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domingo, 23 de março de 2025

TEXTO: RAÍZES DO BRASIL - FRAGMENTO - SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA - COM GABARITO

 Texto: Raízes do Brasil – Fragmento

            Sérgio Buarque de Holanda

        [...]

        Nas formas de vida coletiva podem assinalar-se dois princípios que se combatem e regulam diversamente as atividades dos homens. Esses dois princípios encarnam-se nos tipos do aventureiro e do trabalhador. Já nas sociedades rudimentares manifestam-se eles, segundo sua predominância, na distinção fundamental entre os povos caçadores ou coletores e os povos lavradores. Para uns, o objeto final, a mira de todo esforço, o ponto de chegada, assume relevância tão capital, que chega a dispensar, por secundários, quase supérfluos, todos os processos intermediários. Seu ideal será colher o fruto sem plantar a árvore.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgxCwJvnxtCWNtP93wqIuAKRpe23GKXGQkt-GCR7kJIj_7tf5Cn2Yvr-GZhOENsP0yaMQL0y6fWbWg69-mQUBek2T83W28iRv1e982e67NKJ6Ro4uodR7OTdq2cmzs-C6Sw8ctSZkKmfe88D4gMs738pbpc4v_T7-LE28U4fhDmGj6C84Y4M2m1mK2tVUE/s320/rac3adzes-do-brasil-2.jpg


        Esse tipo humano ignora as fronteiras. No mundo tudo se apresenta a ele em generosa amplitude e, onde quer que se erija um obstáculo a seus propósitos ambiciosos, sabe transformar esse obstáculo em trampolim. Vive dos espaços ilimitados, dos projetos vastos, dos horizontes distantes.

        O trabalhador, ao contrário, é aquele que enxerga primeiro a dificuldade a vencer, não o triunfo a alcançar. O esforço lento, pouco compensador e persistente, que, no entanto, mede todas as possibilidades de esperdício e sabe tirar o máximo proveito do insignificante, tem sentido bem nítido para ele. Seu campo visual é naturalmente restrito. A parte maior do que o todo.

        Existe uma ética do trabalho, como existe uma ética da aventura. Assim, o indivíduo do tipo trabalhador só atribuirá valor moral positivo às ações que sente ânimo de praticar, e, inversamente, terá por imorais e detestáveis as qualidades próprias do aventureiro — audácia, imprevidência, irresponsabilidade, instabilidade, vagabundagem – tudo, enfim, quanto de relacione com a concepção espaçosa do mundo, característica desse tipo.

        Por outro lado, as energias e esforços que se dirigem a uma recompensa imediata são enaltecidos pelos aventureiros; as energias que visam à estabilidade, à paz, à segurança pessoal e os esforços sem perspectiva de rápido proveito material passam, ao contrário, por viciosos e desprezíveis para eles. Nada lhes parece mais estúpido e mesquinho do que o ideal do trabalhador.

        [...]

Sérgio Buarque de Holanda. Raízes do Brasil. 8. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1975. p. 13.

Fonte: Lições de texto. Leitura e redação. José Luiz Fiorin / Francisco Platão Savioli. Editora Ática – 4ª edição – 3ª impressão – 2001 – São Paulo. p. 256-257.

Entendendo o texto:

01 – Quais são os dois princípios que regulam as atividades humanas, segundo o autor?

      Os dois princípios são o do aventureiro e o do trabalhador, que representam diferentes formas de encarar a vida e o trabalho.

02 – Como o aventureiro encara o trabalho e os objetivos?

      O aventureiro foca no objetivo final, buscando resultados imediatos e desprezando os processos intermediários. Ele valoriza a amplitude, a liberdade e a superação de obstáculos.

03 – Qual a visão do trabalhador sobre o trabalho e os objetivos?

      O trabalhador valoriza o esforço lento e persistente, a atenção aos detalhes e o aproveitamento máximo dos recursos. Ele se preocupa mais com as dificuldades a serem superadas do que com o triunfo final.

04 – Como a ética do trabalho e a ética da aventura se contrapõem?

      O trabalhador valoriza a moralidade nas ações, enquanto o aventureiro exalta a busca por recompensas imediatas. O que é considerado positivo por um é visto como negativo pelo outro.

05 – Quais características são atribuídas ao aventureiro?

      O aventureiro é caracterizado por sua audácia, imprevidência, irresponsabilidade, instabilidade e busca por resultados rápidos.

06 – Quais características são atribuídas ao trabalhador?

      O trabalhador é caracterizado pela persistência, atenção aos detalhes, valorização do esforço e busca por estabilidade.

07 – Qual a crítica presente no fragmento em relação aos dois tipos de indivíduos?

      O fragmento apresenta uma análise crítica das duas mentalidades, mostrando como elas influenciam as formas de vida coletiva e as relações sociais. O autor não toma partido de nenhum dos dois modelos, apenas os contrapõe.

 

 

quinta-feira, 6 de março de 2025

TEXTO: EXISTEM RECEITAS PARA FAZER UMA BOA DISSERTAÇÃO? PASCAL IDE - COM GABARITO

 Texto: Existem receitas para fazer uma boa dissertação?

           Pascal Ide

        Não existem receitas, mas apenas métodos. A diferença é capital: a receita é do padronizado, o método é do sob medida. Todos gostariam de “macetes” (supostamente infalíveis); ora, não há macetes.

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhHJQWGeWv1OL_1VzcT3t0vC2K4op4CDw8R0mp82_69UALMHCzXcYK5Jfrv2Z2QaXSqt-El-Zo4wpZZvFzrQ8PE2gyJl4b_SB0pg8vwMB_OVrxHR9KR6XV0LC8KtFufTmOJRr6DJMNonyjTlmaOIkQZuDZYA1D7GH6AhESHkWXmyvcGaQYLOQHEkPg2Wks/s320/redacao-dissertacao-vestibular.jpg


        O conselho mais importante é o seguinte: para avançar, o único meio é fazer o máximo possível de planos. Pratique. Se você está terminando o secundário, faça planos uma hora por semana. Estude também os do professor, mas jamais para aprendê-los de cor, seria cair outra vez na mania da receita. E cumpre reconhecer que o estresse do vestibular, a perspectiva do exame, faz aumentar a tentação. Mas ela não fortalece a inteligência, pois a receita jamais integra-se ao espírito: ela lhe é imposta de fora, não penetra, apenas veste o espírito.

        Não é lendo um manual de natação que se aprende a nadar, é mergulhando na piscina. O mesmo vale para a dissertação.

Pascal Ide. A arte de pensar. São Paulo: Martins Fontes, 1995. 

