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domingo, 29 de outubro de 2023

CONTO: O TOURO E O HOMEM - LUÍS DA CÂMARA CASCUDO - COM GABARITO

Conto: O touro e o homem

           Luís da Câmara Cascudo

        Um touro, que vivia nas montanhas, nunca tinha visto o homem. Mas sempre ouvia dizer por todos os animais que era ele o animal mais valente do mundo. Tanto ouviu dizer isto que, um dia, se resolveu a ir procurar o homem para saber se tal dito era verdadeiro.

 Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgPA97t1gf7lboSGTA9AWL8dqAUkd5Zs0BW_4yFJqKtHcMXgYzvMVlIuD8oQSl_-Cc8F3g-_X772MUhePtIczPGZsPTBE3dcdJO9Q7g4fUZrpRT96U1BswS11s-f3foJyfSPLgBCRCWMWhP2B2gJEX99x7hDJLHIbQM_Lu030ouSKPkslpoIJBgdjHCNKM/s320/TOURO.jpeg


        Saiu das brenhas, e, ganhando uma estrada, seguiu por ela. Adiante encontrou um velho que caminhava apoiado a um bastão.

        Dirigindo-se a ele perguntou-lhe:

        — Você é o bicho homem?

        — Não! — respondeu-lhe o velho — já fui, mas não sou mais!

        O touro seguiu e adiante e encontrou uma velha:

        — Você é o bicho homem?

        — Não! — Sou a mãe do bicho homem!

        Adiante encontrou um menino:

        — Você é o bicho homem?

        — Não! — Ainda hei de ser; sou o filho do bicho homem.

        Adiante encontrou o bicho homem que vinha com um bacamarte no ombro.

        — Você é o bicho homem?

        — Está falando com ele!

        — Estou cansado de ouvir dizer que o bicho homem é o mais valente do mundo, e vim procurá-lo para saber se ele é mais do que eu!

        — Então, lá vai! — disse o homem armando o bacamarte, e disparando-lhe um tiro nas ventas.

        O touro desesperado de dor, meteu-se no mato e correu até sua casa, onde passou muito tempo se tratando do ferimento.

        Depois, estando ele numa reunião de animais, um lhe perguntou:

        — Então, camarada touro, encontrou o bicho homem?

        — Ah! meu amigo, só com um espirro que ele me deu na cara, olhe o estado em que fiquei!

Fonte: Contos Tradicionais do Brasil (folclore) de Luís da Câmara Cascudo, Rio de Janeiro, Ediouro:1967. pp 289-90.

Entendendo o conto:

01 – Por que o touro decidiu procurar o homem?

      O touro decidiu procurar o homem porque havia ouvido dizer que o homem era o animal mais valente do mundo e queria verificar se isso era verdade.

02 – Quem o touro encontrou primeiro em sua busca pelo homem?

      O touro encontrou primeiro um velho enquanto procurava o homem.

03 – Qual foi a reação do velho quando o touro perguntou se ele era o bicho homem?

      O velho respondeu que já tinha sido o bicho homem, mas não o era mais.

04 – Quem finalmente se revelou como o bicho homem na história?

      O homem que estava carregando um bacamarte no ombro se revelou como o bicho homem na história.

05 – Qual foi o resultado do encontro do touro com o bicho homem?

      O bicho homem disparou um tiro no touro, causando-lhe grande dor, e o touro fugiu desesperado para sua casa para se tratar do ferimento.

 

 

 

  

CONTO: O CARA DE PAU - LUÍS DA CÂMARA CASCUDO - COM GABARITO

 Conto: O Cara de Pau

           Luís da Câmara Cascudo

        Um rei tinha uma filha tão formosa que, ficando viúvo, quis casar-se com ela. A moça era afilhada de Nossa Senhora e ficou horrorizada com o pensamento do pai, mas esse ameaçou-a de morte se não o recebesse por marido. Não sabendo o que fazer, a moça rezou muito a Nossa Senhora pedindo seu auxílio e ouviu umas vozes dizendo:

        — Pede um vestido cor do campo com suas flores!

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgbQBsWxrgm-lEqViqdkFYBeat-VDX-no2zlsvwtsIHU7lVleWEx6UE3zeD_ZL_8HAFAdlM3zqW68pNJMiqn8Hoz1m649mN4nQKfG2uGoKoKqRQ6Y1Nsye-Kc29voMRiPegQA47BdjbYAo3oRBxAiA2GA_Bm1fFpUN71WLgc0VmaknKmNfkw6AdAIyec20/s320/campo.jpg


        A menina pediu o vestido e o pai mandou fazer e o trouxe feito, tão bonito que era uma maravilha. Outra vez foi a menina chorar e as vozes disseram:

        — Pede um vestido da cor do mar com todos os peixes.

        Feito o pedido, o rei juntou todos os artistas e conseguiu o vestido como era desejado. Novamente a menina correu aos pés de Nossa Senhora e as vozes ensinaram:

        — Pede um “vestido cor do céu com suas estrelas, o sol e a lua”.

        A menina pediu o vestido e o rei, querendo casar com ela, mandou que se fizesse sob pena de morte. O vestido ficou lindo e a princesa chorou muito lembrando-se de que seu pai havia de querer o cumprimento de sua promessa. As vozes voltaram a dizer-lhe:

        — Junta tudo quanto for teu e foge do palácio. Para que ninguém saiba quem és, nunca deverás rir nem achar graça em cousa alguma.

