Mostrando postagens com marcador VISCONDE DE TAUNAY. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador VISCONDE DE TAUNAY. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 28 de março de 2025

ROMANCE: INOCÊNCIA - CAP. VI - FRAGMENTO - VISCONDE DE TAUNAY - COM GABARITO

 Romance: Inocência cap. VI – Fragmento

                 Visconde de Taunay

        [...]

        Quando Cirino penetrou no quarto da filha do mineiro, era quase noite, de maneira que, no primeiro olhar que atirou ao redor de si, só pode lobrigar, além de diversos trastes de formas antiquadas, uma dessas camas, muito em uso no interior; altas e largas, feitas de tiras de couro engradados. Estava encostada a um canto, e nela havia uma pessoa deitada.

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgDVjnjRscuL8m4OfAKWnkW51xIezFCOAeQ37yjx6YJyry3vbiXeO1hp4SpfnvzQWKLGjcxqElyOewHJM9NUtaSSypB3iioa2PaeNeVpYmHF0j_g0qzNZ-nCPieOozFc3VVEsBMxjnTx3yTjfMs-lF_YEPseWmVZFJHbR8Cos1XFd7NtVzsWEUFG-QEQrk/s320/71mYsWsCrcL._AC_UF1000,1000_QL80_.jpg

        Mandara Pereira acender uma vela de sebo. Vinda a luz, apro­ximaram-se ambos do leito da enferma que, achegando ao corpo e puxando para debaixo do queixo uma coberta de algodão de Minas, se encolheu toda, e voltou-se para os que entravam.

        -- Está aqui o doutor, disse-lhe Pereira, que vem curar-te de vez.

        -- Boas noites, dona, saudou Cirino.

        Tímida voz murmurou uma resposta, ao passo que o jovem, no seu papel de médico, se sentava num escabelo junto à cama e to­mava o pulso à doente.

        Caía então luz de chapa sobre ela, iluminando-lhe o rosto, parte do colo e da cabeça, coberta por um lenço vermelho atado por trás da nuca.

        Apesar de bastante descorada e um tanto magra, era Inocência de beleza deslumbrante.

        Do seu rosto irradiava singela expressão de encantadora ingenui­dade, realçada pela meiguice do olhar sereno que, a custo, parecia coar por entre os cílios sedosos a franjar-lhe as pálpebras, e compri­dos a ponto de projetarem sombras nas mimosas faces.

        Era o nariz fino, um bocadinho arqueado; a boca pequena, e o queixo admiravelmente torneado.

        Ao erguer a cabeça para tirar o braço de sob o lençol, descera um nada a camisinha de crivo que vestia, deixando nu um colo de fasci­nadora alvura, em que ressaltava um ou outro sinal de nascença.

        Razões de sobra tinha, pois, o pretenso facultativo para sentir a mão fria e um tanto incerta, e não poder atinar com o pulso de tão gentil cliente.

        -- Então? perguntou o pai.

        -- Febre nenhuma, respondeu Cirino, cujos olhos fitavam com mal disfarçada surpresa as feições de Inocência.

        -- E que temos que fazer?

        -- Dar-lhe hoje mesmo um suador de folhas de laranjeira da terra a ver se transpira bastante e, quando for meia-noite, acordar­-me para vir administrar uma boa dose de sulfato.

        Levantara a doente os olhos e os cravara em Cirino, para seguir com atenção as prescrições que lhe deviam restituir a saúde.

        -- Não tem fome nenhuma, observou o pai; há quase três dias que só vive de beberagens. É uma ardência continua, isto até nem parecem maleitas.

        -- Tanto melhor, replicou o moço; amanhã verá que a febre lhe sai do corpo, e daqui a uma semana sua filha está de pé com certeza. Sou eu que lhe afianço.

        -- Fale o doutor pela boca de um anjo, disse Pereira com alegria.

        -- Hão de as cores voltar logo, continuou Cirino.

        Ligeiramente enrubesceu Inocência e descansou a cabeça no tra­vesseiro.

        -- Por que amarrou esse lenço? perguntou em seguida o moço.

        -- Por nada, respondeu ela com acanhamento.

        -- Sente dor de cabeça?

        -- Nhor-não.

