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sexta-feira, 17 de outubro de 2025

HISTÓRIA: QUINCAS BORBA - CAP. XXVIII - FRAGMENTO - MACHADO DE ASSIS - COM GABARITO

 História: Quincas Borba cap. XXVIII – Fragmento

               Machado de Assis

        [...]

        — Quincas Borba! exclamou, abrindo-lhe a porta.   

        O cão atirou-se fora. Que alegria! que entusiasmo! que saltos em volta do amo! chega a lamber-lhe a mão de contente, mas Rubião dá-lhe um tabefe, que lhe dói; ele recua um pouco, triste, com a cauda entre as pernas; depois o senhor dá um estalinho com os dedos, e ei-lo que volta novamente com a mesma alegria.   

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi3mBV9w6VUQgIUpkQ6-lpGUibt6lSXzlyHdfU4J6pGjmUqrochMIGRmX4PETIfwTgJhfuzUrlJrhnunYbIMU33t-cLQmCZMgV1yCUVncXsOuybdByOjawxm5Z_HZrWLPPjNcCQvrwdv3FBA7NZiYHYkkFAtvxrPxdLn2QiqtXlG0nw9mXOZDr3hMEDbkY/s1600/QUINCAS.jpg


        — Sossega! sossega!   

        “Quincas Borba” vai atrás dele pelo jardim fora, contorna a casa, ora andando, ora aos saltos. Saboreia a liberdade, mas não perde o amo de vista. Aqui fareja, ali pára a coçar uma orelha, acolá cata uma pulga na barriga, mas de um salto galga o espaço e o tempo perdido, e cose-se outra vez com os calcanhares do senhor. Parece-lhe que Rubião não pensa em outra coisa, que anda agora de um lado para outro unicamente para fazê-lo andar também, e recuperar o tempo em que esteve retido. Quando Rubião estaca, ele olha para cima, à espera; naturalmente, cuida dele; é algum projeto, saírem juntos ou coisa assim agradável. Não lhe lembra nunca a possibilidade de um pontapé ou de um tabefe. Tem o sentimento da confiança, e muito curta a memória das pancadas. Ao contrário, os afagos ficam-lhe impressos e fixos, por mais distraídos que sejam. Gosta de ser amado. Contenta-se de crer que o é.   

        [...]

Quincas Borba – Coleção Romances Brasileiros. São Paulo, Edigraf, s/d.

Fonte: Português – 1º grau – Descobrindo a gramática 8. Gilio Giacomozzi; Gildete Valério; Cláudia Reda Fenga. São Paulo. FTD, 1992. p. 173.

Entendendo a história:

01 – Como o narrador descreve a reação inicial do cão Quincas Borba ao ser libertado por Rubião?

      A reação do cão é de extrema euforia e dedicação. O narrador usa uma série de exclamações para descrever seu entusiasmo: "Que alegria! que entusiasmo! que saltos em volta do amo!". O cão se atira para fora e chega a lamber a mão de Rubião, expressando total felicidade pela liberdade e reencontro.

02 – O que a atitude de Rubião (dar um tabefe no cão) e a subsequente reação de Quincas Borba revelam sobre a dinâmica de poder e afeto na relação entre eles?

      A atitude revela uma dinâmica de poder abusiva por parte de Rubião e uma submissão incondicional do cão. Apesar de sentir dor e tristeza ("recua um pouco, triste, com a cauda entre as pernas"), a alegria e a lealdade de Quincas Borba são imediatamente restauradas com um simples gesto (um "estalinho com os dedos"). Isso mostra a curta memória das pancadas do animal e a fixação na possibilidade de afeto.

03 – O trecho afirma que o cão "não lhe lembra nunca a possibilidade de um pontapé ou de um tabefe." O que, segundo o narrador, sustenta essa confiança e esquecimento da dor?

      A confiança do cão é sustentada pela sua memória seletiva e pelo seu desejo de ser amado. O narrador explica que o cão tem "muito curta a memória das pancadas," enquanto "os afagos ficam-lhe impressos e fixos". Ele "Gosta de ser amado" e se contenta de crer que o é, mesmo que essa crença seja baseada em afagos "distraídos" e na simples atenção do amo.

04 – No jardim, o narrador descreve as ações de Quincas Borba como ora "fareja," ora "coçar uma orelha," ora "cata uma pulga." Como o cão equilibra sua liberdade momentânea com a lealdade ao seu dono?

      O cão saboreia a liberdade ("Saboreia a liberdade"), dedicando-se a atividades caninas normais, mas nunca perde Rubião de vista ("não perde o amo de vista"). Ele usa a expressão "de um salto galga o espaço e o tempo perdido" para indicar que, após suas distrações, ele rapidamente anula a distância e volta a se "coser outra vez com os calcanhares do senhor," priorizando a proximidade e o acompanhamento do amo.

05 – A que tipo de característica humana a descrição da memória e da confiança de Quincas Borba pode estar fazendo alusão, considerando o estilo de Machado de Assis?

      A descrição alude ironicamente à capacidade humana de autoengano, de idealização e de fixação em pequenas migalhas de afeto, mesmo diante do abuso ou da indiferença. Machado de Assis frequentemente usa a perspectiva ingênua ou limitada de seus personagens para criticar a vontade de crer e a tendência a esquecer o sofrimento em troca da ilusão de ser amado ou de pertencer a algo, como um mecanismo de defesa psicológico ou de submissão social.

 

sexta-feira, 15 de agosto de 2025

POEMA: A UM LEGISTA - MACHADO DE ASSIS - COM GABARITO

 Poema: A um Legista

             Machado de Assis

[...]

