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terça-feira, 25 de agosto de 2020

ARTIGO DE OPINIÃO: O NAUFRÁGIO DE MUITOS INTERNAUTAS - MARIO SÉRGIO CORTELLA - COM GABARITO

 ARTIGO DE OPINIÃO: O naufrágio de muitos internautas

             Mario Sergio Cortella

        Há mais de um século, o francês Júlio Verne publicou uma de suas mais encantadoras e assustadoras obras, "Vinte Mil Léguas Submarinas". Na época do lançamento, 1870, a maior parte das pessoas que tinham acesso a livros dominava minimamente o latim, seja por ser disciplina constante do currículo escolar em muitos países seja por interesses específicos. Por isso não ficou estranho que o romancista tenha chamado de Nemo ao enigmático capitão do Nautilus. No correr dos últimos 130 anos, porém, o latim, que há alguns séculos perdera seus falantes, perdeu a maior parcela dos seus conhecedores e, por consequência, no Capitão Ninguém (traduzindo para o português) desfez-se parte da aura misteriosa.
Restou, no entanto, para além da força literária dessa precursora obra de ficção científica, um caráter premonitório: a possibilidade de as pessoas se extraviarem nas novas profundezas abissais, embarcando, agora, não mais no Nautilus, mas, isso sim, em um computador, conduzidas, mais uma vez, por Ninguém.

        Ora, a cada dia fala-se, mais e mais, sobre a triunfal entrada da humanidade na era do conhecimento; exalta-se a capacidade humana de estar vivendo, a partir deste momento, um período no qual o conhecimento será a principal riqueza. Tudo é fonte para o conhecimento, e a principal delas seria a Internet.

        Devagar com isso! Não se deve confundir informação com conhecimento. A Internet, entre as mídias contemporâneas, é a mais fantástica e estupenda ferramenta para acesso à informação; no entanto transformar informação em conhecimento exige, antes de tudo, critérios de escolha e seleção, dado que o conhecimento (ao contrário da informação) não é cumulativo, mas seletivo.

        É como alguém que entra numa livraria (ou em uma bienal do livro) sem saber muito o que deseja (mesmo um simples passear): corre o risco de ficar em pânico e com uma sensação de débito intelectual, sem ter clareza de por onde começar e imaginando que precisa ler tudo aquilo. É fundamental ter critério, isto é, saber o que se procura para poder escolher em função da finalidade que se tenha.
Os computadores e a Internet têm um caráter ferramental que não pode ser esquecido; ferramenta não é objetivo em si mesmo, é instrumento para outra coisa. Por isso há um ditado atribuído aos chineses que se diz: "Quando se aponta a Lua, bela e brilhante, o tolo olha atentamente a ponta do dedo".

        O instigante Lewis Carol, na sua imortal "Alice no País das Maravilhas", a ser lida e relida, tem duas personagens bem expressivas para entendermos os tempos atuais: um coelho (como nós) sempre correndo, sempre olhando o relógio e sempre reclamando "estou atrasado, estou atrasado"; e um insondável gato, que, no alto de uma árvore, tem um corpo que aparece e desaparece, às vezes ficando só a cauda, às vezes, só o sorriso. Há uma cena (adaptada aqui livremente) na qual Alice, desorientada, vê o gato na árvore e pergunta: "Para onde vai esta estrada?". O gato replica: "Para onde você quer ir?". Ela diz: "Não sei; estou perdida". O gato não titubeia: "Para quem não sabe para onde vai, qualquer caminho serve...".

        Sem critérios seletivos, muitos ficam sufocados por uma ânsia precária de ler tudo, acessar tudo, ouvir tudo, assistir tudo. É por isso que a maior parte dessas pessoas, em vez de navegar na Internet, naufraga...

MARIO SERGIO CORTELLA, filósofo, professor da PUC-SP e autor de "A Escola e o Conhecimento: Fundamentos Epistemológicos e Políticos" (ed. Cortêz/IPF).

Entendendo o texto:

01 – Das afirmações a seguir, a respeito do texto, a que deve ser considerada inadequada é:

a)   A narrativa de Júlio Verne tem certa analogia com o uso da internet em nosso século.

b)   Hoje, pode-se considerar a Internet uma ferramenta fundamental para o conhecimento.

c)   O conhecimento pode ser entendido como a principal riqueza de nossa era.

d)   Segundo o autor, a informação tem um caráter cumulativo.

e)   O acesso à Internet, por si só, garante a imersão no mundo do conhecimento.

02 – O autor do texto:

I – Manifesta uma visão pessimista quanto ao uso indiscriminado e ingênuo da Internet como meio de aquisição de conhecimento.

II – Sugere que a utilização da Internet, sem o conhecimento da língua latina, desorientará o usuário.

III – Censura o uso da Internet como ferramenta de acesso à informação.

Está(ão) correta(s):

a)   Apenas I.

b)   Apenas I e II.

c)   Apenas II e III.

d)   Apenas III.

e)   Apenas II.

03 – O item que expressa claramente o modo de pensar do autor é:

a)   As informações que circulam na Internet não podem se transformar em conhecimento.

b)   Ao navegar na Internet, o usuário deve saber de antemão o que procura e ter critérios de seleção das informações.

c)   Não podemos nos enganar ao supor que a humanidade está entrando em uma era de conhecimento.

d)   O usuário das mídias contemporâneas deve se comportar como quem entra numa livraria e começa a ler tudo que lá se encontra.

e)   Como ferramenta útil que é, o computador pode ser utilizado como um objetivo em si mesmo.

04 – O autor do texto utiliza duas comparações principais ao situar, de forma metafórica, o moderno usuário de computadores: com a navegação do Nautilus e a entrada em uma livraria. Com essas comparações, seu objetivo é ilustrar, respectivamente:

a)   Um mergulho no conhecimento e a ampla possibilidade de escolha.

b)   A falta de conhecimento de línguas clássicas e a angústia diante de muitos livros para ler com pouco tempo para fazê-lo.

c)   A ausência de um objetivo e a desorientação diante de muita informação.

d)   O desconhecimento da fonte de informações e um passeio sem destino.

e)   A identificação de quem nos dirige e a sensação de pânico.