        A moça guardou os vestidos numa maleta e fugiu do palácio, indo pelas estradas o mais longe que lhe foi possível. Andou muito e chegou a uma cidade onde procurou trabalho para viver e só encontrou lugar no palácio do rei como ajudante na cozinha. Aceitou e ficou com as tarefas mais pesadas e humildes da casa. Como vivia sempre sisuda e não achava graça em cousa alguma, chamavam-na Cara de Pau.

        Uma vez o rei preparou festas para os amigos e as moças todas da cidade deviam comparecer aos bailes que durariam três dias consecutivos.

        Quando do primeiro baile, todos foram olhar a festa das salas, e Cara de Pau ficou na cozinha, lavando as panelas. Vendo-se sozinha, correu ao seu quarto e vestiu-se com o vestido da cor do campo com suas flores, e compareceu ao salão, causando admiração a todos. O príncipe veio falar-lhe, prestando muita atenção e convidou-a a dançar com ele várias vezes.

        Antes que o baile terminasse, Cara de Pau abandonou o salão e fugiu para seu quarto onde voltou a vestir as roupas remendadas de criada.

        As criadas e cozinheiras conversaram sobre a moça da noite anterior e Cara de Pau não dava mostras de entender o que diziam. Na noite segunda fez o mesmo e o vestido cor do mar com todos os seus peixes causou admiração ainda maior.

        O príncipe, desde que a viu entrar, não mais a deixou, conversando com ela e dançando, a perguntar seu nome, de onde era, etc. A moça respondia por meias palavras e o príncipe estava verdadeiramente apaixonado por ela. Com habilidade conseguiu fugir antes do baile acabar e tornou às roupas feias com que servia na cozinha.

        Na última noite Cara de Pau foi a rainha da festa, com seu vestido cor do céu, com suas estrelas, o sol e a lua, dançando bem e agradando a todas. O príncipe, enamorado, deu-lhe um anel, pedindo-lhe a mão em casamento. Cara de Pau disse que ia pensar, esperando que o príncipe provasse que a amava deveras. Ainda uma vez pôde fugir sem ser apanhada.

        O príncipe procurou Cara de Pau por todos os recantos e casas da cidade, mandando escrever para outros reinos e ninguém dava notícias. De paixão, adoeceu e não queria comer. Ia enfraquecendo e os pais ficaram tristes porque não havia médico que acertasse em curar o príncipe. A rainha pensou em mandar fazer iguarias por todas as criadas da casa, uma de cada vez, para ver se o filho comia alguma cousa. Fizeram todas as criadas bolos e rebuçados mas o rapaz ia provando e recusava servir-se. Cara de Pau ofereceu-se para fazer um bolo e a cozinheira ficou zangada com o atrevimento: Pois logo você, uma suja e porcaIhona, ir fazer bolos para o príncipe?

        A rainha velha, então, disse que Cara de Pau fizesse um bolo como as outras tinham feito. Cara de Pau fez o bolo com cuidado e meteu dentro da massa o anel que o príncipe lhe havia dado. Cozido o bolo e mandado para a mesa do príncipe este apenas o olhou, mas a rainha tanto pedia que ele provasse que o rapaz cortou uma fatia e levou-a à boca. Logo sentiu um duro, e verificando reconheceu o anel que dera à moça dos três bailes. Ficou logo melhor de saúde, perguntando quem fizera o bolo e que viesse imediatamente à sua presença. A rainha mandou chamar criada que fizera o doce e quando chegou Cara de Pau ao quarto, tirou o vestido sujo e apresentou-se com um dos vestidos da festa. O príncipe beijou-lhe a mão e apresentou-a a todos como sua noiva. Casaram-se e viveram muito felizes.

                      Fonte: Os melhores contos Populares de Portugal. Org. de Câmara Cascudo. Dois Mundos Editora.

Entendendo o conto:

01 – Qual era o desejo do rei em relação à sua filha no início do conto?

      O rei desejava casar-se com sua própria filha.

02 – Como a filha do rei conseguiu escapar dessa situação?

      Ela recebeu orientações de Nossa Senhora para pedir vestidos especiais e depois fugir do palácio.

03 – Por que a filha do rei recebeu o apelido "Cara de Pau"?

      Ela recebeu esse apelido por nunca rir ou demonstrar alegria em nada.

04 – O que aconteceu quando "Cara de Pau" compareceu ao primeiro baile usando o vestido da cor do campo?

      Ela chamou a atenção do príncipe e dançou com ele várias vezes.

05 – Como "Cara de Pau" conseguiu fugir do baile sem ser notada na primeira noite?

      Ela deixou o baile antes do final e voltou às roupas de criada.

06 – O que o príncipe deu a "Cara de Pau" durante o segundo baile?

      O príncipe deu um anel a "Cara de Pau" durante o segundo baile.

07 – O que o príncipe fez quando não conseguiu encontrar "Cara de Pau" após os bailes?

      Ele procurou por ela em toda a cidade e em outros reinos.

08 – O que Cara de Pau fez para curar o príncipe quando ele estava doente?

      Ela fez um bolo especial e colocou o anel que o príncipe lhe deu dentro do bolo.

09 – Qual foi a reação do príncipe quando reconheceu o anel no bolo feito por "Cara de Pau"?

      Ele ficou melhor de saúde e pediu para que a criada que fez o bolo fosse trazida até ele.

