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terça-feira, 18 de março de 2025

LIVRO(FRAGMENTO): NOVELAS PAULISTANAS - A SOCIEDADE - ANTÔNIO DE ALCÂNTARA MACHADO - COM GABARITO

 Livro: Novelas paulistanas – A sociedade – Fragmento

           Antônio de Alcântara Machado

        [...]

        O capital levantou-se. Deu dois passos. Parou. Meio embaraçado. Apontou para um quadro.

        – Bonita pintura.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh0-i-nTbiahOdRlI7PxyyUnU0yJwxVhanHe6qlNSUVvBDxFJ5R-RCpzlB6gtBWCKhqGgplGAoOolQ10Aq8k036WH_rLwyhRWK9OIT3j6n3d6wSYqo085GeT8yTjrzVeioJalSX5Zx_k4-g9o3YKiQkiip4gWgVtbGBwplYRr10XoDygXICifI1yG_HfAM/s1600/NOVELA.jpg


        Pensou que fosse obra de italiano. Mas era de francês.

        – Francese [Francês]? Não é feio non [não]. Serve.

        Embatucou. Tinha qualquer coisa. Tirou o charuto da boca, ficou olhando para a ponta acesa. Deu um balanço no corpo. Decidiu -se.

        – Ia dimenticando [esquecendo] de dizer. O meu filho fará o gerente da sociedade… Sob a minha direção, si capisce.

        – Sei, sei… O seu filho?

        – Si [Sim]. O Adriano. O doutor… mi pare [parece-me]… mi pare que conhece ele?

        [...].

Antônio de Alcântara Machado. Novelas paulistanas. 3. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1973. p. 27.

Fonte: Lições de texto. Leitura e redação. José Luiz Fiorin / Francisco Platão Savioli. Editora Ática – 4ª edição – 3ª impressão – 2001 – São Paulo. p. 109.

Entendendo o livro:

01 – Quem é o personagem que fala no trecho e qual a sua origem?

      O personagem que fala é um capitalista, provavelmente um imigrante italiano, como sugerem as expressões em italiano presentes em sua fala ("francese", "non", "si capisce", "si", "mi pare").

02 – Qual o tema central da conversa entre os personagens?

      O tema central da conversa é a sociedade e a gestão dos negócios. O capitalista revela que seu filho, Adriano, será o gerente da sociedade, sob sua direção.

03 – Qual a importância da pintura mencionada no trecho?

      A pintura serve como um pretexto para o capitalista iniciar a conversa. Ele a utiliza para quebrar o gelo e, em seguida, revelar sua decisão sobre a gerência da sociedade.

04 – Qual a relação entre o capitalista e seu filho, Adriano?

      O capitalista demonstra ter grande influência sobre o filho, Adriano, ao decidir que ele será o gerente da sociedade. A relação entre eles parece ser baseada em poder e controle.

05 – Qual a visão do autor sobre a sociedade paulistana da época?

      O trecho revela uma sociedade marcada pela presença de imigrantes, pela ascensão do capital e pela importância dos laços familiares nos negócios. A linguagem utilizada pelo autor, com expressões em italiano, busca retratar a diversidade cultural e a influência dos imigrantes na sociedade paulistana da época.

 

terça-feira, 10 de dezembro de 2024

CONTO: LISETTA - ANTÔNIO DE ALCÂNTARA MACHADO - COM GABARITO

 CONTO: Lisetta

                Antônio de Alcântara Machado

 

       Quando Lisetta subiu no metrô (um passageiro atencioso a ajudou), viu logo o urso. Felpudo, felpudo e amarelo. Tão engraçadinho.

