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segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

CONTO: DONA MARIA - MANOEL DE BARROS - COM GABARITO

 Conto: DONA MARIA

            Manoel de Barros

        Dona Maria me disse: não aguento mais, já estou pra comprar uma gaita, me sentar na calçada, e ficar tocando, tocando…

        — Mas só pra distrair?

        — Que mané pra distrair! O senhor não está entendendo? – Entendo. A senhora vai ficar sentada na calçada, de vestido sujo, cabelos despenteados, esquálidos, a soprar uma gaitinha rouca, não é?

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjCoUQ4RLxaQdeOdAi722cDBtJ8G844L2GOJkFq7DAFzgeeqKqy34l82r_OdIMSfPQgy9lt4WTafATPIJa92FfmPVZ3j9ore3gTtESeRJU3tIM2_4yCrnj-aCr22v2qMybI1vdYcTcAUkBW2OIwiC2nxIsgZ8fQmhHh22RxzGUoNODk74cy_SRK-5-1M7s/s1600/GAITA.png


        Depois as pessoas ficarão com pena da sua figura esfarrapada, tocando uma gaitinha rouca, e jogarão moedas encardidas em seu colo encardido, não é?

        Seu vestido ficará salpicado de mosca e lama

        A senhora de três em três minutos dará uma chegada no boteco da esquina e tomará um trago

        Com pouco a senhora estará balofa, inchada de cachaça, os lábios como cogumelos

        Sua boca vai cair no chão

        Uma lagarta torva pode ir roendo seus dias superiores pelo lado de fora

        Um moleque pode passar a esfregar terra em seu olho

        Ligeiro visgo escolha a crescer de seus pés

        Alguns dias depois sua gaita ficará cheia de formiga e areia

        A senhora estará cheia de lacraias sem anéis

        E ninguém suportará o cheiro do seu corpo, não é assim?

        Dona Maria teve um arrepio.

        — Epa moço! eu não queria dizer isso. Só pensei em comprar uma gaita, eu sentar na calçada e ficar tocando, tocando… até que a vida melhorasse. O resto o senhor que inventou. Desse jeito, já estou vendo os meninos passarem por mim a gritar: — Maria Gaiteira, fiu! Maria Gaiteira,

        Fiu Fiu!

        Por favor, moço, mande esses meninos embora pra casa deles. O senhor já me largou na sarjeta, já fez crescer visgo no meu pé, e agora ainda manda os moleques me xingarem…

Poesia completa Manoel de Barros. https://www.academia.edu.

Entendendo o conto:

01 – Qual é o desejo inicial de Dona Maria expresso no conto?

      Dona Maria expressa o desejo de comprar uma gaita, sentar-se na calçada e tocar, como uma forma de lidar com as dificuldades da vida. Ela busca na música uma maneira de encontrar distração e talvez até uma melhora em sua situação.

02 – Como o narrador reage ao desejo de Dona Maria?

      O narrador reage com uma descrição vívida e pessimista das possíveis consequências do desejo de Dona Maria. Ele pinta um quadro de decadência e miséria, mostrando como a situação poderia se deteriorar caso ela seguisse por esse caminho.

03 – Que imagens o narrador utiliza para descrever a possível decadência de Dona Maria?

      O narrador utiliza imagens fortes e desagradáveis, como vestido sujo, cabelos despenteados, gaita rouca, esfarrapada, moedas encardidas, moscas, lama, inchaço de cachaça, lábios como cogumelos, boca caída, lagarta roendo o corpo, terra nos olhos, visgo crescendo nos pés, gaita cheia de formigas e areia, lacraias sem anéis e mau cheiro.

04 – Qual é a intenção do narrador ao descrever de forma tão negativa o futuro de Dona Maria?

      A intenção do narrador é dissuadir Dona Maria de seu plano, mostrando-lhe as possíveis consequências negativas de sua escolha. Ele busca confrontá-la com a realidade de que sua situação pode piorar, caso ela se entregue à ideia de viver na rua tocando gaita.

05 – Como Dona Maria reage à descrição do narrador?

      Dona Maria se assusta com a descrição do narrador e percebe que ele interpretou seu desejo de forma muito diferente do que ela pretendia. Ela se arrepia e corrige o narrador, explicando que sua intenção era apenas tocar gaita para que a vida melhorasse, e não viver na miséria como ele descreveu.

06 – Qual é o significado da fala de Dona Maria sobre os meninos gritando "Maria Gaiteira"?