10 – Como o conto "O Cara de Pau" termina?

      O príncipe beija a mão de "Cara de Pau", a apresenta como sua noiva e eles se casam, vivendo felizes.

 

 

 

CONTO: A MÚSICA DOS CHIFRES OCOS E PERFURADOS - LUÍS DA CÂMARA CASCUDO - COM GABARITO

 Conto: A MÚSICA DOS CHIFRES OCOS E PERFURADOS.

           Luís da Câmara Cascudo

        Na capoeira de Mamanguape pasta uma notável população de veados. Vivem soltos e perseguidos pelos caçadores impenitentes. Muitos vão dar na praia enlouquecidos pela perseguição. Ficam bêbedos de cansaço e desespero. Nestas circunstâncias não é difícil ser abatido pelos pescadores, que gostam muito de carne. O peixe é prato de todos os dias. Vez por outra não faz mal uma variação de alimento. E assim a espécie dos galhudos vai rareando.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgbiHc9PTXqvuSF-9YB_x6ptSkUcArWwX85lmPHMvhmpMB3K4iOhKgPpq6WcTztArYeYz3L6G2LVoUQsa8dkm-JfgNJ9_mevz1p0M-klx3DM-YcHVx3-UOmzh4SmIIqKsBDZz0sFRsJnA4FBM3PerYC5KEsOqIqsE-0z4T0FZ7_B27lq59PIxLmq89kHSE/s320/MAMANGUAPE.jpg


        Entretanto, a maioria dos caçadores não lhe comem a carne e até a abandona em pleno mato. Tirado o couro, gostam é de chegar com o troféu, exibindo-o só pelo prazer de ostentá-lo, e mais nada. A caça verifica-se em certos dias. Não se faz assim de repente apenas pela alegria da aventura. Veado nem sem sempre pode ser pegado pelos cachorros e pelas balas da espingarda.

        O motivo da escolha cuidadosa da ocasião de persegui-lo vem de um fato bem notório que toda gente entendida no negócio proclama como absolutamente verdadeiro. Existem nas capoeiras alguns veados chefes de bando que costumam reunir o seu povo para um remoer mais demorado na tranquilidade. A convocação é feita por intermédio de uma harmonia de música que toca a todos os corações. Ninguém poderá ouvi-la sem ficar inteiramente dominado e vencido nos seus propósitos inferiores.

        A beleza tem disso: amolece as energias empregadas no sentido do mal. E como caçar não deixa de ser uma impiedade, fica adiada a perseguição, fica para outro dia, pois o caçador foi posto à margem, é supersticioso e não ama contrariar as forças da natureza quando elas se manifestam tão maravilhosamente.

        A demonstração de uma intensa melodia (notas estranhas e deliciosas já bem conhecidas do homem que corre as matas de arma ao ombro e sacola de balas a tiracolo) vem como sinal de advertência generosa. Quem transgredir a norma histórica terá de arcar com as consequências nem sempre agradáveis. As surpresas então se tornarão constantes e prejudiciais. E não há necessidade de enfrenta-las assim de caso pensado. O melhor é aguardar outra vez. Fica para amanhã. Fica para depois. Em qualquer tempo é tempo para o prazer da perseguição. Aquela música divina não é ouvida com frequência, é mesmo coisa um tanto rara nas sextas-feiras, nos sábados e nos domingos. Nos outros dias da semana, a caça não se faz de preferência por causa do trabalho de campo e outras obrigações de ganha-pão a que o homem ordinariamente se acha sujeito. Portanto, não convém ir de encontro às determinações dos deuses ocultos que dirigem os movimentos na floresta ou nos tabuleiros.

        Rebanhos enormes se reúnem em torno dos chamados “galhudos”. Estes no meio como que dirigindo a sessão. Em torno se encontra a veadaria deitada em remansoso descanso. Os mateiros mais afeitos se arrastam cautelosamente até lá com o fim de apreciar o concerto incomparável. Impõe-se muito cuidado para evitar o menor barulho. Qualquer atrito de folha seca é razão para que os ouvidos fiquem atentos. Ficam à escuta para uma arrancada louca de precipitação. Mas quando acontece tal curiosidade é porque prevaleceu o enfeitiçamento do caçador arrastado pelos encantos de uma música que tem qualquer coisa de sortilégio. Não tem preocupações de fazer mal. Chega mesmo a abandonar as armas para melhor facilitar a aproximação sutil nos seus movimentos de caçador.

        Os veados velhos mostram vinte e três chifres ocos e perfurados como flauta. O vento sopra com uma suavidade de nordeste. E faz arrancar dos chifres os sons mais sentidos de uma orquestra completa que toca para amenizar a vida perseguida-e mesmo infeliz de uma raça que entre os animais da região faz as vezes do judeu escorraçado pela inveja dos que não possuem predicados de inteligência e habilidade. A reunião prossegue pela noite adentro. Não é difícil apurar o ouvido e sentir na madrugada fria dos tabuleiros as melodias mais belas que o vento arranca dos vinte e três chifres ocos e perfurados como flauta.

        Depois vem a dispersão. Cada qual para o seu canto. E que trate de livrar-se da sanha criminosa dos seus perseguidores. O fim da semana é para se viver debaixo de toda cautela. Muito cuidado.
Ainda assim é quando o caçador consegue livremente exercer a sua diversão extravagante e injusta. Sai para matar sem levar na alma a menor sombra de preocupação com os imprevistos maus que lhe possam acontecer.

