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domingo, 22 de maio de 2022

ROMANCE: AMOR DE PERDIÇÃO - CAPÍTULO IV - CAMILO CASTELO BRANCO - COM GABARITO

 Romance: Amor de perdição Capítulo IV

                  Camilo Castelo Branco

        [...]

        Ao romper d’alva, dum domingo de Junho de 1803, foi Teresa chamada para ir com seu pai à primeira missa da igreja paroquial. Vestiu-se a menina assustada, e encontrou o velho na antecâmara a recebe-la com muito agrado, perguntando-lhe se ela se erguia de bons humores para dar ao autor de seus dias um resto de velhice feliz. O silencio de Teresa era interrogador.

        — Vais hoje dar a mão de esposa a teu primo Baltazar, minha filha. É preciso que te deixes cegamente levar pela mão de teu pai. Logo que deres este passo difícil, conhecerás que a tua felicidade é daquelas que precisam ser impostas pela violência. Mas repara, minha querida filha, que a violência dum pai é sempre amor. Amor tem sido a minha condescendência e brandura para contigo. Outro teria subjugado a tua desobediência com maus-tratos, com os rigores do convento, e talvez com o desfalque do teu grande patrimônio. Eu, não. Esperei que o tempo te aclarasse o juízo, e felicito-me de te julgar desassombrada do diabólico prestígio do maldito, que acordou o teu inocente coração. Não te consultei outra vez sobre este casamento, por temer que a reflexão fizesse mal ao zelo de boa filha com que tu vais abraçar teu pai, e agradecer-lhe a prudência com que ele respeitou o teu gênio, velando sempre a hora de te encontrar digna do seu amor.

        Teresa não desfitou os olhos do pai; mas tão abstraída estava, que escassamente lhe ouviu as primeiras palavras, e nada das últimas.

        — Não me respondes, Teresa?! – tornou Tadeu, tomando-lhe cariciosamente as mãos.

        — Que hei de eu responder-lhe, meu pai? — balbuciou ela.

        — Dá-me o que te peço? Enches de contentamento os poucos dias que me restam?

        — E será o pai feliz com o meu sacrifício?

        — Não digas sacrifício, Teresa... Amanhã a estas horas verás que transfiguração se fez na tua alma. Teu primo é um composto de todas as virtudes; nem a qualidade de ser um gentil moço lhe falta, como se a riqueza, a ciência e as virtudes não bastassem a formar um marido excelente.

        — E ele quer-me depois de eu me ter negado? — disse ela com amargura irônica.

        — Se ele está apaixonado, filha!... e tem bastante confiança em si para crer que tu hás de ama-lo muito!...

        — E não será mais certo odiá-lo eu sempre!? Eu agora mesmo o abomino como nunca pensei que se pudesse abominar! Meu pai... — continuou ela, chorando, com as mãos erguidas — mate-me; mas não me force a casar com meu primo! É escusada a violência, porque eu não caso!

        Tadeu mudou de aspecto, e disse irado:

        — Hás de casar! Quero que cases! Quero!... Quando não, amaldiçoada serás para sempre, Teresa! Morrerás num convento! Esta casa irá para teu primo! Nenhum infame há de aqui pôr pé nas alcatifas de meus avós. Se és uma alma vil, não me pertences, não és minha filha, não podes herdar apelidos honrosos, que foram pela primeira vez insultados pelo pai desse miserável que tu amas! Maldita sejas! Entra nesse quarto, e espera que daí te arranquem para outro, onde não verás um raio de sol.

        Teresa ergueu-se sem lágrimas, e entrou serenamente no seu quarto.

        [...].

CASTELO BRANCO, Camilo. Op. cit.

Fonte: Livro – Viva Português 2° – Ensino médio – Língua portuguesa – 1ª edição 1ª impressão – São Paulo – 2011. Ed. Ática. p. 39-40.

Entendendo o romance:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Abstraído: distraído.

·        Alcatifa: tapete.

·        Desassombrado: serenado; livre de susto, de receio.

·        Escusado: justificado, perdoável.

·        Irado: furioso, enraivecido.

·        Velar: estar alerta, vigiar.

02 – Como era, provavelmente, o tom de voz de Tadeu Albuquerque em sua primeira fala à filha? Copie no caderno alguns termos ou expressões do trecho que o(a) levaram a essa conclusão.

      Provavelmente era um tom de voz calmo, amável: “Encontrou o velho na antecâmara a recebe-la com muito agrado”, “minha querida filha”, “A violência de um pai é sempre amor”, “Amor tem sido a minha condescendência e brandura para contigo”, etc.

03 – Ao expressar-se dessa maneira, o pai esperava de Teresa uma resposta positiva a seu pedido. Destaque alguns dos argumentos usados nessa primeira fala para convencer a filha a casar-se com o primo.

      “A tua felicidade é daquelas que precisam ser impostas pela violência”, “Outro teria subjugado a tua desobediência com maus tratos, com os rigores do convento, e talvez com o desfalque do teu grande patrimônio. Eu, não. Esperei que o tempo te aclarasse o juízo”, etc.

04 – Em que momento do diálogo o tom de voz de Tadeu possivelmente começa a se alterar?

      Possivelmente após Teresa perguntar a ele se conseguirá ser feliz com seu sacrifício.

05 – Em que fala o pai de Teresa se mostra irado? E como costuma ser a fala de alguém que está irado?