Rosa . . . que se enamora
Do amante colibri,
E desde a luz da aurora
Os seios lhe abre e ri.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi2gPSz08kU2J1OySG97JKuGTUve8rZlsx94JbpvN6cqOfFCtPIAatVV_LyxWTHnAOlPrmAOmG27bPsqevvii4Ow28gwoi4kYOsoytQqHwnybfCCFQu981Cl00_LYlNJ89O45voqdLBVCeS-6ONK4qiEhSrdcMHgg-Gv26CJP5A40UKm4GuCnv3NY4Lq8I/s320/literarias.png._PROC_AP30AC30052AT1ACX1017ATX1.png



Mas Zéfiro brejeiro
Opõe ao beija-flor
Embargos de terceiro
Senhor e possuidor.

Quer este possuí-la,
Também o outro a quer.
A pobre flor vacila,
Não sabe a que atender.

O sol, juiz tão grave
Como o melhor doutor,
Condena a brisa e a ave
Aos ósculos da flor.

[...]

ASSIS, Machado de. In: COUTINHO, Afrânio (Org.). Machado de Assis: obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992. p. 217-218. v. 3 (Fragmento).

Fonte: Língua Portuguesa: Singular & Plural. Laura de Figueiredo; Marisa Balthasar e Shirley Goulart – 7º ano – Moderna. 2ª edição, São Paulo, 2015. p. 310.

Entendendo o poema:

01 – Qual a metáfora principal utilizada no início do poema para descrever a rosa e sua interação com o colibri?

      A rosa é metaforicamente apresentada como um ser que "se enamora do amante colibri", abrindo-lhe os seios e rindo desde a aurora, personificando a flor como um ser apaixonado e receptivo.

02 – Quem é o "Zéfiro brejeiro" e qual seu papel na relação entre a rosa e o colibri?

      O "Zéfiro brejeiro" é a brisa ou vento, que se opõe ao beija-flor, agindo como um "embargo de terceiro", um termo jurídico, para se colocar como senhor e possuidor da rosa.

03 – Diante da disputa entre o colibri e o Zéfiro, qual a atitude da "pobre flor"?

      A "pobre flor" vacila e "não sabe a que atender", mostrando-se indecisa entre os dois pretendentes.

04 – Quem é o "juiz" que resolve a disputa pela flor, e como ele é caracterizado?

      O "juiz" que resolve a disputa é o sol, caracterizado como "tão grave como o melhor doutor".

05 – Qual a "sentença" proferida pelo sol em relação à brisa e à ave, e o que isso significa para a flor?

      O sol condena a brisa e a ave "aos ósculos da flor". Isso significa que ambos têm permissão para beijar/tocar a flor, sugerindo que a beleza e o "amor" da flor são acessíveis a ambos, ou que a natureza permite essa interação múltipla.

 

 

 

 

domingo, 10 de agosto de 2025

POEMA: ELLA - MACHADO DE ASSIS - COM GABARITO

 Poema: ELLA

             Machado de Assis

Seus olhos que brilham tanto,
Que prendem tão doce encanto,
Que prendem um casto amor
Onde com rara beleza,
Se esmerou a natureza
Com meiguice e com primor.

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh73J9kEfNaNsqZQLNiuyfQQ7882mqOtJ2RizS6qIda6vPMpPOPfX0L7hDS0YKTe3413zkRyq5GrmvsEfCE2ojYmCEaYFeuShu5yBT4SUAdq2DgwYdjckmC2hrNwFO2Q6VejxRZOirA-LKoaaLMyTJ3py2_6l2UT8EetpHD7d1ZhYBNHD51Nu0JchhboWg/s1600/images%20(2).jpg



Suas faces purpurinas
De rubras cores divinas
De mago brilho e condão;
Meigas faces que harmonia
Inspira em dose poesia
Ao meu terno coração!

Sua boca meiga e breve,
Onde um sorriso de leve
Com doçura se desliza,
Ornando purpúrea cor,
Celestes lábios de amor
Que com neve se harmoniza.

Com sua boca mimosa
Solta voz harmoniosa
Que inspira ardente paixão,
Dos lábios de Querubim
Eu quisera ouvir um – sim –
Para alívio do coração!

Vem, ó anjo de candura,
Fazer a dita, a ventura
De minh'alma, sem vigor;
Donzela, vem dar-lhe alento,
Faz-lhe gozar teu portento,
"Dá-lhe um suspiro de amor!"

Machado de Assis, em 1855 no Jornal Marmota Fluminense, quando tinha 16 anos de idade. Disponível em: http://memoria.bn.br/DOCREADER/DOCREADRE.ASPx?bib=706914&PagFis=436. Acesso em: 28 nov. 2014.

Fonte: Língua Portuguesa: Singular & Plural. Laura de Figueiredo; Marisa Balthasar e Shirley Goulart – 6º ano – Moderna. 2ª edição, São Paulo, 2015. p. 264.

Entendendo o poema:

01 – Quais elementos do rosto da mulher são destacados nos dois primeiros quartetos e o que eles transmitem?

      Nos dois primeiros quartetos, Machado de Assis destaca os olhos e as faces da mulher. Os olhos são descritos como brilhantes, cheios de doce encanto e um casto amor, mostrando a beleza esmerada pela natureza. As faces são purpurinas, de cores divinas e com um "mago brilho e condão", inspirando poesia e harmonia ao coração do eu lírico.

02 – Como o poeta descreve a boca de "Ella" e que contraste ele usa para isso?

      A boca de Ella é descrita como meiga e breve, onde um sorriso suave desliza com doçura. O poeta usa um contraste interessante ao dizer que os lábios "com neve se harmoniza", indicando uma pureza ou delicadeza que se contrapõe à "purpúrea cor".

03 – Que desejo o eu lírico expressa em relação à voz e aos lábios da mulher?

      O eu lírico expressa o desejo de ouvir um "sim" da boca da mulher. Ele descreve a voz dela como harmoniosa e inspiradora de ardente paixão, comparando seus lábios aos de um Querubim, buscando alívio para o seu coração.