      A fala de Dona Maria sobre os meninos gritando "Maria Gaiteira" revela seu medo de ser ridicularizada e marginalizada pela sociedade. Ela teme que a imagem que o narrador criou se concretize e que ela se torne alvo de escárnio e desprezo.

07 – Que reflexão o conto nos propõe sobre a relação entre desejo e realidade?

      O conto nos leva a refletir sobre a complexa relação entre desejo e realidade. O desejo de Dona Maria por uma vida melhor através da música é confrontado com a dura realidade da miséria e da marginalização. O conto nos mostra como nossos desejos podem ser idealizados e como a realidade pode ser muito diferente do que imaginamos.

 

POESIA: CLÁUDIO - MANOEL DE BARROS - COM GABARITO

 Poesia: CLÁUDIO

            Manoel de Barros

        Cláudio, nosso arameiro, acampou debaixo da árvore para tirar posts de cerca

        Muito brabo aquele ano de seca

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg9c__opsAPvAVnWTO15kR-gJASQSgxbqm6uyGMM21DQ6HC7Cb8cRCM9K99uHImG_3AeeeGKJHuJvxX-LEWNNzjS93PPA0S42rebHGDhGMsFE3hFfnYXRaXtLLu2iSBP1vcg_91yYVTkACu51hqnSRNMp9C4goMGxyz1fZY4WmqXSS2T4JYFI7iWcGIU3M/s320/BARRACA.jpg


        Vinte línguas ao redor, conte, só restava aquela pocinha d’água:

        Lama quase

        Metro de redondo

        Palmo de fundura.

        Ali tinha um jacaré morador magrento

        Compartilhando essa aguinha bem pouca

        De tão sós e sujos, Cláudio

        E esse jacaré se irmanavam

        De noite na rede estirada

        Nos galhos da árvore

        Cláudio cantava cantarolava:

        Ai morena, não me escreve

        Que eu não sei ler

        Pra lavar a feição

        Bem de cedo

        Esse Cláudio abaixava no poço, batia no ombrinho magro daquele jacaré: — licença, amigo…

        Que se afastava do homem lavar-se

        Que se lava, enchia o cantil

        E rumei pra cerca de uma língua dali

        Depois, conte, Cláudio levou esse jacaré para casa

        Que vive hoje no seu terreiro

        Bigiando as crianças.

        Pode ser.

Poesia completa de Manoel de Barros. https://www.academia.edu.

 

Entendendo a poesia:

01 – Qual é a profissão de Cláudio e o que ele está fazendo no início do poema?

      Cláudio é arameiro e está acampado debaixo de uma árvore para retirar postes de cerca.

02 – Qual é a situação do local onde Cláudio está acampado?

      O local está sofrendo com uma seca severa. Há pouquíssima água, apenas uma poça de lama com um metro de diâmetro e um palmo de profundidade, onde Cláudio e um jacaré magro compartilham a água.

03 – Que tipo de relação se estabelece entre Cláudio e o jacaré?

      Cláudio e o jacaré estabelecem uma relação de companheirismo e até mesmo de amizade, dada a solidão e a escassez de recursos. O poema usa a palavra "irmanavam" para descrever essa relação.

04 – O que Cláudio faz pela manhã antes de sair para trabalhar?

      Pela manhã, Cláudio se abaixa até a poça, pede licença ao jacaré, lava seu rosto, enche seu cantil e segue para trabalhar na cerca, a uma légua de distância.

05 – Qual é o destino do jacaré após o período de seca?

      Após o período de seca, Cláudio leva o jacaré para casa, onde ele vive em seu terreiro, vigiando as crianças.

 

POESIA: EU NÃO VOU PERTURBAR A PAZ - MANOEL DE BARROS - COM GABARITO

 Poesia: Eu não vou perturbar a paz

             Manoel de Barros

De tarde um homem tem esperanças.
Está sozinho, possui um banco.
De tarde um homem sorri.
Se eu me sentasse a seu lado
Saberia de seus mistérios
Ouviria até sua respiração leve.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhSP7gZIUwwbRgPHwoyhSa100b1fwCoqANYUycDs2aDuaZ-6yt0RWe5tDPoio_HIs4-2OFS9Ca9CAcaW_rS4Eu_yHvpmpavS7ttUoAJJkNsNAHu5u1TZSM3CD3jK-6HbB4OWLUmEt-8EA3cre09_BwnEVmZDNykGsH0UPiOCSOMK7mhjxUkuAcAHP6oc0s/s320/BANCO.jpeg



Se eu me sentasse a seu lado
Descobriria o sinistro
Ou doce alento de vida
Que move suas pernas e braços.
Mas, ah! eu não vou perturbar a paz
[que ele depôs na praça, quieto].