      Na última fala (penúltimo parágrafo). É provável que uma pessoa irada fale em voz alta, em tom ameaçador, com impetuosidade, etc.

06 – Você imagina que a voz de Teresa tenha se alterado ao longo do diálogo? Por quê?

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Não, porque na época da narrativa, os filhos deviam obediência total ao pai, principalmente as filhas. Assim sendo, a Teresa mesmo sob forte emoção, não ousou alterar o tom de voz.

07 – Agora forme dupla com um colega e preparem a representação do diálogo entre Tadeu Albuquerque e Teresa para apresentar à sala.

      Resposta pessoal do aluno.

ROMANCE: AMOR DE PERDIÇÃO - CAPÍTULO II - CAMILO CASTELO BRANCO - COM GABARITO

 Romance: Amor de perdição Capítulo II

                Camilo Castelo Branco 

        [...] 

        No espaço de três meses fez-se maravilhosa mudança nos costumes de Simão. As companhias da relé desprezou-as. Saía de casa raras vezes, ou só, ou com a irmã mais nova, sua predileta. O campo, as árvores e os sítios mais sombrios e ermos eram o seu recreio. Nas doces noites de estio demorava-se por fora até ao repontar da alva. Aqueles que assim o viam admiravam-lhe o ar cismador e o recolhimento que o sequestrava da vida vulgar. Em casa encerrava-se no seu quarto, e saía quando o chamavam para a mesa. 

        D. Rita pasmava da transfiguração, e o marido, bem convencido dela, ao fim de cinco meses, consentiu que seu filho lhe dirigisse a palavra. 

        Simão Botelho amava. Aí está uma palavra única, explicando o que parecia absurda reforma aos dezessete anos. 

        Amava Simão uma sua vizinha, menina de quinze anos, rica herdeira, regularmente bonita e bem-nascida. Da janela do seu quarto é que ele a vira pela primeira vez, para amá-la sempre. Não ficara ela incólume da ferida que fizera no coração do vizinho: amou-o também, e com mais seriedade que a usual nos seus anos. 

        Os poetas cansam-nos a paciência a falarem do amor da mulher aos quinze anos, como paixão perigosa, única e inflexível. Alguns prosadores de romances dizem o mesmo. Enganam-se ambos. O amor dos quinze anos é uma brincadeira; é a última manifestação do amor às bonecas; é a tentativa da avezinha que ensaia o voo fora do ninho, sempre com os olhos fitos na ave-mãe, que a está de fronte próxima chamando: tanto sabe a primeira o que é amar muito, como a segunda o que é voar para longe. 

        Teresa de Albuquerque devia ser, porventura, uma exceção no seu amor. 

        O magistrado e sua família eram odiosos ao pai de Teresa, por motivo de litígios, em que Domingos Botelho lhe deu sentenças contra. Afora isso, ainda no ano anterior dois criados de Tadeu de Albuquerque tinham sido feridos na celebrada pancadaria da fonte. É, pois, evidente que o amor de Teresa, declinando de si o dever de obtemperar e sacrificar-se ao justo azedume de seu pai, era verdadeiro e forte. 

        [...] 

CASTELO BRANCO, Camilo. Amor de perdição. São Paulo: Ática, 2001.

Fonte: Livro – Viva Português 2° – Ensino médio – Língua portuguesa – 1ª edição 1ª impressão – São Paulo – 2011. Ed. Ática. p. 37-8.

Entendendo o romance:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Alva: primeira claridade da manhã. 

·        Cismador: pensativo. 

·        Declinar: eximir-se, recusar. 

·        Ermo: deserto. 

·        Estio: verão. 

·        Incólume: ileso, livre de dano ou perigo. 

·        Litígio: questão judicial. 

·        Obtemperar: obedecer, pôr-se de acordo. 

·        Pasmar: admirar-se de algo. 

·        Relé: ralé; a camada mais baixa da sociedade. 

·        Transfiguração: transformação na maneira de pensar e proceder. 

02 – Segundo o texto, que grande transformação o amor provocou em Simão? 

      Simão deixou de ser um rapaz intempestivo e baderneiro e passou a se dedicar a seus pensamentos, a seus afazeres pessoais. Passava mais tempo em casa, quando saía, ia a lugares mais calmos. 

03 – O que essa alteração de comportamento revela sobre o novo estado de espírito de Simão? 

      Simão encontra-se enamorado; seus pensamentos são totalmente ocupados pela pessoa que motiva esse sentimento. Tal é o seu estado de paixão que nenhuma outra sensação consegue distraí-lo. 

04 – Leia: 

        "[...] O campo, as árvores e os sítios mais sombrios e ermos eram o seu recreio. Nas doces noites de estio demorava-se por fora até ao repontar da alva. [...]" 

        O espaço é fundamental em uma narrativa não só porque determina muitas das ações das personagens, mas porque pode revelar seu estado de espírito. Por que os novos espaços por onde circula Simão são coerentes com sua transformação? 

      Porque são espaços de recolhimento, de solidão, apropriados à vivência de um sentimento intenso, que modifica e arrebata a personagem. 

05 – Explique o que é, segundo o narrador, o amor dos 15 anos. 

      É uma brincadeira que se pode realizar em segurança.

06 – Por que Teresa de Albuquerque é uma exceção em seu amor? 

      Porque a paixão que ela sente em hipótese alguma pode ser vivida em segurança, uma vez que a sua família e inimiga da de seu amado. Trata-se, portanto, de um sentimento arriscado, de uma ousadia.