04 – Com que termo o eu lírico se refere à mulher no último quarteto e o que ele pede a ela?

      No último quarteto, o eu lírico se refere à mulher como "anjo de candura". Ele pede a ela que venha trazer a dita e a ventura à sua alma sem vigor, que lhe dê alento e que o faça gozar de seu portento, finalizando com o pedido por "um suspiro de amor!".

05 – Qual o tema central do poema "Ella" e como ele é abordado?

      O tema central do poema é a exaltação da beleza feminina e o desejo de um amor idealizado. Machado de Assis aborda esse tema descrevendo detalhadamente as características físicas da mulher (olhos, faces, boca), atribuindo-lhes qualidades quase divinas e expressando o anseio do eu lírico por uma correspondência amorosa que traga felicidade e plenitude à sua vida.

 

 

sábado, 26 de abril de 2025

CONTO: A CAUSA SECRETA - FRAGMENTO - MACHADO DE ASSIS - COM GABARITO

 Conto: A Causa Secreta – Fragmento

            Machado de Assis

        [...] 

        Garcia tinha-se formado em medicina, no ano anterior, 1861. No de 1860, estando ainda na Escola, encontrou-se com Fortunato, pela primeira vez, à porta da Santa Casa; entrava, quando o outro saía. Fez-lhe impressão a figura; mas, ainda assim, tê-la-ia esquecido, se não fosse o segundo encontro, poucos dias depois. Morava na rua de D. Manoel. Uma de suas raras distrações era ir ao teatro de S. Januário, que ficava perto, entre essa rua e a praia; ia uma ou duas vezes por mês, e nunca achava acima de quarenta pessoas. Só os mais intrépidos ousavam estender os passos até aquele recanto da cidade. Uma noite, estando nas cadeiras, apareceu ali Fortunato, e sentou-se ao pé dele. 

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgmsT1yxv9IuPF00r1y-a7gW9PRUrIPl1nrkj9d4ISzbo-zcdIj5lphv_BjUspEA4iYQ76qVWiuPidPTMb0NiPp0_iEfKrxatO3wXjpY4gcKcGgakvCar_6DK5BqbOUJzsFpHeFPjtZ9-9FVbbI0BzM9RRlvIgvG1BWYdAFLjhP8mIo_iShX8PX5_q57ko/s1600/CAUSA.jpg


        A peça era um dramalhão, cosido a facadas, ouriçado de imprecações e remorsos; mas Fortunato ouvia-a com singular interesse. Nos lances dolorosos, a atenção dele redobrava, os olhos iam avidamente de um personagem a outro, a tal ponto que o estudante suspeitou haver na peça reminiscências pessoais do vizinho. No fim do drama, veio uma farsa; mas Fortunato não esperou por ela e saiu; Garcia saiu atrás dele. Fortunato foi pelo beco do Cotovelo, rua de S. José, até o largo da Carioca. Ia devagar, cabisbaixo, parando às vezes, para dar uma bengalada em algum cão que dormia; o cão ficava ganindo e ele ia andando. No largo da Carioca entrou num tílburi, e seguiu para os lados da praça da Constituição. Garcia voltou para casa sem saber mais nada. 

        [...]

        Tempos depois, estando já formado e morando na rua de Matacavalos, perto da do Conde, encontrou Fortunato em uma gôndola, encontrou-o ainda outras vezes, e a frequência trouxe a familiaridade. Um dia Fortunato convidou-o a ir visitá-lo ali perto, em Catumbi. 

        — Sabe que estou casado? 

        — Não sabia. 

        — Casei-me há quatro meses, podia dizer quatro dias. Vá jantar conosco domingo. 

        — Domingo? 

        — Não esteja forjando desculpas; não admito desculpas. Vá domingo. 

        Garcia foi lá domingo. Fortunato deu-lhe um bom jantar, bons charutos e boa palestra, em companhia da senhora, que era interessante. A figura dele não mudara; os olhos eram as mesmas chapas de estanho, duras e frias; as outras feições não eram mais atraentes que dantes. Os obséquios, porém, se não resgatavam a natureza, davam alguma compensação, e não era pouco. Maria Luísa é que possuía ambos os feitiços, pessoa e modos. Era esbelta, airosa, olhos meigos e submissos; tinha vinte e cinco anos e parecia não passar de dezenove. Garcia, à segunda vez que lá foi, percebeu que entre eles havia alguma dissonância de caracteres, pouca ou nenhuma afinidade moral, e da parte da mulher para com o marido uns modos que transcendiam o respeito e confinavam na resignação e no temor. [...]

        A comunhão dos interesses apertou os laços da intimidade. Garcia tornou-se familiar na casa; ali jantava quase todos os dias, ali observava a pessoa e a vida de Maria Luísa, cuja solidão moral era evidente. E a solidão como que lhe duplicava o encanto. Garcia começou a sentir que alguma coisa o agitava, quando ela aparecia, quando falava, quando trabalhava, calada, ao canto da janela, ou tocava ao piano umas músicas tristes. Manso e manso, entrou-lhe o amor no coração. Quando deu por ele, quis expeli-lo para que entre ele e Fortunato não houvesse outro laço que o da amizade; mas não pôde. Pôde apenas trancá-lo; Maria Luísa compreendeu ambas as coisas, a afeição e o silêncio, mas não se deu por achada. 

        No começo de outubro deu-se um incidente que desvendou ainda mais aos olhos do médico a situação da moça. Fortunato metera-se a estudar anatomia e fisiologia, e ocupava-se nas horas vagas em rasgar e envenenar gatos e cães. Como os guinchos dos animais atordoavam os doentes, mudou o laboratório para casa, e a mulher, compleição nervosa, teve de os sofrer. Um dia, porém, não podendo mais, foi ter com o médico e pediu-lhe que, como cousa sua, alcançasse do marido a cessação de tais experiências. 