Poesia completa de Manoel de Barros. Tudo é Poema. https://www.tudoepoema.com.br

 

Entendendo a poesia:

01 – Qual é o tema central do poema?

      O poema aborda a contemplação da paz e a decisão de não a perturbar. O eu-lírico observa um homem em um momento de tranquilidade e pondera sobre a possibilidade de se juntar a ele, mas escolhe respeitar sua quietude.

02 – Que elementos do poema sugerem a atmosfera de paz?

      A repetição da palavra "paz" no título e no último verso, a descrição do homem "quieto" e "sozinho", o cenário da "praça" e a menção à "respiração leve" do homem evocam uma atmosfera de tranquilidade e serenidade.

03 – Qual é a intenção do eu-lírico ao expressar o desejo de "saber de seus mistérios"?

      O desejo de "saber de seus mistérios" revela a curiosidade do eu-lírico em relação à vida do homem e seus pensamentos. No entanto, essa curiosidade é ponderada pela decisão de não perturbar a paz do outro.

04 – O que significa a expressão "o sinistro / Ou doce alento de vida"?

      A expressão "o sinistro / Ou doce alento de vida" representa a dualidade da experiência humana. O "sinistro" pode se referir aos desafios e dificuldades da vida, enquanto o "doce alento" representa os momentos de alegria e esperança. O eu-lírico reconhece que a vida do homem pode conter tanto um quanto o outro.

05 – Qual é a importância do último verso "Mas, ah! eu não vou perturbar a paz / que ele depôs na praça, quieto"?

      O último verso resume a decisão do eu-lírico de respeitar a paz do homem. A imagem de alguém que "depôs a paz na praça" sugere que a paz é algo frágil e que precisa ser cultivado e protegido. O eu-lírico demonstra sensibilidade ao reconhecer a importância desse momento de quietude para o outro.

 

CONTO: O ESCRINIO - MANOEL DE BARROS - COM GABARITO

 Conto: O ESCRINIO

              Manoel de Barros

        Um poeta municipal já me chamou a cidade de escrínio.

        Que aquele tempo encabulava muito porque eu não sabia o seu significado direito.

        Soava como um escárnio.

        Hoje eu sei que escrínio é coisa relacionada com joia, cofre de bugigangas…

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgPJhQQz7vQbgSQAEFTN38CfDk4aqowqStWpS_WLHsR4PXo0WF3VDKKN7HzTqS5OJpAcRxfVk2N6GGtCE0fl9Ya4IDj5A0k6e-SVmeIcJ6S2oOOk0v07vGYiqN5zCJxEpynk8gVR9YdX_35M_Sv9GDzYyxSBWAv0DM0xe5oGJTuWwA-EHBNms7Iaq1959Q/s320/HOMEM.jpg


         Por aí assim.

     Porém a cidade era em cima de uma pedra branca enorme.

        E o rio passando lá embaixo com piranhas camalotes pescadores e lanchas carregados de couros vacuns fedidos.

        Primeira vinha na Rua do Porto: sobrados remontados nas ladeiras, flamboyants, armazéns de secos e molhados

        E mil turcos babaruches nas portas comendo sementes de abóbora…

        Depois, subindo a ladeira, vinha a cidade propriamente dita, com a estátua de Antônio Maria Coelho, herói da Guerra do Paraguai, cheia de besouros na orelha.

        E mais o Cinema Excelsior onde levavam um filme de Tom Mix 35 vezes por mês.

        E tudo o mais.

        Escrínio entretanto era a Negra Margarida.

        Boa que nem mulher de santo casto:

        Nhanhá mijava na rede porque brincou com fogo de dia.

        — Mijo De veia não desaparta nosso amor, né Benzinho?

        — Sim!

        Um dia Nhanhá Gertrudes faz bolo de arroz.

        Negra Margarida socava pilão.

        E eu nem sei o que faz mesmo.

        Veio um risonho negro e disse sem perder o riso:

        — Você vai comigo, negra?

        E levou Margarida enganchada no dedo pra São Saruê.

