Mostrando postagens com marcador MÁRIO DE ANDRADE. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador MÁRIO DE ANDRADE. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 20 de outubro de 2023

POESIA: SONETO - MÁRIO DE ANDRADE - COM GABARITO

 Poesia: Soneto

              Mário de Andrade

Tanta lágrima hei já, senhora minha,
Derramado dos olhos sofredores,
Que se foram com elas meus ardores
E ânsia de amar que de teus dons me vinha.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjiUDsnAwUpsr9gQkCVPbeksVg4TA3LaqMpyC5Ao6z3AgBYYqX7N1rqCvO_UD1tv3ZCOpcnT2k4zEw7dmeuy88bpLhYG2F6yUrWqsAlwItAbnfKAnpxEDBvhfd7VBf2XiXDubtMCc8IiHGPo5ajPAAH_YY5ST2i6ZTXW6tXd-tA0wohvEDSNXKQPoFwpdI/s1600/SENHORA.jpg



Todo o pranto chorei. Todo o que eu tinha,
caiu-me ao peito cheio de esplendores,
E em vez de aí formar terras melhores,
Tornou minha alma sáfara e maninha.

E foi tal o chorar por mim vertido,
E tais as dores, tantas as tristezas
Que me arrancou do peito vossa graça,

Que de muito perder, tudo hei perdido!
Não vejo mais surpresas nas surpresas
E nem chorar sei mais, por mor desgraça!

 ANDRADE, Mário de. Poesias completas: Volume 2, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2014.

Entendendo a poesia:

01 – Qual é o tema principal deste soneto de Mário de Andrade?

      O tema principal deste soneto é a perda de emoções e sentimentos devido a um sofrimento intenso.

02 – Como o eu lírico descreve a intensidade de seu sofrimento?

      O eu lírico descreve ter derramado muitas lágrimas, que levaram embora seus ardores e ânsia de amar, deixando-o com uma alma desgastada.

03 – O que aconteceu com as emoções e os dons que o eu lírico tinha antes de chorar?

      As emoções e dons que o eu lírico tinha antes de chorar caíram em seu peito cheio de esplendores e, em vez de criar terras melhores, deixaram sua alma desolada.

04 – Como o eu lírico caracteriza o impacto do sofrimento em sua vida?

      O eu lírico descreve o impacto do sofrimento como tendo arrancado sua graça, resultando em uma perda significativa em sua vida.

05 – Qual é a atitude do eu lírico em relação ao choro no final do soneto?

      No final do soneto, o eu lírico afirma que não consegue mais chorar, indicando que a tristeza e o sofrimento foram tão intensos que ele perdeu a capacidade de expressar suas emoções dessa maneira.

 

 

sexta-feira, 22 de setembro de 2023

CONTO: O PERU DE NATAL - MÁRIO DE ANDRADE

 Conto: O peru de natal

             Mário de Andrade

        Publicado na revista da Academia Paulista de Letras em 1942 e, posteriormente, na obra póstuma Contos Novos, de 1947, o protagonista Juca está cansado de cultivar o luto pelo pai, morto meses antes. Está cansado, na verdade, das regras antes impostas pela figura patriarcal e agora pelas convenções religiosas. Um cansaço que se concretiza nas ceias natalinas que ele havia desde sempre desfrutado, preparadas de acordo com a “natureza cinzenta” do pai. “Meu pai fora de um bom errado, quase dramático, o puro-sangue dos desmancha-prazeres.”

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiNWeGQnkuJVpUq6oHFRP3GneGgHiM6ReU21wctaiNiO2vhXR4mYpATssb-WRYd__Xn4X51_RVlO24XQ6DaCXdOTrjNvtd9ZFQLWMG8PM1Cm6tiZrn3u6RKojCaHIfgdb4WnVi2p7j6Vb9q1XvAKBOvWOUqVOxPcqy6TX9mcF1FgmXjI6xdRIZ-yHRdRZM/s1600/PERU.jpg


        “Era costume sempre, na família, a ceia de Natal. Ceia reles, já se imagina: ceia tipo meu pai, castanhas, figos, passas, depois da Missa do Galo. Empanturrados de amêndoas e nozes (quanto discutimos os três manos por causa dos quebra-nozes…), empanturrados de castanhas e monotonias, a gente se abraçava e ia pra cama.”

         Considerado algo como a ovelha-negra da família, sempre inventando moda e avesso às regras, Juca decidiu assim finalizar o luto e o pesar pelo pai morto:

        — Bom, no Natal, quero comer peru.