       Dona Mariana sentou-se, colocou a filha em pé diante dela.
       Lisetta começou a namorar o bicho. Pôs o pirulito de coração, na boca. Pôs, mas não chupou. Olhava o urso. O urso não ligava. Seus olhinhos de vidro não diziam absolutamente nada. No colo da menina de pulseirinha de ouro, vestido engomadinho e meias finas, parecia um urso importante e feliz.
        -Olha o ursinho que lindo, mamãe.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiRpxccTWEnrAGXvkoaUtcUnlPxGIffO2K1xD8RdRhgH0UtMKi00w0w3nZi3xNLOZlXiGY8ueSkVLuG1qSOhLdcV0NH0cLLV71OcXKV0Lo1Y9iXSHINpe9H8_v7rkHTHvkFnyIIka7T1WlMk7M8sk0I-ne_N0iubLYY8QuMsksbwQyzAxe526aeyx6pQvQ/s320/LESETA.jpg


        A menina rica viu o enlevo e a inveja de Lisetta deu a brincar com o urso. Mexeu-lhe com o toquinho do rabo: e a cabeça do bicho virou para a esquerda, depois para a direita, olhou para cima, depois para baixo. Lisetta acompanhava a manobra. Sorrindo fascinada. E com ardor nos olhos! O pirulito perdeu definitivamente toda a sua importância.
       Agora são as pernas que sobem e descem, cumprimentam, se cruzam, batem umas nas outras.
      -As patas também mexem, mamãe. Olha lá!
      -Stai zitta!(Fique quieta!)
      Lisetta sentia um desejo louco de tocar no ursinho. Jeitosamente procurou alcançá-lo. A menina rica percebeu, encarou a coitada com raiva, fez uma careta horrível e apertou contra o peito o bichinho que custara oitenta dólares na Disney.

      -Deixa eu pegar, um pouquinho, um pouquinho só nele, deixa?
      -Ah!
      - Perdone, signora. Desculpe, por favor. A senhora sabe, essas crianças são muito arteiras. Scusi. Desculpe.
      A mãe da menina rica não respondeu. Ajeitou a tiara de pérolas, no cabelo da filha, sorriu para o bicho, fez um carinho na cabeça dele, abriu a bolsa e pegou o celular.
      Dona Mariana, escarlate de vergonha, murmurou no ouvido da filha:
      -In casa me lo pagherai! (Em casa, você me paga!)
      E pespegou-lhe por conta um belo beliscão no bracinho magro. Um beliscão daqueles.
      Lisetta então perdeu toda a compostura de vez. Chorou. Soluçou. Chorou. Soluçou. Falando sempre.
      - Hã! Hã! Hã! Eu que... ro o ur...so. O urso...! Ai, mamãe! Ai, mamãe! Eu que... ro o ur...so o...o...o... Hã! Hã!
      -Stai ferma o ti amazzo, parola d’onore! (Pare  ou eu te mato, palavra de honra!)
      -Um pou...qui... nho... só! Hã! E...hã! Um pou...qui...
      -Senti,Lisetta.Non ti porteró piú in cittá! Mai piú! .(Escute, Lisetta. Não te trarei mais à cidade. Nunca mais!)
      Um escândalo. E logo, no banco da frente e dentro do metrô. O vagão inteiro testemunhou o feio que Lisetta fez.
       O urso recomeçou a mexer a cabeça. Para cima e para baixo. Da esquerda para a direita, para cima e para baixo.

      -Non piangere piú adesso! (Não chore mais agora!)
       Impossível.
       O urso lá se fora nos braços da dona. E a dona só de má, antes de entrar no prédio moderno e bem localizado, voltou-se e agitou o bichinho no ar. Para Lisetta ver. E Lisetta viu.
       O metrô deu um solavanco, sacudiu os passageiros, deslizou, rolou e continuou a viagem.

       Lisetta como compensação quis sentar-se no banco. Dona Mariana (havia pago uma passagem só) opôs-se com energia e outro beliscão.
       A entrada de Lisetta, em casa, marcou época, na história dramática da família Garbone.

       Logo na porta, um safanão. Depois um tabefe. Outro no corredor. Intervalo de dois minutos. Foi assim a vez das chineladas. Só para fechar. Que não acabava mais.
       O resto da gurizada (narizes escorrendo, pernas arranhadas) reunida, na sala de jantar, sapeava de longe.