        Daí eu fiquei naquele casamento que tinha noites de medo.

        Nhanhá sonhava bobagens que eu fugi de casa pra ser chalaneiro no Porto de Corumbá!

        O mijo de Nhanhá sentiu, no pingar, um vazio inédito e faz uma lagoinha boa no mosaico…

        Desse tempo adquirir a mania de me olhar no espelho das águas…

        Um Draga

        A gente não sabia se aquela draga tinha nascido ali, não.

        Porto, como um pé de árvore ou uma duna.

        — E que seria uma casa de peixes?

        Meia dúzia de loucos e bêbados moravam dentro dela, enraizados em suas ferragens.

        Dos viventes da draga era um o meu amigo Mário-pega-sapo.

        Ele de noite se arrastava pela beira das casas como um caranguejo trópego.

        À procura de velocípedes.

        Gostava de velozes.

        Os bolsos do seu casaco andavam estufados de jias.

        Ele esfregava no rosto as suas barriguinhas frias.

        Geleia de sapos!

        Só as crianças e as putas do jardim entenderam a sua fala de furnas brenhentas.

        Quando Mário morreu, um literato oficial, em necrológio caprichado, chamou-o de Mário-Captura-Sapo!

        Ai que dor!

        Ao literato cujo fez-lhe nojo a forma coloquial.

        Queria captura em vez de pega para não macular (sic) a língua nacional lá dele…

        O literato cujo, se não engano, é hoje senador pelo Estado. Se não é, merecia.

        A vida tem suas descompensações.

        Da velha draga

        Abrigo de vagabundos e de bêbados, restaram as Expressões: estar na draga, viver na draga por estar sem dinheiro, viver na miséria

        Que ora ofereço ao filólogo Aurélio Buarque de Holanda

        Para que você se registre em seus léxicos

        Pois que o povo já está registrado.

Manoel de Barros. Obra Completa. LeYa, 2011. p. 12.

Entendendo o conto:

01 – Qual a relação entre o título do conto, "O Escrínio", e a cidade descrita?

      O título "O Escrínio" refere-se a um cofre de joias ou bugigangas, estabelecendo uma analogia com a cidade. A cidade é vista como um receptáculo de histórias, personagens e elementos diversos, que juntos compõem a sua identidade. Assim como um escrínio guarda objetos preciosos, a cidade guarda memórias e experiências que a tornam única.

02 – Qual a importância da personagem Negra Margarida para a narrativa?

      Negra Margarida representa a força e a riqueza cultural da cidade. Sua história, marcada pela partida para São Saruê, simboliza a transformação e a perda de elementos da cultura local. A sua presença no conto evoca um tempo de costumes e tradições que se perdem com o passar do tempo.

03 – Quem é Mário-pega-sapo e qual a sua relevância na história?

      Mário-pega-sapo é um personagem marginalizado que vive na draga, um espaço de exclusão social. Sua figura excêntrica e sua linguagem peculiar contrastam com a norma culta, representada pelo "literato oficial". A sua morte e a transformação de seu nome para Mário-Captura-Sapo evidenciam a apropriação e a estigmatização da cultura popular pela elite intelectual.

04 – Qual a crítica presente na passagem sobre o "literato oficial"?

      A passagem sobre o "literato oficial" critica a postura de certos intelectuais que desprezam a cultura popular e a linguagem coloquial. A transformação do nome de Mário-pega-sapo para Mário-Captura-Sapo revela um esforço de "purificação" da linguagem, que desconsidera a riqueza e a expressividade da cultura popular.

05 – O que representam as expressões "estar na draga" e "viver na draga"?

      As expressões "estar na draga" e "viver na draga" representam a condição de pobreza e marginalidade. A draga, espaço de moradia de personagens como Mário-pega-sapo, torna-se um símbolo da exclusão social e da luta pela sobrevivência.

06 – Qual a intencionalidade do autor ao dedicar as expressões ao filólogo Aurélio Buarque de Holanda?

      A dedicatória ao filólogo Aurélio Buarque de Holanda, responsável por um dos mais importantes dicionários da língua portuguesa, tem um tom irônico. Ao oferecer as expressões populares para registro em seu léxico, o autor evidencia a importância da cultura popular e da linguagem coloquial, que muitas vezes são negligenciadas pela norma culta.

07 – Que elementos do conto podem ser relacionados com a poética de Manoel de Barros?