Fonte: Português – Novas Palavras – Ensino Médio – Emília Amaral; Mauro Ferreira; Ricardo Leite; Severino Antônio – Vol. Único – FTD – São Paulo – 2ª edição. 2003. p. 563.

Entendendo o texto:

01 – Qual a principal diferença entre "receitas" e "métodos" na elaboração de uma dissertação?

      Receitas são padronizadas e inflexíveis, enquanto métodos são personalizados e adaptáveis às necessidades individuais.

02 – Qual o conselho mais importante dado pelo autor para quem deseja aprimorar suas habilidades em dissertação?

      O autor enfatiza a importância de praticar a elaboração de planos, dedicando tempo regular a essa atividade.

03 – Por que o autor adverte contra a prática de decorar planos de dissertações, mesmo os de professores?

      Decorar planos leva à padronização e impede o desenvolvimento do pensamento crítico e da capacidade de adaptação, características essenciais para uma boa dissertação.

04 – Como o estresse do vestibular ou de outros exames pode influenciar a busca por "receitas" prontas?

      O estresse aumenta a tentação de buscar soluções rápidas e fáceis, como "macetes", mas essas soluções não contribuem para o desenvolvimento intelectual.

05 – Qual a analogia utilizada pelo autor para ilustrar a importância da prática na aprendizagem da dissertação?

      O autor compara a dissertação ao aprendizado da natação: assim como não se aprende a nadar apenas lendo um manual, não se aprende a dissertar apenas lendo sobre isso, é preciso praticar.

 

 

TEXTO: COMO AMAR UMA CRIANÇA - JANUSZ KORCZAK - COM GABARITO

 Texto: COMO AMAR UMA CRIANÇA

           Janusz Korczak

        A criança que você pôs no mundo pesa 10 libras. É feita com oito libras de água e um punhado de carbono, cálcio, azoto, sulfato, fósforo, potássio e ferro. Você deu à luz a oito libras de água e a duas libras de cinzas. Assim cada gota de seu filho era o vapor da nuvem, o cristal da neve, da bruma, do orvalho, da água da nascente e da lama de um esgoto. Milhões de combinações possíveis de cada átomo de carbono ou de azoto.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj2iYyOzmD_hb4cy4Dhl-UPnCJ4pLhukMiwsJG5neHkWqlKSAriZtLKqSlfCg33Etqj-aULRRuGrY3Ft1Q4YvZ3PuZFGK7IRhNTI3SLJ84PHYldzBXqbbctQnXaJgXlOwT7Gfh6Fp5Ym7GEFWBlaavSUjON77jnRyRoMKf7MRbnCE5Y5iAS6Vuil84jqRg/s320/dia-das-criancas-desenho7.png


        Você apenas reuniu o que já existia.

        Olhe a Terra suspensa no infinito.

        O Sol, seu próximo companheiro, está a 50 milhões de milhas.

        Nosso pequeno planeta não é mais que 3.000 milhas de fogo recoberto por uma película que tem apenas dez milhas.

        Sobre essa fina película, um punhado de continentes jogados entre os oceanos.

        Sobre esses continentes, no meio das árvores, arbustos, pássaros e animais – o ruído dos homens.

        Entre estes milhões de homens, está você, que deu à luz a um homem a mais. O que é ele? Um galinho, uma poeira – um nada.

        É tão frágil que uma bactéria pode matá-lo; uma bactéria que aumentada mil vezes é apenas um ponto no campo visual.

        Mas este nada é irmão das vagas do mar, do vento, do relâmpago, do Sol, da Via Láctea. Este grão de poeira é irmão da espiga do milho, da relva, do carvalho, da palmeira, irmão de um passarinho, do filhote de leão, de um potrinho, de um cãozinho.

        Neste nada há qualquer coisa que sente, deseja, observa; que sofre e que odeia; que é feliz e que ama; que tem confiança e que duvida; que acolhe e que rejeita.

        Este grão de poeira encerra o seu pensamento as estrelas e os oceanos, as montanhas e os precipícios. E o que é a essência da alma senão todo o Universo, faltando apenas as suas dimensões.

        É esta a contradição inerente ao ser humano: nascido de um quase nada, Deus está nele.

Janusz Korczak. Como amar uma criança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.

Fonte: Português – Novas Palavras – Ensino Médio – Emília Amaral; Mauro Ferreira; Ricardo Leite; Severino Antônio – Vol. Único – FTD – São Paulo – 2ª edição. 2003. p. 564-565.

Entendendo o texto:

01 – Qual a composição básica de um bebê recém-nascido, segundo o autor?

      O bebê é composto principalmente de água (oito libras) e uma mistura de elementos como carbono, cálcio, azoto, sulfato, fósforo, potássio e ferro (duas libras de cinzas).

02 – Como o autor descreve a vastidão do universo em relação à Terra e aos seres humanos?

      O autor destaca a pequenez da Terra e dos seres humanos em comparação com a imensidão do universo, enfatizando a fragilidade da vida humana.

03 – Qual a aparente contradição que o autor destaca na natureza humana?

      A contradição está em como um ser humano, que nasce de "um quase nada" e é extremamente frágil, carrega dentro de si a essência do universo e até mesmo de Deus.

04 – O que o autor quer dizer ao afirmar que "a essência da alma (humana) senão todo o universo, faltando apenas as suas dimensões"?

      Ele quer dizer que, apesar de sermos pequenos e frágeis, carregamos em nós a capacidade de sentir, pensar e experienciar o mundo de forma profunda e complexa, tal como o universo em sua totalidade.

05 – Qual a analogia utilizada pelo autor para ilustrar a relação do ser humano com os elementos da natureza?

      O autor utiliza a analogia de que o ser humano é "irmão das vagas do mar, do vento, do relâmpago, do Sol, da Via Láctea", destacando a conexão intrínseca entre os seres humanos e o mundo natural.

06 – Como o autor descreve a fragilidade da vida humana?

      O autor descreve a fragilidade da vida humana ao mencionar que "uma bactéria pode matá-lo; uma bactéria que aumentada mil vezes é apenas um ponto no campo visual".

07 – O que o autor enfatiza sobre a capacidade de sentir e experienciar do ser humano?

      O autor enfatiza que, apesar de sua pequenez, o ser humano é capaz de sentir, desejar, observar, sofrer, odiar, ser feliz, amar, ter confiança e duvidar, acolher e rejeitar.