        Houve um desses espantos que ninguém não imagina. Logo minha tia solteirona e santa, que morava conosco, advertiu que não podíamos convidar ninguém por causa do luto.

        — Mas quem falou de convidar ninguém! essa mania… Quando é que a gente já comeu peru em nossa vida! Peru aqui em casa é prato de festa, vem toda essa parentada do diabo…

        — Meu filho, não fale assim…

        — Pois falo, pronto!

        E descarreguei minha gelada indiferença pela nossa parentagem infinita, diz que vinda de bandeirantes, que bem me importa! Era mesmo o momento pra desenvolver minha teoria de doido, coitado, não perdi a ocasião. Me deu de supetão uma ternura imensa por mamãe e titia, minhas duas mães, três com minha irmã, as três mães que sempre me divinizaram a vida. Era sempre aquilo: vinha aniversário de alguém e só então faziam peru naquela casa. Peru era prato de festa: uma imundície de parentes já preparados pela tradição, invadiam a casa por causa do peru, das empadinhas e dos doces. […]

        Não, não se convidava ninguém, era um peru pra nós, cinco pessoas. E havia de ser com duas farofas, a gorda com os miúdos, e a seca, douradinha, com bastante manteiga. Queria o papo recheado só com a farofa gorda, em que havíamos de ajuntar ameixa-preta, nozes e um cálice de xerez, como aprendera na casa da Rose, muito minha companheira. Está claro que omiti onde aprendera a receita, mas todos desconfiaram. E ficaram logo naquele ar de incenso assoprado, se não seria tentação do Dianho aproveitar receita tão gostosa. E cerveja bem gelada, eu garantia quase gritando. É certo que com meus “gostos”, já bastante afinados fora do lar, pensei primeiro num vinho bom, completamente francês. Mas a ternura por mamãe venceu o doido, mamãe adorava cerveja.

        Juca queria um peru de Natal para cinco pessoas, com duas farofas, uma gorda de miúdos, outra seca, com bastante manteiga. A receita de Rose, sua namorada, como se revela depois, levava ainda os adocicados típicos dessa época e trazidos da Europa: nozes, vinho jerez. O melhor acompanhamento para uma receita tão elegante seria, naturalmente, “um vinho bom, completamente francês”. Mas ele teve de ceder à cerveja, bebida popular apreciada pela mãe, o que não seria nenhuma heresia. O ritual, afinal, seria de desamarração geral: do luto e da figura do pai cinzento.

        E foi feito o peru do “mais maravilhoso Natal” da família de Juca. E foi cortado em fatias fartas, como nunca havia acontecido antes. Em vez de a mãe cumprir a então somente-feminina tarefa de servir as pessoas, foi o filho feliz que se encarregou dos serviços e de deixar a parte mais nobre do peito da ave para ela – que, de surpresa e satisfação, chorou. E o choro remeteu ao pai morto, que voltava a se fazer vivo e a disputar espaço com o peru.

        Principiou uma luta baixa entre o peru e o vulto de papai. Imaginei que gabar o peru era fortalecê-lo na luta, e, está claro, eu tomara decididamente o partido do peru. Mas os defuntos têm meios visguentos, muito hipócritas de vencer: nem bem gabei o peru que a imagem de papai cresceu vitoriosa, insuportavelmente obstruidora.

        — Só falta seu pai…

        Eu nem comia, nem podia mais gostar daquele peru perfeito, tanto que me interessava aquela luta entre os dois mortos. Cheguei a odiar papai. E nem sei que inspiração genial, de repente me tornou hipócrita e político. Naquele instante que hoje me parece decisivo da nossa família, tomei aparentemente o partido de meu pai. Fingi, triste:

        — É mesmo… Mas papai, que queria tanto bem a gente, que morreu de tanto trabalhar pra nós, papai lá no céu há de estar contente… (hesitei, mas resolvi não mencionar mais o peru) contente de ver nós todos reunidos em família.

        E todos principiaram muito calmos, falando de papai. A imagem dele foi diminuindo, diminuindo e virou uma estrelinha brilhante do céu. Agora todos comiam o peru com sensualidade, porque papai fora muito bom, sempre se sacrificara tanto por nós, fora um santo que “vocês, meus filhos, nunca poderão pagar o que devem a seu pai”, um santo. Papai virara santo, uma contemplação agradável, uma inestorvável estrelinha do céu. Não prejudicava mais ninguém, puro objeto de contemplação suave. O único morto ali era o peru, dominador, completamente vitorioso.