      Diversos elementos do conto podem ser relacionados com a poética de Manoel de Barros, como a linguagem coloquial, a mistura de realidade e fantasia, a presença de personagens marginalizados, a reflexão sobre a linguagem e a cultura, e a valorização da simplicidade e da sabedoria popular. O conto apresenta um olhar sensível e poético sobre o mundo, revelando a beleza e a singularidade presentes nas coisas mais simples e nos detalhes do cotidiano.

 

 

quinta-feira, 19 de outubro de 2023

POEMA: MATÉRIA DE POESIA - MANOEL DE BARROS - COM GABARITO

 Poema: Matéria de Poesia

             Manoel de Barros

Todas as coisas cujos valores podem ser
disputados no cuspe à distância
servem para poesia

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjyIDxJctdtGv7PCa2MzUIk_HDNDTE44SIkEsVK2hr9Z83CUsYgFbEKikNURxcWz_DWVUZign0M2RBYuFYAqDIESoVpMYNC5spc2i7AzJct-kE_PIjAPoQ_ahYJ-NaRCIu539HQBehVm9_K40UQK2t2n-nEILQc3r_xLVHIC-SZxlXbztbUugAYhtZSYbg/s1600/POESIASS.jpg


O homem que possui um pente
e uma árvore
serve para poesia

Terreno de 10 x 20, sujo de mato — os que
nele gorjeiam: detritos semoventes, latas
servem para poesia

Um chevrolé gosmento
Coleção de besouros abstêmios
O bule de Braque sem boca
são bons para poesia.

As coisas que não levam a nada
têm grande importância

Cada coisa ordinária é um elemento de estima

Cada coisa sem préstimo
tem seu lugar
na poesia ou na geral.

O que se encontra em ninho de João-Ferreira:
caco de vidro, grampos,
retratos de formatura,
servem demais para poesia.

As coisas que não pretendem, como
por exemplo: pedras que cheiram
água, homens
que atravessam períodos de árvore,
se prestam para poesia.

Tudo aquilo que nos leva a coisa nenhuma
e que você não pode vender no mercado
como, por exemplo, o coração verde
dos pássaros,
serve para poesia.

As coisas que os líquenes comem
— sapatos, adjetivos —
têm muita importância para os pulmões
da poesia.

Tudo aquilo que a nossa
civilização rejeita, pisa e mija em cima,
serve para poesia.

Os loucos de água e estandarte
servem demais

O traste é ótimo
O pobre-diabo é colosso

Tudo que explique
o alicate cremoso
e o lodo das estrelas
serve demais da conta.

Pessoas desimportantes
dão pra poesia
qualquer pessoa ou escada.

Tudo que explique
a lagartixa da esteira
e a laminação de sabiás
é muito importante para a poesia.

O que é bom para o lixo é bom para a poesia.

Importante sobremaneira é a palavra repositório;
a palavra repositório eu conheço bem:
tem muitas repercussões
como um algibe entupido de silêncio
sabe a destroços.

As coisas jogadas fora
têm grande importância
— como um homem jogado fora.

Aliás é também objeto de poesia
saber qual o período médio
que um homem jogado fora
pode permanecer na terra sem nascerem
em sua boca as raízes da escória.

As coisas sem importância são bens de poesia
Pois é assim que um chevrolé gosmento chega
ao poema, e as andorinhas de junho.

Gramática Expositiva do Chão (Poesia quase toda) – Manoel de Barros. Editora Civilização Brasileira – edição 1990.

Entendendo o poema:

01 – Qual é o tema principal do poema "Matéria de Poesia" de Manoel de Barros?

      O poema fala sobre como elementos comuns e frequentemente negligenciados na vida cotidiana têm um lugar importante na poesia.

02 – Quais são alguns exemplos de coisas comuns mencionadas no poema que são consideradas apropriadas para a poesia?

      O poema menciona exemplos como um pente, uma árvore, um terreno sujo, um chevrolé gosmento, uma coleção de besouros abstêmios, entre outros.

03 – Por que o poeta afirma que as coisas que não levam a lugar nenhum são importantes na poesia?

      O poeta acredita que coisas que não têm um propósito aparente ou que não conduzem a nada têm um valor significativo na poesia, pois podem ser exploradas de maneira criativa.

04 – Qual é a importância dada às coisas rejeitadas e ignoradas pela sociedade no poema?

      O poema enfatiza que as coisas rejeitadas e menosprezadas pela sociedade têm grande importância na poesia, pois podem ser fontes ricas de inspiração.

