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quinta-feira, 14 de agosto de 2025

ENTREVISTA: SCOTT WEEMS - FRAGMENTO - VEJA - ABRIL - COM GABARITO

 Entrevista: Scott Weems – Fragmento

        “O riso é tão importante para nossa vida quanto a inteligência ou a criatividade”

        Rir nos torna mais inteligentes, criativos e saudáveis, segundo o neurocientista cognitivo Scott Weems. Nesta entrevista, ele conta como isso acontece e explica de que maneira algumas gargalhadas revelam crenças e preconceitos e oferecem soluções inéditas para nossos problemas.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjEQefxug9Ar56e628I2u2MiPTrGP1hPK7IYq9c3CSIPv9vLaZ4IoONcmgoqeotmotWxI22uugpdxT-VMTSBADTyGQ8O6fFvQPU7ktH8upJ54vYc6WwoWcz1TvqT3GSFLv_xp8CsNyrXoTM11EylY8djuJHy84D1PyhqnAwlEQKeuM61_8fhXYGvjdmf98/s320/bg2.png


        [...]

        Analisando a piada

        Em suas pesquisas, Weems descobriu que o humor é o segredo de pessoas inteligentes e criativas para suas associações rápidas e inesperadas. [...]. Nesta entrevista site da Veja, Weems explica por que não levamos o humor a sério e conta como piadas e anedotas são a chave para atingir pensamentos sofisticados e nos tornar mais saudáveis e criativos. [...]

        Por que costumamos explodir em risadas frente a situações constrangedoras? 

        Nossa mente transforma ambiguidade e confusão em prazer. O cérebro é lugar cheio de conexões e ideias competindo por atenção. Isso nos leva a raciocinar, mas também traz conflito, pois às vezes temos duas ou mais ideias inconsistentes sobre o mesmo assunto. Quando isso acontece, nosso cérebro só tem uma coisa a fazer: rir.

        E isso resolve alguma coisa? 

        Gostamos de trabalhar em meio a essa confusão e rimos quando chegamos a uma solução. O humor traz respostas súbitas, que chegam por vias diferentes do pensamento lógico e analítico. Cada vez que rimos de uma piada é como se tivéssemos um pequeno insight, pois pensamos algo inédito. E isso só dá certo porque o processo nos alegra — uma mente entediada é uma mente sem humor.

        [...].

Disponível em: http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/o-riso-e-tao-importante-para-nossa-vid-quanto-a-inteligencia-ou-a-criatividade. Acesso em:26 fev. 2015.

Fonte: Língua Portuguesa: Singular & Plural. Laura de Figueiredo; Marisa Balthasar e Shirley Goulart – 7º ano – Moderna. 2ª edição, São Paulo, 2015. p. 313-314.

Entendendo a entrevista:

01 – Qual é a principal afirmação de Scott Weems sobre o riso em relação a outras qualidades humanas?

      Para Scott Weems, o riso é tão fundamental para a vida quanto a inteligência ou a criatividade. Ele defende que rir nos torna mais inteligentes, criativos e saudáveis.

02 – Como o humor se relaciona com a inteligência e a criatividade, de acordo com as pesquisas de Weems?

      Em suas pesquisas, Weems descobriu que o humor é o segredo de pessoas inteligentes e criativas para suas associações rápidas e inesperadas, sendo a chave para atingir pensamentos sofisticados.

03 – Por que, segundo Weems, costumamos rir diante de situações constrangedoras?

      Nossa mente transforma ambiguidade e confusão em prazer. Quando o cérebro lida com ideias inconsistentes sobre o mesmo assunto, a única coisa que ele pode fazer é rir.

04 – O riso é capaz de resolver problemas? Se sim, como?

      Sim, o riso pode resolver problemas. O humor traz respostas súbitas que chegam por vias diferentes do pensamento lógico e analítico. Cada vez que rimos de uma piada, é como ter um pequeno insight, pois pensamos algo inédito.

05 – Qual a importância da alegria no processo de resolução de problemas através do humor?

      A alegria é crucial porque o processo de chegar a uma solução através do humor nos alegra. Uma mente entediada é, segundo Weems, uma mente sem humor, o que sugere que o prazer é um catalisador para esses insights.

 

ENTREVISTA: CAETANO VELOSO - CONCEDIDA A MONIQUE DEHEINZELIN - COM GABARITO

 Entrevista: Caetano Veloso

 

        Monique — Caetano, a ideia central desta proposta de educação infantil — tratada no livro “A fome com a vontade de comer” — é que as transformações têm a chave do saber e que essas transformações se dão quando existe uma interação entre o que a pessoa é, o que ela sabe, os seus conhecimentos prévios, e aquilo que é ensinado a ela. Essa é a função da escola, ensinar algumas coisas para as pessoas, não é? Aqui no estado da Bahia a gente tem uma diversidade enorme de modos de vida e cultura, e essa diversidade está, me parece, mais fundada atualmente nas coisas de uma cultura popular que se mantém pela preservação das tradições, do que uma cultura popular que se transforma. Algumas pessoas acreditam que não se pode, ao mesmo tempo, ser um ouvinte de rock and roll e preservar a tradição dos ternos de Reis, por exemplo. Como é que você vê essa questão, dessa diversidade do estado em relação a essa questão da cultura popular e daquilo que pode ser trazido como contribuição pela educação? Eu fico pensando que educação é exatamente o lugar de acesso ao conhecimento, aos bens culturais que são daquele lugar, mas que também dão acesso às pessoas que são daquele lugar a qualquer outra coisa, de qualquer outro lugar do mundo. Como é que você vê essa questão?

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi6UqYzdjwoxZBiAnmYlv0CsVl1huefg_Aj6tGtQ5EHvllZzqUG_uJ2XI5cmv2h1cFez26E0kSDIc7-Eh2nv3vWTD7HcAcDOao-aOA2kJgsLWfL1nwk5IrPDdpqxV5rnME-Vqdfqq4q-KQQVGgJIx4Ax0ujtG-G4nzysaOlerIB3aQxHmWBV3u_e3QsoH0/s320/Caetano_Veloso.jpg


        Caetano — Bom, até onde a minha cabeça pode chegar, eu concordo sobretudo com a sua conclusão, esta última parte do que você falou, o conhecimento local como meio de acesso para o conhecimento universal, não sendo uma defesa contra o contato com o conhecimento exterior àquela área, mas como na verdade uma instrumentação maior para você entrar em contato, para fazer conexões com os outros círculos de saber, eu concordo sobretudo com isso. Quando você menciona a posição de algumas pessoas que creem que o fato de as pessoas ouvirem rock and roll impede que elas mantenham contato com tradições como um terno de Reis, ou um samba de roda, que essas coisas não podem conviver, eu tenho a experiência pessoal que essas coisas convivem. Agora, não sei por quanto tempo, nem em que termos, qual dessas duas expressões culturais, digamos o rock and roll e o samba de roda, vai ser dominante, ou estar mais ligada ao futuro das pessoas que participam dela e qual a que ficaria com apenas um resíduo do passado; se é assim que o rock and roll e o samba de roda se contrapõem em sociedades onde essas duas coisas podem conviver, ou se pelo contrário uma ou outra coisa vai nascer da audição de rock and roll por pessoas que cresceram praticando samba de roda e que não deixaram, por ouvir rock and roll, ou fox-trot, ou boleros mexicanos, ou tangos, não deixaram de praticar samba de roda. É o caso do Recôncavo da Bahia: em Santo Amaro, por exemplo, o samba de roda continua sendo uma prática normal, não uma prática assim programada por grupos de preservação do folclore: é uma prática normal. Quando tem uma festa na minha casa em Santo Amaro, tem samba de roda, e assim em muitas outras casas em Santo Amaro.