Relato popular recontado pelos professores Ademar Vidal e Luís da Câmara Cascudo.

Entendendo o conto:

01 – Qual é o cenário principal do conto?

      O cenário principal do conto é a capoeira de Mamanguape, onde vive uma população notável de veados.

02 – Qual é o dilema enfrentado pelos veados na capoeira de Mamanguape?

      Os veados são perseguidos pelos caçadores, o que os leva a viver constantemente em risco de serem abatidos.

03 – Qual é o motivo que leva os caçadores a escolher cuidadosamente a ocasião para perseguir os veados?

      Os caçadores esperam por uma melodia especial que é tocada pelos veados chefes de bando como sinal de convocação. Esta música os impede de caçar, pois é considerada divina e hipnotizante.

04 – Como os veados se reúnem em torno dos "galhudos" quando a música é tocada?

      Os veados se reúnem em grandes grupos em torno dos veados chefes de bando, que parecem dirigir a sessão enquanto o resto da veadaria descansa.

05 – O que acontece quando um caçador é enfeitiçado pela música dos veados?

      O caçador se deixa levar pelo encanto da música e, às vezes, até abandona suas armas para se aproximar furtivamente dos veados.

06 – Qual é a peculiaridade dos chifres dos veados velhos?

      Os chifres dos veados velhos têm vinte e três buracos ocos e perfurados, e quando o vento sopra, eles produzem sons que se assemelham a uma orquestra tocando melodias para acalmar a vida dos veados perseguidos.

07 – O que acontece depois da reunião dos veados em torno dos "galhudos"?

      Após a reunião, os veados se dispersam e cada um vai para o seu canto, tentando evitar a perseguição dos caçadores. O final de semana é um período de particular cautela.

 

CONTO: BEM SE PAGA COM O BEM - LUÍS DA CÂMARA CASCUDO - COM GABARITO

 Conto: BEM SE PAGA COM O BEM

           Luís da Câmara Cascudo

        A onça caiu numa armadilha preparada pelos caçadores e, por mais que tentasse escapar, ficou prisioneira. Resignara-se a morrer, quando viu passar um homem. Chamou-o e lhe pediu que a libertasse.

        -- Deus me livre! – disse o transeunte. – Se você ficar solta, vai me devorar.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhylo4YKLJwzFVnhyphenhyphen5dSDQDdDID5Re0KI3ynvV7wSfkU-e3vDBfJdpkg3NNVaESJfyBAc74ShXE3PNJBkAC9uWpkkUb4M6JPtcUbFnAMo3LcJBQrAzpEpZLeCZjfm5WvL3xYrGHdKpHG1K0iKU-Ii5lWFYp1Z4ntYp_u9Dy3jlpq4C4nakzg3Kt3TiKgIc/s1600/ON%C3%87A.jpg


        A onça jurou que seria eternamente agradecida, e o homem desatou as cordas que seguravam a tampa do alçapão e ajudou a onça a deixar a cova. Logo que esta se encontrou livre, agarrou seu salvador por um braço dizendo:

        -- Agora você é meu jantar.

        Debalde o homem pediu e rogou. A onça, finalmente, decidiu:

        -- Vamos combinar uma coisa. Ouvirei a sentença de três animais. Se a maioria for favorável ao meu desejo, eu o como.

        O homem aceitou e saíram os dois. Encontraram um cavalo, velho, doente, abandonado. A onça narrou o caso. O cavalo disse:

        -- Quando eu era moço e forte, trabalhei e ajudei o homem a enriquecer. Qual foi o meu pagamento? Largaram-se aqui para morrer, sem um auxílio. O bem só se paga com o mal.

        Adiante depararam-se com um boi. Consultado, opinou pela razão da onça. Contou sua vida de serviços ao homem e, quando julgava que ia ser recompensado, soube que fora vendido para ser morto e retalhado pelo açougueiro. O bem só se paga com o mal.

        O homem, triste, acompanhava a onça que lambia o beiço, quando viram o macaco. Chamaram o macaco e pediram seu parecer. O macaco começou a rir. E saltava, fazendo caretas e rindo. A onça ia-se zangando:

        -- Por que tanta risada, camarada macaco?

        -- Não é fazendo pouco – explicou o macaco –, é que eu não acredito que o homem caísse na armadilha que ele mesmo preparou.

        -- Ele não caiu. Quem caiu fui eu – contava a onça.

        -- Foi você? Então como é que esse homem fraquinho pôde libertar um bicho tão grande e forte como a camarada onça?

        A onça, despeitada pelo macaco julgá-la mentirosa, foi até o alçapão e saltou para o fundo do fosso, gritando lá de baixo:

        -- Está vendo? Foi assim!

        Mais que depressa o macaco empurrou o engradado de varas pesadas que fazia de tampa e a onça tornou a ficar prisioneira.

        -- Camarada onça – sentenciou o macaco – o bem só se paga com o bem. E você fez o mal, receba o mal.

        E se foi embora com o homem, deixando a onça na armadilha.

          CASCUDO, Luís da Câmara. Contos Tradicionais do Brasil. São Paulo: Global Editora, 2003. p. 12 – 16.

Entendendo o conto:

01 – Qual foi a situação inicial da onça no conto?

