendo a escola todos os dias. Nas mãos, não mais uma malinha, mas uma sacola cheia de materiais e livros que certamente seriam úteis no meu trabalho com os meus alunos. Meu Deus, como era lindo me ouvir dizer: meus alunos!

        Começou então outra etapa da minha vida. Agora era adulta, professora formada, como diziam meus pais, mas como deixar de ser aluna? Não podia, isso seria insuportável. Então lecionava durante o dia e fazia pedagogia à noite – perfeito, era professora, mas era também aluna.

        Com a primeira escola, vieram muitas alegrias, mas também muitas decepções. Lutei muito contra o desânimo, a acomodação e a hostilidade dos que pensavam que escola era lugar apenas de se cumprir horário e programa de ensino, que só mesmo na cabecinha de uma recém-formada caberia a ideia que "aqueles alunos" teriam jeito. Como podem imaginar, estava eu numa escola de periferia, com uma classe de alunos repetentes por muitos anos porque não sabiam ler e escrever, levava comigo muita vontade e uma sacola cheia de materiais bonitinhos, feitos por minhas próprias mãos, que animavam os alunos pela sua beleza e os fazia sentir-se "cuidados" pela sua professora, o que era bom, mas que pouco contribuía para que aprendessem mais. Durante aquele ano, o conteúdo da mala variou muito: a incerteza quase sempre estava presente, assim como a força de vontade e a insistência que partilhavam espaço com livrinhos de história, a cartilha da pipoca, alguns joguinhos para trabalhar matemática e às vezes alguns docinhos, brinquedinhos e roupas para as crianças.

        Já no curso de pedagogia, tudo era muito diferente do que eu tinha vivido na escola. Havia muitas pessoas numa sala, quase todos os alunos eram mais velhos que eu e as relações eram mais superficiais. Os professores também eram diferentes, eles falavam para grandes massas de alunos, a maioria de nós não tinha nome para eles, mas eles falavam de coisas que eu achava muito interessantes e anotava tudo no caderno. Descobri que a faculdade era uma escola muito diferente da escola que eu queria para viver, embora aprendesse muito nela e tivesse algumas gostosuras: as paqueras, os bate-papos com alguns colegas, o bolinho de queijo da cantina e a sexta-feira...

        Esse ano, o primeiro como professora, foi definitivo para o meu "casamento" com a escola. Nele tive a oportunidade de experimentar pela primeira vez na vida o que é "quebrar a cara". Cheguei cheia de sonhos e boa vontade, sabia que estava fazendo diferença para aqueles alunos, pois me empenhava muito para isso, mas descobri também que, só com isso na minha malinha, pouco poderia contribuir para de alguma forma "ajudar a mudar seus destinos", fadados ao fracasso. Pobres e fracassados – parece que era isso que queriam escrever nas linhas de suas mãos e eu pouco podia, pouco sabia fazer para ajudá-los a fugir deste destino. Não pensem que só chorei durante esse ano, também sorri e cantei com minha turma, fui dura, brava algumas vezes, afinal queria muito que aprendessem, vibrei com suas conquistas e me senti parte de suas vidas. E no final do ano muitos deles estavam diferentes e sabiam ler e escrever.

        Depois disso, muitos outros vieram, muitos outros alunos, crianças e adultos povoaram minha vida. Outras escolas se sucederam à primeira – não muitas, pois fui aprendendo a ganhar raízes, também fui encontrando parceiros mais interessantes e interessados em melhorar suas práticas, tanto nas escolas estaduais como nas municipais por onde passei. E, sendo assim, fui cada vez mais acreditando que aquele era meu lugar. E pela minha inseparável malinha – que ora era uma sacola, ora era o próprio porta-malas do carro – passaram muitas coisas diferentes: livros, jogos, tesoura, cola, papéis, cadernos (muitos), sucatas, rótulos, sementes, fitas K7, fitas de vídeo... e muitos, muitos textos, alguns tão difíceis que eu começava a ler e os deixava de lado, outros que eu devorava com minhas parceiras, outros ainda que eu achava impossível serem de fato sérios... Só sei que, ao lado disso tudo, dentro da malinha compartilhavam do mesmo espaço coisas materiais e muitas coisas nem sempre palpáveis: dúvidas, certezas, conflitos, alegrias, descontentamento, euforia, paixão, satisfação e muita busca.

        Cada vez sabia mais que o que me movia era estar dentro da escola, não importava muito se de educação infantil, 1ª a 4ª série ou se de jovens e adultos: aquele espaço de convivência intensa entre as pessoas e das pessoas com o conhecimento é o que me satisfazia. Até que um dia surge uma oportunidade – única, é o que diziam as pessoas de modo geral. Estava eu, pela primeira vez na vida, frente a frente com a possibilidade de sair da escola que até então, com maior ou menor intensidade, sempre tinha sido o único "palco por onde andei". Havia a chance de integrar a equipe técnica da Secretaria de Educação, que era muito respeitada pela maioria dos professores da rede municipal. Fiquei numa dúvida cruel: por um lado estava tendo uma possibilidade de crescer na carreira dentro de uma rede pública de que eu gostava muito e me orgulhava de fazer parte, por outro teria de abrir mão do "aconchego reconfortante" da escola e me atirar rumo ao desconhecido.

        Demorei muito a me decidir. Nunca imaginei que fosse tão sofrido ter de tomar decisões. Como eu poderia ser tão ingrata e abandonar quem sempre me acolheu tão bem, como seria capaz de viver sem aquele burburinho gostoso de escola quando tem gente, quando tem vida? Mas também, como perder essa oportunidade – única – que acenava para mim como uma chance de conhecer mais, estudar mais... Optei, então, depois de muitas noites sem dormir, muito choro e dores de cabeça, por entrar por essa nova porta que se abria a minha frente, porém não poderia imaginar minha vida sem alunos, e assim continuei sendo professora de jovens e adultos no período noturno.

        Outra etapa da minha vida se iniciava. Estava diante de uma nova função nunca antes por mim vivida, que só conhecia do lado de cá, o de professora que observava de longe o que faziam as pessoas da equipe técnica. O início não foi nada fácil. O primeiro dia novamente parecia com aquele, daquela meninazinha de laço no cabelo que deixava o conforto do lar para aventurar-se num mar de incertezas, levando em sua malinha agora um coração apertado, mas também ansioso pela novidade que se mostrava fascinante, pois acenava com a possibilidade do convívio com outras pessoas e outros saberes. Tinha então novos afazeres, graças a Deus, todos relacionados à escola.

