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quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

NOTÍCIA: A SOLIDÃO DO CAIS - MARIO SERGIO CORTELA - COM GABARITO

 Notícia: A solidão do cais

             Mario Sergio Cortela

        "O que há em mim é sobretudo cansaço / Não disto ou daquilo, / Nem sequer de tudo ou de nada; / Cansaço assim mesmo, ele mesmo, / Cansaço"

        O fim está próximo! A ameaça apocalíptica de muitos profetas e de variados loucos momentâneos ecoa não só nos templos ou nos desertos eremíticos. A cada final de ano vem essa impressão. Tempo de preparar-se para prometer revisões para mais tarde, era de nostalgias postergadas, época de tentar esquecer levemente as asfixias do cotidiano e, suspirando, ficar imaginando que falta pouco. Pouco para quê? Pouco para o acabar de um sorrateiro embaço e indefinível cansaço. Neste período, parece que ficamos todos orbitando em um dos modos de ser de Fernando Pessoa, aquele tão bem lembrado pelo (fictício?) Álvaro de Campos: "O que há em mim é sobretudo cansaço / Não disto ou daquilo, / Nem sequer de tudo ou de nada; / Cansaço assim mesmo, ele mesmo, / Cansaço".

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiOsNmX3rrr4mb_IZr7jfUUbOPzhKCvck4l4UopFeKC3GllOLwz0LCAAXz0IDilQG0lPsFFBbhhDpZb17jIE2YR5OA5ZYymX9f0wn3mTaIzz5uPTuy1Kd9NIJU7CimKJS5WVZO7eAD2DMJGH-X-ic_Zz83z61iqRjz4hF_ccEomOEN0SJLFP-NCk14ksA4/s320/Era-da-Solidao-Einstein.jpg

        A sensação é que esse cansaço nebuloso é adiado por algumas estereotipadas e forçadas comemorações coletivas que apenas invadem a inconsciência e perturbam desejos de somente aquietar-se, se não de forma mais definitiva, ao menos suspendendo temporariamente as tensões de ter de existir sem pausa e ser obrigado a participar de um espírito de júbilo traduzido em posse fugaz, matéria plástica e reconciliações transitórias.

        Há um século, em dezembro de 1903, o lisboeta Fernando Pessoa, com pouco mais de 15 anos, conseguiu ser brilhantemente admitido na Universidade do Cabo – o exame (um ensaio escrito em inglês!) rendeu a ele o prêmio Rainha Vitória, grande honraria naquela ocasião. Nascido em 1888, ficou órfão de pai em 1893; a mãe (a quem dedicara sua primeira poesia, escrita com sete anos de idade) casou-se então com um diplomata (sempre viajante) e, para tristeza do menino, poucos meses depois da redação da quadrinha "A Minha Querida Mamã", teve de acompanhá-los na mudança da família para a África do Sul, deixando a terra natal. Em Durban, estudou o idioma britânico, inicialmente em um convento, fez a high school e, em pouco tempo, foi premiado também pelo desempenho em francês. Voltou a viver por um ano em Portugal (enquanto o padrasto gozava de uma licença), retornando à África, na qual o sucesso precoce continuou até o ingresso na universidade.

        Mas nem dois anos tinham ainda se passado e, mesmo com a surpreendente performance acadêmica, o jovem Fernando decidiu regressar novamente a Lisboa, desta vez sozinho, de modo a matricular-se no Curso Superior de Letras. Entre a península Ibérica e o cabo da Boa Esperança, havia a distância e a presença constante do mar, recorrente na obra do poeta e de seu povo. O já aludido heterônimo do plurifacetado Pessoa, Álvaro de Campos, um depressivo genial, é autor da corretamente extensa e conhecida "Ode Marítima", na qual há o secular e perene verso: "Ah, todo o cais é uma saudade de pedra!".

        Ele sabia, nós sabemos. A solidez do cais, a solidão do cais. Mais um ano. Estar sempre partindo ou ficando. Por isso, para nos dar alguma paz, esse mesmo Álvaro de Campos escreveu que "Na véspera de não partir nunca / Ao menos não há que arrumar malas / Nem que fazer planos em papel, / Com acompanhamento involuntário de esquecimentos, / Para o partir ainda livre do dia seguinte. / Não há que fazer nada / Na véspera de não partir nunca".

        Dessa fonte interna vem a ânsia de descanso e a avidez por sossego. Conclui Pessoa/Campos: "Sossego, sim, sossego... / Grande tranquilidade... / Que repouso, depois de tantas viagens, físicas e psíquicas! / Que prazer olhar para as malas fitando como para nada! / Dormita, alma, dormita! / Aproveita, dormita! / Dormita! / É pouco o tempo que tens! Dormita! / É a véspera de não partir nunca!".