        — Mas a senhora mesma... 

        Maria Luísa acudiu, sorrindo: 

        — Ele naturalmente achará que sou criança. O que eu queria é que o senhor, como médico, lhe dissesse que isso me faz mal; e creia que faz... 

        Garcia alcançou prontamente que o outro acabasse com tais estudos. Se os foi fazer em outra parte, ninguém o soube, mas pode ser que sim. Maria Luísa agradeceu ao médico, tanto por ela como pelos animais, que não podia ver padecer. Tossia de quando em quando; Garcia perguntou-lhe se tinha alguma coisa, ela respondeu que nada. 

        — Deixe ver o pulso. 

        — Não tenho nada. 

        Não deu o pulso, e retirou-se. Garcia ficou apreensivo. Cuidava, ao contrário, que ela podia ter alguma coisa, que era preciso observá-la e avisar o marido em tempo. 

        Dois dias depois, — exatamente o dia em que os vemos agora, — Garcia foi lá jantar. Na sala disseram-lhe que Fortunato estava no gabinete, e ele caminhou para ali; ia chegando à porta, no momento em que Maria Luísa saía aflita. 

        — Que é? perguntou-lhe. 

        — O rato! O rato! exclamou a moça sufocada e afastando-se.

        Garcia lembrou-se que na véspera ouvira ao Fortunado queixar-se de um rato, que lhe levara um papel importante; mas estava longe de esperar o que viu. Viu Fortunato sentado à mesa, que havia no centro do gabinete, e sobre a qual pusera um prato com espírito de vinho. O líquido flamejava. Entre o polegar e o índice da mão esquerda segurava um barbante, de cuja ponta pendia o rato atado pela cauda. Na direita tinha uma tesoura. No momento em que o Garcia entrou, Fortunato cortava ao rato uma das patas; em seguida desceu o infeliz até a chama, rápido, para não matá-lo, e dispôs-se a fazer o mesmo à terceira, pois já lhe havia cortado a primeira. Garcia estacou horrorizado. 

        — Mate-o logo! disse-lhe. 

        — Já vai.  

        E com um sorriso único, reflexo de alma satisfeita, alguma coisa que traduzia a delícia íntima das sensações supremas, Fortunato cortou a terceira pata ao rato, e fez pela terceira vez o mesmo movimento até a chama. O miserável estorcia-se, guinchando, ensanguentado, chamuscado, e não acabava de morrer. Garcia desviou os olhos, depois voltou-os novamente, e estendeu a mão para impedir que o suplício continuasse, mas não chegou a fazê-lo, porque o diabo do homem impunha medo, com toda aquela serenidade radiosa da fisionomia. Faltava cortar a última pata; Fortunato cortou-a muito devagar, acompanhando a tesoura com os olhos; a pata caiu, e ele ficou olhando para o rato meio cadáver. Ao descê-lo pela quarta vez, até a chama, deu ainda mais rapidez ao gesto, para salvar, se pudesse, alguns farrapos de vida. 

        Garcia, defronte, conseguia dominar a repugnância do espetáculo para fixar a cara do homem. Nem raiva, nem ódio; tão-somente um vasto prazer, quieto e profundo, como daria a outro a audição de uma bela sonata ou a vista de uma estátua divina, alguma coisa parecida com a pura sensação estética. Pareceu-lhe, e era verdade, que Fortunato havia-o inteiramente esquecido. Isto posto, não estaria fingindo, e devia ser aquilo mesmo. A chama ia morrendo, o rato podia ser que tivesse ainda um resíduo de vida, sombra de sombra; Fortunato aproveitou-o para cortar-lhe o focinho e pela última vez chegar a carne ao fogo. Afinal deixou cair o cadáver no prato, e arredou de si toda essa mistura de chamusco e sangue. 

        Ao levantar-se deu com o médico e teve um sobressalto. Então, mostrou-se enraivecido contra o animal, que lhe comera o papel; mas a cólera evidentemente era fingida. 

        -- Castiga sem raiva, pensou o médico, pela necessidade de achar uma sensação de prazer, que só a dor alheia lhe pode dar: é o segredo deste homem. 

        Fortunato encareceu a importância do papel, a perda que lhe trazia, perda de tempo, é certo, mas o tempo agora era-lhe preciosíssimo. Garcia ouvia só, sem dizer nada, nem lhe dar crédito. Relembrava os atos dele, graves e leves, achava a mesma explicação para todos. Era a mesma troca das teclas da sensibilidade, um diletantismo sui generis, uma redução de Calígula.

        Quando Maria Luísa voltou ao gabinete, daí a pouco, o marido foi ter com ela, rindo, pegou-lhe nas mãos e falou-lhe mansamente:

        — Fracalhona! 

        E voltando-se para o médico: 

        — Há de crer que quase desmaiou? 

        Maria Luísa defendeu-se a medo, disse que era nervosa e mulher; depois foi sentar-se à janela com as suas lãs e agulhas, e os dedos ainda trêmulos, tal qual a vimos no começo desta história. Hão de lembrar-se que, depois de terem falado de outras coisas, ficaram calados os três, o marido sentado e olhando para o teto, o médico estalando as unhas. Pouco depois foram jantar; mas o jantar não foi alegre. Maria Luísa cismava e tossia; o médico indagava de si mesmo se ela não estaria exposta a algum excesso na companhia de tal homem. Era apenas possível; mas o amor trocou-lhe a possibilidade em certeza; tremeu por ela e cuidou de os vigiar. 

        Ela tossia, tossia, e não se passou muito tempo que a moléstia não tirasse a máscara. Era a tísica, velha dama insaciável, que chupa a vida toda, até deixar um bagaço de ossos. Fortunato recebeu a notícia como um golpe; amava deveras a mulher, a seu modo, estava acostumado com ela, custava-lhe perdê-la. Não poupou esforços, médicos, remédios, ares, todos os recursos e todos os paliativos. Mas foi tudo vão. A doença era mortal. 