        E o peru/pai foi consumido ali: havia um prazer que não se podia esconder de ver o primeiro sumir do prato e o segundo sair de casa direto para seu devido lugar, o céu distante. A vivacidade de Juca venceu o ultrapassado defunto, mas, ironicamente, toda a história do peru só serviu para que a posição antes ocupada pelo pai não sumisse, mas trocasse de dono: agora era ele, o filho mais velho, o “patriarca” da família, quem daria as ordens, ainda que elas fossem, para ele, mais livres e prazerosas.

        “Minha mãe, minha tia, nós, todos alagados de felicidade. Ia escrever ‘felicidade gustativa’, mas não era só isso não. Era uma felicidade maiúscula, um amor de todos, um esquecimento de outros parentescos distraidores do grande amor familiar. E foi, sei que foi aquele primeiro peru comido no recesso da família, o início de um amor novo, reacomodado, mais completo, mais rico e inventivo, mais complacente e cuidadoso de si. Nasceu de então uma felicidade familiar pra nós que, não sou exclusivista, alguns a terão assim grande, porém mais intensa que a nossa me é impossível conceber.”

        O conto de Juca talvez tenha sido apenas um conto, talvez tenha sido uma peça da autobiografia que Mário de Andrade foi escrevendo por meio de seus personagens.  De qualquer maneira, o protagonista e o cenário descrito em O Peru de Natal têm mais semelhanças do que discrepâncias em relação à vida e ao ambiente em que seu criador estava inserido. Assim como Juca, Mário perdeu ainda na juventude o pai – o primeiro, aos 19 anos, o segundo, aos 24. Tinha também “três mães” – que, na vida do escritor, eram sua mãe Mariquinha (Maria Luísa Almeida Leite Moraes Andrade), sua irmã Maria de Lourdes e sua tia Nhanhã (Ana Francisca de Almeida Leite Moraes).

        A filósofa e crítica literária Gilda de Mello e Souza (1919-2005), prima de Mário, conviveu com ele e suas três mães na famosa casa da Rua Lopes Chaves, na Barra Funda, em São Paulo. Em depoimento concedido no Centro Cultural São Paulo, em 1992, Gilda conta que, durante a velhice de dona Mariquita, “ele passou a servir a mesa”, tal qual Juca o fez naquela noite. Para a prima, aliás, o conto em questão seria um eco da cozinha da família. “O Peru de Natal, de uma certa maneira, devolve ao leitor o que era uma festa ou um jantar elaborado na casa de Mário”, lembra ela.

        As receitas açucaradas eram especialidades da mãe do escritor, que era tida, inclusive, como uma grande doceira da cidade. Seus afamados bom bocados de queijo mais os bolos e biscoitos como os amanteigados – os prediletos de Mário, “uma maravilha de apresentação, uma delícia sem fim” – começavam a ser preparados nas vésperas dos dias festivos. Na manhã antes do evento, a trabalheira continuava porque aí vinham as coxinhas, as empadinhas e o peru, que tinha de ter as duas farofas, exatamente como descrito “O Peru de Natal”, recorda-se Gilda.

        O peru recheado não era, assim, restrito ao Natal. Estava mais para uma daquelas receitas especiais que cabem em qualquer ocasião especial do ano. Ao contar a história de Juca e do pai/peru, Mário de Andrade inseriu dados interessantes sobre o cotidiano que ele próprio vivenciava, em casa, gostando ou não da parentada que, segundo a prima, aparecia mesmo nos aniversários para se fartar dos quitutes. Esqueceu-se, no entanto, de passar a receita que lhe trouxe mais do que “felicidade gustativa”. O Lembraria foi procurar em dois livros de culinária, um dos anos 1930, outro dos 1940, os segredos do peru recheado. E descobriu que estes eram, na verdade, um só: embebedar o bicho!

Mário de Andrade.

Entendendo o conto:

01 – Por que o narrador-protagonista trouxe um peru para o Natal?

      Trouxe um peru para o Natal como parte de uma tradição familiar e para surpreender sua mãe, dona Isabel.

02 – Que sentimento o conto transmite?

      Transmite uma atmosfera de carinho familiar e nostalgia.

03 – Que ruptura esse fato marca na vida da família?

      A chegada do peru de Natal simboliza uma ruptura com a tristeza e a falta de esperança que acompanham a perda do pai, trazendo uma luz de otimismo e lembranças felizes para a família em um momento significativo do ano.