 

 

TEXTO: AUTORIDADE EM ÉTICA - (FRAGMENTO) - BERTRAND RUSSELL - COM GABARITO

 Texto: Autoridade em Ética – Fragmento

             Bertrand Russell

        Pode-se dizer, em tese, que a essência da ética provém da pressão da comunidade sobre o indivíduo. O homem pouco tem de gregário, e nem sempre sente, instintivamente, os desejos comuns à sua grei. Esta, ansiosa para que o indivíduo aja no seu interesse, tem inventado vários artifícios com o fim de harmonizar os interesses individuais com os seus próprios. Um destes é o governo, outro é a lei e o costume, e o outro é a moral. A moral torna-se uma força eficiente de duas maneiras: primeiro, através do louvor e da censura dos que o cercam e das autoridades; e segundo, através do autolouvor e da autocensura, os quais são chamados de “consciência”. Por meio destas várias forças — governo, lei, moral — o interesse da comunidade se faz sentir sobre o indivíduo. [...]

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj7tyuByXdul-Ggf0mx_Nebi40PY8HJsAGIFEGfSQ65j3Z5FX9NIGyM3e0duq-UBMrV5kxjfFp1SCbChWaM_LgnPP9oxwOnF1XHZfx16al_dgVo70XnkWUzBeZVy7L0Ra7l6onG52Fmd5irxwfvbX04cST_-m3D5IZCuIlJXkwD7fPfUz3VNjmou0IdGZg/s320/ETICA.png


        Chego agora a meu último problema, que se relaciona com os direitos do indivíduo, em contraposição aos da sociedade. A ética, nós o dissemos, é parte de uma tentativa para tornar o homem mais gregário do que a natureza o fez. As pressões que a moral exerce sobre o indivíduo são, pode-se dizer, devidas ao gregarismo apenas parcial da espécie humana. Mas isto é uma meia verdade. Muitas de suas melhores cousas vêm do fato de não ser ela completamente gregária. O homem tem seu valor intrínseco, e os melhores indivíduos fazem contribuições para o bem geral que não são solicitadas e que, muitas vezes, chegam a sofrer reação por parte do resto da comunidade. É, pois, uma parte essencial da busca do bem geral, o permitir aos indivíduos liberdades que não sejam, evidentemente, maléficas aos outros. É isto que dá origem ao permanente conflito entre a liberdade e a autoridade, e estabelece limites ao princípio de que a autoridade é a fonte da virtude.

Bertrand Russell. A sociedade humana na ética e na política. Título original: Human society in Ethics and Politics. Tradução de Oswaldo de Araujo Souza. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1956.

Fonte: Português – Novas Palavras – Ensino Médio – Emília Amaral; Mauro Ferreira; Ricardo Leite; Severino Antônio – Vol. Único – FTD – São Paulo – 2ª edição. 2003. p. 592.

Entendendo o texto:

01 – Qual a origem da ética, segundo Bertrand Russell?

      Segundo Russell, a ética provém da pressão da comunidade sobre o indivíduo, buscando harmonizar os interesses individuais com os coletivos.

02 – Quais os artifícios criados pela comunidade para influenciar o comportamento individual?

      A comunidade utiliza artifícios como o governo, a lei, o costume e a moral para influenciar o comportamento individual.

03 – De que formas a moral se torna uma força eficiente?

      A moral se torna eficiente através do louvor e da censura dos outros e das autoridades, e também através do autolouvor e da autocensura, que constituem a consciência.

04 – Qual o conflito permanente abordado por Russell?

      Russell aborda o conflito permanente entre a liberdade individual e a autoridade da sociedade.

05 – Como Russell equilibra a importância da sociedade e do indivíduo na busca do bem geral?

      Russell reconhece que a sociedade influencia o indivíduo através da ética, mas também destaca o valor intrínseco do indivíduo e a necessidade de permitir liberdades individuais que não prejudiquem os outros.

 

 

 

quarta-feira, 5 de março de 2025

TEXTO: A GRUTA DE LASCAUX - ALBERTO ALEXANDRE MARTINS - COM GABARITO

 Texto: A gruta de Lascaux

         Alberto Alexandre Martins

        No dia 12 de setembro de 1940, quatro garotos e um cachorro passeavam pelas colinas rochosas da região da Dordogne, na França, quando o cão subitamente desapareceu por uma fenda nas pedras provocada pela queda de um grande pinheiro. No seu encalço, Marcel Ravidar, Jacques Marsal, Georges Agnel e Simon Coencas esgueiraram-se pela passagem estreita até alcançar uma enorme sala mergulhada na escuridão.

FONTE: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhN5RMMVp776SZ-UAJRKrySZFZV5FXkKFITgedKYWGkNFTmWqJ5K1b1Pv6DMdHjAgoizG32tHCqGJL6TVsxtfakjIRPnZFVliWlnsUoo-scsWXW1Qjb8l6mj_I0L8oHawxy3dHRrNoREcX2-8RhD2KeFvv_0EGyyuDDMswq4sGWSiqRiPoryJYG2vYCHIs/s320/Arte-pre-historica-lascaux-fran%C3%A7a-france-4.jpg


        À luz trêmula de um lampião de querosene, eles distinguiram, nas imensas paredes de pedra calcária, fortes traços e pinturas coloridas de grandes animais, dispostos desordenadamente em movimentos contínuos. Vacas vermelhas, cavalos amarelos, veados e touros negros agitavam-se numa atmosfera mágica e misteriosa. Vocês podem imaginar a emoção de participar, por acaso, de uma das descobertas mais geniais do nosso século: a gruta de Lascaux, repleta de pinturas feitas há 17 mil anos.

        Logo a notícia correu mundo, atraindo milhares de especialistas, cientistas, arqueólogos, turistas e curiosos para a gruta. Formada por duas salas amplas e numerosas galerias, Lascaux revela aos visitantes cerca de 1500 gravuras e seiscentos desenhos pintados em amarelo, marrom, vermelho e preto, representando touros, bisões, cavalos, auroques (ancestrais das nossas vacas), veados, cabritos-monteses, mamutes, felinos, uma rena, um urso, um rinoceronte e um animal fantástico. Além dessa maravilha fauna pré-histórica, há vários sinais enigmáticos inscritos nas paredes: pontos, linhas pontilhadas, flexas, triângulos e outros motivos geométricos. Em meio a tantas representações de animais e sinais indecifrados, vê-se uma única figura humana, feita com traços simples, inclinada, na parede de um poço de oito metros de profundidade.

        Estudando atentamente esses desenhos e todos os vestígios encontrados na gruta: ossos, lamparinas, joias, esculturas, armas, artefatos líticos, restos de alimentos, etc., ficamos sabendo que os artistas de Lascaux foram os homens de Cro-Magnon, que viveram no período Paleolítico Superior, entre 35 mil e 10 mil anos atrás. Nessa época, o clima da Europa era muito frio e os nossos ancestrais moravam em cavernas, vestiam roupas confeccionadas compeles de animais, coletavam frutos da estação e eram exímios caçadores.