        Nos últimos dias, em presença dos tormentos supremos da moça, a índole do marido subjugou qualquer outra afeição. Não a deixou mais; fitou o olho baço e frio naquela decomposição lenta e dolorosa da vida, bebeu uma a uma as aflições da bela criatura, agora magra e transparente, devorada de febre e minada de morte. Egoísmo aspérrimo, faminto de sensações, não lhe perdoou um só minuto de agonia, nem lhos pagou com uma só lágrima, pública ou íntima. Só quando ela expirou, é que ele ficou aturdido. Voltando a si, viu que estava outra vez só. 

        De noite, indo repousar uma parenta de Maria Luísa, que a ajudara a morrer, ficaram na sala Fortunato e Garcia, velando o cadáver, ambos pensativos; mas o próprio marido estava fatigado, o médico disse-lhe que repousasse um pouco. 

        — Vá descansar, passe pelo sono uma hora ou duas: eu irei depois. 

        Fortunato saiu, foi deitar-se no sofá da saleta contígua, e adormeceu logo. Vinte minutos depois acordou, quis dormir outra vez, cochilou alguns minutos, até que se levantou e voltou à sala. Caminhava nas pontas dos pés para não acordar a parenta, que dormia perto. Chegando à porta, estacou assombrado. 

        Garcia tinha-se chegado ao cadáver, levantara o lenço e contemplara por alguns instantes as feições defuntas. Depois, como se a morte espiritualizasse tudo, inclinou-se e beijou-a na testa. Foi nesse momento que Fortunato chegou à porta. Estacou assombrado; não podia ser o beijo da amizade, podia ser o epílogo de um livro adúltero. Não tinha ciúmes, note-se; a natureza compô-lo de maneira que lhe não deu ciúmes nem inveja, mas dera-lhe vaidade, que não é menos cativa ao ressentimento.  Olhou assombrado, mordendo os beiços. 

        Entretanto, Garcia inclinou-se ainda para beijar outra vez o cadáver; mas então não pôde mais. O beijo rebentou em soluços, e os olhos não puderam conter as lágrimas, que vieram em borbotões, lágrimas de amor calado, e irremediável desespero. Fortunato, à porta, onde ficara, saboreou tranquilo essa explosão de dor moral que foi longa, muito longa, deliciosamente longa. 

50 contos de Machado de Assis. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 368-376.

Fonte: Livro – Português: Linguagens, 2. William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães, 9ª Ed. – Ensino médio. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 222-226.

Entendendo o conto:

01 – Como Garcia e Fortunato se conheceram inicialmente e qual foi a primeira impressão que Fortunato causou em Garcia?

      Garcia e Fortunato se encontraram pela primeira vez à porta da Santa Casa. Fortunato causou uma impressão em Garcia, embora esta pudesse ter sido esquecida se não houvesse um segundo encontro poucos dias depois.

02 – O que despertou a atenção de Garcia durante a peça de teatro em que ele e Fortunato se encontraram pela segunda vez?

      A atenção de Garcia foi despertada pelo singular interesse de Fortunato pela peça, um dramalhão cheio de violência. Nos lances dolorosos, a atenção de Fortunato redobrava, e seus olhos seguiam avidamente os personagens, levando Garcia a suspeitar de reminiscências pessoais do vizinho na peça.

03 – Como Garcia descreve a aparência física de Fortunato após conhecê-lo melhor e qual era o contraste com os seus modos?

      Garcia descreve a figura de Fortunato como inalterada, com olhos que eram "chapas de estanho, duras e frias" e outras feições não atraentes. Havia um contraste com os seus obséquios, que, embora não resgatassem sua natureza, ofereciam alguma compensação.

04 – Qual foi a impressão de Garcia sobre o relacionamento entre Fortunato e Maria Luísa após algumas visitas à casa do casal?

      Garcia percebeu que havia uma dissonância de caracteres e pouca ou nenhuma afinidade moral entre Fortunato e Maria Luísa. Notou também que os modos da mulher para com o marido transcendiam o respeito, confinando na resignação e no temor.

05 – Que sentimento começou a surgir em Garcia em relação a Maria Luísa e como ele tentou lidar com isso?

      Garcia começou a sentir amor por Maria Luísa. Ele tentou expeli-lo para que sua relação com Fortunato permanecesse apenas a de amizade, mas não conseguiu. Ele apenas trancou esse sentimento, embora Maria Luísa tenha compreendido tanto a afeição quanto o seu silêncio.

06 – Qual o incidente que revelou ainda mais a situação de Maria Luísa aos olhos de Garcia e qual o pedido incomum que ela fez ao médico?

      O incidente foi o hábito de Fortunato de estudar anatomia e fisiologia rasgando e envenenando animais em casa, perturbando Maria Luísa. Ela pediu a Garcia que, como se fosse um pedido dele, convencesse o marido a cessar tais experiências, alegando que lhe faziam mal.

07 – Descreva a cena chocante presenciada por Garcia no gabinete de Fortunato e qual a reação do médico diante do que viu?

      Garcia viu Fortunato torturando um rato, cortando suas patas e aproximando-o repetidamente de uma chama com um sorriso de satisfação. Garcia ficou horrorizado e pediu para que ele matasse o animal logo, mas a serenidade prazerosa de Fortunato o intimidou.

08 – Qual a interpretação de Garcia sobre o comportamento de Fortunato ao torturar o rato e que comparação ele faz para tentar entender a motivação do amigo?