      A onça caiu em uma armadilha preparada por caçadores e estava prisioneira.

02 – O que a onça pediu a um homem que a encontrou presa na armadilha?

      A onça pediu ao homem que a libertasse da armadilha.

03 – Qual foi a reação do homem ao pedido da onça?

      O homem inicialmente recusou a soltar a onça, com medo de ser devorado por ela.

04 – Como a onça convenceu o homem a libertá-la?

      A onça prometeu ser eternamente agradecida e concordou em ouvir a sentença de três animais antes de decidir o destino do homem.

05 – O que os três animais consultados pela onça disseram sobre o destino do homem?

      Tanto o cavalo quanto o boi disseram que o bem só se paga com o mal, defendendo a ideia de que o homem merecia ser devorado. No entanto, o macaco duvidou da história da onça e a enganou, resultando na reclusão da onça na armadilha.

06 – Qual foi a reviravolta final no conto?

      O macaco enganou a onça, fazendo-a voltar para a armadilha, e explicou que o bem só se paga com o bem. O homem foi embora com o macaco, deixando a onça prisioneira novamente.

07 – Qual é a lição moral ou mensagem que o conto transmite?

      O conto transmite a mensagem de que o bem deve ser retribuído com o bem, e que tentar enganar os outros pode resultar em consequências negativas. É uma história que enfatiza a importância da honestidade e da reciprocidade.

 

 

 

CONTO: AS TRÊS VELHAS - LUÍS DA CÂMARA CASCUDO - COM GABARITO

Conto: AS TRÊS VELHAS

           Luís da Câmara Cascudo

        Uma viúva tinha uma filha muito bonita e religiosa que agradava a toda a gente. A viúva queria casar a filha com homem rico e para isso fazia o possível. Na esquina da rua onde moravam as duas havia uma casa de comércio afreguesada, cujo dono era solteiro e de posses. A viúva fazia as compras nessa casa e vivia estudando um meio de conseguir fazer com que o homem conhecesse e simpatizasse com sua filha.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjn_gAv47jaXO5ZSZv0MmMXZZwCv2__cmJ7xxzdDC6RLPvN2ID25WX1X8AhPCRyLCSASLR5rld-jtmwAls-LHNCW1qCvXfIvYzGTvwChxQWaiPwsteL2BixsYMc6e4VTapqj1rNtbhrADkthyphenhyphenn6pN26Y6R1pdsAT6KOQqO2fEyYB6Loh6oRU5X_Gqdw1b0/s320/VELHAS.jpg 


        Um dia ouviu-o dizer que só se casaria com uma moça trabalhadeira e que fiasse muito mais do que todas na cidade. A viúva comprou logo uma porção de linho, dizendo que era para a filha fiar, e que esta era a melhor fiandeira do mundo.

        A moça ia todas as madrugadas à missa das almas e encontrava lá três velhas muito devotas que a cumprimentavam.

        A viúva chegando a casa entregou o linho à moça, dizendo que teria de fiá-lo completamente até a manhã seguinte. A moça se valeu dos olhos, chorando, e foi sentar-se no batente da cozinha, rezando, desconsolada da vida. Estava nesse ponto quando ouviu uma voz perguntar.

        — Chorando por quê, minha filha?

        Levantou os olhos e viu uma das três velhinhas da missa das almas. Uma velha feia e corcunda.

        — E não hei de chorar? Minha mãe quer que eu fie todo esse linho e o entregue todo pronto amanhã de manhã... Mas não sei fiar!

        — Não se agonie, minha filha. Se você me convidar para seu casamento e prometer que três vezes me chamará tia, em voz alta, darei uma ajuda.

        A moça prometeu. A velha despediu-se e foi embora, deixando o monte de linho fiado e pronto. Como mágica. A viúva, quando achou a tarefa pronta, só faltou morrer de satisfeita. Correu até a loja do negociante, mostrando as habilidades da filha e pediu uma porção ainda maior de linho. O negociante espantado pelo trabalho da moça não quis receber dinheiro pela compra.

        Vendo que as cousas se encaminhavam como ela desejava, a viúva voltou a dar o linho pra a filha fiar até a manhã seguinte. Novamente a moça se agoniou muito e foi chorar na cozinha. Novamente apareceu uma velha, a segunda das três, que lhe propôs ajudá-la se ela a convidasse para o seu casamento e a chamasse tia por três vezes. A moça aceitou e o linho ficou pronto num minuto.

        A viúva voltou correndo à loja do homem rico, mostrando o linho fiado e gabando a filha. O negociante estava simpatizando muito com a moça que fiava tão depressa e tamanhas qualidades. A viúva voltou com uma carga de linho enorme, entregando aquela penitência à sua filha.

        Aconteceu como nas outras vezes. A terceira velha, mediante convite para o casamento e chamá-la tia três vezes, fiou o linho num rápido. Mas essa era a mais feia das três. Tinha os dedos finos e compridos como patas de aranhas.

        Quando o negociante viu o linho fiado, pediu para conhecer a moça, conversou com ela: e acabou falando a casamento. Como era muito bonito e educado, a moça aceitou e marcou-se o casamento. O homem mandou preparar sua casa com todos os arranjos decentes e encheu uma mesa de fusos, rocas, linhos, tudo para que a mulher se ocupasse durante o santo dia em fiar.