         No primeiro ano, penso que engordei "uma tonelada", tamanha era minha ansiedade em fazer tudo da melhor forma possível. Sentia um medo enorme de não "dar conta do recado", de não ser capaz de contribuir de fato para que os outros professores pudessem trabalhar melhor... De verdade eu acreditava que se eu fizesse tudo direitinho, todos iriam gostar de estudar e procurar mudar suas práticas (quanta pretensão!). Minha mala agora tinha ficado superchique, parecia uma executiva, com pasta de pelica bege, presente não mais do meu avô, que infelizmente já havia partido, mas de minha mãe, que estava muito orgulhosa da sua jovem filha. Dentro dela? Proposta curricular, textos e mais textos teóricos, os mais recentes que conseguia, para serem fartamente distribuídos aos professores, durante minhas visitas às escolas.

        Além disso, tinha outro ponto, que era ao mesmo tempo um alento e um desafio: fazer parte de uma equipe composta de professoras que, como eu, eram novas nessa função e por isso também estavam construindo seu papel e seu lugar no grupo. Isso era bom porque estávamos "buscando nosso lugar ao sol" e por isso tínhamos de nos ajudar mutuamente – e o único jeito que conhecíamos para fazer isso era estudando. Mas, por outro lado, todas sabíamos que para nos tornarmos uma equipe não bastava compartilhar a mesma sala e os mesmo problemas a resolver... Era preciso muito mais. E todas, de modo geral, se esforçavam para isso, o que também foi um aprendizado. Embora muitas vezes tivesse pensado no quanto tinha sido uma idiota em deixar o "conforto pobrezinho do meu lar" para me arriscar por "mares nunca dantes navegados", de certa forma tudo isso me seduzia e, como também não sou de "abandonar o barco", segui em frente. Foram anos de estudo e desafios e minha malinha, fiel escudeira, que me acompanhava de porta em porta, de escola em escola, carregou uma variedade imensa de papéis, registros, relatórios, ideias, projetos, observações... Fui aprendendo – pelo menos creio que sim – a contribuir um pouco mais com o trabalho dos meus colegas professores, tentei ser parceira deles e, nesse caminhar, nunca deixei de respirar escola. Fui aprendendo, nesses anos de trabalho, assim como minhas colegas de equipe, a definir melhor o meu papel. Já sei que, para que a educação se transforme, não basta apenas distribuir aos professores uma infinidade de textos de fundamentação teórica: para que os textos façam sentido, é preciso um trabalho de formação contínua, de discussão real sobre a prática pedagógica.

        Recebi, então, recentemente, um convite maravilhoso, o mais sedutor de toda a minha vida profissional, que tinha como ingredientes: escola, professores, alunos e formadores. Além disso, poderia conciliar esta ação com o trabalho que vinha fazendo com as escolas de meu município. Então, continuando a acreditar que a escola é por excelência o lugar em que as grandes mudanças na vida dos alunos acontecem, eu e minha malinha nos aventuramos por outros mares – claro que sem deixar de retornar ao porto seguro, onde eu fiz minha morada que é a secretaria onde trabalho. Comecei então a trabalhar com formação de professores. Na mala – agora de viagem, com rodinhas para facilitar o transporte "do peso do saber" – carregava algumas roupas, que variavam conforme a estação; muitos livros, literários e teóricos; fitas de vídeo, cadernos para as anotações, uma pauta a ser discutida e uma imensa vontade de contribuir de alguma forma com o trabalho dos professores deste país. Esta possibilidade me encantou e mudou radicalmente meu jeito de pensar a escola. Estava vivendo um momento único e, com ele, a possibilidade de conhecer pessoas – as mais diferentes, com as mais diferentes experiências – e fazer parte de um trabalho coletivo de fato, estudar e aprender...

        Isso tudo me parecia o paraíso, era muito mais do que um dia eu havia sonhado...

        Mas, quem foi que disse que os sonhos não se tornam realidade e podem ser mais maravilhosos ainda?

        Na sequência desse convite, na verdade como consequência dele, recebi outro. Agora sim, um convite que aquela meninazinha, que nem sequer frequentou o jardim, não poderia jamais imaginar. Participar da equipe pedagógica do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores! Esse era o presente mais lindo que um dia alguém poderia me dar. Agora teria de me afastar um pouco do meu porto seguro, visto que a viagem era longa – a princípio isto me assustou, mas agora, já mais experiente, tenho certeza de que "navegar é preciso" e que quando eu voltar trarei na mala muitas coisas boas para compartilhar com os companheiros em terra.

        Estou aqui então, carregando nas mãos uma mala cheia de bons sonhos, sonhados e construídos a muitas mãos e cabeças, por um grupo de professoras que acredita que é possível pensar e fazer educação neste país. Nesta mala estão depositadas muitas esperanças, não de milagres ou mágicas, visto que o que carrega é conhecimento, mas de possibilidades de mudança. E eu? Aprendi que a escola com certeza é minha vida e que quero viver ainda muito, até que um dia, bem velhinha, possa abrir minha malinha e olhar lá dentro todas as recordações boas que esta profissão me deu de presente.

Rosa Maria Monsanto Glória.

Fonte: Letra e Vida. Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – Coletânea de textos – Módulo 3 – CENP – São Paulo – 2005. p. 47-53.

Entendendo o artigo:

01 – Qual a principal motivação da autora para querer ir à escola na infância, considerando sua condição socioeconômica?

      Para a autora e a maioria das crianças de sua geração sem muitos recursos, a escola de educação infantil era "artigo de luxo". Sua principal motivação para querer ir à escola, especificamente ao "Grupo" (Ensino Fundamental), era o desejo de aprender a ler e a escrever, algo que ela observava nas meninas mais velhas.

02 – Qual objeto se tornou um símbolo da ansiedade e dos sonhos da autora em seu primeiro dia de aula, e por quê?

      A mala preta que ganhou de seu avô foi o objeto mais fascinante. Ela representava um "mundo de coisas" que caberiam dentro dela – cadernos, estojos, livros – e era o âncora de todos os seus sonhos de menina que ansiava por ir à escola.

03 – Como a autora se sentia durante as férias escolares, e o que essa atitude revela sobre sua relação com a escola?

      Nos primeiros dias de férias, a autora ficava eufórica, mas após uma ou duas semanas, sentia muita saudade da escola. Ela passava o tempo engraxando sua mala e arrumando suas coisas, o que revela o quanto a escola era um espaço vital e central em sua vida, não apenas para o aprendizado, mas para a convivência social.