      Garcia interpretou o comportamento de Fortunato como uma necessidade de encontrar uma sensação de prazer através da dor alheia, considerando isso o "segredo" do amigo. Ele compara essa atitude a um "diletantismo sui generis" e a uma "redução de Calígula", sugerindo uma busca por sensações extremas e um certo sadismo.

09 – Como Fortunato reagiu à doença e à morte de Maria Luísa, segundo o narrador?

      Fortunato recebeu a notícia da doença de Maria Luísa como um golpe e tentou todos os recursos para curá-la, pois a amava a seu modo e estava acostumado com ela. No entanto, nos últimos dias, seu egoísmo subjugou qualquer outra afeição, e ele observou a agonia da esposa sem demonstrar emoção, apenas sentindo-se aturdido ao ficar sozinho após a morte dela.

10 – Qual a cena final surpreendente presenciada por Fortunato e qual a sua reação ao ver Garcia beijando o cadáver de Maria Luísa?

      A cena final mostra Fortunato vendo Garcia beijar a testa do cadáver de Maria Luísa com lágrimas de amor e desespero. Fortunato ficou assombrado, interpretando o beijo não como amizade, mas como o possível fim de um adultério. Embora não sentisse ciúmes, sua vaidade ressentiu o gesto, e ele saboreou tranquilamente a explosão de dor moral de Garcia.

 

 

quarta-feira, 2 de abril de 2025

ROMANCE: DOM CASMURRO - A DENÚNCIA - CAP. III - MACHADO DE ASSIS - COM GABARITO

 Romance: Dom Casmurro – A Denúncia cap. III

                    Machado de Assis

      Ia entrar na sala de visitas, quando ouvi proferir o meu nome e escondi-me atrás da porta. A casa era a da Rua de Mata-cavalos, o mês novembro, o ano é que é um tanto remoto, mas eu não hei de trocar as datas à minha vida só para agradar às pessoas que não amam histórias velhas; o ano era de 1857.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg_SwK0csaHl14EFeFYbkij4OPg0lS7sR4ATHIG_ZOl28HM8CJgNm6DVC4lyyEPkJ9QOSoP9gyMfIwJbnlW7iGilJ3KsmyLkg_xbKGrvyISGH52yY_5MwXgwtfErwGYWV4KE5fJjvlpJaJlXtgYm2p_NnC1GscxoZGkaL-DOjExg8-iPqkvzewTVd6IoZA/s320/36ab761f2ec82a329e469d8d69c17932.jpg


        -- D. Glória, a senhora persiste na ideia de meter o nosso Bentinho no seminário? É mais que tempo, e já agora pode haver uma dificuldade.

        -- Que dificuldade?

        -- Uma grande dificuldade.

        Minha mãe quis saber o que era. José Dias, depois de alguns instantes de concentração, veio ver se havia alguém no corredor; não deu por mim, voltou e, abafando a voz, disse que a dificuldade estava na casa ao pé, a gente do Pádua.

        -- A gente do Pádua?

        -- Há algum tempo estou para lhe dizer isto, mas não me atrevia. Não me parece bonito que o nosso Bentinho ande metido nos cantos com a filha do Tartaruga, e esta é a dificuldade, porque se eles pegam de namoro, a senhora terá muito que lutar para separá-los.

        -- Não acho. Metidos nos cantos?

        -- É um modo de falar. Em segredinhos, sempre juntos. Bentinho quase que não sai de lá. A pequena é uma desmiolada; o pai faz que não vê; tomara ele que as cousas corressem de maneira, que... Compreendo o seu gesto; a senhora não crê em tais cálculos, parece-lhe que todos têm a alma cândida...

        -- Mas, Sr. José Dias, tenho visto os pequenos brincando, e nunca vi nada que faça desconfiar. Basta a idade; Bentinho mal tem quinze anos. Capitu fez quatorze à semana passada; são dois criançolas. Não se esqueça que foram criados juntos, desde aquela grande enchente, há dez anos, em que a família Pádua perdeu tanta cousa; daí vieram as nossas relações. Pois eu hei de crer...? Mano Cosme, você que acha?

        Tio Cosme respondeu com um "Ora!" que, traduzido em vulgar, queria dizer: "São imaginações do José Dias os pequenos divertem-se, eu divirto-me; onde está o gamão?"

        -- Sim, creio que o senhor está enganado.

        -- Pode ser, minha senhora. Oxalá tenham razão; mas creia que não falei senão depois de muito examinar...

        -- Em todo caso, vai sendo tempo, interrompeu minha mãe; vou tratar de metê-lo no seminário quanto antes.

        -- Bem, uma vez que não perdeu a ideia de o fazer padre, tem-se ganho o principal. Bentinho há de satisfazer os desejos de sua mãe e depois a igreja brasileira tem altos destinos. Não esqueçamos que um bispo presidiu a Constituinte, e que o Padre Feijó governou o Império...

        -- Governou como a cara dele! atalhou tio Cosme, cedendo a antigos rancores políticos.

        -- Perdão, doutor, não estou defendendo ninguém, estou citando O que eu quero é dizer que o clero ainda tem grande papel no Brasil.

        -- Você o que quer é um capote; ande, vá buscar o gamão. Quanto ao pequeno, se tem de ser padre, realmente é melhor que não comece a dizer missa atrás das portas. Mas, olhe cá, mana Glória, há mesmo necessidade de fazê-lo padre?

        -- É promessa, há de cumprir-se.

        -- Sei que você fez promessa... mas uma promessa assim... não sei... Creio que, bem pensado... Você que acha, prima Justina?

        -- Eu?

        -- Verdade é que cada um sabe melhor de si, continuou tio Cosme; Deus é que sabe de todos. Contudo, uma promessa de tantos anos... Mas, que é isso, mana Glória? Está chorando? Ora esta pois isto é cousa de lágrimas?