        Monique — Pois é exatamente isso, e você eu acho que é um excelente exemplo que responde essa questão, porque você traz, conserva no sentido de guardar, todas essas tradições e ao mesmo tempo cria sempre novas coisas. Mas você foi uma pessoa que teve dentro de casa uma situação muito especial, de acesso a uma série de informações sobre o mundo. Quando você diz que lia a revista Senhor, ou que você tinha uma professora de português que te sugeriu a leitura de poemas de João Cabral de Melo Neto, isso deu a você possibilidades, que talvez você não tivesse, se permanecesse na situação estrita do samba de roda.

        Caetano — É claro.

        Monique — Então o que eu acho é que a escola é o lugar de acesso ao João Cabral, ao que é o existencialismo...

        Caetano — É, eu acho.

        Monique — Enfim, que a escola é o lugar...

        Caetano — A escola é o lugar de acesso democrático ao conhecimento universal, quer dizer, que tem valor em qualquer lugar. Agora, eu não sei o que é que preocupa você propriamente nisso. Essa definição me parece muito boa, e a sua posição me parece boa e nesse exemplo do rock and roll com as coisas tradicionais eu pude falar alguma coisa. Em trechos da sua conversa eu poderia ter pensado em alguma outra coisa, mas não sei assim no todo o que é que preocupa você, o que é que une essas coisas todas.

        Monique — É o seguinte: a chamada educação tradicional, que vem sendo revista e criticada, ela dava acesso aos bens culturais, não é? Então, quando você diz "para a escola pública eu ia, não só porque em casa não teríamos condições de ir a outra...

        Caetano — Porque eram melhores, é.

        Monique — ...mas porque era a melhor que tinha". A escola pública ensinava os objetos do conhecimento, os elementos da cultura. Houve, nos últimos 25 anos, um movimento de crítica à escola tradicional no que se refere ao comportamento, às normas, de ser uma escola muito restritiva, de propor uma aprendizagem mecânica, repetitiva. Essa crítica, me parece, tem sua razão de ser por aí. Mas foi uma crítica que fez com que muitos educadores passassem a descartar o ensino intencional dos objetos de conhecimento. Assim, a escola chamada nova, renovada, ela não tem a intenção de transmitir o conhecimento. Então, você tem crianças que podem ser muito espontâneas, muito criativas, muito alegres...

        Caetano — ...e pouco informadas, é.

        Monique — ...mas muito pouco informadas! E paralelamente a isso houve um movimento de recuperação da cultura local, uma intenção de trabalhar a partir das realidades dos sujeitos. Propõe-se então um trabalho gerado pelos interesses dos alunos, por temas geradores vinculados a determinados modos de vida e cultura das pessoas envolvidas. Essa forma de trabalho pedagógico é extremamente interessante, mas existe a ideia que só se pode trabalhar a partir desses elementos. Então, a rigor, aqui no estado da Bahia, o pessoal do Recôncavo só teria acesso à cultura local, o do sertão idem, e assim por diante. O que me preocupa é que dessa forma a escola não seja o lugar de acesso democrático ao conhecimento, que haja uma intenção, consciente ou não, de impedir esse acesso.

        Caetano — É uma reação contra a verdadeira democratização do conhecimento, da educação, da própria alfabetização no Brasil. Agora, pelo que você está dizendo aí, essa reação se mostra como uma atitude mais ou menos consciente, em pessoas que nos querem preservar a injustiça social que é muito gritante no Brasil. Por outro lado, pessoas de muito boas intenções terminam contribuindo para isso também, não é, com a ideia de renovação da escola e de uma educação mais espontaneísta, isto é, com menos conhecimento do que seja disciplina. Eu tive uma experiência pessoal que talvez lhe sirva um pouco. Quando Moreno, meu filho mais velho foi se matricular numa escola do Rio, ele saiu de uma escola primária e foi para um ginásio. Então eu fui na reunião de pais e mestres, a primeira para a entrada dos alunos. Os professores explicando como era a escola, davam muita ênfase à diferença entre o que eles faziam nessa escola e o que as escolas tradicionais faziam. Eles demonstravam — o diretor e algumas professoras enfatizavam muito o fato de que eles faziam do aprendizado uma coisa muito agradável, divertida, que aquela ideia que estudar era uma coisa maçante, difícil, era ultrapassada, era uma ideia antiga. Eu acompanhava com simpatia aquilo, mas cresceu demais nessa direção e todos, os professores e os pais, pareciam concordar que a escola deveria ser algo agradável, divertida e atraente para a criança. Eu não discordava disso, mas comecei a temer que estivesse faltando ali uma noção de disciplina. Aí eu me levantei e disse assim: "eu fico um pouco preocupado porque tenho a impressão que vocês estão querendo negar que alguma coisa no ensino e no estudo, e tem que ser chata". Eles ficaram um pouco chocados e as pessoas também, alguns pais. Moreno ficou até meio duvidoso, ele estava com onze anos de idade, dez para onze anos, e veio falar comigo: "pai, algumas pessoas falaram que você foi careta na reunião", ... e eu contei a ele...

        Monique — É muito difícil você procurar conhecer as coisas, custa muito esforço, não é? Não tem outro jeito e é bom que seja assim...