       Mas o Hugo chegou da oficina.
       -Você assim machuca a menina, mamãe! Coitadinha dela!.
       Também Lisetta já não aguentava mais.

       -Toma pra você, mas não se ache
       Lisetta deu um pulo de contente. Pequenino. Pequenino e de lata. Do tamanho de um passarinho. Mas urso.
       Os irmãos chegaram para ver. Pasqualino quis logo pegar no bichinho. Quis mesmo tomá-lo à força. Lisetta berrou como uma desesperada:
      -Ele é meu! O Hugo me deu!
       Correu para o quarto e fechou-se por dentro.

(MACHADO, Antônio de Alcântara. Modernizado de “Lisetta”- Brás, Bexiga e Barra Funda. Belo Horizonte. Notícias de São Paulo. Belo Horizonte: Itatiaia, 2001.p.48-50)

Entendendo o texto

 

01- Assinale (V) para aquilo que for pertinente e (F) para aquilo que não for pertinente ao texto-discurso:

      a-(  V  ) Percebe-se a prática social do egoísmo, uma vez que a personagem - menina rica -  não deixou sequer que a personagem - Lisetta -  tocasse seu ursinho;

       b-(  V  ) Percebe-se a enorme distância existente entre as classes sociais, no país;

       c-(  F  ) Percebe-se o discurso de que a família de classe média não estimula as crianças a dividirem o que têm;

       d-(  F  ) Percebe-se a prática social da caridade por parte da  personagem (mãe da menina rica);

       e-(  V  ) Percebe-se o discurso de que o castigo mal aplicado não educa a criança;

       f-(  F  ) Percebe-se o discurso de que as crianças não devem ser corrigidas nunca;

       g-(  F  ) Percebe-se a prática social da partilha;

       h-( V   ) Percebe-se que a ideologia da posse contamina ricos e pobres, visto que as meninas, tanto a rica, quanto a pobre, não deixavam outras crianças mexerem nos seus ursos;

       i-( F  ) Percebe-se o discurso de que as pessoas empobrecidas não impõem limites às crianças;

       j-( F  ) Percebe-se o discurso de que as crianças pobres são mal-educadas e invejosas.

02-Substitua as palavras sublinhadas e negritadas por outras sem alterar o sentido do texto-discurso.

 Felpudo, felpudo: macio, macio

 Engomadinho: bem passado

 Stai zitta!: Fique quieta!

 Scusi: Desculpe

 Signora: Senhora

 In casa me lo pagherai!: Em casa, você me paga!

 Stai ferma o ti amazzo, parola d’onore!: Pare ou eu te mato, palavra de honra!

 Senti,Lisetta.Non ti porteró piú in cittá! Mai piú!: Escute, Lisetta. Não te trarei mais à cidade. Nunca mais!

 Safanão: tapa

 Tabefe: bofetada

03-Identifique, na narrativa, a instalação do primeiro conflito:

     a- Quando a personagem – Lisetta – subiu ao metrô e deparou-se com o ursinho de pelúcia;

     b- Quando a personagem – a mãe de Lisetta – dá-lhe um beliscão;

     c- Quando a personagem - menina rica - exibe o ursinho de pelúcia à personagem – Lisetta;

     d- Quando a personagem - menina rica – desce do metrô e sacode o ursinho de pelúcia.

04-O clímax da narrativa acontece, quando:

     a- A personagem – mãe da menina rica – afaga a cabeça do usinho ;

     b- A personagem – a mãe de Lisetta – pede desculpas à personagem - mãe da menina rica;

     c- A personagem – Lisetta – leva um beliscão da mãe e faz um escândalo para pegar o usinho de pelúcia;

     d- A personagem - menina rica – desce do metrô e sacode o ursinho de pelúcia.