        Conta a lenda filosófica que, todas as vezes que ao filósofo alemão Edmundo Husserl era feita a pergunta "E o senhor, como vai?", ele respondia mediante e sem titubeio: "Bem! Sinto apenas uma certa dificuldade em ser...".

MARIO SERGIO CORTELA, filósofo, professor da PUC-SP, autor de "A Escola e o Conhecimento: Fundamentos Epistemológicos" (ed. Cortez/IPF), entre outros. Folha de São Paulo. Caderno Equilíbrio. São Paulo, 4 dez. 2003, p. 12.

Fonte: livro Português: Língua e Cultura – Carlos Alberto Faraco – vol. único – Ensino Médio – 1ª edição – Base Editora – Curitiba, 2003. p. 113.

Entendendo a notícia:

01 – Qual é a principal sensação que permeia o texto de Mario Sergio Cortela?

      A principal sensação é a de um cansaço nebuloso e indefinível, um sentimento de exaustão que parece acompanhar o ser humano em seu cotidiano.

02 – Qual a relação entre o cansaço e as comemorações de final de ano, segundo o autor?

      Cortela argumenta que as comemorações de final de ano, apesar de serem momentos de celebração coletiva, podem intensificar a sensação de cansaço, pois invadem a inconsciência e perturbam o desejo de quietude e descanso.

03 – Quem é Fernando Pessoa e qual a sua importância para o texto?

      Fernando Pessoa é um poeta português que, através de seus heterônimos, como Álvaro de Campos, expressou de forma profunda e sensível a angústia e o cansaço da existência humana. Seus versos são utilizados por Cortela para ilustrar a sensação de cansaço que ele descreve.

04 – O que significa a expressão "Todo o cais é uma saudade de pedra!"?

      Essa expressão, presente na "Ode Marítima" de Álvaro de Campos, representa a solidão e a melancolia do cais, lugar de partida e de chegada, de esperança e de saudade. A pedra simboliza a frieza e a imobilidade diante da vastidão do mar, que representa a vida e suas incertezas.

05 – Qual a relação entre a "véspera de não partir nunca" e o cansaço, segundo o autor?

      A "véspera de não partir nunca" representa o desejo de descanso e de sossego, de interromper o ciclo de partidas e chegadas que marcam a vida humana. Esse desejo surge do cansaço acumulado pelas constantes viagens, tanto físicas quanto psíquicas, que enfrentamos ao longo da vida.

06 – Qual a reflexão proposta por Cortela ao citar o filósofo Edmundo Husserl?

      Ao citar a resposta de Husserl à pergunta "E o senhor, como vai?", Cortela nos leva a refletir sobre a dificuldade de "ser" no mundo contemporâneo, sobre a sensação de estranhamento e de inadequação que muitas vezes nos acompanha.

07 – Qual a mensagem principal que Cortela busca transmitir ao longo do texto?

      Cortela nos convida a refletir sobre o cansaço e a solidão que permeiam a vida moderna, sobre a importância de buscar momentos de quietude e de descanso, e sobre a necessidade de dar sentido à nossa existência, para além das comemorações superficiais e dos momentos de euforia passageira.

 

terça-feira, 25 de agosto de 2020

ARTIGO DE OPINIÃO: O NAUFRÁGIO DE MUITOS INTERNAUTAS - MARIO SÉRGIO CORTELLA - COM GABARITO

 ARTIGO DE OPINIÃO: O naufrágio de muitos internautas

             Mario Sergio Cortella

        Há mais de um século, o francês Júlio Verne publicou uma de suas mais encantadoras e assustadoras obras, "Vinte Mil Léguas Submarinas". Na época do lançamento, 1870, a maior parte das pessoas que tinham acesso a livros dominava minimamente o latim, seja por ser disciplina constante do currículo escolar em muitos países seja por interesses específicos. Por isso não ficou estranho que o romancista tenha chamado de Nemo ao enigmático capitão do Nautilus. No correr dos últimos 130 anos, porém, o latim, que há alguns séculos perdera seus falantes, perdeu a maior parcela dos seus conhecedores e, por consequência, no Capitão Ninguém (traduzindo para o português) desfez-se parte da aura misteriosa.
Restou, no entanto, para além da força literária dessa precursora obra de ficção científica, um caráter premonitório: a possibilidade de as pessoas se extraviarem nas novas profundezas abissais, embarcando, agora, não mais no Nautilus, mas, isso sim, em um computador, conduzidas, mais uma vez, por Ninguém.

        Ora, a cada dia fala-se, mais e mais, sobre a triunfal entrada da humanidade na era do conhecimento; exalta-se a capacidade humana de estar vivendo, a partir deste momento, um período no qual o conhecimento será a principal riqueza. Tudo é fonte para o conhecimento, e a principal delas seria a Internet.