        Depois do casamento, na hora da festa, estavam todos reunidos e muito alegres, quando bateram palmas e entrou uma das três velhas. A noiva correu logo dizendo:

        — Que alegria, minha tia! Entre, minha tia, sente-se aqui perto de mim, minha tia.

        Assim que a velha sentou na cadeira, chegou a outra, recebida com a mesma satisfação:

        — Entre minha tia! Sente-se aqui, minha tia! Vai jantar comigo, minha tia!

        A terceira velha chegou também e a noiva abraçou-a logo:

        — Dê cá um abraço, minha tia! Vamos sentar, minha tia! Quero apresentá-la ao meu marido, minha tia!

        Foram para o jantar e o marido e convidados não tiravam os olhos de cima das três velhas que eram feias como o pecado mortal.

        Depois do jantar, o marido não se conteve e perguntou por que a primeira era tão corcovada, a segunda com a boca torta e a terceira com os dedos finos e compridos como patas de aranhas. As velhinhas responderam:

        — Eu fiquei corcunda de tanto fiar linho, curvada para rodar o fuso!

        — Eu fiquei com a boca torta de tanto riçar os fios de linho quando fiava!

        — Eu fiquei com os dedos assim de tanto puxar e remexer o linho quando fiava!

        Ouvindo isso o marido mandou buscar os fusos, rocas, meadas, linhos, e tudo que servisse para fiar, e fez com que queimassem tudo, jurando a Deus que jamais sua mulher havia de ficar feia como as três tias fiandeiras por causa do encargo de fiar.

        Depois, as três velhas desapareceram para sempre. O casal viveu muito feliz.

Cascudo, Luís da Câmara. Contos tradicionais do Brasil. Belo Horizonte; São Paulo, Itatiaia, Editora da Universidade de São Paulo, 1986. Reconquista do Brasil, 2ª série, 96, p.158-159.

Entendendo o conto:

01 – Qual é o objetivo da viúva em relação à sua filha no início do conto?

      O objetivo da viúva é casar sua filha com um homem rico.

02 – Como a viúva tenta impressionar o homem rico que possui uma loja na esquina?

      A viúva tenta impressionar o homem rico mostrando as habilidades de sua filha em fiar linho.

03 – O que a primeira das três velhinhas oferece para ajudar a filha da viúva a fiar o linho?

      A primeira velhinha oferece sua ajuda para fiar o linho em troca de um convite para o casamento e que a chamem de "tia" três vezes.

04 – O que acontece quando a segunda velhinha se oferece para ajudar?

      A segunda velhinha também fiou o linho rapidamente em troca de um convite para o casamento e ser chamada de "tia" três vezes.

05 – Como a terceira velhinha ajuda a filha da viúva?

      A terceira velhinha fiou o linho em um instante, também em troca de um convite para o casamento e que a chamem de "tia" três vezes.

06 – O que acontece quando as três velhinhas aparecem na festa de casamento?

      Elas são recebidas com grande alegria e a noiva as chama de "tia".

07 – Como as velhinhas justificam suas aparências físicas incomuns no jantar de casamento?

      A primeira velhinha diz que ficou corcunda de tanto fiar linho, a segunda diz que ficou com a boca torta de tanto riçar os fios de linho quando fiava, e a terceira diz que ficou com os dedos compridos de tanto puxar e remexer o linho quando fiava.

08 – Qual é a reação do marido ao ouvir as explicações das velhinhas?

      O marido manda buscar todos os instrumentos de fiar, como fusos, rocas, meadas e linho, e os queima para evitar que sua esposa sofra a mesma transformação física.

09 – O que acontece com as três velhinhas após o jantar de casamento?

      As três velhinhas desaparecem para sempre.

10 – Como termina a história do casal?

      O casal viveu muito feliz após o casamento e o marido garante que sua esposa não ficará feia como as três tias fiandeiras, evitando que ela continue fiando linho.

  

CONTO: A MENINA ENTERRADA VIDA - LUÍS DA CÂMARA CASCUDO - COM GABARITO

 Conto: A MENINA ENTERRADA VIVA

           Luís da Câmara Cascudo

        Era um dia um viúvo que tinha uma filha muito boa e bonita. Vizinha ao viúvo residia uma viúva, com outra filha, feia e má. A viúva vivia agradando a menina, dando presentes e bolos de mel. A menina ia simpatizando com a viúva, embora não se esquecesse de sua defunta mãe que a acariciava e penteava carinhosamente. A viúva tanto adulou, tanto adulou a menina que esta acabou pedindo que seu pai casasse com ela.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjjJAB2h0oeP8aHV2lp9Lp9GT0fFTSzb8WOgo5NddTh9NNJdxNx_Fos40qaQt3tTFr2LEXfUSVOWR0Nr1SWgRX5uEoYHNFPbi-WZyzt2Efjb1pg3gpDyY4vgomZLD0wGYzFMdht4udlBxWQZ0ICA6ailjIkDMoS43-8JGh1g19Pxrp9hhQiQI_V5AmPCVk/s1600/cascudo.jpg


        – Case com ela, papai. Ela é muito boa e me dá mel!

        – Agora ela lhe dá mel, minha filha, amanhã lhe dará fel! – respondia o viúvo.