05-O desfecho da narrativa acontece quando:

      a- A personagem (a mãe de Lisetta) dá- lhe uma surra grande ;

      b- A personagem – Lisetta –  leva uma tremenda surra da mãe, por conta do comportamento que tivera, no metrô, mas ganha um ursinho;

      c- A personagem – Lisetta – é salva pelo personagem Hugo;

      d- A personagem – Lisetta – entra, no quarto.

06-No enunciado”Correu para o quarto e fechou-se por dentro...”, a expressão grifada sugere que:

      a- A personagem Lisetta desejava esconder  dos irmãozinhos o presente que havia ganhado;

      b- A personagem Lisetta queria esconder-se da mãe, pois estava com raiva dela;

      c- A personagem Lisetta precisava analisar melhor o ursinho de lata;

      d- A personagem Lisetta adentrou, em um mundo particular,onde seus sonhos infantis  eram plenamente realizados.

07-O enunciado Pare ou eu te mato, palavra de honra...” revela:

     a- Uma ameaça sobre o que a personagem – mãe de Lisetta – seria capaz de fazer, caso ela não parasse de chorar;

      b- Um desejo da ´personagem  – mãe de Lisetta - naquele momento ;

      c- Uma hipérbole, pois mostrava um exagero da mãe, para demonstrar à Lisetta o quanto estava contrariada com aquela situação vexatória, na concepção dela;

      d-O medo que a personagem - mãe de Lisetta – sentia pela mãe da menina rica.

08- No enunciado ”Perdone, signora. Desculpe, por favor. A senhora sabe, essas crianças são muito arteiras. Scusi. Desculpe. A mãe da menina rica não respondeu..”, o fato da personagem ( mãe da menina rica) não ter respondido à mãe da personagem Lisetta  revela:

     a- compreensão pelo comportamento da personagem Lisetta;

     b- fingimento com a mãe de Lisetta;

     c- medo de que a personagem Lisetta tomasse o bichinho de sua filha;

     d- desprezo  tanto pelo sentimento da personagem Lisetta, quanto pela mãe dela.

09-No enunciado ”Deixa eu pegar, um pouquinho, um pouquinho só nele, deixa?...”, o uso do diminutivo nos advérbios destacados acentua:

       a- o medo de Lisetta;

       b- a dúvida de Lisetta;

       c- a súplica de Lisetta;

       d- a certeza de Lisetta.

10- No enunciado ”Pare ou eu te mato...”, a conjunção ou estabelece relação de:

        a- adição;

        b- conclusão;

        c- adversidade;

       d- alternância.

11- No enunciado Pôs o pirulito de coração, na boca. Pôs, mas não chupou...” A conjunção mas estabelece relação de:

      a- adição;

      b- conclusão;

      c-adversidade;

      d- alternância.

12- No enunciado ”Abriu a bolsa e pegou o celular...”, a conjunção e estabelece relação de:

      a- adição;

      b- conclusão;

      c- adversidade;

      d- alternância.

13- No enunciado ”E a dona só de má...”, a locução adverbial sublinhada pode ser trocada por:

       a- de bondade;

       b- de ingenuidade;

       c- de saudade;

       d- de maldade

14-No enunciado O urso lá se fora nos braços da dona. E a dona de má...”, a palavra grifada possui sentido semelhante ao empregado em:

      a- A menininha ficou , depois daquilo tudo.

      b- Chapeuzinho Vermelho caminhava pela floresta.

      c- “Dizei uma palavra e serei salva.”

      d- Eles estão sós.

15- No que se refere ao enunciado “Lisetta sentia um desejo louco de tocar no ursinho”, assinale (V) para verdade e (F) para falso:

    a- ( V )Ao se usar o adjetivo destacado, sugeriu-se, ao leitor e à leitora,  a sofreguidão da  personagem Lisetta pelo toque ou pela posse daquele ursinho.

      b- ( F) O adjetivo destacado qualifica positivamente o desejo da personagem Lisetta, segundo o contexto.

      c- ( F) O adjetivo destacado qualifica negativamente o desejo da personagem Lisetta, segundo o contexto.

      d-( F) Ao se usar o adjetivo destacado, sugeriu-se, ao leitor e à leitora, que o desejo da personagem Lisetta  era forte, porém podia ser controlado.