04 – Qual foi a decisão de carreira da autora na adolescência e como ela se sentiu ao ser aprovada para o curso de Magistério?

      Na adolescência, ela definiu que seria professora. Ao ser aprovada no "vestibulinho" para o curso de Magistério, mesmo na segunda chamada, ela se sentiu radiante e orgulhosa, pois era difícil ingressar naquela escola pública concorrida.

05 – Descreva a importância da escola durante os anos de Magistério da autora.

      Os quatro anos de Magistério foram descritos como "os melhores da minha vida". A escola foi um espaço onde ela viveu intensamente, participando de atividades extracurriculares, utilizando diversos espaços (como a biblioteca e a sala de estágio), fazendo amizades duradouras e tendo professores que a fizeram acreditar ainda mais na profissão.

06 – Qual foi a principal "decepção" e aprendizado da autora em seu primeiro ano como professora em uma escola de periferia?

      A autora enfrentou a hostilidade e o desânimo de colegas que não acreditavam no potencial dos alunos repetentes. Ela descobriu que apenas sua boa vontade e materiais bonitos eram insuficientes para "ajudar a mudar seus destinos", percebendo que a transformação exigia mais do que isso. Apesar das dificuldades, muitos de seus alunos aprenderam a ler e escrever.

07 – De que forma o curso de Pedagogia se diferenciava da experiência escolar que a autora almejava para sua vida?

      No curso de Pedagogia, a autora encontrou um ambiente com muitas pessoas, relações mais superficiais e professores que falavam para "grandes massas", sem conhecer os alunos individualmente. Embora aprendesse muito, ela percebeu que a faculdade era "uma escola muito diferente da escola que eu queria para viver".

08 – Qual foi a "dúvida cruel" que a autora enfrentou ao receber o convite para a Secretaria de Educação?

      Ela ficou dividida entre a possibilidade de crescer na carreira em uma rede pública que ela admirava e a necessidade de abrir mão do "aconchego reconfortante" da escola, o "burburinho gostoso" dos alunos e a convivência que tanto a satisfazia.

09 – Como a autora conciliava sua nova função na Secretaria de Educação com sua paixão por lecionar?

      Mesmo assumindo a nova função na equipe técnica da Secretaria de Educação, a autora não abriu mão de ser professora. Ela continuou lecionando para jovens e adultos no período noturno, garantindo que sua vida ainda tivesse a presença e o convívio com alunos.

10 – O que o último convite recebido pela autora (para o Programa de Formação de Professores Alfabetizadores) simboliza para ela e para sua "malinha"?

      Esse convite é o "presente mais lindo", algo que a "meninazinha que nem sequer frequentou o jardim" jamais poderia imaginar. Simboliza a concretização de seus sonhos em uma escala maior. Sua "malinha", agora de viagem com rodinhas, passa a carregar não apenas materiais e livros, mas muitas esperanças e possibilidades de mudança, representando sua contínua busca por contribuir com a educação do país.

 

ARTIGO DE OPINIÃO: SER PROFESSORA É O MELHOR TRABALHO PARA UMA MULHER - ROSA MARIA ANTUNES DE BARROS - COM GABARITO

 Artigo de opinião: Ser professora é o melhor trabalho para uma mulher

               Rosa Maria Antunes de Barros

          Esta história – esta reflexão – é dedicada a todos os professores que acreditam que da sua competência profissional depende a qualidade da educação escolar

        "O melhor trabalho para uma mulher é ser professora: fica só meio período na escola, ganha seu dinheirinho e ainda pode cuidar da casa e dos filhos." Isso era o que Sônia, quando criança, ouvia nas conversas da sua mãe com suas tias que também eram professoras. Ela mesma não sabia o que queria ser, não gostava de estudar, mas de vez em quando brincava de escolinha no quarto dos fundos da sua casa, onde a porta verde escura servia de lousa.

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgFWTBAHf13GimM3HTCNVwUO6SJumH2giZwLElKIdLI0cSDYG6OIjjvUwndg33SCornFpmU-_6vciZIHtLiqFkIHeMGI1bp2o_KNPEcFnermfCSzmpaLQHpdrcrwb_K7nyjdd0AoNQFZAR6QgYUzr9RSJOetH35QWCVeo8BXQtO_cZZD33PWUt_4_pgBeU/s320/3171581-professora-cartoon-mulher-segurando-livro-e-aponte-para-quadro-negro-com-regra-vetor.jpg 


        O tempo passou e o desinteresse pela escola e pelos estudos continuava. Preferia fazer qualquer trabalho a ficar envolvida com livros e cadernos. Fazia muitas artimanhas para esconder o seu mau desempenho, mas era sempre descoberta. Quando estava fazendo pela segunda vez a sexta série, sua mãe teve uma conversa com ela e disse que iria tirá-la da escola.

        Não foi muito fácil esse momento e Sônia começou a pensar como seria sua vida sem estudo e sem a relação com os amigos e primos. Achou que estava diante de uma mudança radical e resolveu, então, se dedicar um pouco mais como aluna.

        Acabou por continuar os estudos e tornou-se professora na mesma escola onde sempre estudou. Sentia-se aliviada, pois finalmente conseguiu um diploma.

        Começou a trabalhar como professora numa escola pública e depois de alguns anos teve uma primeira experiência como professora de uma classe de 1ª série. Não conseguia alfabetizar todos os seus alunos e nas reuniões justificava-se dizendo que o problema era o nível socioeconômico das crianças: pobres, largadas, com pais desinteressados, que conviviam com a violência e que iam à escola para comer... Sabia que poderia ser bom incentivar seus alunos a irem à biblioteca da escola, um dos poucos recursos de que dispunha, mas percebia que eles não se interessavam pela leitura, porque só folheavam os livros e logo queriam mudar para outro. Essas ideias que justificavam o desinteresse e o não-aprendizado das crianças eram comuns entre muitos de seus colegas.

        A escola de Sônia ficava na periferia de um centro urbano e era uma das poucas da região que recebiam estagiários do curso normal. Todo ano, ela recebia uma em sua sala, e contava as dificuldades que enfrentava para ensinar todos os seus alunos. Dizia que não sabia o que fazer, porque se tratava de um problema social. Contava que não tinha interesse pelos cursos oferecidos pela Secretaria de Educação, afinal, a cada nova administração a moda mudava e por isso fazer cursos era perda de tempo. Além do mais, alfabetizou-se pela cartilha e mesmo assim se tornou professora, como tanta gente.