        -- Tire-o, pois: convém não chamar o sangue; solte pelo con­trário, os cabelos.

        Inocência obedeceu e descobriu uma espessa cabeleira, negra como o âmago da cabiúna e que em liberdade devia cair até abaixo da cintura. Estava enrolado em bastas tranças, que davam duas voltas inteiras ao redor do cocoruto­.

        -- É preciso, continuou Cirino, ter de dia o quarto arejado e pôr a cama na linha do nascente ao poente.

        [...].

TAUNAY, Visconde de. Inocência. 28. ed. São Paulo, Ática, 1999. p. 39-40. (Série bom livro).

Fonte: Português. Série novo ensino médio. Volume único. Faraco & Moura – 1ª edição – 4ª impressão. Editora Ática – 2000. São Paulo. p. 195-196.

Entendendo o romance:

01 – Como era o quarto de Inocência quando Cirino chegou?

      O quarto era simples, com móveis antigos e uma cama alta de couro. Estava escuro, e Inocência estava deitada na cama.

02 – Qual a reação de Inocência à chegada de Cirino?

      Inocência se encolheu na cama e respondeu timidamente ao cumprimento de Cirino.

03 – Como Cirino descreve a beleza de Inocência?

      Cirino descreve Inocência como tendo uma beleza deslumbrante, com um rosto que irradiava ingenuidade e meiguice, olhos serenos, nariz fino, boca pequena e queixo bem torneado.

04 – Qual a reação de Cirino ao examinar Inocência?

      Cirino fica tão admirado com a beleza de Inocência que tem dificuldade em encontrar seu pulso, demonstrando um certo nervosismo.

05 – Quais os sintomas que Inocência apresenta, segundo seu pai?

      Inocência não tem fome e vive apenas de beberagens, sentindo uma ardência contínua.

06 – Quais as prescrições de Cirino para o tratamento de Inocência?

      Cirino prescreve um suador de folhas de laranjeira para Inocência transpirar e uma dose de sulfato à meia-noite. Ele também recomenda que o quarto seja arejado e a cama posicionada de leste a oeste.

07 – Qual a reação de Inocência ao ter seus cabelos soltos por Cirino?

      Inocência obedece timidamente ao pedido de Cirino e revela uma espessa cabeleira negra, que chama a atenção do rapaz.

 

 

domingo, 16 de fevereiro de 2025

ROMANCE: INOCÊNCIA - (FRAGMENTO) - VISCONDE DE TAUNAY - COM GABARITO

 Romance: Inocência – Fragmento

                 Visconde de Taunay

        Estava Cirino fazendo o inventário da sua roupa e já começava a anoitecer, quando Pereira novamente a ele se chegou.

        -- Doutor, disse o mineiro, pode agora mecê entrar para ver a pequena. Está com o pulso que nem um fio, mas não tem febre de qualidade nenhuma.

        -- Assim é bem melhor, respondeu Cirino.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj_xysLzdNFlMUN9E9azv5H03MrIwg-JM8a-wddmFpXmGp3K3vCdJdNreNOyyvp6aq3iWz4dUwFW8jeSJlJ2fPrDPmV7fCL58lt0aL4ZVH7RcWMnBZs-wQBbgXoo9C9Ju-PY4CYnITav3hjB9Qib53ADkA94sOYt3qUH5DW2TrX3l19e15V_oihnZyTni4/s320/Inocencia-Visconde-de-Taunay-3a-Ed..jpg


        E, arranjando precipitadamente o que havia tirado da canastra, fechou-a e pôs-se de pé.

        Antes de sair da sala, deteve Pereira o hóspede com ar de quem precisava tocar em assunto de gravidade e ao mesmo tempo de difícil explicação.

        Afinal começou meio hesitante:

        -- Sr. Cirino, eu cá sou homem muito bom de gênio, muito amigo de todos, muito acomodado e que tenho o coração perto da boca, como vosmecê deve ter visto...

        -- Por certo, concordou o outro.

        -- Pois bem, mas... tenho um grande defeito; sou muito desconfiado. Vai o doutor entrar no interior da minha casa e... deve postar-se como...

