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sábado, 31 de julho de 2021

CONTO: O CARNEIRINHO DO PRESÉPIO - JOSÉ FARIA NUNES - COM GABARITO

 CONTO: O CARNEIRINHO DO PRESÉPIO


   José Faria Nunes

O menino observa as pessoas que saem e volta-se para o presépio. Examina-o com interesse.

Na missa, ouviu que o reino dos céus é das crianças.

Tempestade mental. Se é das crianças o céu e viver no céu é ser feliz, então a felicidade é das crianças.

Olha o presépio. O boi. O carneirinho. Os astrônomos que foram chamados reis — os reis magos. A estrela. Tudo bonito. Tudo. Enamora-se. Bem que queria um desses. O carneirinho. Só o carneirinho. O Menino Jesus, esse não. Tem de ficar no presépio. Presépio sem Menino Jesus não é presépio. O carneirinho, esse sim. Há outros no presépio.

Não tivera Natal em casa. Nunca. Não conhece Papai Noel. “Será que Papai Noel me conhece?

Sabe da minha existência?”

Na sua frente, o carneirinho cresce, apequena, atrai. Por que o padre falou que o céu é das crianças?

Não ganhou brinquedo e quer o carneirinho.

Será pecado? O que é pecado? Para que pecado?

Se é verdade que Deus ama a gente, por que ele deixou a cobra dar a maçã para Eva e Eva para Adão para depois todo mundo ter pecado?

Ele quer o carneirinho. Todos já se foram. Ninguém vê. O Cristo, crucificado, parece dormir de cansaço e de dor na cruz, na parede, lá atrás do altar.

Parece não se importar com nada ali na igreja.

Coitadinho de Cristo. Sofreu muito. Mas por que, se ele é Deus? Ou ele é apenas o Filho de Deus? Se é filho não é pai e se Deus é pai não é filho?!

Coitadinho de Cristo! O padre falou que Cristo sofreu para o perdão dos pecados. Não sei não.

Acho que Cristo não sofreu por mim não. Papai Noel não me conhece. Será que Cristo me conhece?

Esfrega as mãos, nervoso. A decisão. Ergue o braço, mas o gesto fica suspenso no ar com a chegada do vigário que vem fechar a igreja. Para disfarçar a intenção, limpa com o dedinho o espelho que forma o lago nas proximidades da gruta de Belém. Por que presépio em forma de gruta? Cristo nasceu não foi num ranchinho, na estrebaria, casa de animais?

— O Sinhore vai fechá a igreja? — pergunta ao padre que fecha a primeira porta.

— Estou fechando — responde o padre, em seu sotaque de estrangeiro, não com aquele carinho com que falou na missa da meia-noite.

— O presepe tá bunito, né? — insiste o menino, tentando coragem para pedir o carneirinho.

— Você acha? — o padre fala indiferente e o menino entende que o vigário não está interessado naquele diálogo, quase monólogo.

— Acho — termina o menino, desconcertado, infeliz. Percebe que de nada adiantará insistir.

Não vai ganhar o presente.

Absorto nos sonhos, fica a olhar o presépio sem nada ver.

“Como eu queria um carneirinho desse!”

E o vigário o acorda para a realidade:

— Vamos embora, dormir?

— Vamo.

Volta-se e ainda dirige um último olhar para o carneirinho do presépio, um ente querido que talvez jamais voltará a ver. O padre fecha a última porta e se vai.

O menino, agora com medo, corre debaixo da madrugada em direção ao aconchego que o espera debaixo da ponte, onde se juntará aos pais e aos cinco irmãos menores. Dormem. Não veem a fome, não sentem nenhum desejo. Enquanto dormem, os sentidos nada reclamam. Ele sonha com o presente de Natal que não ganhou: o carneirinho do presépio.

(José Faria Nunes. “O carneirinho do presépio”. In: Adolfo Mariano da Costa et alii.

O conto brasileiro hoje. São Paulo: RG Editores, 2005. p. 67-8.)

Fonte: Livro- Português: Linguagem, 2/ William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães, 11.ed – São Paulo: Saraiva, 2016.p.146-147.

Fonte da imagem - https://www.google.com/url?sa=i&url=https%3A%2F%2Fbr.pinterest.com%2Fpin%2F413486809540225967%2F&psig=AOvVaw1AZ-Bd5HjhrB-O-li_WuIt&ust=1627864868958000&source=images&cd=vfe&ved=0CAsQjRxqFwoTCICtrLjLjvICFQAAAAAdAAAAABAD

Entendendo o texto

1. O conto pertence ao grupo dos gêneros narrativos ficcionais, que apresentam alguns elementos em comum, como fatos, personagens, tempo, espaço e narrador. No conto “O carneirinho do presépio”:

a) Quais são as personagens envolvidas nessa história?

O menino e o padre.

b) Onde acontecem os fatos narrados?

Em uma igreja.

c) No conto, os fatos são narrados em sequência temporal e mantêm entre si uma relação de causa e efeito. No conto lido, o menino decide pegar o carneirinho do presépio, mas, quando ergue o braço para pegá-lo, o padre entra. O menino, então, disfarça, limpando com o dedo o espelho que forma o lago no presépio. Cite outros fatos da narrativa dispostos em sequência temporal e ligados por uma relação de causa e efeito.

 Entre outros: O menino observa as pessoas que saem e volta-se para o presépio. / Olha as figuras que compõem o presépio, enamora-se e deseja uma das peças.

Escolhe o carneirinho que não faria falta. / O padre o convida para ir embora e ele aceita. Volta-se e olha o carneirinho do presépio pela última vez.

d) Em que época acontecem os fatos narrados? Em que lugar?

No Natal, depois da missa da meia-noite, em uma igreja onde estava montado um presépio.

 

2. No conto em estudo, os fatos narrados são vividos pelo menino e pelo padre.

a) Levante hipóteses: Por que essas personagens não têm nome? Resposta pessoal. Sugestão: O menino representa qualquer garoto pobre que não recebe presente de Natal, e o padre representa qualquer padre, indiferente ao sonho de um menino de ganhar um presente de Natal.

b) As personagens podem ser caracterizadas fisicamente e psicologicamente. Como é o menino? E o padre?

O menino é pequeno, pobre, tem família (pais e cinco irmãos menores), é morador de rua e dorme com a família debaixo da ponte. O padre é estrangeiro, pois tem sotaque.

3. Releia os três primeiros parágrafos do texto e responda: Em que trecho a narrativa começa a criar expectativa no leitor?

No momento em que o menino se enamora do carneirinho e o quer para si.

4. O menino quer o carneirinho do presépio e pensa sobre o que ouviu na missa.

a) Por que ele não quer o Menino Jesus?

Porque ele é único e faria falta no presépio.

b) Que tipo de discurso o narrador emprega para apresentar o pensamento do menino?

O discurso indireto livre.

c) Qual é o momento de maior tensão no texto?

O momento em que, decidido a pegar o carneirinho, o menino ergue o braço e o padre aparece.

5. O conto em estudo narra uma história que pode ser real e vivida por muitas crianças que desejam algo, mas não podem ter. Na sua opinião, o menino do conto teria cometido um crime se furtasse o carneirinho do presépio? Justifique sua resposta.

Resposta pessoal.