 

 

sábado, 20 de abril de 2019

CRÔNICA: CORINTHIANS (2) VS PALESTRA (1) - ANTÔNIO DE ALCÂNTARA MACHADO - COM GABARITO

Crônica: Corinthians (2) vs Palestra (1)
                         
Antônio de Alcântara Machado
       

Prrrrii!
      — Aí, Heitor!
A bola foi parar na extrema esquerda. Melle desembestou com ela.
A arquibancada pôs-se em pé. Conteve a respiração. Suspirou:
    — Aaaah!
Miquelina cravava as unhas no braço gordo da Iolanda. Em torno do trapézio verde a ânsia de vinte mil pessoas. De olhos ávidos. De nervos elétricos. De preto. De branco. De azul. De vermelho.
      Delírio futebolístico no Parque Antártica.
        Camisas verdes e calções negros corriam, pulavam, chocavam-se, embaralhavam-se, caíam, contorcionavam-se, esfalfavam-se, brigavam. Por causa da bola de couro amarelo que não parava, que não parava um minuto, um segundo. Não parava.
        — Neco! Neco!
        Parecia um louco. Driblou. Escorregou. Driblou. Correu. Parou. Chutou.
        — Gooool! Gooool!
        Miquelina ficou abobada com o olhar parado. Arquejando. Achando aquilo um desaforo, um absurdo.
        Aleguá-guá-guá! Aleguá-guá-guá! Hurra! Hurra! Corinthians!
        Palhetas subiram no ar. Com os gritos. Entusiasmos rugiam. Pulavam. Dançavam. E as mãos batendo nas bocas:
        — Go-o-o-o-o-o-ol!
        Miquelina fechou os olhos de ódio.
        — Corinthians! Corinthians!
        Tapou os ouvidos.
        — Já me estou deixando ficar com raiva! A exaltação decresceu como um trovão.
        — O Rocco é que está garantindo o Palestra. Aí, Rocco! Quebra eles sem dó!
        A Iolanda achou graça. Deu risada.
        — Você está ficando maluca, Miquelina. Puxa! Que bruta paixão!
        Era mesmo. Gostava do Rocco, pronto. Deu o fora no Biagio (o jovem e esperançoso esportista Biagio Panaiocchi, diligente auxiliar da firma desta praça G. Gasparoni & Filhos e denodado meia-direita do S. C. Corinthians Paulista, campeão do Centenário) só por causa dele.
        — Juiz ladrão, indecente! Larga o apito, gatuno!
        Na Sociedade Beneficente e Recreativa do Bexiga toda a gente sabia de sua história com o Biagio. Só porque ele era frequentador dos bailes dominicais da Sociedade não pôs mais os pés lá. E passou a torcer para O Palestra. E começou a namorar o Rocco.
        — O Palestra não dá pro pulo!
        — Fecha essa latrina, seu burro!
        Miquelina ergueu-se na ponta dos pés. Ergueu os braços. Ergueu a voz:
        — Centra, Matias! Centra, Matias!
        Matias centrou. A assistência silenciou. Imparato emendou. A assistência berrou.
        — Palestra! Palestra! Aleguá-guá! Palestra Aleguá! Aleguá!
        O italianinho sem dentes com um soco furou a palheta Ramenzoni de contentamento. Miquelina nem podia falar. E o menino de ligas saiu de seu lugar, todo ofegante, todo vermelho, todo triunfante, e foi dizer para os primos corinthianos na última fileira da arquibancada:
        — Conheceram, seus canjas?