        -- Oh, Sr. Pereira! Atalhou Cirino com animação, mas sem grande estranheza, pois conhecia o zelo com que os homens do sertão guardam da vista dos profanos os seus aposentos domésticos, posso gabar-me de ter sido recebido no seio de muita família honesta e sei proceder como devo.

        Expandiu-se um tanto o rosto do mineiro.

        -- Vejo, disse ele com algum acanhamento, que o doutor não é nenhum pé-rapado, mas nunca é bom facilitar... E já que não há outro remédio, vou dizer-lhe todos os meus segredos... não metem vergonha a ninguém, com o favor de Deus; mas negócios da minha casa não gosto de bater língua... Minha filha Nocência fez 18 anos pelo Natal, e é rapariga que pela feição parece moça de cidade, muito ariscazinha de modos, mas bonita e boa deveras... Coitada, foi criada sem mãe, e aqui nestes fundões.

        [...]

        -- Ora muito bem, continuou Pereira caindo aos poucos na habitual garrulice, quando vi a menina tomar corpo, tratei logo de casá-la.

        -- Ah! É casada? Perguntou Cirino.

        -- Isto é, é e não é. A coisa está apalavrada. Por aqui costuma labutar no costeio do gado para são Paulo um homem de mão-cheia, que talvez o Sr. Conheça... o Manecão Doca...

        [...]

        -- Esta obrigação de casar as mulheres é o diabo!... Se não tomam estado, ficam jururus e fanadinhas...; se casam podem cair nas mãos de algum marido malvado... E depois, as histórias!... Ih, meu Deus, mulheres numa casa, é coisa de meter medo... São redomas de vidro que tudo pode quebrar... Enfim, minha filha, enquanto solteira, honrou o nome de meus pais... O Manecão que se aguente, quando a tiver por sua... Com gente de saia não há que fiar... Cruz! Botam famílias inteira a perder, enquanto o demo esfrega um olho.

        Esta opinião injuriosa sobre as mulheres é, em geral, corrente nos sertões e traz como consequência imediata e prática, além da rigorosa clausura em que são mantidas, não só o casamento convencionado entre parentes muito chegados para filhos de menor idade, mas sobretudo os numerosos crimes cometidos, mal se suspeita possibilidade de qualquer intriga amorosa entre pessoa da família e algum estranho.

        [...]

        -- Sr. Pereira, replicou Cirino com calma, já lhe disse e torno a dizer que, como médico, estou há muito tempo acostumado a lidar com famílias e a respeitá-las. É este meu dever, e até hoje, graças a Deus, a minha fama é boa... Quanto às mulheres, não tenho as suas opiniões, nem as acho razoáveis nem de justiça. Entretanto, é inútil discutirmos porque sei que falou-me com toda franqueza, e também com franqueza quero responder. No meu parecer, as mulheres são tão boas como nós, se não melhores: não há, pois, motivo para tanto desconfiar delas e ter os homens em tão boa conta... Enfim, essas suas ideias podem quadrar-lhe à vontade, e é costume meu antigo a ninguém contrariar, para viver bem com todos e deles merecer o tratamento que julgo ter direito a receber. Cuide cada qual de si, olhe Deus para todos nós, e ninguém queira arvorar-se em palmatória do mundo.

        Tal profissão de fé, expedida em tom dogmático e superior, pareceu impressionar agradavelmente a Pereira, que fora aplaudido com expressivo movimento de cabeça a sensatez dos conceitos e a fluência da frase.

        [...]

6. ed. São Paulo: Ática, 1984. p. 29-32.

Fonte: Livro – Português: Linguagens, Vol. Único. William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães. Ensino Médio, 1ª ed. 4ª reimpressão – São Paulo: ed. Atual, 2003. p. 218-219.

Entendendo o romance:

01 – Qual é o contexto da cena apresentada no fragmento?

      O fragmento descreve o encontro entre Cirino, um médico, e Pereira, um homem do sertão. Pereira pede que Cirino examine sua filha, Inocência, que está doente. A conversa revela costumes e valores da sociedade sertaneja do século XIX, como a desconfiança em relação a estranhos e a visão tradicional sobre o papel das mulheres.

02 – Qual é a principal preocupação de Pereira ao receber Cirino em sua casa?