        Caetano — Não, eu disse o seguinte: "para vocês, disciplina tem um aspecto que tem que ser maçante? Em algum momento a escola dá ideia de disciplina? Estou falando assim até por ciúme, porque não quero que meu filho ache que a escola é mais divertida do que o parque de diversão e nem mais amorosa do que a minha casa. A escola é uma outra coisa na vida dele, não pode ser tão amorosa quanto os pais e tão divertida quanto o Tivoli Park! Eu acho que justamente na escola é que deve haver alguma coisa onde... em casa também se aprende isso, mas na escola sobretudo, onde se aprende mais que você tem que passar por coisas em princípio maçantes para chegar a ter capacidade de ter prazeres superiores". Eu disse assim, "até pra tocar pandeiro, que é uma coisa muito difícil", e ficaram aqueles professores me olhando, "tocar pandeiro é uma das coisas mais difíceis que existem? Então, você vê um cara tocando pandeiro, se divertindo na esquina, se ele está tocando bem, o que ele passou de maçada, para chegar àquela técnica mínima de tocar pandeiro, de treinamento, de autodisciplina, é incomensurável; é isso que vocês devem ensinar na escola, mais do que a criança ser espontânea ou a escola ser divertida". É claro que quanto mais divertida a escola puder ser, melhor, quanto mais atraente, mais amorosa, melhor, quanto menos repressiva precise ser, melhor. Porém, que não se perca de vista que a escola é que deve ensinar pessoas a aceitar o lado chato da vida, entendeu? É o lugar, de todos os lugares onde uma criança vai, frequentemente, até crescer, onde mais se deve ensinar como enfrentar o chato, ou seja, ficar horas diante de um livro estudando, obedecer ordens, ter tarefas a cumprir, tarefas que são difíceis, que ele deve treinar para ser capaz de executar, isso de alguma forma, em algum momento é, ou tem que ser, ou parecer chato para a criança e a escola tem que reconhecer que é também o seu papel, não é? Então a escola tradicional que era repetitiva e repressiva, que tinha hipertrofiado, digamos assim, mas tinha isso, não é? A escola deve ensinar a estudar também, não apenas ensinar o que já é sabido. Eu acho que deve, eu estou dizendo isso como opinião de um pai que viu essa questão no processo de educação do filho, na minha história com Moreno nessa escola. Onde aliás ele se deu até bem, aprendeu até algumas coisas, mas era toda uma série de negações das repressões e da disciplina sem uma nova formulação da ideia de disciplina, entendeu? Agora, não sei se já é a sua segunda pergunta, mas saiu um pouco da primeira. Porque a primeira era mais essa questão da área cultural e acesso à cultura universal. Mas eu acho que você tem a resposta melhor. A formulação conclusiva da sua pergunta traz a melhor resposta a ela. Você ouça de novo gravada, você vai ver: eu concordo com aquilo, essa é minha opinião. A formulação conclusiva da sua pergunta traz a melhor resposta à sua pergunta.

        Monique — Então, diante dessa questão que a gente não está nomeando, e que está no final da minha pergunta, a gente tem a seguinte situação: a educação infantil é uma profissão quase estritamente feminina: são raríssimos os homens que estão nesta profissão.

        Caetano — É verdade, é engraçado isso não é?

        Monique — Então, eu fico pensando o seguinte: as mulheres, ou esse aspecto mais feminino nelas, ele é maternal, tem como possibilidade uma tentativa de quase substituir a casa, e essa coisa que você falou que não queria ser substituído...

        Caetano — É eu não quero mesmo.

        Monique — ...no seu amor de pai. Tanto é assim, que as professoras de educação infantil são chamadas de tias, como se fossem não uma profissional, mas uma pessoa da família. Então você tem nessas profissionais uma coisa ao mesmo tempo de uma dedicação que às vezes é espantosa, isso que Dolores nos dizia de professoras que têm um amor a essa causa e a esse trabalho com as crianças, uma dedicação, um ânimo pra coisa que é extraordinário, sobretudo se você for pensar nas condições de trabalho, que são muito ruins.

        Caetano — Eu fico espantado como ainda há professores no Brasil. É um gosto mesmo, porque não há estímulo não é verdade?

        Monique — Exatamente...

        Caetano — Eu fico apaixonado quando uma pessoa diz que é professora, ou professor, de escola primária, é inacreditável. Porque a pessoa deveria ser muito bem assistida. Deveria ter um bom salário, e muitas regalias na sociedade brasileira para estimular a educação, o ensino. Mas os professores não têm isso, ao contrário.

        Dolores — A Monique coloca um exemplo que eu acho vital: a gente vai ao médico, a gente confia no médico, não pode dar palpite. Mas quando chega a hora das professoras, ela não pode fazer o que acredita, porque diretor, pai, mãe, todo mundo dá palpite. É aí que ela insiste na coisa de a gente poder se profissionalizar.

        Caetano — É, eu acho. Olha, isso daí eu acho importante.

        Monique — É exatamente minha segunda pergunta. Porque você tem uma profissão feminina que tem essa dedicação, tem esse desvelo, mas tem uma precariedade imensa de conhecimento de ofício: as pessoas são, no máximo, muito boas reprodutoras de procedimentos que já vêm de muitos e muitos anos, com aqueles mesmos textos: essas são as boas professoras. Mas a educação é um terreno, assim, maravilhoso de investigações. Se formos pensar como um ser humano aprende, por exemplo, só por aí você tem coisas extraordinárias; toda questão da arte, toda questão da constituição das linguagens. Raríssimos são os professores que têm acesso a essas coisas e que se preocupam com elas, que buscam se profissionalizar nesse sentido. Quero dizer que se perguntam: "que base científica eu preciso para exercer essa profissão, o que é que eu preciso saber?". Então, eu queria saber como é que você vê essa questão, eu pergunto, por ser uma profissão feminina é que existe na educação essa dificuldade de tomar o ofício mais a sério?

        Caetano — Eu não sei, eu não sei. Talvez o fato de ser predominantemente feminino o contingente de professores de crianças pequenas contribua, ou seja, mesmo uma condição para que essa função seja exercida de uma maneira muito menos profissional, de uma maneira quase pessoal, familiar. Em vez de profissional, e sem muita tendência profissionalizante. Talvez seja porque junto com várias coisas arcaicas tem aí também a própria ideia de que a mulher não é, nem deve, nem precisa ser muito intelectualmente desenvolvida. Eu acho que está embutido aí, talvez, uma velha visão da mulher, também, talvez esteja. Eu vejo, quando você descreve essas questões...

        Monique — Que visão da mulher você tem em relação a isso? Porque você é bem ambíguo, muitas vezes, assim, publicamente...

        Caetano — Ah! Sou, sou, intimamente mais ambíguo ainda! Intimamente mais ambíguo ainda. Eu acho que evidentemente tem coisas boas nesse fato de ser sobretudo mulheres que ensinam as crianças, tem coisas boas no fato de as mulheres não serem muito boas profissionais também, não terem uma tendência, ou um convite da sociedade para que elas sejam intelectualmente muito responsáveis. Isso leva coisas boas também no trato das professoras de crianças na primeira fase.

        Monique — Que tipo de coisas?

        Caetano — Eu não sei, talvez esse próprio calor personalizado, maternal, confundido com a família, tenha em si mesmo algumas vantagens que se a gente...

        Monique — Mas você disse na escola do Moreno que você não queria...

        Caetano — Não queria e não quero... eu estou dizendo apenas que embora..., eu não quero, mas eu acho que deve ter coisas boas, que é o que mantém isso. Eu acho que deve ter, porque eu vejo que tem. Eu acho o seguinte: essas pessoas que se desvelam nessa profissão são pessoas maravilhosas e não é o fato de haver um equívoco dessa natureza em relação a isso que diminui aos meus olhos a beleza do perfil psicológico da professora da criança pequena, entendeu? Eu digo assim, a ideia geral que eu faço da moça que ensina as crianças na primeira fase é uma ideia benigna, em primeiro lugar, uma ideia boa. Essas características pouco profissionais devem conter alguma coisa de muito boa, eu acho, porque tudo isso, a mera existência de professoras já é uma coisa muito boa, entendeu, quando não há estímulo profissional para que haja professoras. Então eu queria apenas estar dizendo uma coisa carinhosa que elas merecem. O que não quer dizer que eu ache que as coisas devam permanecer assim, ao contrário: eu acho que quanto maior desenvolvimento intelectual e consciência do que elas estão fazendo por essas pessoas, sobretudo mulheres, puderem ganhar, melhor será para elas e para a profissão e melhor será para o ensino no Brasil. Até mesmo para aquela visão mais geral de que a gente estava falando sobre a necessidade de democratização do ensino público no Brasil...