        Na condição de artistas, os homens de Cro-Magnon desenvolveram técnicas bastante requintadas. As cores têm origem em diversos pigmentos à base de óxidos minerais existentes no solo local. O óxido de ferro criou o amarelo, o vermelho e o marrom; o dióxido de manganês ou o carvão produziu o peto. Reduzidos a pó, transformados em pedras-lápis de cor ou ainda misturados a outras substâncias, esses minerais eram aplicados com os dedos, com pincéis confeccionados com pelos, crina de cavalo e fibras vegetais ou com esponjas e molde feitos de pele. Também foram empregados instrumentos de sílex para cortar, gravar e esculpir as pedras. E, para iluminar a escuridão da gruta, os homens pré-históricos utilizavam lamparinas á base de gordura animal.

        Mas qual o sentido de tudo isso? Ainda não sabemos ao certo. É bem possível que não se tratasse de um simples passatempo. Há indícios de que as imagens dos animais estavam associadas a rituais e cerimônias religiosas. Ao captar no desenho a forma ou o movimento de uma rena, de um cavalo, de um auroque, os nossos caçadores-artistas acreditavam que estavam também capturando a alma desses animais, o que lhes facilitaria as caçadas seguintes. Mas se trata apenas de uma hipótese. O fato é que os homens que desenharam em Lascaux (como aqueles que desenharam em cavernas brasileiras) viviam em estreito contato com os animais e a natureza. Observadores atentos, conheciam até mesmo as rotas e a época das migrações dos grandes rebanhos. Os grandes rebanhos encantados que povoam as paredes de Lascaux e as páginas deste livro.

MARTINS, Alberto A. In: GIRARDET, Sylvie & Salas, Nestor. A gruta de Lascaux. Trad. De Eduardo Brandão. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2000, p. 7-9.

 Fonte: Linguagem Nova. Faraco & Moura. 5ª série – 17ª ed. 3ª impressão – São Paulo – Editora Ática – 2003. p. 218-219.

Entendendo o texto:

01 – Como foi descoberta a gruta de Lascaux?

      A gruta de Lascaux foi descoberta em 12 de setembro de 1940 por quatro garotos e um cachorro que passeavam pelas colinas rochosas da região da Dordogne, na França, quando o cão desapareceu por uma fenda nas pedras.

02 – O que os garotos viram ao entrarem na gruta de Lascaux?

      À luz trêmula de um lampião de querosene, os garotos viram nas paredes imensas de pedra calcária pinturas coloridas de grandes animais, como vacas vermelhas, cavalos amarelos, veados e touros negros.

03 – Qual foi a importância da descoberta da gruta de Lascaux?

      A descoberta da gruta de Lascaux é considerada uma das mais geniais do século, pois revelou pinturas feitas há 17 mil anos.

04 – Quais são as principais representações encontradas nas pinturas da gruta de Lascaux?

      As pinturas representam touros, bisões, cavalos, auroques, veados, cabritos-monteses, mamutes, felinos, uma rena, um urso, um rinoceronte e um animal fantástico.

05 – Quantas gravuras e desenhos a gruta de Lascaux contém aproximadamente?

      A gruta de Lascaux contém cerca de 1500 gravuras e seiscentos desenhos pintados em amarelo, marrom, vermelho e preto.

06 – Quem eram os artistas responsáveis pelas pinturas da gruta de Lascaux?

      Os artistas responsáveis pelas pinturas da gruta de Lascaux eram os homens de Cro-Magnon, que viveram no período Paleolítico Superior, entre 35 mil e 10 mil anos atrás.

07 – Quais técnicas e materiais foram utilizados pelos homens de Cro-Magnon nas pinturas?

      Os homens de Cro-Magnon usaram pigmentos à base de óxidos minerais, aplicados com os dedos, pincéis feitos de pelos, crina de cavalo e fibras vegetais, além de esponjas e moldes de pele. Instrumentos de sílex eram usados para cortar, gravar e esculpir as pedras.

08 – Como os homens de Cro-Magnon iluminavam a gruta durante a criação das pinturas?

      Os homens de Cro-Magnon utilizavam lamparinas à base de gordura animal para iluminar a escuridão da gruta.

09 – Qual é uma hipótese sobre o significado das pinturas na gruta de Lascaux?

      Uma hipótese é que as imagens dos animais estavam associadas a rituais e cerimônias religiosas, onde os caçadores-artistas acreditavam capturar a alma dos animais através dos desenhos, facilitando as caçadas seguintes.

10 – Como os homens de Cro-Magnon viviam e quais eram suas principais atividades?

      Os homens de Cro-Magnon viviam em cavernas, vestiam roupas de pele de animais, coletavam frutos da estação e eram exímios caçadores, vivendo em estreito contato com os animais e a natureza.

 

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

TEXTO: DIFERENÇA ENTRE O CARNAVALESCO, O TÉCNICO DE FUTEBOL E O MARQUETEIRO POLÍTICO - VEJA - COM GABARITO

 Texto: Diferença entre o carnavalesco, o técnico de futebol e o marqueteiro político

        Que há em comum entre o carnavalesco, o técnico de futebol e o marqueteiro político? Primeiro: eles não entram em campo. São, por natureza, profissionais de ensaios e bastidores. Segundo: não se prendem à cor da camisa. Podem defender um time, escola ou candidato hoje, e amanhã o time, escola ou candidato oposto. Terceiro: cada vez mais, roubam o espetáculo. Os imperativos de discrição e de silêncio que seriam de supor em quem ali está para preparar e coordenar o espetáculo, mas não é o espetáculo, têm sido largamente superados pela compulsão da exposição e pela sofreguidão dos egos. 

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgN0IarmTL2zqZirHjgJ-EjHfma-gSgXhQGiikr0XbHzGZERl1EcFLqRKHYKc4_0ZSkfGovvrC9ziTFHYmXOqWlawn_jEX_dF0giq1F582_eC522r-Ym32PRQymWWq1eMN8IQZBSePjhNACL9SLGX26uSNQo8dFUPTHHqt1YCKKJXcYnu1XwGkNa8tUFpY/s320/R%C3%A9gi.jpg


        O carnavalesco, até alguns anos atrás, era um desconhecido. Um pobre funcionário de segundo plano, mais desconhecido que a mais humilde das integrantes da ala das baianas, mais ainda que o gari que limpa a pista depois da passagem da escola. Foi então que, em 1976, com um primor de desfile, na Beija-Flor de Nilópolis, e a frase que lhe foi atribuída ("Pobre gosta de luxo. Quem gosta de pobreza é intelectual"), Joãosinho Trinta deu corpo e alma à profissão.