      Pereira demonstra grande preocupação com a privacidade de sua família, especialmente de sua filha Inocência. Ele expressa desconfiança em relação a Cirino, apesar de reconhecer sua profissão e boa fama, e teme que a presença do médico possa comprometer a honra da família.

03 – O que o diálogo entre Cirino e Pereira revela sobre a visão da sociedade sertaneja sobre as mulheres?

      O diálogo revela que a sociedade sertaneja da época tinha uma visão tradicional e, por vezes, preconceituosa sobre as mulheres. Pereira expressa a opinião de que as mulheres são "redomas de vidro" que podem "quebrar" a qualquer momento, causando problemas e "pondo famílias inteiras a perder". Essa visão reflete a desconfiança e o controle excessivo sobre as mulheres, que eram mantidas em clausura e tinham seus casamentos arranjados pelos pais.

04 – Qual é a opinião de Cirino sobre a visão de Pereira em relação às mulheres?

      Cirino discorda da visão de Pereira sobre as mulheres, defendendo que elas são "tão boas como nós, se não melhores". Ele argumenta que não há motivo para tanta desconfiança e que as mulheres merecem ser tratadas com respeito e igualdade.

05 – Como Cirino se comporta diante da desconfiança de Pereira?

      Cirino se mostra calmo e paciente diante da desconfiança de Pereira. Ele procura tranquilizá-lo, afirmando que tem experiência em lidar com famílias e que sempre respeitou a privacidade de seus pacientes. Ao mesmo tempo, Cirino não deixa de expressar sua opinião sobre a visão de Pereira em relação às mulheres, defendendo seus próprios valores com educação e respeito.

06 – Qual é o significado da expressão "mulheres numa casa, é coisa de meter medo"?

      Essa expressão reflete o medo e a desconfiança que muitos homens sertanejos sentiam em relação às mulheres. Acreditava-se que as mulheres eram frágeis, volúveis e capazes de causar grandes problemas para a família. Essa visão contribuiu para a criação de um ambiente de controle e opressão sobre as mulheres, que eram mantidas em clausura e tinham seus direitos limitados.

07 – O que o fragmento revela sobre os costumes e valores da sociedade sertaneja do século XIX?

      O fragmento revela que a sociedade sertaneja do século XIX era marcada por costumes e valores tradicionais, como a desconfiança em relação a estranhos, o controle excessivo sobre as mulheres e a importância da honra familiar. As mulheres eram vistas como seres frágeis e dependentes, que precisavam ser protegidas e controladas pelos homens da família. O casamento era arranjado pelos pais e as mulheres tinham pouca autonomia para tomar decisões sobre suas próprias vidas.

 

 

domingo, 18 de agosto de 2024

TEXTO: MEMÓRIAS LITERÁRIAS DE VISCONDE DE TAUNAY - (FRAGMENTO)- COM GABARITO

 Texto: Memórias literárias de Visconde de Taunay – Fragmento

        [...]

        Aquele tio Teodoro de Beaurepaire, irmão de minha avó, Condessa de Escragnolle. Constitui uma das mais afastadas e prestigiosas recordações da primeira meninice.

 Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjX-6F9K325guHITMRVoSXfXxT12s0cm0334Ge-FPwnM6Zip64a7lk62tSrqbK2zf8b8CeVcg-03ptGkmWyG34sCBC8bSFMzA5APKiD0SLRImi14854-AUWQl_qoxGP9NQnRmwjfAlhA5C5CGYZ0UvyE4-4Ng3l4GoncJoXmwN7Gk_XCEazgAOn20iyRlg/s1600/tEODORO.jpg


        Que festa para nós quando íamos à sua fazendinha do Engenho Novo, no Cabuçu, cuja casa com proporções vastas, escadarias de mármore italiano, cercada de jardins e repuxos, nos dava exagerada ideia de opulência! Outro grande atrativo era o límpido e volumoso córrego em que pescávamos peixinhos e tomávamos banhos, fazendo represas com soqueiras e folhas de bananeira [...].

        Dessa vasta chácara do Engenho Novo, fronteira à propriedade, ainda mais extensa, da Condessa de Belmonte, mãe de minha madrinha, tendo reminiscências muito longínquas e apagadas, mas sempre rodeadas de maior encanto.