        Monique — Exatamente.

        Caetano — Então, a minha posição é nitidamente favorável a uma superação de uma fase amadorística, embrionária do ensino para crianças pequenas. Mas, quando eu disse que deve haver coisas boas é porque eu suponho que há alguma coisa muito delicada, muito profunda nessa questão da ambição moderna de equiparar o homem à mulher nas suas potencialidades como sujeitos sociais, entendeu? Eu acho que esse é um assunto que me interessou desde a minha primeira infância, uma coisa que me interessa desde que eu era criança, que os assuntos que são assuntos do feminismo são assuntos meus...

        Monique — A terceira pergunta é a seguinte: você, como pai do Zeca, se você pudesse fazer uma escola dos seus sonhos, o que você gostaria que a escola oferecesse?

        Caetano — Olha, uma escola dos meus sonhos não teria dificuldade de ser posta em funcionamento, é muito simples: uma escola que ensinasse, fosse limpa, organizada... Não achei basicamente muito difícil educar o meu primeiro filho em escolas, aquela questão que eu enfrentei, eu a descrevi, mais não cheguei a ter grandes dificuldades, nem quando ele foi para uma escola muito careta, ele chegou a ter dificuldades, serviu para ele de complementação, de experiência, de aprendizado também de como as coisas são. Então, não posso dizer que eu particularmente tenha tido dificuldades com escolas, e não penso que venha a ter com o Zeca, necessariamente, porque eu acho, se não houver problemas sérios, as escolas são basicamente fáceis em me satisfazer. É verdade, é fácil para uma escola me satisfazer como pai, porque para mim basta que haja um nível razoável de informação, que os professores se comportem bem, ensinem. Eu não tenho uma ideia muito criativa de como uma escola deve ser, nem preciso ter como pai. O que me preocupa mais é a possibilidade de muitas outras crianças, que nasceram nessa mesma altura que o Zeca nasceu, poderem ter acesso a um ensino razoável, a algum ensino, não é? O maior problema de Zeca para mim não está nem com ele, nem na escola que ele poderá encontrar, eu acho que está mais no número imenso de companheiros de geração dele que não chegarão a nenhuma escola, ou chegarão apenas a frequentar uma sub-escola por um ano e meio ou dois, e depois terem que sair, ou terminarem saindo. Eu acho que esse é que vai ser o maior problema para Zeca, porque a escola em si, para uma pessoa com os meus meios, no Brasil, eu acho que dificilmente chega propriamente a ser um problema: eu não senti isso com meu primeiro filho e não vejo que eu venha a sentir com o segundo. Eu ouço muito dizer entre pessoas da minha área, quer dizer, até entre pessoas da classe artística, mas sobretudo entre pessoas de alto poder aquisitivo no Brasil, ouço dizer, e tenho visto eles se decidirem por isso, que preferem botar os filhos para estudar em escolas estrangeiras. Então uns estudam em escolas alemãs, outros na americana, outros na escola inglesa. Eu não tenho desejo nenhum de fazer isso, eu até reajo um pouco contra isso. Primeiro porque não sinto problema — como se houvesse uma deficiência nas escolas em que meu filho mais velho estudou —, e depois porque eu tenho um pouco de desconfiança, e até de repulsa mesmo por essa atitude. É mais um agravante da disparidade social brasileira e econômica, esses atos das pessoas de alto poder aquisitivo no Brasil, praticamente só usarem o Brasil para sugar o dinheiro dele, para sugar posses, para poder gastar em outros países e ainda por cima botar os filhos em escolas de outros países. Então, parece que o Brasil como país não existe, gradativamente vai se tornando apenas um lugar que algumas pessoas, muito poucas, sugam de onde as pessoas retiram tudo para gastar em outros lugares. Então eu tenho esse problema; mas a escola, é claro que eu quero, por exemplo, que o Zeca tenha uma escola não muito repressiva, com uma capacidade de permitir que ele desenvolva a individualidade dele, que expresse a personalidade individual dele, mas não acho que isso seja muito difícil de encontrar hoje em dia. Eu gostei das escolas que eu frequentei. Sei que houve uma queda muito grande na questão da qualidade de ensino e de manutenção de escolas públicas no Brasil — o que eu acho uma tragédia —, e porque eu estudei em escolas públicas, se pudesse haver uma reversão desse quadro eu adoraria; se Zeca já pudesse se beneficiar disso, para mim isso sim seria um sonho.

        Monique — Eu tenho até um sonho...

        Caetano — Mas eu espero até que você tenha, porque é da sua profissão. Eu estou falando com você porque eu adoro esse assunto e para estimular seu próprio pensamento. É por isso que eu estou falando, para você também, eu acho que vale a pena. Mas eu acho que eu próprio não posso contribuir com ideia nenhuma para essas coisas. Eu acho que talvez a nossa conversa sirva a você, mas eu não posso trazer ideias novas a uma atividade à qual eu não estou ligado.

        Monique — Assim como eu não poderia trazer ideias novas para uma canção sua...

        Caetano — É, talvez. Mas você sabe que eu queria ser professor, eu queria ser professor. Eu já lhe disse isso, não é? Se eu não fosse artista, eu ia ser professor. Está bom?

        Monique — Está ótimo!

Concedida a Monique Deheinzelin em Salvador, em 18 de janeiro de 1993. Extraída de Trilha: educação, construtivismo, de Monique Deheinzelin, Petrópolis/RJ: Vozes, 1996. Participou da entrevista a educadora baiana Maria Dolores Coni Campos. Petrópolis, Editora Vozes, 1994.

Fonte: Programa de Formação de Professores Alfabetizadores. Coletânea de textos – Módulo 1. p. 239-245.

Entendendo a entrevista:

01 – Qual é a ideia central da proposta de educação infantil que Monique menciona, baseada no livro "A fome com a vontade de comer"?

      A ideia central é que as transformações têm a chave do saber e que essas transformações ocorrem por meio da interação entre o que a pessoa é, o que ela sabe (conhecimentos prévios) e aquilo que lhe é ensinado.

02 – Como Caetano Veloso se posiciona em relação à convivência entre a cultura local (ex.: samba de roda) e influências externas (ex.: rock and roll)?

      Caetano Veloso afirma que, por sua experiência pessoal, essas coisas convivem sim. Ele não sabe por quanto tempo ou em que termos, mas cita o Recôncavo da Bahia, em Santo Amaro, onde o samba de roda continua sendo uma prática normal, mesmo para pessoas que ouvem outros gêneros musicais.

03 – Qual é o papel principal da escola, segundo a conclusão de Monique e a concordância de Caetano Veloso?

      A escola é o lugar de acesso democrático ao conhecimento universal, onde o conhecimento local serve como meio para acessar e fazer conexões com outros círculos de saber, não como uma defesa contra o que é exterior.

04 – Que crítica Monique faz à "escola nova" ou "renovada" em contraste com a escola tradicional?

      Monique critica que, ao descartar o ensino intencional dos objetos de conhecimento, a escola nova, apesar de formar crianças espontâneas, criativas e alegres, as deixa "muito pouco informadas". Além disso, a ênfase excessiva na cultura local pode impedir o acesso democrático ao conhecimento universal.