04 – Como eram as ceias de Natal à época do pai do nosso narrador?

      As ceias de Natal eram momentos especiais e tradicionais para a família, cheios de alegria, união e afeto, que transcendem as dificuldades da vida cotidiana.

 

domingo, 24 de janeiro de 2021

CARTA: ANITA MALFATTI - MÁRIO DE ANDRADE - COM GABARITO

 Carta: Anita Malfatti


Mário de Andrade

S. Paulo 1-12-1924

        Anita do coração, estou pra te escrever faz dias dando-te os parabéns pela tua aceitação no Salão de Outono. Fiquei contentíssimo e consegui notícias no Jornal do Comércio e Correio Paulistano. No Estado não posso chegar. Inimigos. Mas soube pela tua mãi que reproduziram a notícia. Ainda bem. Apareceu alguma crítica? Também é tanta gente a concorrer ao Salão!... E teus quadros ficaram bem colocados? Morri de desejo de vê-los. E a estátua do Brecheret? Aquele animal não há meio de me escrever nem uma linha. Estou danado com ele. Por que não pede pra noiva, não? Quem tem uma noivinha boa como me dizem que é a dele, pode pedir a ela que escreva. Depois bota um abraço em baixo e pronto. Vi a fotografia da Porteuse de Parfums. Achei-a lindíssima. Que equilíbrio e que construção! Morri de desejos de vê-la também. Vivo morrendo por causa de vocês. Que amigos assassinos, puxa! Brecheret ao menos mandou fotografias. E tu nem isso! Pois si já me contaste que as fotografias foram tiradas, por que se fazer de rogada agora? Manda as fotografias in continente sinão me zango de verdade.

      Nós aqui bem. Eu como sempre de cangalha no pescoço. Mal posso me mexer. Antes-de-ontem caí do bonde. Um Horror! Assim: De bunda no trilho. Felizmente há um anjo-da-guarda pros malucos que tomam bonde andando. O caradura me pegou com as pernas e me atirou longe. Rolei no asfalto que nem uma bolinha de papel, disse um que viu. Felizmente não aconteceu nada. Escangalhei roupa, chapéu e botina. No corpo umas arranhaduras. Só que tudo me dói, pescoço, braços, joelhos, costas, tudo. Está sarando, não te assustes.

        Já te falei do baile futurista? Esteve estupendo. Um pintor russo de muito valor que mora agora aqui fez as decorações duma sala. Estupendas, nem imaginas. E esteve divertidíssimo até 6 horas da manhã.

        Não tenho mais nada pra te contar. Ando miquiado e saí de Ariel. São trezentos milréis de menos. Justamente o que te devo e não me esqueço. Dia virá. Espera. Dia virá, minha querida Anita. O “querida” não está aqui pra adoçar a tua espera. Está porque te quero bem. Até logo.

        O mais apertado dos abraços do Mário.

   Marta Rossetti Batista, org. Mário de Andrade – Cartas a Anita Malfatti. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1989.

Fonte: Livro – Ler, entender, criar – Português – 6ª Série – Ed. Ática, 2007 – p.131-3.

Fonte da imagem - https://www.google.com/url?sa=i&url=https%3A%2F%2Fpt.wikipedia.org%2Fwiki%2FAnita_Malfatti&psig=AOvVaw18_iIFEz4qlg4p4TBEXork&ust=1611610652312000&source=images&cd=vfe&ved=0CAIQjRxqFwoTCMC6y-DDte4CFQAAAAAdAAAAABAD

Entendendo a carta:

01 – O texto acima é uma carta enviada pelo escritor Mário de Andrade à pintora Anita Malfatti. Onde e quando foi escrita essa carta?

      Em São Paulo, em 1/12/1924.

02 – Muitas das expressões usadas por Mário de Andrade em sua carta à amiga nos soam estranhas. No entanto, ela foi redigida em português, a mesma língua que falamos hoje. Como se explica essa estranheza?

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Em mais de setenta anos, a língua – que não é algo rígido e imutável – se transformou: fixou-se de alguma forma a grafia de certas palavras que ainda era oscilante. Certos vocábulos deixaram de ser usados e outros foram incorporados, etc. Acrescentem-se a isso certas maneiras de grafar próprias de Mário de Andrade, que escrevia, por exemplo, mãi, sinão e si, em lugar de mãe, senão e se.