        Comentava com todas as colegas suas ideias a respeito da formação de professores, inclusive com Eliane, uma estagiária, que afirmava também concordar com ela e dizia ter escolhido ser professora porque, apesar do salário ser igual ao de um caixa de supermercado, na escola não teria de trabalhar muito, apenas meio período, teria férias duas vezes por ano e as atividades na sala de aula eram muito simples: mandar as crianças fazer as atividades do livro didático, depois corrigi-las e tirar as dúvidas daquelas com mais dificuldades.

        O tempo passou e Sônia se casou. Teve dois filhos que frequentaram uma escola de educação infantil que não fazia nenhum investimento na alfabetização porque o seu objetivo era recrear e sociabilizar e não preparar as crianças para a 1ª série. Isso não a preocupava porque seu filho mais velho havia se alfabetizado sozinho e com certeza teria sucesso no Ensino Fundamental.

        Dois anos depois, seu segundo filho ingressou na Ia série, mas infelizmente não estava alfabetizado. Sônia, agora, trabalhava em duas escolas e não tinha tempo para ajudar seus filhos nas tarefas de casa. Teve oportunidade de acompanhar o primeiro dia de aula e ficou surpresa quando descobriu que a professora era justamente Eliane.

        O semestre foi passando e Sônia foi ficando incomodada ao ver que seu filho não aprendia a ler e escrever. Fez várias reuniões com a professora e não conseguia entender como seu filho, um menino com uma família estruturada, bem alimentado, protegido da violência, não tinha sucesso. Foi sugerido que procurasse um psicólogo e Sônia resolveu consultar o melhor do seu seguro-saúde, que, segundo soube, vivia se atualizando e participando de cursos e congressos. Feito o diagnóstico, nada foi encontrado a não ser a confirmação do desinteresse pelas atividades escolares. Sônia comentou com Eliane e ela disse que nada podia fazer, afinal não iria mudar a sua forma de trabalhar de tantos anos por causa do filho dela. Os meses foram se passando, e, em agosto, Eliane precisou pedir uma licença médica prolongada. Veio então uma professora substituta, Fátima.

        Sônia foi imediatamente procurá-la para contar o problema do seu filho e Fátima ouviu-a atenciosamente. Outras mães, insatisfeitas porque as crianças não aprendiam a ler e escrever, também foram conversar com ela. A professora resolveu fazer uma reunião de pais e contar como era o seu trabalho, em que pressupostos teóricos ele estava apoiado, porque iriam sentir que as mudanças seriam grandes dali para a frente. Sônia, assim como muitos pais, ficou preocupada com as mudanças, mas não tinha opção a não ser concordar. As mudanças eram mesmo muito grandes e se via que ela tinha uma forma muito diferente de tratar os conteúdos escolares, especialmente a linguagem escrita.

        O final do ano chegou e muitas crianças avançaram, inclusive o filho de Sônia, que aprendeu a ler e escrever.

        Esta história é muito mais comum do que podemos imaginar e nos convida a algumas reflexões sobre o que significa ser professor. Precisamos ter claro, mas muito claro, que se trata de uma profissão e, como tal, requer profissionais que constantemente estejam estudando e se atualizando. A realidade nos mostra que não podemos nos dar ao luxo de dizer que não queremos aprender ou nos atualizar, pois isso é algo que está posto para qualquer profissão, inclusive a dos professores. Certamente, acharíamos absurdo ouvir de um médico que não quer conhecer novas teorias ou novas técnicas de cirurgia... Por que um professor fica tão incomodado quando há novas teorias e conhecimentos didáticos na área de educação? Hoje, qualquer profissional – engenheiro, agricultor, costureira, dentista, cozinheira... – sabe que precisa atualizar-se.

        E por que estudar é tão importante para nós, professores? Porque não é aceitável responsabilizar as crianças pela impossibilidade de a escola ensiná-las. Sabemos que há situações muito difíceis a serem enfrentadas e que não é produtivo gastar tempo e energia procurando culpados. Não podemos atribuir a responsabilidade do fracasso escolar ao nível socioeconômico dos alunos, mas também sabemos que é muito mais trabalhoso ensinar crianças de ambientes não-letrados.

        Criticamos os pais por não se envolverem com as atividades escolares de seus filhos, esquecendo-nos que eles são fruto de uma escola que em geral pouco contribuiu com sua formação, e que muitos nem sequer passaram pelos bancos escolares. E se olharmos para nós, o que diríamos do nosso desinteresse pela leitura e pela escrita, que é ferramenta fundamental da nossa profissão?

        Precisamos assumir a responsabilidade da nossa formação inadequada para não continuar perpetuando esta situação. Ser professor não é uma tarefa fácil, como sempre quiseram que acreditássemos, e só com muita competência e empenho de todos será possível reverter esta situação.

        Ser Eliane, Sônia ou Fátima é uma questão de opção.

Rosa Maria Antunes de Barros.

Fonte: Letra e Vida. Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – Coletânea de textos – Módulo 3 – CENP – São Paulo – 2005. p. 72-74.

Entendendo o artigo:

01 – Qual era a percepção inicial de Sônia e de sua família sobre a profissão de professora, e como essa percepção influenciou suas escolhas?

      A percepção inicial de Sônia e de sua família (mãe e tias) era que ser professora era o "melhor trabalho para uma mulher" porque oferecia meio período na escola, um "dinheirinho" e tempo para cuidar da casa e dos filhos. Essa visão simplificada e idealizada da profissão, que Sônia ouvia desde criança, a influenciou a seguir carreira na educação, mesmo sem ter interesse pelos estudos inicialmente e buscando apenas um diploma.

02 – Como a experiência de Sônia como professora de 1ª série com alunos em dificuldade de alfabetização começou a desafiar suas crenças?

      A experiência de Sônia com alunos da 1ª série que não conseguiam ser alfabetizados começou a desafiar suas crenças ao colocá-la diante de uma realidade complexa. Ela justificava o não-aprendizado pelo nível socioeconômico das crianças, pela falta de interesse dos pais e pela violência, atribuindo o problema a fatores externos e sociais, e não à sua própria prática pedagógica. Essa dificuldade a fez questionar suas abordagens, embora inicialmente não a levasse a buscar soluções em formação continuada.

03 – De que forma a atitude de Eliane, a estagiária, reflete uma mentalidade comum entre alguns profissionais da educação?