05 – Qual foi a experiência pessoal de Caetano Veloso com a escola de seu filho Moreno que o fez questionar a "escola divertida"?

      Em uma reunião de pais e mestres, a escola de Moreno enfatizava demais o quão agradável e divertida a aprendizagem deveria ser. Caetano se levantou e expressou sua preocupação de que a escola estivesse negando que "alguma coisa no ensino e no estudo, e tem que ser chata", defendendo a importância da disciplina e do esforço para alcançar prazeres superiores.

06 – Como Caetano Veloso justifica a necessidade de aceitar o "lado chato da vida" na educação, usando o exemplo de tocar pandeiro?

      Ele explica que, para tocar pandeiro bem e se divertir na esquina, é preciso um "maçada incomensurável" de treinamento e autodisciplina. A escola, portanto, deve ensinar a criança a enfrentar o que é difícil e chato para adquirir capacidades e habilidades, mais do que apenas ser espontânea ou divertida.

07 – Qual a visão de Monique sobre a profissão de educador infantil no Brasil, especialmente por ser predominantemente feminina?

      Monique observa que é uma profissão com grande dedicação e desvelo, mas com uma imensa precariedade de conhecimento de ofício. Ela questiona se o fato de ser uma profissão feminina contribui para essa dificuldade em levá-la mais a sério, com menor busca por base científica e profissionalização.

08 – Como Caetano Veloso interpreta o fato de a educação infantil ser predominantemente feminina e ter um aspecto "pouco profissional"?

      Ele sugere que, talvez, isso contribua para que a função seja exercida de uma maneira menos profissional, mais pessoal/familiar, e que isso pode estar relacionado a uma "velha visão da mulher" que não a vê como intelectualmente desenvolvida. No entanto, ele também acredita que esse "calor personalizado, maternal" tem suas vantagens que mantêm a beleza do perfil psicológico dessas professoras.

09 – Qual seria a "escola dos sonhos" de Caetano Veloso para seu filho Zeca?

      Ele descreve uma escola simples, limpa, organizada e que ensinasse com um "nível razoável de informação", onde os professores se comportassem bem. Para ele, o maior problema não está na escola para seu filho, mas sim no acesso de muitas outras crianças à educação de qualidade no Brasil.

10 – Por que Caetano Veloso reage à atitude de pais de alta poder aquisitivo que mandam seus filhos para escolas estrangeiras?

      Ele vê essa atitude como um agravante da disparidade social e econômica brasileira, onde o país é "sugado" para que o dinheiro seja gasto em outros lugares e os filhos estudem no exterior. Ele sente "desconfiança e até repulsa" por essa prática, pois parece que "o Brasil como país não existe" para essas pessoas.

 

domingo, 10 de agosto de 2025

ENTREVISTA: UM PAÍS CHAMADO TEATRO - REVISTA SESC TV - COM GABARITO

 Entrevista: Um país chamado Teatro

        ARIANE MNOUCHKINE e o Théâtre du Soleil

        ARIANE MNOUCHKINE é considerada uma das mais importantes diretoras de teatro em atividade no mundo. Ela fundou a lendária companhia Théâtre du Soleil, na ativa desde 1964, com sede em Paris (França). Surgida no contexto dos movimentos contestadores da década de 1960, sua companhia tem forte conexão com a liberdade, partindo em busca de uma linguagem inovadora. O processo de criação do grupo é coletivo, isto é, com total envolvimento de atores, diretores e técnicos em todas as etapas de realização do espetáculo. Outra característica da companhia é seu engajamento social com as questões contemporâneas. 

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjyJk2dWVT6JxXopUKZkqUrCRHX-HjXRlcCfaLJ_LF8W2WYGV5W1ZwjWooKMYS4-y90Q9XQR3hyC0NacD57C02ybJnkT1sBv1P1HnoNTXFn0CuyB-QoI5d6N-2oK4R4rexK6xQMwjCtCioQYALQRRFQQpEp_0oxBCh6yPsBjHZ5o0D1hBToSyHCGclR5xs/s320/8ebfb569-87d6-4519-a876-e22686669492.jpg


O Théâtre du Soleil está no Brasil, neste mês, apresentando-se em São Paulo no Sesc Belenzinho, com a peça Os Náufragos da Louca Esperança. Esta é a segunda vez que o País recebe essa companhia, que em 2007 apresentou Les Ephémères. Ariane, aos 72 anos, é referência de inventividade, fôlego e vigor.

        Esta é a segunda vez que a senhora vem ao Brasil com sua companhia. Qual sua expectativa para esta turnê?

        A expectativa é igualmente alegre e maravilhosa, como da primeira vez. Nós estamos muito felizes, evidentemente, porque a impressão é a de que estamos sendo recebidos por amigos. Temos boas lembranças de São Paulo, tivemos uma boa receptividade do público.

        A nova montagem do Théâtre du Soleil, Os Náufragos da Louca Esperança, é baseada no romance póstumo Les naufragés du Jonathan, de Júlio Verne. Como foi o processo de criação desse espetáculo?

        O processo foi duplo. A primeira parte concerne à própria história do romance. Os atores realizam um processo de mise en abîme [criação de uma narrativa dentro de outra narrativa] e improvisam a parte inventada da história. 

        O Théâtre du Soleil é reconhecido em todo o mundo pelo seu engajamento social e pela sua diversidade, com atores vindos de diferentes países. No que isso interfere no processo de criação e no resultado de suas obras?

        É difícil medir isso, porque não enxergo as pessoas que trabalham conosco como estrangeiros. Nós somos todos do mesmo país, que é o país chamado teatro. Num dado momento, não existem franceses, brasileiros, espanhóis. É verdade, nós somos vinte e três nacionalidades aqui. Ao mesmo tempo, todos falam francês, é o teatro francês, vai além de questões de etnia e nacionalidade.

        A turnê do Théâtre du Soleil inclui, além da apresentação do espetáculo, encontro com o público e oficina com atores. Qual o interesse em realizar essa troca?

        O objetivo é chamar o máximo de jovens, estudantes, universitários e pessoas que estudam teatro para compartilhar com eles não o nosso método, porque não temos um método, mas nosso jeito de fazer a nossa pesquisa. Por um lado, é muito, muito, muito trabalho. Por outro, é mostrar que não há um segredo, mas muito trabalho.

        A companhia surgiu em 1964, em meio à efervescência cultural e política que o mundo vivia. Passadas cinco décadas, o que mudou nesse trabalho?

        A gente mantém as bases como no início: a igualdade de salários, a democracia nas decisões grandes e importantes, uma forma bastante coletiva de trabalhar, mas talvez de certa forma também tenhamos avançado, eu espero. Temos trabalhado cada dia mais e mais.

        Em sua opinião, qual é o papel do teatro e das artes na compreensão do mundo?

        É uma pergunta difícil, porque isso renderia um livro. O teatro encarna o mundo, é uma arte da encarnação. Ele não conta ideias, ele conta corpos, atos e emoções. É através desses corpos, atos e emoções que certas ideias são esclarecidas. Eu não acredito que a arte seja para compreender o mundo, mas para sentir o mundo, esclarecer o mundo.