        Minha mãe assoou-se sem responder. Prima Justina creio que se levantou e foi ter com ela. Seguiu-se um alto silêncio, durante o qual estive a pique de entrar na sala, mas outra força maior, outra emoção... Não pude ouvir as palavras que tio Cosme entrou a dizer. Prima Justina exortava: "Prima Glória! Prima Glória!" José Dias desculpava-se: "Se soubesse, não teria falado, mas falei pela veneração, pela estima, pelo afeto, para cumprir um dever amargo, um dever amaríssimo...".

Dom Casmurro. São Paulo: Moderna, 2004, p. 19-20. (Coleção Travessias; a edição publicada por Machado de Assis é de 1899).

Fonte: Português. Uma proposta para o letramento. Magda Soares – 8º ano – 1ª edição. Impressão revista – São Paulo, 2002. Moderna. p. 65-66.

Entendendo o romance:

01 – Qual é o contexto inicial do capítulo III?

      O capítulo começa com o narrador, Bentinho, relembrando um momento de sua adolescência, em 1857, na casa da Rua de Mata-cavalos. Ele se esconde atrás da porta e ouve uma conversa entre sua mãe, Dona Glória, e José Dias.

02 – Qual é a "denúncia" feita por José Dias?

      José Dias alerta Dona Glória sobre a proximidade entre Bentinho e Capitu, a filha do vizinho Pádua. Ele sugere que os dois estão "metidos nos cantos" e que pode haver um namoro entre eles, o que dificultaria o plano de enviar Bentinho para o seminário.

03 – Qual é a reação de Dona Glória à denúncia de José Dias?

      Inicialmente, Dona Glória se mostra incrédula. Ela argumenta que Bentinho e Capitu são apenas crianças e que foram criados juntos desde a infância. No entanto, ela também demonstra preocupação e decide que é hora de enviar Bentinho para o seminário.

04 – Quem é Tio Cosme e qual é a sua opinião sobre a situação?

      Tio Cosme é um parente da família que participa da conversa. Ele minimiza a preocupação de José Dias, dizendo que são apenas "imaginações" e que os jovens estão apenas se divertindo.

05 – Qual é a importância da promessa feita por Dona Glória?

      Dona Glória fez uma promessa de enviar Bentinho para o seminário, e essa promessa é um dos principais conflitos do romance. A conversa no capítulo III revela a tensão entre o desejo da mãe de cumprir a promessa e a crescente ligação entre Bentinho e Capitu.

06 – Como José Dias tenta justificar a sua denúncia?

      José Dias, tenta se justificar dizendo que falou por "veneração, pela estima, pelo afeto, para cumprir um dever amargo, um dever amaríssimo...". Ele tenta mostrar que suas intenções são boas.

07 – Qual é o clima emocional no final do capítulo?

      O final do capítulo é marcado por emoções intensas. Dona Glória chora, e há um silêncio tenso na sala. Bentinho, escondido, sente uma "outra força maior, outra emoção", indicando o impacto da conversa em seus sentimentos.

terça-feira, 18 de março de 2025

CONTO: O VERGALHO - CAPÍTULO LXVIII - MACHADO DE ASSIS - COM GABARITO

 Conto: O VergalhoCapítulo LXVIII

           Machado de Assis

        Tais eram as reflexões que eu vinha fazendo, por aquele Valongo fora, logo depois de ver e ajustar a casa. Interrompeu mas um ajuntamento; era um preto que vergalhava outro na praça. O outro não se atrevia a fugir; gemia somente estas únicas palavras:

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjpPsaEOwfiOIUKezRyjOw0MqEwkhqHPhVk1hC8Oxk7s-K-HQJ9CeA4pI_U8GLQWcTl7SOZTpeniZ4oBm9DImxHB3kFwCuAwPFm6QH5ijFnKqZD0s4Ya-bJpFGX_BDLyBjITnzjnCxAc5Z6xmDJg-NSIFDF0Jo04_e2UPlQwarAcQCBMwpUWJEDmFSIt1s/s1600/o%20vergalho-crop%203.png


        – “Não, perdão, meu senhor; meu senhor, perdão!” Mas o primeiro não fazia caso, e, a cada súplica, respondia com uma vergalhada nova.

        – Toma, diabo! dizia ele; toma mais perdão, bêbado!

        – Meu senhor! gemia o outro.

        – Cala a boca, besta! replicava o vergalho.

        Parei, olhei... Justos céus! Quem havia de ser o do vergalho? Nada menos que o meu moleque Prudêncio, – o que meu pai libertara alguns anos antes. Cheguei-me; ele deteve-se logo e pediu-me a bênção; perguntei-lhe se aquele preto era escravo dele.

        – É, sim, nhonhô.

        – Fez-te alguma coisa?

        – É um vadio e um bêbado muito grande. Ainda hoje deixei ele na quitanda, enquanto eu ia lá embaixo na cidade, e ele deixou a quitanda para ir na venda beber.

        – Está bom, perdoa-lhe, disse eu.

        – Pois não, nhonhô. Nhonhô manda, não pede. Entra para casa, bêbado!

        Saí do grupo, que me olhava espantado e cochichava as suas conjeturas. Segui caminho, a desfiar uma infinidade de reflexões, que sinto haver inteiramente perdido; aliás, seria matéria para um bom capítulo, e talvez alegre. Eu gosto dos capítulos alegres; é o meu fraco. Exteriormente, era torvo o episódio do Valongo; mas só exteriormente. Logo que meti mais dentro a faca do raciocínio achei-lhe um miolo gaiato, fino, e até profundo. Era um modo que o Prudêncio tinha de se desfazer das pancadas recebidas, – transmitindo-as a outro. Eu, em criança, montava-o, punha-lhe um freio na boca, e desancava-o sem compaixão; ele gemia e sofria. Agora, porém, que era livre, dispunha de si mesmo, dos braços, das pernas, podia trabalhar, folgar, dormir, desagrilhoado da antiga condição, agora é que ele se desbancava: comprou um escravo, e ia-lhe pagando, com alto juro, as quantias que de mim recebera. Vejam as sutilezas do maroto!