05 – Qual é o papel dos elementos naturais, como pássaros e árvores, no poema?

      O poema sugere que elementos naturais, como o coração verde dos pássaros e homens que atravessam períodos de árvore, são adequados para a poesia e têm importância.

06 – O que o poeta quer dizer com a palavra "repositório" e por que ela é mencionada no poema?

      O poeta se refere à palavra "repositório" como uma palavra importante na poesia, com muitas repercussões. Ele a usa para enfatizar a riqueza e a profundidade das palavras na poesia.

07 – Como o poeta descreve o processo de um objeto ou pessoa comum se tornar parte da poesia no poema?

      O poema sugere que objetos comuns e pessoas desimportantes se tornam parte da poesia através de uma transformação criativa, onde elementos negligenciados e rejeitados são valorizados e explorados na arte poética.

 

 

segunda-feira, 22 de agosto de 2022

POEMA: O APANHADOR DE DESPERDÍCIOS - MANOEL DE BARROS - COM GABARITO

 Poema: O APANHADOR DE DESPERDÍCIOS

Manoel de Barros    


Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.

Manoel de Barros, Memórias inventadas – A infância. São Paulo: Planeta, 2003. p. IX.

Fonte: Língua Portuguesa – Estações – Ensino Médio – Volume Único. 1ª edição, São Paulo, 2020 – editora Ática – p. 54-6.

Entendendo o poema:

01 – Você conhece Manoel de Barros? Já leu algum poema desse escritor?

      Resposta pessoal do aluno.

02 – A que ou a quem você acha que o título do poema se refere?

      Resposta pessoal do aluno.

03 – O eu lírico afirma que seu objetivo, ao escrever poemas, é compor silêncios. Para você, qual é o sentido dessa afirmação?

      Resposta pessoal do aluno.

04 – O eu lírico fala sobre a matéria-prima de seus poemas: as palavras.

a)   Explique por que o eu lírico diz que não gosta “das palavras fatigadas de informar”.

O eu lírico não gosta de usar as palavras com seus significados “dicionarizados”, por isso diz não gostar das palavras “fatigadas de informar”. A expressão “palavras de informar” refere-se à linguagem denotativa, usada em textos cuja função é preferencialmente explicar, definir algo, sugerir ou instruir.

b)   De que palavras o eu lírico gosta? Por quê?

O eu lírico gosta de palavras “que vivem de barriga no chão / tipo água pedra sapo”, ou seja, rasteiras, simples, ligadas à terra. O eu lírico valoriza a natureza e o mundo natural.

05 – Qual é o sentido do verso “Entendo bem o sotaque das águas”?  De que maneira esse verso se relaciona à ideia “dar respeito às coisas desimportantes”?

      Entender bem o sotaque das águas é saber contemplar a natureza, é conhece-la bem, ser íntimo dela. Na sociedade contemporânea, esse estado contemplativo é considerado desimportante, sem utilidade, uma perda de tempo.

06 – O eu lírico diz preferir a velocidade das tartarugas à dos mísseis; os insetos aos aviões.

a)   Que valores ele defende ao fazer essas afirmações?

O eu lírico inverte a lógica do seu tempo, que valoriza a velocidade, a tecnologia; por isso a referência aos mísseis e aos aviões. Usando a lógica inversa, ele preza o tempo da contemplação, que deve ser lento, que se arrasta, e a conexão com o mundo natural e simples.

b)   Você se identifica com essa perspectiva de mundo? No lugar e no tempo em que você vive, acha que esses são valores predominantes? Explique.

Resposta pessoal do aluno.

07 – Releia os versos:

“Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.”

a)   A palavra atraso geralmente tem conotação negativa. Nesses versos, ela foi usada em sentido negativo? Explique.

Não. No poema, a palavra atraso é usada para definir um tempo diferente, um ritmo mais lento, que é o do eu lírico. Ao usar esse termo, o eu lírico nos induz a questionar o tempo desnecessariamente acelerado da vida contemporânea.

b)   De que maneira esses versos estão ligados ao contexto de vida do poeta Manoel de Barros?

Os versos estão ligados ao fato de o poeta ser um homem do Pantanal, de ter optado por voltar à zona rural e viver como criador de gado. Dessa forma, o poeta passou grande parte da vida em contato direto dom a natureza e os animais.

08 – Explique o sentido do verso “Meu quintal é maior do que o mundo”.