        A senhora está à frente do Thêátre du Soleil desde a fundação. Como pensa na continuidade da companhia?

        Trabalho na formação de sucessores. Eu tenho um codiretor, por exemplo, o Charlie-Henri Bradier, que trabalha comigo há vinte anos. É preciso que isso continue depois de mim. Cada um sabe o que pode ser feito, o que não pode ser feito, o que pode ser falado e o que não. Todos pensam e refletem; o segredo em si é o processo de criação ser aberto. O segredo da continuidade é a hospitalidade, que nós já fazemos agora, o modo como recebemos gente nova. Eu tenho muito trabalho, o que é cansativo às vezes.

        Há um rico material de cinema sobre o Théâtre du Soleil. Qual a motivação do grupo para realizar o registro dos espetáculos?

        Nós realizamos filmes, não meros registros das peças, sobre nossos trabalhos. O espetáculo Les Ephémères foi o único que, de fato, foi registrado, porque era fundamental ver o público. Os outros espetáculos são realmente filmes. Nossa intenção não é imortalizar o que quer que seja. Ouvia as pessoas pedindo que deixássemos traços para quem não pudesse ver os espetáculos. Eu compreendi isso um dia, há muito tempo, após assistir a dez segundos de um filme de uma peça. Esses dez segundos foram muito importantes para mim. A cena não era extraordinária, mas me tocou profundamente. E então eu compreendi que era importante deixar traços do nosso trabalho para que atores e estudantes pudessem ver. É mais do que uma questão de imortalizar ou atingir o maior número de pessoas: é criar um material de consulta.

        A senhora acha que a televisão abre espaço para apreciar e discutir as artes?

        Muito raramente, mesmo na França. Cada vez menos. Mas, no ano que vem isso vai mudar, porque vamos ganhar as eleições. Estou brincando, mas espero.

Revista Sesc TV, out. 2011. Edição 55. Disponível em: www.sesctv.com.br/revista.cfm?materiaid=111. Acesso em: fev. 2013.

Fonte: Arte em Interação – Hugo B. Bozzano; Perla Frenda; Tatiane Cristina Gusmão – volume único – Ensino médio – IBEP – 1ª edição – São Paulo, 2013. p. 123-125.

Entendendo a entrevista:

01 – Quais são as principais características do Théâtre du Soleil, fundado por Ariane Mnouchkine, conforme descrito no texto?

      O Théâtre du Soleil, fundado em 1964 por Ariane Mnouchkine, é conhecido por várias características marcantes. Primeiramente, ele surgiu no contexto dos movimentos contestadores da década de 1960, buscando liberdade e uma linguagem inovadora no teatro. O grupo adota um processo de criação coletivo, envolvendo totalmente atores, diretores e técnicos em todas as etapas da produção. Além disso, a companhia é reconhecida por seu forte engajamento social com questões contemporâneas e pela diversidade de suas 23 nacionalidades em seu elenco, apesar de todos falarem francês durante o trabalho.

02 – Como Ariane Mnouchkine descreve a experiência de se apresentar no Brasil pela segunda vez com o Théâtre du Soleil?

      Ariane Mnouchkine descreve a experiência de se apresentar no Brasil pela segunda vez como "igualmente alegre e maravilhosa" como da primeira vez. Ela expressa grande felicidade, afirmando que a impressão é de estarem sendo recebidos por amigos, e relembra a boa receptividade do público de São Paulo em sua visita anterior em 2007, quando apresentaram "Les Ephémères".

03 – Qual é a base da nova montagem do Théâtre du Soleil, "Os Náufragos da Louca Esperança", e como foi seu processo de criação?

      A nova montagem, "Os Náufragos da Louca Esperança", é baseada no romance póstumo "Les naufragés du Jonathan", de Júlio Verne. O processo de criação foi duplo. A primeira parte envolveu a história do próprio romance. A segunda parte consistiu em os atores realizarem um processo de "mise en abîme" (criação de uma narrativa dentro de outra narrativa) e improvisarem a parte inventada da história, o que sugere uma abordagem orgânica e exploratória na construção do espetáculo.

04 – Segundo Ariane Mnouchkine, como a diversidade de nacionalidades do elenco do Théâtre du Soleil interfere no processo de criação e no resultado das obras?

      Ariane Mnouchkine afirma que é difícil medir a interferência da diversidade de nacionalidades do elenco porque ela não enxerga os membros do grupo como estrangeiros. Para ela, todos são do "país chamado teatro", transcendendo questões de etnia e nacionalidade. Apesar de haver 23 nacionalidades, todos falam francês, e a companhia é considerada "teatro francês". Isso sugere que a diversidade é absorvida e unificada pela identidade teatral do grupo, em vez de ser um fator de interferência negativa.

05 – Qual é o principal objetivo dos encontros com o público e das oficinas com atores que o Théâtre du Soleil realiza durante suas turnês?

      O principal objetivo dos encontros com o público e das oficinas é chamar o máximo de jovens, estudantes e universitários para compartilhar o "jeito de fazer a pesquisa" do grupo. Mnouchkine ressalta que não se trata de um "método" secreto, mas sim de mostrar que o trabalho do Théâtre du Soleil é o resultado de "muito, muito, muito trabalho". A intenção é desmistificar o processo criativo e inspirar os futuros profissionais da área.

06 – Como Ariane Mnouchkine define o papel do teatro e das artes na compreensão do mundo?

      Para Ariane Mnouchkine, o teatro é uma "arte da encarnação"; ele não se limita a contar ideias, mas "conta corpos, atos e emoções". Ela acredita que é por meio desses elementos concretos que certas ideias são esclarecidas. Mnouchkine não vê a arte primariamente como uma ferramenta para "compreender o mundo", mas sim para "sentir o mundo" e "esclarecer o mundo", sugerindo que a experiência visceral e emocional proporcionada pelo teatro é mais fundamental do que uma compreensão puramente intelectual.

07 – Qual a motivação do Théâtre du Soleil para realizar registros cinematográficos de suas peças, e qual é o objetivo desses materiais?

      A motivação do Théâtre du Soleil para realizar filmes (e não meros registros) sobre seus trabalhos é deixar "traços" para quem não pôde ver os espetáculos e, mais importante, criar um "material de consulta" para atores e estudantes. Ariane Mnouchkine inicialmente não tinha a intenção de imortalizar suas obras, mas compreendeu a importância de deixar esses registros após ser tocada por dez segundos de um filme de uma peça antiga. O objetivo, portanto, vai além da imortalização ou de atingir um grande público; é fornecer um recurso pedagógico e inspirador para o futuro da arte teatral.

 

 

quarta-feira, 25 de junho de 2025

ENTREVISTA: ROSINALVA DIAS, TRABALHO PEDAGÓGICO DE ALFABETIZAÇÃO - COM GABARITO

 Entrevista:  Rosinalva Dias, Trabalho Pedagógico de Alfabetização

        Rosinalva Dias, professora da escola pública, no ensino fundamental há 24 anos, vinte dos quais na 1ª série, fala sobre seu trabalho na sala de aula e nos conta um pouco de sua história profissional, na busca de uma prática educativa de qualidade e de uma rotina adequada para o trabalho pedagógico de alfabetização.