        Frequentes vezes lá íamos, e, por ocasião das festas de São João, 24 de junho, creio aniversário natalício do velho marujo, nosso tio, a estada tomava proporções grandiosas, por causa, sobretudo, dos fogos de artifícios que nos eram distribuídos e das enormes fogueiras então erguidas no pátio, iluminando esplendidamente todo o casario em derredor e a coma dos altos e velhos tamarineiros.

        [...].

TAUNAY, Visconde de. Memórias. São Paulo: Iluminuras, 2004. p. 30.

Fonte: Linguagens em Interação – Língua Portuguesa – Ensino Médio – Volume Único – Juliana Vegas Chinaglia – 1ª edição, São Paulo, 2020 – IBEP – p.25-26.

Entendendo o texto:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Coma: Copa de árvore.

·        Soqueira: raízes e talos de plantas, como cana-de-açúcar ou algodão, que sobram após o seu corte ou colheita.

02 – De que trata esse fragmento das memórias literárias de Visconde de Taunay?

      Trata-se de memórias da infância do autor, quando visitava a chácara de seu tio em Engenho Novo.

03 – Pela descrição realizada, é possível afirmar que o autor fazia parte de uma classe privilegiada da sociedade? Comente.

      Pelos títulos de nobreza do autor e de sua avó (visconde e condessa), e pela descrição da chácara de seu tio, pode-se inferir que fazia parte de uma classe privilegiada socialmente.

04 – Quem era Teodoro de Beaurepaire mencionado no texto?

      Teodoro de Beaurepaire era o tio do narrador, irmão de sua avó, a Condessa de Escragnolle. Ele é descrito como uma das figuras mais prestigiadas e lembradas da infância do narrador.

05 – Como era a fazenda de Teodoro de Beaurepaire no Engenho Novo?

      A fazenda no Engenho Novo era descrita como uma casa com proporções vastas, escadarias de mármore italiano, cercada de jardins e repuxos, que passava uma exagerada ideia de opulência para o narrador e sua família.

06 – Quais lembranças o narrador tem das festas de São João na fazenda?

      O narrador lembra que, durante as festas de São João, as celebrações na fazenda de seu tio tomavam proporções grandiosas, com fogos de artifício, enormes fogueiras que iluminavam o pátio, o casario ao redor e as copas dos tamarineiros.

07 – Qual era o sentimento do narrador em relação às suas memórias da chácara do Engenho Novo?

      O narrador tem memórias muito distantes e apagadas da vasta chácara do Engenho Novo, mas elas são sempre envoltas em um grande encanto.

 