      A atitude de Eliane reflete uma mentalidade comum entre alguns profissionais da educação que veem a profissão como um "trabalho simples", com poucas exigências e muitas vantagens (meio período, férias, atividades de sala de aula supostamente fáceis). Ela não demonstrava interesse em aprofundar seus conhecimentos ou inovar, contentando-se em apenas "mandar as crianças fazer as atividades do livro didático", o que indica uma visão limitada e descompromissada com a complexidade da alfabetização e do aprendizado.

04 – Qual foi o ponto de virada para Sônia em relação à sua percepção da profissão de professora, e o que a levou a essa mudança?

      O ponto de virada para Sônia ocorreu quando seu próprio filho, com uma família estruturada e protegida da violência, não conseguiu ser alfabetizado na 1ª série pela professora Eliane. Essa experiência pessoal a fez confrontar a ineficácia das práticas pedagógicas que ela mesma utilizava e defendia. A dificuldade do filho, que não se encaixava nas justificativas anteriores sobre "nível socioeconômico", a impulsionou a buscar ajuda e a refletir sobre a importância da competência profissional do professor.

05 – Como a chegada da professora substituta, Fátima, impactou a visão de Sônia sobre o processo de ensino-aprendizagem e a responsabilidade do professor?

      A chegada da professora substituta, Fátima, impactou profundamente a visão de Sônia. Fátima demonstrou uma abordagem profissional, baseada em pressupostos teóricos e disposta a implementar mudanças significativas na forma de tratar os conteúdos, especialmente a linguagem escrita. A capacidade de Fátima em alfabetizar o filho de Sônia e outras crianças insatisfeitas, mesmo em um curto período, evidenciou para Sônia que a competência e o engajamento do professor são fundamentais e que a responsabilidade pelo aprendizado não pode ser atribuída apenas aos alunos ou ao seu contexto social.

06 – Segundo o artigo, por que a atualização e o estudo são tão cruciais para os professores, e qual analogia é utilizada para reforçar essa ideia?

      Segundo o artigo, a atualização e o estudo são cruciais para os professores porque a profissão, como qualquer outra, requer profissionais que se constantemente se desenvolvam e se atualizem. Não é aceitável que os professores responsabilizem as crianças pela impossibilidade da escola ensiná-las. A analogia utilizada para reforçar essa ideia é a de um médico que se recusasse a conhecer novas teorias ou técnicas de cirurgia, algo que seria considerado absurdo. Da mesma forma, os professores não deveriam se sentir "incomodados" com novas teorias e conhecimentos didáticos na área da educação.

07 – Qual é a principal mensagem do artigo ao afirmar que "Ser Eliane, Sônia ou Fátima é uma questão de opção"?

      A principal mensagem do artigo ao afirmar que "Ser Eliane, Sônia ou Fátima é uma questão de opção" é que a postura profissional do professor é uma escolha individual. Eliane representa a postura descompromissada e acomodada; Sônia, a professora que, embora inicialmente desinteressada e justificadora, passa por uma transformação a partir de uma experiência pessoal; e Fátima, a profissional competente, engajada e comprometida com a constante busca por conhecimento e com a responsabilidade de promover o aprendizado de todos os alunos. A frase destaca que o professor tem a autonomia e a responsabilidade de decidir qual caminho seguir em sua carreira, impactando diretamente a qualidade da educação.

 

ARTIGO DE OPINIÃO : BAR MEMÓRIA - CARLOS HEITOR CONY - COM GABARITO

 Artigo de opinião: Bar Memória

                Carlos Heitor Cony

        Era um botequim feio, muito feio mesmo. Três portas esquálidas, paredes encardidas, balcão sórdido com empadas sinistras, de longe se adivinhavam o mofo, as sombras, o vago cheiro de túmulo. O nome o salvava: Bar Memória. Nome inexplicável: o botequim nem merecia a classificação de bar. E por que memória? Quem nele se lembraria de alguém ou de alguma coisa? Pior: quem dele se lembraria?

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi62SCjrC30Pe-409djyxparc1SiX4MzA34dWu4x2dmb1R5jtExe1Vl3W4v0rs3vIKbo8MLvcsI1iPwwRv31f8mhrvlMJz20-Daplp_5RSGqW_BkdpoCnR6OvA9q6DrY2FOSbQTZVod6sYGSpi33wX__THTu54UX6U0QrvQ1gfsdb9uy_t2ntntL6xiQgs/s1600/images.jpg


        Sua importância era topográfica. Ficava numa terra-de-ninguém da cidade – cidade que cada vez mais se tornou terra-de-ninguém. Para os Correios e Telégrafos, o Bar Memória ficava no Jardim Botânico. Para os tributos estaduais e municipais, ficava na Gávea. Para a Receita Federal ficava na Lagoa. Policialmente, pertencia à 16a Delegacia, do Leblon. Para o Corpo de Bombeiros, era o Jóquei. O Tribunal Regional Eleitoral o alistou como reserva democrática do Horto.

        Sem sair do lugar, flutuando no chão da cidade, ele existia sem existir, escombro de um fantasma que não pertencia especificamente a nada e a ninguém. Espaço imponderável, um assassinato ali cometido, com um bom advogado a favor do criminoso, jamais seria punido: faltaria a localização exata para determinar o local do crime.

        Estava sempre vazio, nunca vi luz que aliviasse sua penumbra. À noite, ele continuava fiel à escuridão, duas ou três lâmpadas empoeiradas não iluminavam as paredes encardidas e tristes. A luz, trêmula e fria, tornava mais pesadas suas sombras.

        Pois o Bar Memória foi abaixo, esta semana. Nos jornais, a foto conseguia transmitir sua solidão de bar, sua escuridão de memória. A escavadeira do município rasgou sua carne cansada, estraçalhou seu ventre de trevas. O Bar Memória se desmanchou sem resistência, sem dar um grito.

        E como seu chão era imponderável, ele continuará imponderável. Ficará intacto no meio da nova pista que dará acesso à Barra. Não deixará saudade. Não deixará memória, o Bar Memória.

Carlos Heitor Cony.

Fonte: Letra e Vida. Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – Coletânea de textos – Módulo 3 – CENP - São Paulo – 2005. p. 27.

Entendendo o artigo:

01 – Qual era a principal característica do Bar Memória, e como o autor a descreve?