Machado de Assis. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Ática, 1995. p. 100-101.

Fonte: Lições de texto. Leitura e redação. José Luiz Fiorin / Francisco Platão Savioli. Editora Ática – 4ª edição – 3ª impressão – 2001 – São Paulo. p. 21.

Entendendo o conto:

01 – Qual a situação presenciada pelo narrador no início do capítulo?

      O narrador se depara com um homem negro chicoteando outro em plena praça pública. O homem chicoteado implora por perdão, mas o agressor ignora seus apelos e continua a castigá-lo.

02 – Quem é o agressor e qual a sua relação com o narrador?

      O agressor é Prudêncio, um ex-escravo que pertenceu ao pai do narrador. Prudêncio foi libertado anos antes e agora possui seu próprio escravo.

03 – Qual o motivo da agressão?

      Prudêncio explica que o escravo é um vadio e bêbado. Ele o havia deixado na quitanda enquanto foi à cidade, mas o escravo desobedeceu e foi beber em uma venda.

04 – Qual a reação do narrador diante da cena?

      O narrador, inicialmente, sente-se chocado com a violência da cena. No entanto, logo em seguida, ele começa a refletir sobre a ironia da situação e a natureza humana.

05 – Qual a interpretação do narrador sobre o comportamento de Prudêncio?

      O narrador percebe que Prudêncio está apenas repetindo o ciclo de violência que sofreu quando era escravo. Ele está, de certa forma, "descontando" no seu escravo as humilhações e os maus-tratos que sofreu no passado.

06 – Qual o significado do título do capítulo: "O Vergalho"?

      O título faz referência ao instrumento de tortura utilizado por Prudêncio para castigar seu escravo. O vergalho simboliza a violência e a opressão presentes na sociedade escravocrata.

07 – Qual a crítica social presente no conto?

      Machado de Assis utiliza a figura de Prudêncio para criticar a perpetuação da violência e da opressão. O conto revela como as vítimas de um sistema opressor podem se tornar opressoras quando alcançam o poder. Além disso, o autor critica a falsa ideia de liberdade concedida aos escravos, mostrando que, mesmo libertos, eles continuam presos a um ciclo de violência e exploração.

 

terça-feira, 31 de dezembro de 2024

CONTO: A MULHER DE PRETO - CAP.V - (FRAGMENTO) - MACHADO DE ASSIS - COM GABARITO

 Conto: A mulher de preto cap. V – Fragmento

            Machado de Assis

        [...]

        Quando saíram, o deputado disse ao médico: 

        -- Meu amigo, você é desleal comigo... 

        -- Por quê? perguntou Estêvão meio sério e meio risonho, não compreendendo a observação do deputado. 

        -- Sim, continuou Meneses; você esconde-me um segredo... 

        -- Eu? 

        -- É verdade: e um segredo de amor. 

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg268Lj8fGGVRqmY6TXfhfUJwMyx94WvXztbNOcU2qhyphenhyphensiNVdzFMmKGGrHNfTuif9XpRPMK4ycvh7tJ8dPEfjsEY0EbwM8TTG4exFoSXOuNqmuxMff5AZBClOtxritrSZzylEotluQxrqKho2IcVRxgVzp9HmJEJXArzZ9s_b7l9NrcQPeR2303e_XabiM/s320/PRETO.jpg


        -- Ah!... disse Estêvão; por que diz isso? 

        -- Reparei há pouco que, ao passo que os mais conversavam em política, você pensava em uma mulher, e mulher... lindíssima...

        Estêvão compreendeu que estava descoberto; não negou. 

        -- É verdade, pensava em uma mulher. 

        -- E eu serei o último a saber? 

        -- Mas saber o quê? Não há amor, não há nada. Encontrei uma mulher que me impressionou e ainda agora me preocupa; mas é bem possível que não passe disto. Aí está. É um capítulo interrompido; um romance que fica na primeira página. Eu lhe digo: há de me ser difícil amar. 

        -- Por quê? 

        -- Eu sei? custa-me a crer no amor. 

        [...]

Disponível em: www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000170.pdf. Acesso em: 28 fev. 2022.

Fonte: Língua Portuguesa. Linguagens – Séries finais, caderno 1. 8º ano – Larissa G. Paris & Maria C. Pina – 1ª ed. 2ª impressão – FGV – MAXI – São Paulo, 2023. p. 94.

Entendendo o conto:

01 – Qual a relação entre o deputado Meneses e o médico Estêvão?

      Meneses e Estêvão são amigos. A conversa entre eles revela uma relação de proximidade, permitindo que Meneses observe e comente sobre os pensamentos de Estêvão.

02 – Qual a acusação feita por Meneses a Estêvão?

      Meneses acusa Estêvão de ser desleal ao esconder um segredo de amor. Ele observa que Estêvão estava distraído durante a conversa, pensando em uma mulher.

03 – Qual a reação de Estêvão à acusação de Meneses?

      Inicialmente, Estêvão demonstra surpresa com a acusação. No entanto, ele logo confirma que estava pensando em uma mulher, mas nega que haja um envolvimento amoroso mais profundo.

04 – Qual o sentimento de Estêvão em relação ao amor?

      Estêvão demonstra certa dificuldade em acreditar no amor. Ele afirma que lhe custa crer nesse sentimento e que já teve experiências amorosas que não deram certo.

05 – Qual o significado da frase "É um capítulo interrompido; um romance que fica na primeira página"?

      Essa frase sugere que o interesse de Estêvão pela mulher em questão é algo passageiro e superficial. Ele compara a situação a um livro que não passa da primeira página, indicando que o romance não se desenvolverá.