        A menina insistiu e o pai, para satisfazê-la, casou com a vizinha. Obrigado por seus negócios, o homem viajava muito e a madrasta aproveitou essas ausências para mostrar o que era. Ficou arrebatada, muito bruta e malvada, tratando a menina como se fosse a um cachorro. Dava muito pouco de comer e a fazia dormir no chão em cima de uma esteira velha. Depois mandou que a menina se encarregasse dos trabalhos mais pesados da casa. Quando não havia coisa alguma que fazer, a madrasta não deixava a menina brincar. Mandava que fosse vigiar um pé de figos que estava carregadinho, para os passarinhos não bicarem as frutas.

        A pobre da menina passava horas e horas guardando os figos e gritando – chô! passarinho! quando algum voava por perto. Uma tarde estava tão cansada que adormeceu e quando acordou os passarinhos tinham picado todos os figos. A madrasta veio ver e ficou doida de raiva. Achou que aquilo era um crime e no ímpeto do gênio matou a menina e enterrou-a no fundo do quintal. Quando o pai voltou da viagem a madrasta disse que a menina fugira de casa e andava pelo mundo, sem juízo. O pai ficou muito triste.

        Em cima da sepultura da órfã nasceu um capinzal bonito. O dono da casa mandou que o empregado fosse cortar o capim. O capineiro foi pela manhã e quando começou a cortar o capim, saiu uma voz do chão, cantando:

               Capineiro de meu pai!

               Não me cortes os cabelos…

               Minha mãe me penteou,

               Minha madrasta me enterrou,

               Pelo figo da figueira

               Que o passarinho picou…

               Chô! passarinho!

        O capineiro deu uma carreira, assombrado, e foi contar o que ouvira. O pai veio logo e ouviu as vozes cantando aquela cantiga tocante. Cavou a terra e encontrou uma laje. Por baixo estava vivinha, a menina. O pai chorando de alegria abraçou-a e levou-a para casa. Quando a madrasta avistou de longe a enteada, saiu pela porta afora, e nunca mais deu notícias se era viva ou morta.

        O pai ficou vivendo muito bem com sua filhinha.

           Luís da Câmara Cascudo.

Entendendo o conto:

01 – Quem são os personagens principais do conto?

      Os personagens principais são o viúvo, sua filha boa e bonita, a viúva vizinha com sua filha feia e má, e a madrasta.

02 – O que a madrasta faz para agradar a filha do viúvo?

      A madrasta dá presentes e bolos de mel para a filha do viúvo.

03 – Por que a filha do viúvo pede ao pai para casar com a viúva?

      A filha do viúvo pede ao pai para casar com a viúva porque a madrasta a estava agradando com presentes e mel.

04 – Como o viúvo reage ao pedido da filha para casar com a viúva?

      O viúvo responde que a madrasta pode dar mel agora, mas no futuro poderia dar fel.

05 – Como a madrasta trata a filha do viúvo após o casamento?

      Após o casamento, a madrasta trata a filha do viúvo de maneira cruel, fazendo-a passar por privações e trabalho duro.

06 – Por que a madrasta manda a filha vigiar o pé de figos?

      A madrasta manda a filha vigiar o pé de figos para evitar que os passarinhos comam as frutas.

07 – O que acontece quando a filha adormece enquanto vigia os figos?

      Quando a filha adormece, os passarinhos picam todos os figos.

08 – Como a história da menina termina?

      A história da menina termina com a madrasta matando-a e enterrando-a no quintal, alegando que a menina havia fugido.

09 – O que cresce em cima da sepultura da menina?

      Um capinzal bonito cresce em cima da sepultura da menina.

10 – Como a menina é finalmente resgatada?

      A menina é resgatada quando um capineiro vai cortar o capim em cima da sepultura e ouve a voz da menina cantando uma canção. Seu pai a encontra, tira-a da sepultura e a leva para casa, enquanto a madrasta desaparece da história.

 

 

quinta-feira, 7 de setembro de 2023

CONTO: OS COMPADRES CORCUNDAS - LUÍS DA CÂMARA CASCUDO - COM GABARITO

 Conto: Os Compadres Corcundas

            Luís da Câmara Cascudo

        Era uma vez dois corcundas, compadres, um rico e outro pobre. O povo do lugar vivia mangando do corcunda pobre e não reparava no rico. O pobre andava triste e de mais a mais o tempo estava cruel e ele era caçador. 

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi4YQSBQNB58VcA0CiK1XR7T6erDkh2okYH6DVTtah9FhYSO_zS-8crGILaYKt4hIKgF31R_0uIxM1BNbNo7T3eFN6ffZIsOqqoZbyvKZkjoJ3t6MwyQ9RVf8O6Ou90OoaktNm5aiIOaUuKS0QxGCOWnR1ewvUdGTgAnyWROlRPam3TJKB6a0hGX4JVo38/s1600/dias-da-semana.jpg


        Numa feita, esperando uns veados, já tardinha, adormeceu no jirau e acordou noite alta. Ficou sem querer voltar para casa. Ia se acomodando para pegar no sono de novo quando ouviu uma cantiga ao longe, como se muita gente cantasse ao mesmo tempo. 

        -- Deve ser alguma desmancha de farinha aqui por perto. Vou ajudar!

        Desceu da árvore e botou-se no caminho, andando, andando, no rumo da cantiga que não descontinuava. Andou, andou, até que, chegando perto de um serrote, onde havia uma laje limpa, muito grande e branca, viu uma roda de gente esquisita, vestida de diamantes que espelhavam ao luar. Velhos, rapazes e meninos, todos cantavam e dançavam de mãos dadas, o mesmo verso sem mudar: 

        Segunda, terça-feira,

        Vai, vem!