        O técnico de futebol nunca foi um desconhecido. Sempre foi profissional prestigiado. Mas era um participante discreto no conjunto do espetáculo. Mais propriamente, era invisível. De uns anos para cá, desde que o técnico foi liberado para ficar junto ao campo e dar instruções durante o jogo, a profissão mudou de natureza. O técnico virou parte do show.

        Bem, se os carnavalescos e os técnicos adquiriram tais culminâncias, que dizer dos marqueteiros? Seu prestígio é tal que aumenta a cada dia o reclamo de que Duda Mendonça e Nizan Guanaes se enfrentem diretamente nas urnas. "Chega de intermediários!" Guanaes é um profissional que fez decolar uma candidata com base em uma única qualidade: a de ser mulher. Roseana, diga-se, nesse ponto tem todo o merecimento, pois realmente é mulher. Não está fingindo, como tantos políticos fazem. Já Duda Mendonça foi além do que iria um técnico. Ao mudar de Paulo Maluf para Lula, não é que tenha trocado o Corinthians pelo Palmeiras, o Flamengo pelo Vasco ou o Atlético pelo Cruzeiro. É muito mais. Trocou Deus pelo diabo. Ou o diabo por Deus – decida o leitor quem, entre os destinatários da troca, merece o papel de Deus e quem do diabo.

Veja, n. 1734, jan. 2002.

Fonte: Livro – Português: Linguagens, Vol. Único. William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães. Ensino Médio, 1ª ed. 4ª reimpressão – São Paulo: ed. Atual, 2003. p. 340-341.

Entendendo o texto:

01 – Quais são os três pontos em comum entre o carnavalesco, o técnico de futebol e o marqueteiro político, segundo o texto?

      Não entram em campo: São profissionais que atuam nos bastidores, preparando e coordenando o espetáculo, mas não são o espetáculo em si.

      Não se prendem à cor da camisa: Podem trabalhar para diferentes times, escolas de samba ou candidatos, sem fidelidade a uma única bandeira.

      Roubam o espetáculo: A busca por exposição e reconhecimento tem feito com que esses profissionais se destaquem mais do que deveriam, ultrapassando os limites da discrição.

02 – Como Joãosinho Trinta contribuiu para a mudança na percepção sobre os carnavalescos?

      Joãosinho Trinta, com um desfile inovador na Beija-Flor de Nilópolis em 1976 e a frase "Pobre gosta de luxo. Quem gosta de pobreza é intelectual", transformou a imagem do carnavalesco de um funcionário desconhecido para um artista criativo e importante.

03 – Qual foi a principal mudança na atuação dos técnicos de futebol nos últimos anos?

      A principal mudança foi a permissão para que os técnicos ficassem à beira do campo durante os jogos, dando instruções. Isso os transformou em parte do espetáculo, com maior visibilidade e protagonismo.

04 – O que o autor destaca sobre o prestígio dos marqueteiros políticos?

      O autor destaca que o prestígio dos marqueteiros políticos é tão grande que há quem defenda que eles mesmos deveriam se candidatar, em vez de apenas trabalharem nos bastidores. Cita Duda Mendonça e Nizan Guanaes como exemplos de marqueteiros de destaque.

05 – Qual é a comparação feita pelo autor em relação à mudança de lado de Duda Mendonça na política?

      O autor compara a mudança de Paulo Maluf para Lula como uma troca muito mais drástica do que trocar de time de futebol. Ele usa uma metáfora religiosa, questionando quem seria Deus e quem seria o diabo nessa troca, deixando a interpretação para o leitor.

 

TEXTO: TEATRO E ESCOLA - O PAPEL DE EDUCAR - CILEY CLETO - COM GABARITO

 Texto: TEATRO E ESCOLA – O PAPEL DE EDUCAR

        Teatro e escola, em princípio, parecem ser espaços distintos, que desenvolvem atividades completamente diferentes. Em contraposição ao ambiente normalmente fechado da sala de aula e aos seus assuntos pretensamente “sérios”, o teatro se configura como um espaço de lazer e diversão. Entretanto, se examinarmos as origens do teatro, ainda na Grécia antiga, veremos que teatro e escola sempre caminharam juntos, mais do que se imagina. 

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEglKk1kfG1dIVhWEL5oliVDVLQERf20msRffuXEnUAhd5of6HkL4nd9CMIWZUpoYma5xjo3TVqQbKH6ISSe_u30dHm4FiK_DaCUPI7r0c1UsIoP4_cwpYj47J0VMfblfcvvkbnREnC5VE-WNFSent08YmOc3P1LFwX1gTa8oUpAghMbdweAOrEQl7Jr-cA/s1600/TEATRO.jpg 


        O teatro grego apresentava uma função eminentemente pedagógica. Com suas tragédias, Sófocles e Eurípedes não visavam apenas à diversão da plateia, mas também e, sobretudo, pôr em discussão certos temas que dividiam a opinião pública naquele momento de transformação da sociedade grega. Poderia um filho desposar a própria mãe, depois de ter assassinado o pai de forma involuntária (tema de Édipo rei)? Poderia uma mãe assassinar os filhos e depois matar-se por causa de um relacionamento amoroso (tema de Medeia e ainda atual, como comprova o caso da cruel mãe americana que, há alguns anos, jogou os filhos no lago para poder namorar mais livremente)? 

        Naquela sociedade, que vivia a transição dos valores míticos, baseados na tradição religiosa, para os valores da polis, isto é, aqueles resultantes da formação do Estado e suas leis, o teatro cumpria um papel político e pedagógico, à medida que punha em xeque e em choque essas duas ordens de valores e apontava novos caminhos para a civilização grega. “Ir ao teatro”, para os gregos, não era apenas diversão, mas uma forma de refletir sobre o destino da própria comunidade em que se vivia, bem como sobre valores coletivos e individuais. 

        Deixando de lado as diferenças obviamente existentes em torno dos gêneros teatrais (tragédia, comédia, drama), em que o teatro grego, quanto a suas intenções, diferia do teatro moderno? Para Bertolt Brecht, por exemplo, um dos mais significativos dramaturgos modernos, a função do teatro era, antes de tudo, divertir. Apesar disso, suas peças tiveram um papel essencialmente pedagógico, voltadas para a conscientização de trabalhadores e para a resistência política na Alemanha nazista dos anos 30 do século XX.