      A principal característica do Bar Memória era sua extrema feiura e degradação. O autor o descreve como um "botequim feio, muito feio mesmo", com "três portas esquálidas, paredes encardidas, balcão sórdido com empadas sinistras", além de um "vago cheiro de túmulo" e penumbra constante.

02 – Por que o nome "Bar Memória" era irônico e inexplicável para o autor?

      O nome era irônico e inexplicável porque o bar era tão insignificante e desagradável que o autor questionava: "Quem nele se lembraria de alguém ou de alguma coisa? Pior: quem dele se lembraria?". O lugar não possuía qualidades que justificassem ser lembrado ou associado à memória.

03 – Como o texto explora a ideia de que o Bar Memória era uma "terra-de-ninguém"?

      O texto explora essa ideia através da confusão topográfica e burocrática do bar. Ele não pertencia a um único bairro ou jurisdição, sendo localizado em diferentes áreas (Jardim Botânico, Gávea, Lagoa, Leblon, Jóquei, Horto) por diferentes órgãos. Essa indefinição geográfica reforçava sua natureza de "escombro de um fantasma" e um "espaço imponderável".

04 – O que a demolição do Bar Memória simboliza, e qual o seu desfecho irônico?

      A demolição simboliza o fim de algo que já "existia sem existir", um escombro de um passado sem relevância. O desfecho é irônico porque, apesar de seu nome, o Bar Memória "não deixará saudade. Não deixará memória, o Bar Memória", ou seja, sua existência era tão efêmera e sem impacto que mesmo sua destruição não geraria lembranças.

05 – Qual a relação entre a falta de localização exata do Bar Memória e a impunidade de um possível crime?

      O autor sugere que a falta de localização exata tornava o bar um "espaço imponderável" onde um assassinato, se cometido, jamais seria punido. Isso porque, com um bom advogado, seria impossível determinar o "local exato do crime", aproveitando a ambiguidade geográfica do estabelecimento para fins jurídicos.

 

quarta-feira, 25 de junho de 2025

ARTIGO DE OPINIÃO: DORAS E CARMOSINAS - FERNANDA MONTENEGRO - COM GABARITO

 Artigo de opinião: Doras e Carmosinas

               Fernanda Montenegro

        Há momentos em que os anos vividos nos obrigam olhar em volta e fazer uma revisão das nossas perdas e dos nossos danos. Se hoje estou sendo agraciada com a mais alta condecoração de nosso país, é porque sou resultado de muitas influências e convivências. Centenas de companheiros e personagens me formaram, me educaram e estão comigo sempre. Não me refiro só a minha família de sangue, mas principalmente à minha família de opção…

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhldsP4kRtfBszIgeSCoGLyh0kBxPIJA2SVMjJSGWcfTU_XlicvaIoLSUAiuGbBA-8PljXjIRL1B84hLcT_r2EEvXWBr1Hv5P7mi0PXkjI2yhqJJ8yjIbqnzMVWH3P_b9irtWqzG_pzcmYA5-UY8ilo5qb3__YcyXVO2DT2jqIbKh5LhvmyW00bLA9wjeU/s320/1955-professoras-anos-50-a.jpg


        Mas existe o antes. A infância. E – por que não? – o período da minha educação primária. Acho que é aí que tudo começa. Ao trabalhar o mundo da professora Dora de Central do Brasil, lá na infância é que fui buscar, na minha memória, as primeiras professoras que me alfabetizaram. Credenciadas, respeitadas, prestigiadas professoras primárias da minha infância. Professoras de escolas públicas que eu frequentei, no subúrbio do Rio.

        Eu me lembro especialmente com muito carinho de Dona Carmosina Campos de Meneses, que me alfabetizou. E, mais do que isso, que me ensinou a ler, o que é um degrau acima da alfabetização. Naquele tempo, as professoras ainda se chamavam Carmosinas, Afonsinas, Ondinas. Busquei na memória a figura de Dona Carmosina para me aproximar da professora Dora (para mim, personagem não é ficção). E vi como seria trágico se a minha tão prestigiada e amada Dona Carmosina viesse a se transformar, por carências existenciais e sociais, numa endurecida e miserável Dora. Foi essa visão de tantas perdas que me deu o emocional da cena final do filme quando Dora escreve “tenho saudade de tudo”.

        Saudade é uma palavra forte e uma forma profunda de chamamento, de invocação. Entre Carmosina e Dora lá se vão sessenta anos. Penso que minha vocação de atriz foi sensibilizada a partir das leituras em voz alta, leituras muito exigidas, cuidadas, orgânicas, que nós alunos fazíamos usando os livros de português do antigo curso primário. As primeiras coisas que decorei na vida foram dois poemas que Dona Carmosina mandou (é essa a palavra: mandou) que decorássemos nas férias de dezembro: “Meus oito anos” de Casimiro de Abreu e “Canção do exílio” de Gonçalves Dias. Na volta das férias naquele ano de 1937, eu, mesmo tímida, envergonhada e encantada declamei: “Oh! Que saudades que eu tenho da aurora da minha vida, da minha infância querida que os anos não trazem mais. Que amor, que sonhos, que flores, naquelas tardes fagueiras, à sombra das bananeiras, debaixo dos laranjais”. Essas bananeiras e esses laranjais não eram licença poética. Os subúrbios de nossas cidades ainda não tinham sofrido essa degradação ambiental que infelizmente se fez presente com o passar dos anos. Vi muitos Brasis entre esses meus oito anos, os oito anos do poeta e essas duas mulheres: Carmosina e Dora. Vejo essa passagem de tempo, claro, com alegrias e ganhos, mas também com muitas perdas e dor. Sou atriz e confesso a minha deformação profissional: esse sentimento de perdas, essa nostalgia me ajudaram a resgatar o emocional dessa desprotegida e amarga Dora ao intuir que dentro dessas Doras desiludidas existe sempre uma Carmosina à espera de um ombro e de um socorro.