quinta-feira, 27 de abril de 2017

INOCÊNCIA - VISCONDE DE TAUNAY - (FRAGMENTO) COM GABARITO

INOCÊNCIA
        Visconde de Taunay

         Descrever o abalo que sofreu Inocência ao dar, cara a cara, com Manecão fora impossível. Debuxaram-se-lhe tão vivos na fisionomia o espanto e o terror, que o reparo, não só da parte do noivo, como do próprio pai, habitualmente tão despreocupado, foi repentino.
        --- Que tem você? perguntou Pereira apressadamente.
        --- Homem, a modos, observou Manecão com tristeza, que meto medo à senhora dona...
        Batiam de comoção os queixos da pobrezinha: nervoso estremecimento balanceava-lhe o corpo todo.
        A ela se achegou o mineiro e pegou-lhe o braço.
        --- Mas você não tem febre?... Que é isso, rapariga de Deus?
        Depois, meio risonho e voltando-se para Manecão:
        --- Já sei o que é... ficou toda fora de si... vendo o que não contava ver... Vamos, Nocência, deixe-se de tolices.
        --- Eu quero, murmurou ela, voltar para o meu quarto.
        E encostando-se à parede, com passo vacilante se encaminhou para dentro.
        Ficara sombrio o capataz.
        De sobrecenho carregado, recostara-se à mesa e fora, com a vista, seguindo aquela a quem já chamava esposa.
        Sentou-se defronte dele Pereira com ar de admiração.
        --- E que tal? exclamou por fim... Ninguém pode contar com mulheres, iche!
       Nada retorquiu o outro.
       --- Sua filha, indagou ele de repente com voz muito arrastada e parado a cada palavra, viu alguém?
       Descorou o mineiro e quase a balbuciar:
       --- Não... isto é, viu... mas todos os dias... ela vê gente... Por que me pergunta isso?
       --- Por nada...
       --- Não; ... explique-se... Você faz assim uma pergunta que me deixa um pouco... anarquizado. Este negócio é muito, muito sério. Dei-lhe palavra de honra que minha filha haverá de ser sua mulher... a cidade já sabe e ... comigo não quero histórias... É o que lhe digo.
       --- Está bom, replicou ele, nada de precipitações. Toda a vida fui assim ... Já volto; vou ver onde para o meu cavalo.
       E saiu, deixando Pereira entregue a encontradas suposições.
       Decorreram dias, sem que os dois tocassem mais no assunto que lhes moía o coração. Ambos, calmos na aparência, viviam comum, visitavam as plantações, comiam juntos, caçavam e só se separavam à hora de dormir, quando o mineiro ia para dentro e Manecão para a sala dos hóspedes.
       Inocência não aparecia.
       Mal saía do quarto, pretextando recaída de sezões: entretanto, não era o seu corpo o doente, não; a sua alma, sim, essa sofria morte e paixão; e amargas lágrimas, sobretudo à noite, lhe inundavam o rosto.
       --- Meu Deus, exclamou ela, que será de mim? Nossa senhora da Guia me socorra. Que pode uma infeliz rapariga dos sertões contra tanta desgraça? Eu vivia tão sossegada neste retiro, amparada por meu pai... que agora tanto medo me mete... Deus do céu, piedade, piedade.
       E de joelhos, diante de tosco oratório alumiado por esguias velas de cera, orava com fervor, balbuciando as preces que costumava recitar antes de se deitar.
       Uma noite, disse ela:
       --- Quisera uma reza que me enchesse mais o coração... que mais me aliviasse o peso da agonia de hoje...
       E, como levada de inspiração, prostrou-se murmurando:
       --- Minha Nossa Senhora mãe da Virgem que nunca pecou, ide adiante de Deus. Pedi-lhe que tenha pena de mim... que não me deixe assim nesta dor cá de dentro tão cruel. Estendei a vossa mão sobre mim. Se é crime amar a Cirino, mandai-me a morte. Que culpa tenho eu do que me sucede? Rezei tanto, para não gostar deste homem! Tudo... Tudo... foi inútil! Por que então este suplício de todos os momentos? Nem sequer tem alívio no sono? sempre ele... ele!
       Às vezes, sentia Inocência em si ímpetos de resistência: era a natureza do pai que acordava, natureza forte, teimosa.
       --- Hei de ir, dizia então com olhos a chamejar, à igreja, mas de rastos! No rosto do padre gritei: Não, Não! ... Matem-me... mas eu não quero...
       Quando a lembrança de Cirino se lhe apresentava mais viva, estorcia-se de desespero. A paixão punha lhe o peito em fogo...
       --- Que é isto, Santo Deus? Aquele homem me teria botado um mau olhado? Cirino, Cirino, volta, vem tomar-me... leva-me! ... eu morro! Sou tua, só tua... de mais ninguém.
                    VISCONDE DE TAUNAY. Inocência. 7. ed. São Paulo, Ática, 1978.
                                                                                                                   p. 109-10.
Sobrecenho: semblante severo; carrancudo.
Sezão: febre intermitente ou periódica.

1 – Em que linha fica evidente a preocupação de Pereira em manter a palavra empenhada junto a Manecão?
       Linhas 30 e 31.

2 – Das características românticas abaixo relacionadas, quais são as que se aplicam ao texto?
a)     Idealização.
b)    Evasão do tempo;
c)     Supervalorização do amor.
d)    Supervalorização da natureza.
e)     Religiosidade.

3 – O aproveitamento da fala do sertanejo é uma das características marcantes da linguagem de Taunay. Transcreva do texto quatro termos que comprovam essa afirmativa e dê o significado de cada um deles.
       Iche! = Virgem! (interjeição)                haverá = haveria, teria
       Anarquisado = perturbado                   ansim = assim
       Percipitação = precipitação, pressa.