03 – Leia: “Pois si já me contaste que as fotografias foram tiradas, por que se fazer de rogada agora? Manda as fotos in continente sinão me zango de verdade”. Tanto em sua correspondência como em algumas obras, o escritor Mário de Andrade grafou certas palavras da forma como são pronunciadas, e não como estão registradas no dicionário. Identifique no trecho acima as palavras em que isso ocorre.

      Si e sinão (em lugar de se e senão).

04 – Pesquise no dicionário ou converse com pessoas mais velhas para descobrir o significado, no texto, de:

a)   Fazer-se de rogado;

Agir como pessoa que gosta que lhe peçam algo com insistência.

b)   In continente;

Imediatamente.

c)   De cangalha no pescoço;

Trabalhando bastante, sem tempo livre.

d)   Escangalhar;

Estragar.

e)   Estupendo;

Maravilhoso.

f)    Miquiado.

Sem dinheiro.

05 – Mário de Andrade grafou antes-de-ontem (com hifens) e milréis (em uma palavra só). Como essas palavras aparecem registradas hoje nos dicionários?

      Anteontem (ou antes de ontem); mil-réis.

06 – Releia: “Anita do coração, estou pra te escrever faz dias dando-te os parabéns pela tua aceitação no Salão de Outono”.

a)   Que pronome pessoal Mário de Andrade emprega para dirigir-se a sua interlocutora?

Tu.

b)   Como você chegou a essa conclusão?

Pelo emprego do pronome pessoal oblíquo te e do pronome possessivo tua.

07 – A carta de Mário de Andrade transmite certa jovialidade e revela a intimidade que havia entre os interlocutores. Essa impressão é causada pelo emprego de algumas expressões próprias da linguagem informal. Quais são elas?

      Entre outras, “pra”, “aquele animal”, “estou danado”, “puxa!”, “pros”, “que nem”, “pra adoçar a tua espera”.

terça-feira, 7 de julho de 2020

POEMA: LUNDU DO ESCRITOR DIFÍCIL - MÁRIO DE ANDRADE - COM GABARITO

POEMA: LUNDU DO ESCRITOR DIFÍCIL

                 Mário de Andrade

Eu sou um escritor difícil
Que a muita gente enquizila,
Porém essa culpa é fácil
De se acabar duma vez:
É só tirar a cortina
Que entra luz nesta escurez.

Cortina de brim caipora,
Com teia caranguejeira
E enfeite ruim de caipira,
Fale fala brasileira
Que você enxerga bonito
Tanta luz nesta capoeira
Tal-e-qual numa gupiara.

Misturo tudo num saco,
Mas gaúcho maranhense
Que pára no Mato Grosso,
Bate este angu de caroço
Ver sopa de caruru;
A vida é mesmo um buraco,
Bobo é quem não é tatu!

Eu sou um escritor difícil,
Porém culpa de quem é!...
Todo difícil é fácil,
Abasta a gente saber.
Bajé, pixé, chué, ôh "xavié"
De tão fácil virou fóssil,
O difícil é aprender!

Virtude de urubutinga
De enxergar tudo de longe!
Não carece vestir tanga
Pra penetrar meu caçanje!
Você sabe o francês "singe"
Mas não sabe o que é guariba?
— Pois é macaco, seu mano,
Que só sabe o que é da estranja.

(ANDRADE, Mário. In: Poesias completas. São Paulo, Círculo do Livro, 1976. p. 286-7).

 

Entendendo o poema:

01 – Pesquise o significado das seguintes palavras:

·        Lundu: dança de origem africana segundo Aurélio Buarque de Holanda, desde meados do século XIX, lundu passou a ser também uma canção (modinha) de caráter cômico.

·        Enquizila: aborrece, importuna; variante da palavra quizila, de origem africana.

·        Escurez: o mesmo que escuridão; Mário de Andrade preferia as formas escurez e escureza.

·        Caipora: que traz azar; palavra de origem tupi (caa, ‘mato’; porá, ‘morando’, ‘habitante’) que designa um ente fantástico, o qual, segundo os indígenas brasileiros, provoca desgraças.

·        Capoeira: terreno roçado; assim como a palavra caipira, capoeira é de origem tupi.

·        Gupiara: palavra de origem tupi que designa, em regiões de exploração de ouro, o cascalho ralo que encobre as jazidas.

·        Caruru: palavra de origem africana que designa várias plantas de valor nutritivo, utilizadas em pratos típicos da comida afro-brasileira.

·        Bajé: cidade gaúcha.

·        Pixé: palavra de origem tupi que significa ‘mau cheiro’.

·        Chué: ordinário, de pouco valor.