        Senhor presidente, nesta nossa confraternização de artistas e autoridades como não lembrar o milagre que a educação e a cultura produzem em todo ser humano. É este, me parece, o espírito que nos une aqui, neste espaço, e por estarmos diante da mais alta autoridade do nosso país, que é Vossa Excelência, a herança cultural da reivindicação artística e social se apresenta… Mas, Vossa Excelência é um democrata e um professor, por isso peço a Vossa Excelência me dar o direito de não resistir, mesmo porque acredito que estamos numa concordância de vontades. Senhor presidente, precisamos urgentemente de muitas, muitas Carmosinas e, se possível, nenhuma Dora. Vossa Excelência tem poder para transformar as Doras em Carmosinas. O país lhe deu esse poder. Eu tenho um sonho que certamente é também um sonho de Vossa Excelência e de muitos, muitos, muitos brasileiros. Eu tenho um sonho (parodiando o notável reverendo americano) que um dia, realmente, todas as desesperadas Doras serão resgatadas desses ônibus perdidos que atravessam esse nosso sertão de miséria e que a elas será dado nem que seja uma parcela daquele reconhecimento e respeito social das professoras Carmosinas da minha infância. Doras com visão de futuro, com autoestima, economicamente ajustadas. Professoras Doras inventivas, confiantes, confiantes no seu magistério, para que possam ser amadas como seres humanos e (por que não?) como personagens também. Muito amadas e lembradas por todos os Vinícius e todos os Josués de nosso país. Mesmo assim prefiro as Carmosinas… Que Dora compreenda e me perdoe. Vale a troca. Para o fortalecimento da nossa educação, da nossa cultura, vale a pena, senhor presidente, se a nossa alma, isto é, se a realização do sonho de todos nós, se essa realização não for pequena. Faço de Dora e Carmosina minhas companheiras neste meu agradecimento. Ignorá-las seria desprezar a minha infância e a realidade da minha, não digo velhice, mas da minha madureza.

Transcrição do discurso feito pela atriz ao ser homenageada por sua indicação ao Oscar de melhor atriz estrangeira pelo desempenho no filme Central do Brasil.

Entendendo o artigo:

01 – Por que Fernanda Montenegro afirma que, ao ser agraciada com uma condecoração, ela é "resultado de muitas influências e convivências"?

      Ela afirma isso porque se sente formada e educada por centenas de companheiros e personagens, não apenas pela sua família de sangue, mas principalmente pela sua "família de opção" (colegas de profissão e os papéis que interpretou).

02 – Qual a importância da infância e da educação primária na formação da autora, segundo o texto?

      Fernanda Montenegro acredita que tudo começa na infância e na educação primária. Ela buscou suas primeiras professoras para construir a personagem Dora, percebendo a influência desses anos iniciais em sua formação.

03 – Quem foi Dona Carmosina Campos de Meneses e qual o seu significado para Fernanda Montenegro?

      Dona Carmosina foi a professora que alfabetizou Fernanda Montenegro e, mais do que isso, a ensinou a ler. Ela é uma figura de muito carinho e representou o prestígio e o respeito das professoras primárias da época.

04 – Como a figura de Dona Carmosina se relaciona com a personagem Dora, do filme "Central do Brasil"?

      Fernanda Montenegro buscou na memória a figura de Dona Carmosina para se aproximar da professora Dora. Ela imaginou o quão trágico seria se uma professora tão prestigiada como Carmosina se transformasse, por carências existenciais e sociais, na endurecida e miserável Dora.

05 – Que dois poemas Dona Carmosina "mandou" que os alunos decorassem nas férias de dezembro de 1937, e qual o impacto disso na autora?

      Os poemas foram "Meus oito anos" de Casimiro de Abreu e "Canção do exílio" de Gonçalves Dias. A autora destaca que a leitura em voz alta e a memorização desses poemas sensibilizaram sua vocação de atriz e a ajudaram a resgatar o emocional da personagem Dora.

06 – Qual o principal contraste que a autora estabelece entre as "Carmosinas" e as "Doras"?

      As Carmosinas representam as professoras prestigiadas, respeitadas, com autoestima e que inspiram a educação. As Doras, por sua vez, simbolizam as professoras desiludidas, amargas, que sofreram com a degradação social e a falta de reconhecimento, muitas vezes "perdidas" em um "sertão de miséria".

07 – Qual o apelo final de Fernanda Montenegro ao presidente, utilizando as figuras de Dora e Carmosina?

      Ela apela por "muitas, muitas Carmosinas e, se possível, nenhuma Dora". Pede ao presidente que utilize seu poder para transformar as Doras em Carmosinas, resgatando-as da miséria e oferecendo-lhes reconhecimento e respeito social para que sejam inventivas, confiantes e amadas.

 

quarta-feira, 4 de junho de 2025

ARTIGO DE OPINIÃO: O MENINO ESTÁ FORA DA PAISAGEM - FRAGMENTO - JABOR A. - COM GABARITO

 Artigo de opinião: O menino está fora da paisagem – Fragmento

        Jabor A.

        O menino parado no sinal de trânsito vem em minha direção e pede esmola. Eu preferiria que ele não viesse. A miséria nos lembra de que a desgraça existe, e a morte também. Como quero esquecer a morte, prefiro não olhar o menino. Mas não me contenho e fico observando os movimentos do menino na rua. Sua paisagem é a mesma que a nossa: a esquina, os meios-fios, os postes. Mas ele se move em outro mapa, outro diagrama. Seus pontos de referência são outros. 

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiPzLxropUpUFYerqhF-n3QEhjGwqnsHItU7JY5iCxLYYg4Or0Xy1RFuG8s0VB6OQe42TED_hKGcojV6oLmLmmKUA54AukmlTKQ2noaMCOy_QXZMA80ab2U50YXW_57T1QNIu2AdipDwA4rnaWvRekLphubrmIEx8ryGS2RaMjY1jFHyvyFPgZ37kPMhbo/s320/muros_por_derrubar.jpg


        Como não tem nada, pode ver tudo. Vive num grande playground, onde pode brincar com tudo, desde que “de fora”. O menino de rua só pode brincar no espaço “entre” as coisas. Ele está fora do carro, fora da loja, fora do restaurante. A cidade é uma grande vitrine de impossibilidades. [...]. Seu ponto de vista é o contrário do intelectual: ele não vê o conjunto nem tira conclusões histéricas – só detalhes interessam. O conceito de tempo para ele é diferente do nosso. Não há segunda-feira, colégio, happy hour. Os momentos não se somam, não armazenam memórias. Só coisas “importantes”: "Está na hora de o português da lanchonete despejar o lixo...” ou "Estão dormindo no meu caixote...”

        [...]

        Se não sentir fome ou dor, ele curte. Acha natural sair do útero da mãe e logo estar junto aos canos de descarga pedindo dinheiro. Ele se acha normal; nós é que ficamos anormais com a sua presença.

        [...].

Jabor A. O menino está fora da paisagem. O Estado de São Paulo, São Paulo, 14 abr. 2009. Caderno 2, p. D 10.