        O teatro, ao apresentar situações de nossa própria vida – sejam elas engraçadas, trágicas, políticas, sentimentais, etc. –, põe o homem a nu, diante de si mesmo e de seu destino. Talvez na instantaneidade e na fugacidade do teatro resida todo o encanto e sua magia: a cada representação, a vida humana é recontada e exaltada. O teatro ensina, o teatro é escola. É uma forma de vida de ficção que ilumina com seus holofotes a vida real, muito além dos palcos e dos camarins. 

        Que o teatro seja uma forma alternativa de ensino e aprendizagem é inegável. A escola sempre teve muito a aprender com o teatro, assim como este, de certa forma, e em linguagem própria, complementa o trabalho de gerações de educadores, preocupados com a formação plena do ser humano. 

        Quisera as aulas também pudessem ter o encanto do teatro: a riqueza dos cenários, o cuidado com os figurinos, o envolvimento da música, o brilho da iluminação, a perfeição do texto e a vibração do público. Vamos ao teatro! 

Ciley Cleto, professora de Língua Portuguesa, em São Paulo. Disponível: IFCE. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará- Coordenadoria Geral de Seleção e Concursos vestibular 2011.

Fonte: Livro – Português: Linguagens, Vol. Único. William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães. Ensino Médio, 1ª ed. 4ª reimpressão – São Paulo: ed. Atual, 2003. p. 445-446.

Entendendo o texto:

01 – Qual é a aparente contradição entre teatro e escola apontada no texto?

      O texto aponta que teatro e escola parecem ser espaços distintos, com atividades diferentes. A escola é vista como um ambiente fechado com assuntos "sérios", enquanto o teatro é associado a lazer e diversão.

02 – Qual é a origem da ligação entre teatro e escola, segundo o texto?

      O texto afirma que a ligação entre teatro e escola remonta à Grécia antiga, onde o teatro tinha uma função pedagógica importante.

03 – Qual era a função do teatro na Grécia antiga?

      O teatro grego não servia apenas para diversão, mas também para discutir temas que dividiam a opinião pública e questionar valores da sociedade em transformação. Era uma forma de reflexão sobre o destino da comunidade e os valores coletivos e individuais.

04 – Qual é a diferença entre o teatro grego e o teatro moderno em relação às suas intenções?

      O teatro grego, especialmente a tragédia, tinha uma intenção pedagógica e política, enquanto o teatro moderno, como o de Bertolt Brecht, pode ter como objetivo principal o entretenimento. No entanto, mesmo buscando divertir, o teatro moderno pode ter um papel pedagógico, como o teatro de Brecht, que visava à conscientização política.

05 – Qual é a principal característica do teatro que o torna uma forma alternativa de ensino e aprendizagem?

      O teatro tem a capacidade de apresentar situações da vida real de forma ficcional, o que permite ao espectador se colocar diante de si mesmo e refletir sobre seu destino. A experiência teatral é única e efêmera, mas pode ter um impacto duradouro na vida das pessoas.

06 – O que a escola pode aprender com o teatro, segundo o texto?

      A escola pode aprender com o teatro a tornar o ensino mais envolvente e interessante, utilizando recursos como cenários, figurinos, música, iluminação e textos bem elaborados. O teatro pode servir de inspiração para criar aulas mais dinâmicas e participativas.

07 – Qual é a mensagem final do texto sobre a relação entre teatro e escola?

      O texto conclui que teatro e escola são espaços que se complementam na formação do ser humano. O teatro é uma forma de ensino e aprendizagem alternativa que pode enriquecer a experiência escolar e contribuir para a formação de cidadãos mais críticos e conscientes.

 

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

TEXTO: SERMÃO DA SEXAGÉSIMA VI - (FRAGMENTO) - PADRE ANTÔNIO VIEIRA - COM GABARITO

 Texto: Sermão da Sexagésima VI – Fragmento

              Padre António Vieira

        O sermão há de ter um só assunto e uma só matéria. Por isso Cristo disse que o lavrador do Evangelho não semeara muitos gêneros de sementes, senão uma só: Exiit, qui seminat, seminare sêmen [saiu quem semeia a semear a semente]. Semeou uma semente só, e não muitas, porque o sermão há de ter uma só matéria, e não muitas matérias. Se o lavrador semeara primeiro trigo, e sobre o trigo semeara centeio, e sobre o centeio semeara milho grosso e miúdo, e sobre o milho semeara cevada, que havia de nascer? Uma mata brava, uma confusão verde. Eis aqui o que acontece aos sermões deste género. Como semeiam tanta variedade, não podem colher coisa certa. 

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj9i3FziuzXnI_M31GbY9pozteE_Z2vtfSdiUJBfL_85jbKuMqiIaYddQK_9wK3NzcGMkD-33TStw3EGbpwQSfY1qb3vRUz9FBxZxEWruKDOH40CNjObirvI3NO2keHftDkwPQskThhzyPMX7DqYF-eB-2f64n4an4oypjF_SiMShKM5cwJNUb7cOD1ps0/s320/an-lise-do-serm-o-da-sexag-sima-de-pe-ant-nio-vieira-l.jpg


Quem semeia misturas, mal pode colher trigo. Se uma nau fizesse um bordo para o norte, outro para o sul, outro para leste, outro para oeste, como poderia fazer viagem? Por isso nos púlpitos se trabalha tanto e se navega tão pouco. Um assunto vai para um vento, outro assunto vai para outro vento; que se há-de colher senão vento? O Baptista convertia muitos em Judeia; mas quantas matérias tomava? Uma só matéria: Parate viam Domini [Preparai o caminho do Senhor]: a Preparação para o Reino de Cristo. Jonas converteu os Ninivitas; mas quantos assuntos tomou? Um só assunto: Adhuc quadraginta dies, et Ninive subvertetur [Daqui a quarenta dias Nínive será destruída]: a Subversão da Cidade. De maneira que Jonas em quarenta dias pregou um só assunto; e nós queremos pregar quarenta assuntos em uma hora? Por isso não pregamos nenhum. O sermão há de ser de uma só cor, há de ter um só objeto, um só assunto, uma só matéria.

        Há de tomar o pregador uma só matéria; há de defini-la, para que se conheça; há de dividi-la, para que se distinga; há de prová-la com a Escritura; há de declará-la com a razão; há de confirmá-la com o exemplo; há de amplificá-la com as causas, com os efeitos, com as circunstâncias, com as conveniências que se hão de seguir, com os inconvenientes que se devem evitar; há de responder às dúvidas, há de satisfazer às dificuldades; há de impugnar e refutar com toda a força da eloquência os argumentos contrários; e depois disto há de colher, há de apertar, há de concluir, há de persuadir, há de acabar. Isto é sermão, isto é pregar; e o que não é isto, é falar de mais alto.