        Segunda, terça-feira,

        Vai, vem!

        O caçador ficou tremendo de medo. As pernas nem deixavam ele andar. Escondeu-se numa moita de mofundos e assistiu sem querer aquela cantoria que era sempre a mesma, horas e horas.

        Com o tempo foi se animando, ficando mais calmo e, sendo metido a improvisador e batedor de viola, cantou na toada que o povo esquisito estava rodando:

        Segunda, terça-feira,

        Vai, vem!

        E quarta e quinta-feira,

        Meu bem! 

        Boca para que disseste! Calou-se tudo imediatamente e aquele povo todo espalhou-se como ribaçã procurando, procurando. Acharam o corcunda e o levaram para o meio da laje como formiga carrega barata morta. Largaram ele e um velhão, brilhando como um sacrário, perguntou, com uma voz delicada: 

        -- Foi você quem cantou o verso novo da cantiga?

        O caçador cobrou coragem e respondeu:

        -- Fui eu, sim senhor!

        O velhão disse:

        -- Quer vender o verso?

        -- Quero sim, senhor. Não vendo, mas dou o verso de presente, por que gostei do baile animado.

        O velho achou graça e todo aquele povo esquisito riu também. 

        -- Pois bem – disse o velhão – uma mão lava a outra. Em troca do verso eu te tiro essa corcunda e esse povo te dá um bisaco novo!

        Passou a mão nas costas do caçador e este tornou-se esbelto como um rapaz, sem corcunda nem nada. Trouxeram um bisaco  novo e recomendaram que só abrisse quando o sol nascesse. 

        O caçador meteu-se na estrada, andando, andando e assim que o sol nasceu abriu o bisaco e o encontrou cheio de pedras preciosas e moedas de ouro. Só faltou morrer de contente. 

        No outro dia comprou uma casa, com todos os preparos, mobília, vestiu roupa bonita e foi para a missa porque era domingo. Lá na igreja encontrou o compadre rico, também corcunda. Este quase cai de costas, assombrado com a mudança. Perguntou muito e mais espantado ficou reparando no traje do compadre, e ao saber que ele agora tinha casa e cavalo gordo e se considerava rico. 

        O pobre contou tudo; e, como a medida do ter nunca se enche, o rico resolveu arranjar ainda mais dinheiro e livrar-se da corcunda nas costas. 

        Esperou uns dias pensando no que ia fazer e largou-se para o mato no dia azado. Tanto fez que ouviu a cantiga e botou-se na direção da toada. Achou o povo esquisito dançando de roda e cantando:

        Segunda, terça-feira,

        Vai, vem!

        Quarta e quinta-feira, Meu bem! 

        O rico não se conteve. Abriu o par de queixos e foi logo berrando:

        Sexta, sábado e domingo!

        Também!

        Calou-se tudo rapidamente. O povo esquisito voou para cima do atrevido e o levaram para a laje onde estava o velhão. Esse gritou, furioso:

        -- Quem lhe mandou meter-se onde não é chamado, seu corcunda besta? Você não sabe que gente encantada não quer saber de sexta-feira, dia em que morreu o Filho do Alto; sábado, dia em que morreu o Filho do Pecado, e domingo, dia em que ressuscitou quem nunca morre? Não sabia? Pois fique sabendo! E para que não se esqueça da lição, leve a corcunda que deixaram aqui e suma-se da minha vista senão acabo com seu couro!

        E enquanto falava os outros iam dando empurrão, tapona e beliscão no rico. O velho passou a mão no peito do corcunda e deixou ali a outra, aquela de que o compadre pobre se livrara. 

        Depois deram uma carreira no homem, deixando-o longe, e todo arranhado, machucado, roxo de bofetadas e pontapés. 

        E assim viveu o resto de sua vida, rico, mas com duas corcundas, uma adiante e outra atrás, para não ser ambicioso. 

Da obra "Contos Tradicionais do Brasil", de Luís da Câmara Cascudo

Entendendo o conto:

01 – Como eram os dois compadres do conto?

      Os dois compadres eram corcundas, um era rico e outro era pobre.

02 – A situação do pobre andava preta, ele era caçador. Naquele dia não conseguiu caçar nada e quando já estava pegando no sono ouviu o quê?

      Uma cantiga ao longe, como se muita gente cantasse ao mesmo tempo e foi até lá.

03 – Como eram as pessoas que ele encontrou?

      Era uma roda de gente esquisita, vestida de diamantes que brilhavam com a lua. Tinha velhos, rapazes, meninos, todos cantavam e dançavam de mãos dadas, o mesmo verso, sem mudar.

04 – Qual verso o pobre improvisou na cantoria do povo esquisito?

      O pobre improvisou o verso: “Segunda, terça-feira, Vai, vem! E quarta e quinta-feira, meu bem!”

05 – O que o velho ofereceu o pobre em troca do verso novo?

      O velho optou por tirar a corcunda do pobre e dar-lhe um bisaco novo cheio de pedras preciosas e moedas de ouro.

06 – O que aconteceu quando o compadre rico tentou usar o verso para ficar rico também?

      O compadre rico acabou provocando a ira do povo esquisito, que o amaldiçoou e lhe devolveu a corcunda que o pobre havia perdido, deixando-o com duas corcundas como punição por sua ganância.