Fonte: Livro – Português: Linguagens, 3ª Série – Ensino Médio – William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães, 9ª ed. – São Paulo: Saraiva Editora, 2013. p. 292.

Entendendo o artigo:

01 – Qual a primeira reação do narrador ao ver o menino no sinal de trânsito e o que essa reação revela sobre o observador?

      A primeira reação do narrador é de desconforto e aversão, preferindo que o menino não viesse em sua direção. Essa reação revela o desejo de ignorar a miséria e, por extensão, a própria mortalidade e o lado desagradável da existência, buscando manter uma ilusão de normalidade e esquecimento da dor alheia.

02 – Como o autor descreve a "paisagem" do menino de rua em contraste com a nossa, e qual a diferença fundamental entre seus "mapas"?

      O autor descreve a paisagem física do menino como a mesma nossa ("a esquina, os meios-fios, os postes"). No entanto, a diferença fundamental é que o menino se move em "outro mapa, outro diagrama", com "pontos de referência outros". Isso significa que, embora compartilhem o mesmo espaço físico, suas realidades, prioridades e formas de interação com esse ambiente são completamente distintas devido à sua condição de marginalidade e exclusão.

03 – De que forma o "ponto de vista" do menino de rua é caracterizado como o "contrário do intelectual"?

      O ponto de vista do menino de rua é caracterizado como o "contrário do intelectual" porque ele não vê o conjunto nem tira conclusões históricas, focando apenas em "detalhes" que lhe são importantes para a sobrevivência ("Está na hora de o português da lanchonete despejar o lixo..." ou "Estão dormindo no meu caixote..."). Isso contrasta com a visão abrangente e analítica típica do pensamento intelectual.

04 – Como o artigo descreve a percepção do tempo para o menino de rua?

      O artigo afirma que o conceito de tempo para o menino de rua é "diferente do nosso". Para ele, "Não há segunda-feira, colégio, happy hour. Os momentos não se somam, não armazenam memórias". Isso sugere que o tempo do menino é vivido em um presente contínuo e imediato, ditado pelas necessidades básicas e pelos eventos momentâneos de sua sobrevivência, sem a linearidade e o planejamento que caracterizam a vida organizada da sociedade.

05 – Qual a conclusão do autor sobre a percepção do menino de rua a respeito de sua própria condição?

      A conclusão do autor é que o menino de rua "se acha normal" em sua condição. Ele "acha natural sair do útero da mãe e logo estar junto aos canos de descarga pedindo dinheiro". A "anormalidade" e o desconforto, segundo Jabor, são sentidos por "nós" (a sociedade "normal") com a presença dele, e não o contrário.

 

ARTIGO DE OPINIÃO: MUROS INTERNALIZADOS - FRAGMENTO - SERPA, A. - COM GABARITO

 Artigo de opinião: Muros internalizados – Fragmento

           Serpa, A.

        Vinte anos se passaram desde a queda do Muro de Berlim. A cidade comemora com uma programação rica em atividades. Pode-se conferir, por exemplo, uma grande exposição de fotografias na Alexander Platz ou ver de perto a restauração da East Side Gallery, um pedaço de muro ainda existente que se transformou numa galeria de arte a céu aberto. [...] Em Berlim, [...] tenho ouvido a afirmação recorrente de que o muro persiste enquanto paisagem interiorizada pelos habitantes da cidade. [...] Onde buscar esse muro internalizado?

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgsTqsTfEsZhPJRn9dQOa3S-dcKwuH1PCYB9MoLbkkWIJNaDeA4PVzdfjIqLvOWl95YkUYayiqK7mGMZU8OZ3dprU3qfW3RAh2Xz2Aenq9p2_bwPtwbgurAfDScjOTn6ta98q856RthjFo4nenLqR7C2Y-X-5UbQOYXUlYZTh4ekQqYPUC_ju-xNQATdjI/s320/queda-muro-de-berlin1.jpg


        [...]

        Tudo isso faz pensar nas cidades brasileiras, onde os muros tomam conta da paisagem, seja segregando favelas e bairros populares, seja cercando os condomínios fechados dos bairros nobres. Berlim nos ensina que o muro é forma-conteúdo, é produto e também processo, reflete e condiciona o modo como uma sociedade lida com a diferença. O muro também produz a diferença e radicaliza a ocultação do “outro”, transforma diferença em segregação e desigualdade.

SERPA, A. Muros internalizados. A Tarde, Salvador, 1o ago. 2009. Caderno Opinião, p. A 3.

Fonte: Livro – Português: Linguagens, 3ª Série – Ensino Médio – William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães, 9ª ed. – São Paulo: Saraiva Editora, 2013. p. 292.

Entendendo o artigo:

01 – Qual o principal evento que o artigo menciona como ponto de partida para sua reflexão?

      O principal evento que o artigo menciona é a queda do Muro de Berlim, ocorrida vinte anos antes da escrita do texto. A cidade celebra essa data com diversas atividades.

02 – Mesmo após a queda física do Muro de Berlim, que tipo de "muro" a autora afirma que persiste na cidade?

      Mesmo após a queda física, a autora afirma que o muro persiste como uma "paisagem interiorizada pelos habitantes da cidade". Isso sugere que as divisões e mentalidades criadas pelo muro continuam existindo na psique e nas relações sociais das pessoas.

03 – Como a autora relaciona a situação de Berlim com a realidade das cidades brasileiras?

      A autora relaciona a situação de Berlim com as cidades brasileiras ao observar que muros físicos também "tomam conta da paisagem" no Brasil. Ela cita a segregação de favelas e bairros populares, bem como os condomínios fechados nos bairros nobres, como exemplos dessa muralha urbana.

04 – O que o artigo quer dizer com a afirmação de que "o muro é forma-conteúdo"?

      A afirmação de que "o muro é forma-conteúdo" significa que o muro não é apenas uma estrutura física (forma), mas também carrega um significado profundo e um impacto social (conteúdo). Ele é tanto um produto das desigualdades quanto um processo que reflete e condiciona a forma como uma sociedade lida com as diferenças.

05 – De que maneira, segundo a autora, o muro afeta a percepção do "outro" na sociedade?

      Segundo a autora, o muro afeta a percepção do "outro" ao "radicalizar a ocultação do 'outro'" e transformar a diferença em segregação e desigualdade. Ao erguer barreiras, sejam elas físicas ou mentais, o muro impede o contato e a compreensão entre diferentes grupos sociais, reforçando estigmas e distanciamentos.