Não nego nem quero dizer que o sermão não haja de ter variedade de discursos, mas esses hão de nascer todos da mesma matéria e continuar e acabar nela. Quereis ver tudo isto com os olhos? Ora vede. Uma árvore tem raízes, tem tronco, tem ramos, tem folhas, tem varas, tem flores, tem frutos. Assim há de ser o sermão: há de ter raízes fortes e sólidas, porque há de ser fundado no Evangelho; há de ter um tronco, porque há de ter um só assunto e tratar uma só matéria; deste tronco hão de nascer diversos ramos, que são diversos discursos, mas nascidos da mesma matéria e continuados nela. Estes ramos hão de ser secos, senão cobertos de folhas, porque os discursos hão de ser vestidos e ornados de palavras. Há de ter esta árvore varas, que são a repreensão dos vícios; há de ter flores, que são as sentenças; e por remate de tudo, há de ter frutos, que é o fruto e o fim a que se há de ordenar o sermão. De maneira que há de haver frutos, há de haver flores, há de haver varas, há de haver folhas, há de haver ramos; mas tudo nascido e fundado em um só tronco, que é uma só matéria. Se tudo são troncos, não é sermão, é madeira. Se tudo são ramos, não é sermão, são maravalhas. Se tudo são folhas, não é sermão, são versas. Se tudo são varas, não é sermão, é feixe. Se tudo são flores, não é sermão, é ramalhete. Serem tudo frutos, não pode ser; porque não há frutos sem árvores. Assim que nesta árvore, à que podemos chamar «árvore da vida», há de haver o proveitoso do fruto, o formoso das flores, o rigoroso das varas, o vestido das folhas, o estendido dos ramos; mas tudo isto nascido e formado de um só tronco e esse não levantado no ar, senão fundado nas raízes do Evangelho: Seminare sêmen [Semear a semente]. Eis aqui como hão de ser os sermões, eis aqui como não são. E assim não é muito que se não faça fruto com eles.

        [...]

VIEIRA, Antônio. Sermões. vol. I. organização Alcir Pécora. São Paulo: Hedra, 2000, p. 41-42.

Fonte: livro Português: Língua e Cultura – Carlos Alberto Faraco – vol. único – Ensino Médio – 1ª edição – Base Editora – Curitiba, 2003. p. 450-451.

Entendendo o texto:

01 – Qual é a principal crítica de Padre António Vieira aos sermões de sua época?

      A principal crítica é que os sermões pecam pela variedade excessiva de assuntos, o que impede que a mensagem principal seja transmitida de forma eficaz. Ele compara essa prática à de um lavrador que semeia diversas sementes em um mesmo terreno, resultando em uma "mata brava" e sem frutos.

02 – Que metáfora central o autor utiliza para ilustrar o problema dos sermões com muitos assuntos?

      A metáfora central é a do lavrador que, ao invés de plantar uma única semente, semeia uma variedade de grãos, o que impede o crescimento de uma cultura específica e resulta em uma "confusão verde".

03 – Quais são os exemplos bíblicos utilizados para defender a tese de um só assunto por sermão?

      Os exemplos bíblicos são os de João Batista, que pregava sobre a preparação para o Reino de Cristo, e Jonas, que anunciava a destruição de Nínive. Ambos se concentraram em um único tema central em suas pregações.

04 – Como o autor descreve a estrutura ideal de um sermão?

      O autor compara a estrutura ideal de um sermão a uma árvore, com raízes (fundamentadas no Evangelho), tronco (um só assunto central), ramos (diversos discursos derivados do tema central), folhas (ornamentos e palavras), varas (repreensão dos vícios), flores (sentenças) e frutos (o objetivo final do sermão).

05 – Qual é a crítica de Vieira ao uso excessivo de palavras nos sermões?

      Vieira critica o uso excessivo de palavras nos sermões, comparando-os a "madeira" (se tudo são troncos), "maravalhas" (se tudo são ramos), "versos" (se tudo são folhas), "feixe" (se tudo são varas) ou "ramalhete" (se tudo são flores). Ele defende que o sermão deve ter conteúdo e não ser apenas um amontoado de palavras.

06 – Qual é o objetivo principal de um sermão, segundo o autor?

      O objetivo principal de um sermão, segundo o autor, é persuadir os ouvintes a adotarem uma vida mais virtuosa e seguir os ensinamentos do Evangelho. O sermão deve levar os fiéis a produzirem "frutos", ou seja, a praticarem o bem e a se afastarem do mal.

07 – Qual é a consequência de um sermão que não segue a estrutura e o princípio de um único assunto, de acordo com o autor?

      A consequência é que o sermão se torna ineficaz e não produz frutos. O autor afirma que, ao invés de converter e edificar os ouvintes, o sermão confuso e com muitos assuntos apenas os afasta da mensagem do Evangelho.

 

 

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

TEXTO: SERMÃO DA SEXAGÉSIMA CAP. III - (FRAGMENTO) - PADRE ANTÔNIO VIEIRA - COM GABARITO

 Texto: Sermão da Sexagésima cap. III – Fragmento

                Padre António Vieira

        [...]       

        Fazer pouco fruto a palavra de Deus no Mundo, pode proceder de um de três princípios: ou da parte do pregador, ou da parte do ouvinte, ou da parte de Deus. Para uma alma se converter por meio de um sermão, há de haver três concursos: há de concorrer o pregador com a doutrina, persuadindo; há de concorrer o ouvinte com o entendimento, percebendo; há de concorrer Deus com a graça, alumiando. Para um homem se ver a si mesmo, são necessárias três coisas: olhos, espelho e luz. Se tem espelho e é cego, não se pode ver por falta de olhos; se tem espelho e olhos, e é de noite, não se pode ver por falta de luz. 

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhm8aPHIgtVNE5OkpVsrG2x2A_40QYhNUjxJnLWmwmqtf80Z5UiNoGHZry3qmiiACIa-al-WCQsdJ0_dNo6IyuqteVZBho4LfVUtJpieqFGiT2mCdbpFWAjX84S8zT32bvteBU-uF26JoKu5jA6ayDWMbDc175wlRanoSmmM0gqtRLHasixPvbdc8IDqiE/s320/SERM%C3%83O.jpg


Logo, há mister luz, há mister espelho e há mister olhos. Que coisa é a conversão de uma alma, senão entrar um homem dentro em si e ver-se a si mesmo? Para esta vista são necessários olhos, e necessária luz e é necessário espelho. O pregador concorre com o espelho, que é a doutrina; Deus concorre com a luz, que é a graça; o homem concorre com os olhos, que é o conhecimento. Ora suposto que a conversão das almas por meio da pregação depende destes três concursos: de Deus, do pregador e do ouvinte, por qual deles devemos entender que falta? Por parte do ouvinte, ou por parte do pregador, ou por parte de Deus?