·        Guariba: macaco.

02 – De que se trata o poema?

      O autor defende, com bom humor e ironia, a importância da cultura popular na formação de uma identidade genuinamente brasileira.

03 – No primeiro verso, o eu lírico se coloca na posição de um escritor que “incomoda muita gente”. A partir do que é apresentado nas demais estrofes, por que isso acontece?

     O incômodo acontece porque em seus poemas ele fala sobre diversas culturas.

04 – O Lundu também é conhecido como: landum; lundum e londu. Faz referência a um canto e dança que teve origem no continente africano e que, posteriormente, foi introduzido aqui no Brasil nosso país. Provavelmente foi trazido por escravos angolanos. Por que o autor usou este termo?

      Porque o termo possibilita ao poema o sentido de mistura de culturas.

05 – Explique o motivo da palavra “xavié” vir entre aspas e as palavras bagé, pixé e chué não?

      Porque foi usada na linguagem coloquial.

06 – Qual o tema principal tratado por Mário de Andrade? O que o poeta critica em seu poema?

      Mário de Andrade fala sobre as diferenças culturais. Critica o desconhecimento / a falta de respeito com nossa língua regional.

07 – No poema, há uma alteração estrutural no que se refere ao uso da:

a)   Métrica.

b)   Rima.

c)   Linguagem de dicionário.

d)   Linearidade do discurso.

08 – A estrofe: “Cortina de brim caipora, / Com teia caranguejeira / E enfeite ruim de caipira, / Fale fala brasileira / Que você enxerga bonito / Tanta luz nesta capoeira.”, escrito entre 1927 e 1928, o que o autor quis dizer?

      O autor ilustra bem o pensamento do escritor paulistano, que propunha a retirada de “cortinas” para que o diálogo entre vida, história, música e literatura iluminasse a cultura nacional.

09 – Leia atentamente as afirmações a seguir:

I – Neste poema, Mário de Andrade enfatiza o seu esforço de criação de uma expressão literária nacional, e, para tanto, utiliza vocabulário que resgata as regiões do Brasil.

II – Além da linguagem, Mário de Andrade resgata as raízes culturais do país, como a culinária e a representação artística.

III – Na primeira estrofe, Mário de Andrade faz uso da figura de linguagem antítese, ao empregar as palavras “difícil/fácil” e “luz/escurez”. Essas antíteses evidenciam a contradição vivenciada pelos intelectuais brasileiros que, com os olhos no estrangeiro, não conseguem compreender este poeta brasileiro.

É (são) correta(s) afirmação(ões):

a)   I e II.

b)   Todas.

c)   Apenas III.

d)   II e III.

10 – Leia atentamente as afirmações a seguir:

I – No próprio poema, Mário de Andrade identifica a solução para que os leitores não o considerem um escritor difícil: que falem e aprendam a “fala brasileira”.

II – No décimo verso, Mário de Andrade dá um conselho ao seu leitor, por meio do emprego do modo verbal imperativo.

III – Nos dois últimos versos, o escritor utiliza-se do discurso indireto para indicar o significado da palavra guariba. É (são) correta(s) a(s) afirmação (ões):

a)   I e II.

b)   Apenas I.

c)   Todas.

d)   II e III.

11 – Nos versos: “Não carece vestir tanga / Pra penetrar meu caçanje!”, no trecho em destaque há a seguinte figura de linguagem:

a)   Sinestesia.

b)   Assonância.

c)   Paradoxo.

d)   Metonímia.

 



 