      O campo ficou vazio.
        — Ó... lh'a gasosa!
        Moças comiam amendoim torrado sentadas nas capotas dos automóveis. A sombra avançava no gramado maltratado. Mulatas de vestidos azuis ganham beliscões. E riam. Torcedores discutiam com gestos.
        — Ó... lh'a gasosa!
        Um aeroplano passeou sobre o campo.
        Miquelina mandou pelo irmão um recado ao Rocco.
        — Diga pra ele quebrar o Biagio que é o perigo do Corinthians.
Filipino mergulhou na multidão.
        Palmas saudaram os jogadores de cabelos molhados.
        Prrrrii!
        — O Rocco disse pra você ficar sossegada.
        Amílcar deu uma cabeçada. A bola foi bater em Tedesco que saiu correndo com ela. E a linha toda avançou.
        — Costura, macacada
        Mas o juiz marcou um impedimento.
        — Vendido! Bandido! Assassino!
        Turumbamba na arquibancada. O refle do sargento subiu a escada.
        — Não pode! Põe pra fora! Não pode!
        Turumbamba na geral. A cavalaria movimentou-se. Miquelina teve medo. O sargento prendeu o palestrino. Miquelina protestou baixinho:
        — Nem torcer a gente pode mais! Nunca vi!
        — Quantos minutos ainda?
        — Oito.
        Biagio alcançou a bola. Aí, Biagio! Foi levando, foi levando. Assim, Biagio! Driblou um. Isso! Fugiu de outro. Isso! Avançava para a vitória. Salame nele, Biagio! Arremeteu. Chute agora! Parou. Disparou. Parou. Aí! Reparou. Hesitou. Biagio Biagio! Calculou. Agora! Preparou-se. Olha o Rocco! É agora. Aí! Olha o Rocco! Caiu.
        — CA-VA-LO!
        Prrrrii!
        — Pênalti!
        Miquelina pôs a mão no coração. Depois fechou os olhos. Depois perguntou:
        — Quem é que vai bater, Iolanda?
        — O Biagio mesmo.
        — Desgraçado.
        O medo fez silêncio.
        Prrrrii!
        Pan!
        — Go-o-o-o-ol! Corinthians!
        — Quantos minutos ainda?
        Pri-pri-pri!
        — Acabou, Nossa Senhora!
        Acabou.
        As árvores da geral derrubaram gente.
        — Abr'a porteira! Rá! Fech'a porteira! Prá! O entusiasmo invadiu o campo e levantou o Biagio nos braços.
        — Solt'o rojão! Fiu! Rebent'a bomba! Pum! CORINTHIANS!
        O ruído dos automóveis festejava a vitória. O campo foi-se esvaziando como um tanque. Miquelina murchou dentro de sua tristeza.
        — Que é — que é? É jacaré? Não é!
        Miquelina nem sentia os empurrões.
        — Que é — que é? É tubarão? Não é!
        Miquelina não sentia nada.
        — Então que é? CORINTHIANS!
        Miquelina não vivia.
        Na Avenida Água Branca os bondes formando cordão esperavam campainhando o zé-pereira.
        — Aqui, Miquelina.
        Os três espremeram-se no banco onde já havia três. E gente no estribo. E gente na coberta. E gente nas plataformas. E gente do lado da entrevia.
        A alegria dos vitoriosos demandou a cidade. Berrando, assobiando e cantando. O mulato com a mão no guindaste é quem puxava a ladainha:
        — O Palestra levou na testa!
        E o pessoal entoava:
        — Ora pro nobis!
        Ao lado de Miquelina o gordo de lenço no pescoço desabafou:
        — Tudo culpa daquela besta do Rocco!
        --- Ouviu, não é Miquelina? Você ouviu?
        — Não liga pra esses trouxas, Miquelina.
        --- Como não liga?
        — O Palestra levou na testa!
        --- Cretinos.
        — Ora pro nobis!
        --- Só a tiro.
         — Diga uma cousa, Iolanda. Você vai hoje na Sociedade?
        — Vou com o meu irmão.
        — Então passa por casa que eu também vou.
        — Não!
        — Que bruta admiração! Por que não?
        — E o Biagio?
        — Não é de sua conta.
        Os pingentes mexiam com as moças de braço dado nas calçadas.

               Antônio de Alcântara Machado. Brás, Bexiga e Barra Funda –
Notícias de São Paulo. Belo Horizonte/Rio de Janeiro: Villa Rica, 1994.