        Devagar com isso! Não se deve confundir informação com conhecimento. A Internet, entre as mídias contemporâneas, é a mais fantástica e estupenda ferramenta para acesso à informação; no entanto transformar informação em conhecimento exige, antes de tudo, critérios de escolha e seleção, dado que o conhecimento (ao contrário da informação) não é cumulativo, mas seletivo.

        É como alguém que entra numa livraria (ou em uma bienal do livro) sem saber muito o que deseja (mesmo um simples passear): corre o risco de ficar em pânico e com uma sensação de débito intelectual, sem ter clareza de por onde começar e imaginando que precisa ler tudo aquilo. É fundamental ter critério, isto é, saber o que se procura para poder escolher em função da finalidade que se tenha.
Os computadores e a Internet têm um caráter ferramental que não pode ser esquecido; ferramenta não é objetivo em si mesmo, é instrumento para outra coisa. Por isso há um ditado atribuído aos chineses que se diz: "Quando se aponta a Lua, bela e brilhante, o tolo olha atentamente a ponta do dedo".

        O instigante Lewis Carol, na sua imortal "Alice no País das Maravilhas", a ser lida e relida, tem duas personagens bem expressivas para entendermos os tempos atuais: um coelho (como nós) sempre correndo, sempre olhando o relógio e sempre reclamando "estou atrasado, estou atrasado"; e um insondável gato, que, no alto de uma árvore, tem um corpo que aparece e desaparece, às vezes ficando só a cauda, às vezes, só o sorriso. Há uma cena (adaptada aqui livremente) na qual Alice, desorientada, vê o gato na árvore e pergunta: "Para onde vai esta estrada?". O gato replica: "Para onde você quer ir?". Ela diz: "Não sei; estou perdida". O gato não titubeia: "Para quem não sabe para onde vai, qualquer caminho serve...".

        Sem critérios seletivos, muitos ficam sufocados por uma ânsia precária de ler tudo, acessar tudo, ouvir tudo, assistir tudo. É por isso que a maior parte dessas pessoas, em vez de navegar na Internet, naufraga...

MARIO SERGIO CORTELLA, filósofo, professor da PUC-SP e autor de "A Escola e o Conhecimento: Fundamentos Epistemológicos e Políticos" (ed. Cortêz/IPF).

Entendendo o texto:

01 – Das afirmações a seguir, a respeito do texto, a que deve ser considerada inadequada é:

a)   A narrativa de Júlio Verne tem certa analogia com o uso da internet em nosso século.

b)   Hoje, pode-se considerar a Internet uma ferramenta fundamental para o conhecimento.

c)   O conhecimento pode ser entendido como a principal riqueza de nossa era.

d)   Segundo o autor, a informação tem um caráter cumulativo.

e)   O acesso à Internet, por si só, garante a imersão no mundo do conhecimento.

02 – O autor do texto:

I – Manifesta uma visão pessimista quanto ao uso indiscriminado e ingênuo da Internet como meio de aquisição de conhecimento.

II – Sugere que a utilização da Internet, sem o conhecimento da língua latina, desorientará o usuário.

III – Censura o uso da Internet como ferramenta de acesso à informação.

Está(ão) correta(s):

a)   Apenas I.

b)   Apenas I e II.

c)   Apenas II e III.

d)   Apenas III.

e)   Apenas II.

03 – O item que expressa claramente o modo de pensar do autor é:

a)   As informações que circulam na Internet não podem se transformar em conhecimento.

b)   Ao navegar na Internet, o usuário deve saber de antemão o que procura e ter critérios de seleção das informações.

c)   Não podemos nos enganar ao supor que a humanidade está entrando em uma era de conhecimento.

d)   O usuário das mídias contemporâneas deve se comportar como quem entra numa livraria e começa a ler tudo que lá se encontra.

e)   Como ferramenta útil que é, o computador pode ser utilizado como um objetivo em si mesmo.

04 – O autor do texto utiliza duas comparações principais ao situar, de forma metafórica, o moderno usuário de computadores: com a navegação do Nautilus e a entrada em uma livraria. Com essas comparações, seu objetivo é ilustrar, respectivamente:

a)   Um mergulho no conhecimento e a ampla possibilidade de escolha.

b)   A falta de conhecimento de línguas clássicas e a angústia diante de muitos livros para ler com pouco tempo para fazê-lo.

c)   A ausência de um objetivo e a desorientação diante de muita informação.

d)   O desconhecimento da fonte de informações e um passeio sem destino.

e)   A identificação de quem nos dirige e a sensação de pânico.