domingo, 28 de abril de 2019

ROMANCE: MACUNAÍMA - PIAIMÃ - FRAGMENTO - MÁRIO DE ANDRADE - COM GABARITO

Romance: MacunaímaPIAIMÃ – Fragmento 
             
     Mário de Andrade

        No outro dia Macunaíma pulou cedo na ubá e deu uma chegada até a foz do Rio Negro pra deixar a consciência na ilha de Marapatá. Deixou-a bem na ponta dum mandacaru de dez metros, pra não ser comida pelas saúvas. Voltou pro lugar onde os manos esperavam e no pino do dia os três rumaram pra margem esquerda da Sol.
        Muitos casos sucederam nessa viagem por caatingas rios corredeiras, gerais, corgos, corredores de tabatinga matos virgens e milagres do sertão. Macunaíma vinha com os dois manos pra São Paulo. Foi o Araguaia que facilitou-lhes a viagem. Por tantas conquistas e tantos feitos passados o herói não ajuntara um vintém só mas os tesouros herdados da icamiaba estrela estavam escondidos nas grunhas do Roraima lá. Desses tesouros Macunaíma apartou pra viagem nada menos de quarenta vezes quarenta milhões de bagos de cacau, a moeda tradicional. Calculou com eles um dilúvio de embarcações. E ficou lindo trepando pelo Araguaia aquele poder de igaras duma em uma duzentas em ajojo que-nem flecha na pele do rio. Na frente Macunaíma vinha de pé, carrancudo, procurando no longe a cidade. Matutava roendo os dedos agora cobertos de berrugas de tanto apontarem Ci estrela. Os manos remavam espantando os mosquitos e cada arranco dos remos repercutindo nas duzentas igaras ligadas, despejava uma batelada de bagos na pele do rio, deixando uma esteira de chocolate onde os camuatás pirapitingas dourados piracanjubas uarus-uarás e bacus de regalavam.
        Uma feita a Sol cobrira os três manos duma escaminha de suor e Macunaíma se lembrou de tomar banho. Porém no rio era impossível por causa das piranhas tão vorazes que de quando em quando na luta pra pegar um naco de irmã espedaçada, pulavam aos cachos pra fora d’água metro e mais. Então Macunaíma enxergou numa lapa bem no meio do rio uma cova cheia d’água. E a cova era que-nem a marca dum pé-gigante. Abicaram. O herói depois de muitos gritos por causa do frio da água entrou na cova e se lavou inteirinho. Mas a água era encantada porque aquele buraco na lapa era marca do pezão do Sumé, do tempo em que andava pregando o evangelho de Jesus pra indiada brasileira.  Quando o herói saiu do banho estava branco louro e de olhos azuizinhos, água lavara o pretume dele. E ninguém não seria capaz mais de indicar nele um filho da tribo retinta dos Tapanhumas.
        Nem bem Jiguê percebeu o milagre, se atirou na marca do pezão do Sumé. Porém a água já estava muito suja da negrura do herói e por mais que Jiguê esfregasse feito maluco atirando água pra todos os lados só conseguiu ficar com a cor do bronze novo. Macunaíma teve dó e consolou:
        -- Olhe, mano Jiguê, branco você ficou não, porém pretume foi-se e antes fanhoso que sem nariz.
        Maanape então é que foi se lavar, mas Jiguê esborrifara toda a água encantada pra fora da cova. Tinha só um bocado lá no fundo e Maanape conseguiu molhar só a palma dos pés e das mãos. Por isso ficou negro bem filho da tribo dos Tupanhumas. Só que as palmas das mãos e dos pés dele são vermelhas por terem se limpado na água santa. Macunaíma teve dó e consolou:
        -- Não se avexe, mano Maanape, não se avexe não, mais sofreu nosso tio Judas!
        E estava lindíssimo na Sol da Lapa os três manos um louro um vermelho outro negro, de pé bem erguidos e nus. Todos os seres do mato espiavam assombrados. O jacareúna o jacaretinga o jacaré-açu o jacaré-ururau de papo amarelo, todos esses jacarés botaram os olhos de rochedo pra fora d’água. Nos ramos das ingazeiras das aningas das mamoramas das embaúbas dos catauaris de beira-rio o macaco-prego o macaco-de-cheiro o guariba o bugio o cuatá o barrigudo o coxiú o cairara, todos os quarenta macacos do Brasil, todos, espiavam babando de inveja. E os sabiás, o o sabiacica o sabiapoca o sabiaúna o sabiapiranga o sabiagongá que quando come não me dá, o sabiá-barranco o sabiá-tropeiro o sabiá-laranjeira o sabiá-gute todos eles ficaram pasmos e esqueceram de acabar o trinado, vozeando vozeando com eloquência. Macunaíma teve ódio. Botou as mãos nas ancas e gritou pra natureza:
        -- Nunca viu não!
        Então os seres naturais debandavam vivendo e os três manos seguiram caminho outra vez.
        Porém entrando nas terras do Igarapé Tietê adonde o burbom vogava e a moeda tradicional não era mais cacau, em vez, chamva arame contos contecos milréis borós tostão duzentorréis quinhentorréis, cinquenta paus, noventa bagarotes, e pelegas cobres xenxéns caraminguás selos bicos-de-coruja massuni bolada calcáreo gimbra siridó bicha e pataracos, assim, adonde até liga pra meia ninguém comprava nem por vinte mil cacaus. Macunaíma ficou muito contrariado. Ter de trabucar, ele, herói... Murmurou desolado:
        -- Ai! Que preguiça! ...