Entendendo a crônica:
01 – Vimos que o título do texto é “Corinthians (2) vs. Palestra (1)”. Com base em sua leitura do texto, explique esse título e diga o que significam os números que aparecem entre parênteses.
      O título remete ao resultado de uma partida de futebol entre o Corinthians e Palestra. Os números entre parênteses representam o placar final do jogo ao qual o título se refere.

02 – A paixão pelo futebol é apenas uma das razões que fazia a personagem Miquelina ser torcedora do Palestra. Que outras razões são sugeridas no texto?
      Miquelina gostava de um dos jogadores que atuava no Corinthians, mas passou a namorar um jogador do time adversário (o Rocco, do Palestra). Ao mudar de namorado, mudou também de time.

03 – As intervenções do narrador do texto são pontuadas por muitos diálogos. Releia-os atentamente. Depois responda no caderno:
a)   É sempre possível saber quem são as personagens que “falam” nesses diálogos?
Não. Em muitos diálogos os locutores não são localizáveis.

b)   Na sua opinião, por que isso acontece?
Resposta pessoal do aluno.

c)   Que efeito de sentido esses diálogos provocam no leitor?
As falas de Miquelina e as de Iolanda são pontuadas por discursos relatados alheios, o que cria no texto uma atmosfera de confusão, de entrecruzamento de vozes, que procura imitar a plateia de uma partida de futebol.

d)   Nesses diálogos, há também inúmeras interjeições e expressões típicas da oralidade. Localize alguns exemplos.
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: “pri-pri-pri”; “ora pro nobis”; “gooool”.

e)   Que recursos próprios da língua escrita o autor do texto utiliza para tentar imitar a fala das personagens?
As letras maiúsculas contínuas (“CORINTHIANS” ou “CA-VA-LO”) para imitar o grito; o uso excessivo dos pontos de exclamação em contexto dialogal; a repetição das vogais das sílabas tônicas das palavras, o que imita o alongamento vocálico produzido na fala; o uso do hífen e do apóstrofo na grafia de determinadas palavras.

04 – O que significa a palavra prrrrii que aparece em algumas passagens do texto?
      Trata-se de uma onomatopeia (palavra que representa um ruído) para o som produzido pelo apito.

05 – Leia em voz alta este trecho do texto:
        “Biagio alcançou a bola. Aí, Biagio! Foi levando, foi levando. Assim, Biagio! Driblou um. Isso! Fugiu de outro. Isso! Avançava para a vitória. Salame nele, Biagio! Arremeteu. Chute agora! Parou. Disparou. Parou. Aí! Reparou. Hesitou. Biagio Biagio! Calculou. Agora! Preparou-se. Olha o Rocco! É agora. Aí! Olha o Rocco! Caiu.
        — CA-VA-LO!”
a)   Em sua opinião, os pontos de exclamação são utilizados com que finalidade?
É um recurso da língua escrita que mostra ao leitor a maneira como o texto deve ser lido em voz alta.

b)   Uma palavra que se repete nesse trecho é . Essa palavra possui um único sentido ou ela varia de acordo com a ocorrência? Explique.
O sentido da palavra varia conforme a ocorrência.

c)   A sucessão dos verbos no pretérito perfeito simples é intercalada por palavras, como agora, que traduzem a ideia de presente, de ação que está ocorrendo no momento em que se fala. Por que, na sua opinião, o autor faz essa “mistura” de presente com passado?
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Nesse caso, o presente remete ao momento dialógico da enunciação. O passado é relato do narrador.

d)   Por que a palavra cavalo está escrita com tosas as letras maiúsculas e com as sílabas separadas?
Porque essa grafia representa o grito.

06 – Procure no dicionário os significados da palavra pingente, que aparece no última linha do texto. Qual o sentido que essa palavra tem no texto? Explique.
      Pingente, no texto, significa um passageiro que viaja pendurado num transporte coletivo.