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        PROFA: Como você planeja o trabalho nas primeiras semanas de aula?

        Rosinalva: Todo início de ano, nós, professores, ficamos ansiosos não só para conhecer os novos alunos, como também para organizar a rotina do trabalho pedagógico nas primeiras semanas de aula. Alguns anos atrás, isso não era muito tranquilo para mim e nem para os meus colegas, não só porque não tínhamos claro que atividades desenvolver, mas porque os objetivos de alcance do ano não eram discutidos pela equipe escolar. Antes de contar o que faço hoje, nas primeiras semanas de aula, gostaria de destacar que é importante que o professor tenha claros os objetivos didáticos colocados para a série com a qual vai trabalhar.

        PROFA: E quais são seus objetivos, em Língua Portuguesa, para a sua classe de 1ª série?

        Rosinalva: O que espero é que meus alunos cheguem alfabetizados ao final do 1o ano, isto é, que saibam ler e escrever com autonomia, mesmo que cometam ainda muitos erros. Há alguns anos, venho utilizando em meu plano de trabalho os objetivos apresentados nos Parâmetros Curriculares Nacionais. E tenho contado com a parceria da coordenadora pedagógica da minha escola, que tem me ajudado a compreender o real significado desses objetivos e a expressá-los de fato no meu planejamento. Com a implementação dos ciclos em nosso município, aumentou a minha preocupação em definir os objetivos para o ano letivo, pois o fato de não haver retenção, entre a 1ª e a 2ª série, para os alunos que não se alfabetizam, não significa que a grande maioria não possa aprender a ler e escrever em um ano. Essa possibilidade depende, em grande parte, das metas que a gente traçar.

        PROFA: Alfabetizar todos os alunos em um ano não é a meta de todo professor alfabetizador?

        Rosinalva: Sim. Todos querem que seus alunos se alfabetizem no 1º ano, mas a proposta de organização da escolaridade em ciclos provocou algumas distorções sérias, em alguns casos, por falta de clareza dos professores sobre os seus fundamentos. Eu mesma cheguei a dizer que, agora, com os ciclos, os alunos teriam dois anos para aprender a ler e escrever – o que não é a finalidade de um sistema de ciclos –, e isso se refletiu diretamente em minha prática. O que acontecia comigo, e acontece com muitos colegas ainda, é o seguinte: acham que se os alunos não aprendem no 1º ano, devem começar tudo de novo no 2º e, com esse raciocínio, repetem-se as mesmas atividades propostas no ano anterior e eles continuam sem saber ler e escrever.

        PROFA: Conte como você organiza seu trabalho no início do ano?

        Rosinalva: Na década de 80, eu já tinha como objetivo alfabetizar todos os alunos em um ano, mas meus primeiros dias de aula eram muito diferentes dos de hoje em dia. Nas duas escolas públicas em que trabalhava, sempre tive de três a cinco dias de reuniões de planejamento no início do ano, sendo que um dos dias era reservado para organizar o trabalho na primeira semana de aula. Eu sentava com as minhas colegas e definíamos uma série de atividades. A rotina do trabalho proposta para a semana era mais ou menos assim:

• Segunda-feira: apresentação dos alunos, visita à escola para conhecer suas dependências e funcionários, desenho da escola, leitura de história, apresentação do nome de cada criança no crachá e cópia do cabeçalho. Apresentação da vogal A, treinando uma página do seu traçado, levantamento de palavras que começam com A e pintura do desenho de objetos com nomes iniciados por A.

• Terça-feira: apresentação da vogal E, da mesma forma que foi feita a apresentação do A. Cópia do próprio nome, construção de maquete da sala (1ª parte), desenho livre e brincadeira no pátio.

• Quarta-feira: Trabalho com a vogal I, tal como foi feito com o A e o E. Cópia do nome, construção de maquete da sala (2ª parte) e leitura de história.

• Quinta-feira: trabalho com a vogal O, tal como com as anteriores. Colagem do nome com papel crepom, jogos, criação de uma história, oralmente, a partir de sequências de gravuras e canto de músicas infantis.

• Sexta-feira: trabalho com a vogal U, da mesma forma que foi feito com as anteriores. Recorte, colagem e apresentação de uma história em vídeo.

Como se pode ver, essas atividades pouco contribuem para que se possa conhecer quais são os saberes que os alunos possuem quando chegam à escola e não favorecem o alcance dos objetivos de ensino e aprendizagem em Língua Portuguesa.

        PROFA: Você diz que hoje faz um trabalho diferente. O que provocou essa mudança?

        Rosinalva: Sem dúvida o conhecimento teórico que fui construindo ao longo do tempo. Eu sempre fiz os cursos que a Secretaria de Educação oferecia; aliás, tudo que sei é fruto das oportunidades que tive e nunca deixei de aproveitar. Uma das primeiras coisas que aprendi nos cursos de formação em serviço é que os alunos, mesmo os não-alfabetizados, têm conhecimentos sobre a escrita. Lembro-me de alunos que não usavam letras para escrever, mas que sabiam que se escreve da esquerda para a direita e faziam garatujas imitando escritas de adultos – conhecimentos que para mim não tinham o menor valor. Na verdade, o que fui aprendendo sobre o que pensam os alunos a respeito da escrita foi mudando o meu olhar e o meu jeito de trabalhar: aprendi a enxergar não mais o que eles não sabiam, mas quais saberes já possuíam. Quando temos clareza disso, muda a nossa relação com os alunos e o respeito intelectual por eles passa a ser muito maior. Considerar um aluno “fraquinho”, ou considerar que ele tem pouco conhecimento sobre a escrita, pode parecer a mesma coisa, mas não é. Essa compreensão faz toda a diferença.

        PROFA: Saber como os alunos aprendem é suficiente para organizar uma prática pedagógica de qualidade?

        Rosinalva: Acreditei nisso durante alguns anos. Com o tempo e muito estudo aprendi que não é assim. É necessário ter domínio dos conteúdos que ensinamos aos alunos. Todo professor que trabalha com a área de Língua Portuguesa precisa ter certos conhecimentos básicos, como, por exemplo: o que é ler, o que caracteriza e o que diferencia a linguagem oral e a escrita, para que serve a gramática, o que é prioritário ensinar aos alunos… entre muitos outros.

        PROFA: Há outro tipo de conhecimento que o professor precisa dispor para ensinar os alunos a ler e escrever?

        Rosinalva: Há sim. É o conhecimento didático, isto é, de como se ensina. Saber como os alunos aprendem e dominar os conteúdos do ensino não basta: é necessário saber como ensinar considerando os processos de aprendizagem e a natureza dos conteúdos a serem aprendidos.

        PROFA: Mas como ensinar não foi sempre a preocupação central dos professores?

        Rosinalva: É verdade. Só que nos preocupávamos com o ensino sem considerar as formas de aprender dos alunos. Hoje sabemos que o conhecimento didático que nos pode ser útil se apóia nos conhecimentos sobre o sujeito da aprendizagem (o aluno) e sobre o que é objeto de seu conhecimento (no caso da alfabetização, a Língua Portuguesa).