ANDRADE, Mário de. Macunaíma: o herói sem nenhum caráter.
Ed. Crítica de Telê Porto A. Lopez. Rio de Janeiro/São Paulo:
Livros Técnicos e Científicos/Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia. p. 33-4.

Entendendo o romance:
01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo.
·        Abicar: fazer chegar a proa da embarcação em terra.

·        Sumé: na mitologia dos índios Tupis e Guaranis, homem branco, barbado, que teria vivido entre os índios antes da chegada dos portugueses e que lhes havia transmitido uma série de ensinamentos. Os Jesuítas associaram essa figura a São Tomé, apóstolo que teria feito pregações ao redor do mundo, inclusive na América.

·        Burbom: café ou cafeeiro.

·        Grunha: parte côncava nas serras.

·        Icamiaba: referência a Ci, líder das índias icamiabas, com quem Macunaíma se casara e que virou estrela depois de morrer.

·        Igara: canoa escavada em um tronco de árvore.

·        Trabucar: trabalhar, labutar.

·        Lapa: grande pedra ou laje; gruta.

·        Ubá: o mesmo que cana-do-rio; planta da família das gramíneas que atinge até 10 metros de altura.

02 – Em Macunaíma, Mário de Andrade procurou fazer uso de uma “língua brasileira”, síntese da fusão do português com dialetos indígenas e africanos, mesclada de inúmeras variações linguísticas, com regionalismos, expressões coloquiais, estrangeirismos, etc.
Troque ideias com os colegas e tente descobrir a origem destas palavras e expressões:
a)   Ubá, Marapatá, mandacaru, tabatinga, igara, pirapitinga.
Origem indígena.

b)   Deu uma chegada, que-nem flecha, feito maluco, antes fanhoso que sem nariz, cinquenta paus, bolada.
Origem popular.

c)   Não se avexe.
Origem regional, nordestina.

d)   Burbom.
Origem na língua inglesa.

03 – Antes de escrever Macunaíma, Mário de Andrade viajou pelo Brasil, pesquisou e fez anotações relativas a diversos elementos da geografia, da fauna, da flora e da cultura das diferentes regiões do país. De que modo essa pesquisa se revela no trecho lido?
      Revela-se na aproximação de pontos geográficos distantes, como Rio Negro e São Paulo; na citação do nome de inúmeros peixes, aves e plantas típicos da natureza brasileira; na citação da lenda de Sumé.

04 – Observe o trecho em que os três irmãos se banham na água da cova feita pelo pé de Sumé.
a)   O que se explica, nessa cena, de forma folclórica?
A origem do negro, do índio e do branco, ou seja, as diferenças éticas no Brasil.

b)   Apesar de Jiguê ter se lavado, ele “só conseguiu ficar da cor do bronze novo”. E Macunaíma lhe diz: “branco você ficou não, porém pretume foi-se e antes fanhoso que sem nariz”. Na sua opinião, essa fala de Macunaíma é preconceituosa? Justifique sua resposta.
Resposta pessoal do aluno.

05 – Macunaíma é o imperador da mata virgem. Como tal, imagina chegar a São Paulo com muito cacau – que na floresta equivalia a dinheiro – e liderando uma comitiva de duzentas canoas.
a)   Na realidade, com quantas canoas Macunaíma chega à capital paulista?
Chega numa única canoa, acompanhado pelos irmãos.

b)   Que valor tinha na cidade o cacau que Macunaíma trouxera?
Nenhum valor.

c)   Como se posiciona Macunaíma diante da necessidade de trabalhar?
Não sente nenhuma vontade de trabalhar; mostra-se preguiçoso.

06 – As preocupações reveladas na obra Macunaíma quanto à busca dos elementos da paisagem nacional – a fauna, a flora, o homem, a língua e as tradições da cultura brasileira – lembram o projeto nacionalista do Romantismo. Comparando Macunaíma às obras indianistas românticas, responda:
a)   A personagem Macunaíma pode ser considerado um herói igual aos do Romantismo? Por quê?
Não. Macunaíma é uma espécie de anti-herói.

b)   Como conclusão do estudo feito, responda: O nacionalismo presente em Macunaíma é igual ao das obras do Romantismo? Justifique sua resposta.
Não. Mário procura valorizar os elementos nacionais, mas a partir de uma perspectiva crítica, mostrando as contradições tanto da realidade nacional quanto do homem brasileiro.