        Primeiramente, por parte de Deus, não falta nem pode faltar. Esta proposição é de fé, definida no Concílio Tridentino, e no nosso Evangelho a temos. [...]

        Sendo, pois, certo que a palavra divina não deixa de frutificar por parte de Deus, segue-se que ou é por falta do pregador ou por falta dos ouvintes. Por qual será? Os pregadores deitam a culpa aos ouvintes, mas não é assim. Se fora por parte dos ouvintes, não fizera a palavra de Deus muito grande fruto, mas não fazer nenhum fruto e nenhum efeito, não é por parte dos ouvintes. Provo.

        Os ouvintes, ou são maus ou são bons; se são bons, faz neles fruto a palavra de Deus; se são maus, ainda que não faça neles fruto, faz efeito. [...] a palavra de Deus é tão fecunda, que nos bons faz muito fruto e é tão eficaz que nos maus ainda que não faça fruto, faz efeito; lançada nos espinhos, não frutificou, mas nasceu até nos espinhos; lançada nas pedras, não frutificou, mas nasceu até nas pedras. Os piores ouvintes que há na Igreja de Deus, são as pedras e os espinhos. E porquê? -- Os espinhos por agudos, as pedras por duras. Ouvintes de entendimentos agudos e ouvintes de vontades endurecidas são os piores que há. Os ouvintes de entendimentos agudos são maus ouvintes, porque vêm só a ouvir sutilezas, a esperar galantarias, a avaliar pensamentos, e às vezes também a picar a quem os não pica. [...]

        Mas os de vontades endurecidas ainda são piores, porque um entendimento agudo pode ferir pelos mesmos fios, e vencer-se uma agudeza com outra maior; mas contra vontades endurecidas nenhuma coisa aproveita a agudeza, antes dana mais, porque quanto as setas são mais agudas, tanto mais facilmente se despontam na pedra. [...]

        [...] E com os ouvintes de entendimentos agudos e os ouvintes de vontades endurecidas serem os mais rebeldes, é tanta a força da divina palavra, que, apesar da agudeza, nasce nos espinhos, e apesar da dureza nasce nas pedras.

        Pudéramos arguir ao lavrador do Evangelho de não cortar os espinhos e de não arrancar as pedras antes de semear, mas de indústria deixou no campo as pedras e os espinhos, para que se visse a força do que semeava. E tanta a força da divina palavra, que, sem cortar nem despontar espinhos, nasce entre espinhos. É tanta a força da divina palavra, que, sem arrancar nem abrandar pedras, nasce nas pedras. [...] Tomai exemplo nessas mesmas pedras e nesses espinhos! Esses espinhos e essas pedras agora resistem ao semeador do Céu; mas virá tempo em que essas mesmas pedras o aclamem e esses mesmos espinhos o coroem.

        Quando o semeador do Céu deixou o campo, saindo deste Mundo, as pedras se quebraram para lhe fazerem aclamações, e os espinhos se teceram para lhe fazerem coroa. E se a palavra de Deus até dos espinhos e das pedras triunfa; se a palavra de Deus até nas pedras, até nos espinhos nasce; não triunfar dos alvedrios hoje a palavra de Deus, nem nascer nos corações, não é por culpa, nem por indisposição dos ouvintes.

        Supostas estas duas demonstrações; suposto que o fruto e efeitos da palavra de Deus, não fica, nem por parte de Deus, nem por parte dos ouvintes, segue-se por consequência clara, que fica por parte do pregador. E assim é. Sabeis, cristãos, porque não faz fruto a palavra de Deus? – Por culpa dos pregadores. Sabeis, pregadores, porque não faz fruto a palavra de Deus? – Por culpa nossa.

        [...]

In: Eugênio Gomes, org. Vieira – Sermões. 6. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1972. p. 94-99.

Fonte: Livro – Português: Linguagens, Vol. Único. William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães. Ensino Médio, 1ª ed. 4ª reimpressão – São Paulo: ed. Atual, 2003. p. 93-94.

Entendendo o texto:

01 – Quais são os três princípios que, segundo o Padre Vieira, podem impedir que a palavra de Deus frutifique no mundo?

      Os três princípios são: a falta de empenho do pregador, a falta de atenção e receptividade do ouvinte e a ausência da graça divina.

02 – Qual é a comparação utilizada pelo Padre Vieira para explicar a necessidade da ação conjunta do pregador, do ouvinte e de Deus na conversão de uma alma?

      Ele compara a conversão de uma alma com a necessidade de olhos, espelho e luz para que um homem possa ver a si mesmo. O pregador seria o espelho (a doutrina), Deus seria a luz (a graça) e o ouvinte seriam os olhos (o conhecimento).

03 – Por que o Padre Vieira afirma que a palavra de Deus não deixa de frutificar por parte de Deus?

      Ele se baseia na fé e em ensinamentos bíblicos para afirmar que Deus sempre concede a graça necessária para a conversão, portanto, a falta de fruto não pode ser atribuída a Ele.

04 – Qual é o argumento utilizado pelo Padre Vieira para refutar a ideia de que a falta de fruto da palavra de Deus é culpa dos ouvintes?

      Ele argumenta que a palavra de Deus é tão poderosa que, mesmo em ouvintes maus (representados pelos espinhos e pelas pedras), ela produz algum efeito, seja nos bons, seja nos maus.

05 – Quem são os "ouvintes de entendimentos agudos" e os "ouvintes de vontades endurecidas" mencionados no texto?

      Os "ouvintes de entendimentos agudos" são aqueles que possuem grande capacidade de compreensão, mas que podem usar essa inteligência para questionar e criticar a palavra de Deus, em vez de acolhê-la. Já os "ouvintes de vontades endurecidas" são aqueles que se mostram resistentes à mensagem divina, mesmo que a compreendam.

06 – Que exemplo o Padre Vieira utiliza para ilustrar a força da palavra de Deus, mesmo diante da resistência dos ouvintes?

      Ele cita o exemplo das pedras e dos espinhos que, apesar de resistirem ao semeador (a palavra de Deus), um dia o aclamarão e o coroarão, simbolizando a conversão que pode ocorrer até nos corações mais endurecidos.

07 – Qual é a principal conclusão do Padre Vieira sobre a razão pela qual a palavra de Deus não frutifica como deveria?

      Ele conclui que a culpa é dos pregadores, que não estão cumprindo seu papel de transmitir a mensagem divina de forma eficaz e persuasiva.