      Ao informar que seu quintal é maior do que o mundo, o eu lírico mostra que, para ele, as “miudezas” do quintal são mais importantes e, portanto, maiores do que qualquer outra coisa. As “inutilidades”, os seres e as coisas “desimportantes” de seu quintal são seu universo particular e a matéria de sua poesia.

09 – Releia os versos de “O apanhador de desperdícios”.

a)   A quem “O apanhador de desperdícios” se refere? Justifique.

Refere-se ao eu lírico. No verso “Sou um apanhador de desperdícios:”, isso fica explícito.

b)   A resposta à questão anterior confirma a hipótese que você levantou antes de ler o poema?

Resposta pessoal do aluno.

10 – Releia os quatro últimos versos do poema do Manoel de Barros. O eu lírico deseja que sua voz tenha um formato de canto. Para você, o que isso significa? De que maneira esse desejo está ligado ao fato de o eu lírico afirmar não ser da informática, mas da “invencionática”?

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: O canto está ligado às artes, ao trabalho artístico da voz, assim como o poema está ligado ao trabalho artístico e criativo com as palavras, ou seja, ao trabalho da “invencionática”, da invenção, da subjetividade, em contraposição ao da informática, que tem uma linguagem objetiva, exata.

 

 

 

domingo, 31 de julho de 2022

CHARGE: POESIA É VOAR FORA DA ASA - BLOGDOELIOMAR/CHARGE- COM GABARITO

 Charge: Poesia é voar fora da asa

 

Fonte da imagem -https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjixDX_B6Dgui_QrDSiNyvuKB7GlC6cGaWHokrarkMKQ42sFjmbqTmt6TN6J5LxPdRXZ7-j7oeIeq7JfaoCi6mEmnG3dW5xGLPm98lS__c6IjMYhgZFZ3SQP_ihK0kXoks3WTbky0TV6fnnuYUKgqvA3MGkqC7COYztAmyjuScKYEVRMt9F61wrQhz3/w346-h270/POESIA.jpg

Disponível em: blog.opovo.com.br/blogdoeliomar/charge-clayton-259. Acesso em: 20 jan. 2016.

             Fonte: Livro Língua Portuguesa – Trilhas e Tramas – Volume 1 – Leya – São Paulo – 2ª edição – 2016. p. 66-7.

Entendendo a charge:


01 – O que a imagem da charge representa?

      O poeta Manoel de Barros transmutando-se, transformando-se em pássaros.

02 – Explique a metáfora empregada no verso de Manoel de Barros: “Poesia é voar fora da asa”.

      A metáfora remete à ideia de que, por meio da leitura e da escrita, é possível se deslocar para outros lugares, para outras realidades.

03 – Observe na charge a caricatura do poeta: os braços abertos, a expressão facial, o sorriso largo, o rosto alegre. O que podemos deduzir a partir dela?

      O caricaturista destaca traços da personalidade do poeta: pessoa de bem com a vida, feliz com seu ofício de escrever, de criar; e sempre “de braços abertos para o mundo”.

 

terça-feira, 19 de julho de 2022

POEMA: O LIVRO DE BERNARDO - FRAGMENTO 18 - MANOEL DE BARROS - COM GABARITO

 Poema: O livro de Bernardo – Fragmento 18

            Manoel de Barros

[...]

A chuva
azula a voz
das andorinhas.

[...].

BARROS, Manoel de. Poesia completa. São Paulo: Leya, 2010. p. 415.

Fonte: Livro Língua Portuguesa – Singular & Plural – 7° ano – Laura de Figueiredo – 2ª edição. São Paulo, 2015 – Moderna. p. 228.

Entendendo o poema:

01 – De acordo com a ciência, quais são os cinco sentidos do corpo humano?

      Visão, tato, paladar, audição e olfato.

02 – Com qual dos nossos sentidos percebemos a voz de uma pessoa ou de um animal?

      Audição.

03 – Que características pode ter uma voz?

      Pode ser grave, aguda, alta, baixa, estridente, etc.

04 – Com qual sentido vemos as cores?

      Visão.

05 – De acordo com essa classificação dos nossos cinco sentidos, uma voz poderia ter cor? Por quê?

      Não, porque a voz se percebe com a audição e a cor com a visão.

06 – Mas a poesia vai além da ciência. Em termos poéticos, como seria uma “voz azul”?

      Resposta pessoal do aluno.