        PROFA: Como esses conhecimentos a ajudaram a rever seu trabalho no início do ano?

        Rosinalva: Eu continuo sentando com os meus colegas e planejando com eles o que faremos na sala de aula. Temos um plano anual que é sempre revisto antes de começar o ano letivo, desde a linguagem até as propostas. Ele sofre alterações, porque durante o ano anterior sempre aprendemos muitas coisas novas, principalmente nas reuniões coletivas da equipe escolar. E quanto mais nosso conhecimento avança, mais nosso olhar se renova e mais o nosso plano é aprimorado. Ele também é modificado em função das turmas de alunos, que são sempre diferentes.

        PROFA: Então, ter um plano já definido é fundamental para planejar os primeiros dias de aula?

        Rosinalva: Sem dúvida, mas o planejamento não é fechado, ele sofre alterações. É fundamental que se tenha claro o que se pretende ensinar para que se possa fazer um diagnóstico sobre o que os alunos já sabem a respeito. Isto serve não só para Língua Portuguesa, mas para qualquer área do conhecimento.

        PROFA: Conte-nos: o que você e seus colegas fazem nas primeiras semanas do ano letivo?

        Rosinalva: A partir do plano que envolve as diferentes áreas do conhecimento, nós priorizamos algumas para trabalhar. Na verdade, só não damos ênfase inicial a História, Geografia e Ciências, pois organizamos as atividades dessas áreas por meio de projetos, e estes só começam a ser desenvolvidos em meados de março. Listamos todas as atividades que julgamos importantes para os alunos realizarem e que podem nos dar informações sobre quais são os seus saberes em cada área a ser trabalhada.

        PROFA: E que atividades são essas que vocês listam?

        Rosinalva: Em Língua Portuguesa, as atividades envolvem principalmente:

• leitura e escrita dos nomes dos alunos;

• escrita de diferentes tipos de texto curto;

• apresentação do alfabeto com letra de fôrma maiúscula e minúscula;

• leitura diária de diferentes tipos de textos e principalmente de boas histórias (priorizamos os contos infantis tradicionais);

• manuseio de diferentes portadores de texto: gibis, revistas, jornais, livros etc.

• leitura feita pelos alunos que ainda não leem convencionalmente (para isso é necessário ir apresentando as atividades, para que eles possam se familiarizar com as propostas);

• roda de conversa para conhecer músicas, poemas, parlendas, quadrinhas e histórias que fazem parte do repertório dos alunos (caso eles tenham um repertório restrito, é o momento de ampliá-lo);

• roda de conversa informal, de notícia, de novidades etc.

        PROFA: Nas primeiras semanas os alunos usam algum caderno?

        Rosinalva: Sim, nele os alunos registram as atividades do dia e também copiam nomes significativos para eles: o nome da escola, seu próprio nome, os nomes dos colegas e de outras coisas que lhes façam sentido etc. Além disso, são coladas no caderno todas as atividades mimeografadas propostas na sala de aula. Essa é uma forma de os pais acompanharem o trabalho que é desenvolvido na classe e os alunos começarem a aprender os procedimentos de utilização do caderno.

        PROFA: Quais são os materiais que vocês consultam para preparar as atividades de alfabetização?

        Rosinalva: Hoje está mais fácil a pesquisa de material para organizar as atividades didáticas. Além de podermos contar com os PCNs, em nossa escola, por exemplo, a coordenadora pedagógica fez um trabalho de formação, com todos os professores, utilizando o Módulo de Alfabetização do Programa Parâmetros em Ação, o que deu maior fundamentação para nossa prática. A coordenadora também nos apresentou vários exemplos de atividades, por escrito e em programas de vídeo, discutindo conosco as melhores formas de desenvolvê-las com os alunos. Também, compramos alguns livros que foram indicados na bibliografia do Módulo de Alfabetização: cada professor comprou um e fomos trocando entre nós.

        PROFA: Você afirmou que as primeiras semanas de aula são para conhecer os alunos? E se eles não souberem fazer as atividades?

        Rosinalva: O objetivo é oferecer uma diversidade de situações que permitam conhecer o que os alunos sabem e, caso não saibam o que se imaginava que soubessem, apresentar a eles propostas que contribuam para que comecem a se familiarizar com o que desconhecem. Os primeiros dias de aula são para o professor diagnosticar os saberes dos alunos, mas são também para eles aprenderem muitas coisas.

        PROFA: Você não faz as atividades do chamado período preparatório?

        Rosinalva: Não faço e, para ser sincera, nunca fiz. Sempre tive uma intuição de que o período preparatório não servia para nada. Meus alunos sempre aprenderam a ler e escrever sem ter passado pelas atividades do período preparatório, mesmo quando eu alfabetizava pelo método analítico-sintético. É escrevendo, copiando textos significativos, fazendo desenhos que os alunos exercitam a coordenação motora. É realizando as diferentes atividades de leitura e escrita propostas na sala de aula que eles põem em uso a capacidade de discriminação visual e auditiva e as demais capacidades que se pretende desenvolver nesse período. O período preparatório não é condição para aprender a ler e escrever.

        PROFA: Você e os seus colegas fazem um planejamento com atividades iguais para todas as turmas, desenvolvidas nos mesmos horários do dia?

        Rosinalva: Não. Como eu disse anteriormente, nós listamos todas as atividades das áreas a serem trabalhadas, o que, nesse período inicial, inclui jogos de mesa e conhecimento do espaço da escola e das pessoas que nela trabalham. Depois, cada professor faz a organização da sua rotina semanal, considerando o que discutimos e as necessidades específicas do seu agrupamento. Portanto, não existe mais aquela coisa estranha de todo mundo, no mesmo horário, realizar as mesmas atividades.

        PROFA: De onde vêm os recursos para vocês comprarem os materiais de que precisam?

        Rosinalva: Alguns vêm da verba do Fundef: foi com esse dinheiro que compramos o mimeógrafo, o vídeo, a tevê e outros materiais para os alunos: jogos, brinquedos e alguns materiais escolares. Os livros, recebemos do Ministério da Educação. As revistas e gibis foram doados, inclusive por familiares dos professores. Dificilmente podemos contar com a ajuda financeira dos pais, mas quando fazemos festas que revertem em fundos para a escola eles comparecem e colaboram de uma forma ou de outra. O pouco que arrecadamos, investimos em livros e outros materiais para os alunos. Não é nada fácil, mas os resultados são sempre gratificantes. Com o tempo a gente vai aprendendo que quando se quer verdadeiramente algo nada nos impede de conseguir. O material que temos ainda é pouco, mas já provocou grandes avanços em nosso trabalho.

        PROFA: Há uma pergunta que ainda gostaríamos de fazer. Como você faz quando encontra na sua classe alunos já alfabetizados, no início do ano? Existe uma rotina semanal diferente para eles? Não seria melhor remanejá-los?

        Rosinalva: Não é fácil responder essas questões em poucas palavras… Mas vamos lá. Em todas as classes, há alunos que iniciam o ano alfabetizados: nesse caso, não há necessidade de se fazer uma rotina diferenciada e sim propostas que atendam a suas necessidades de aprendizagem. Por exemplo, quando os alunos com escrita não-alfabética realizam uma atividade de leitura de um texto com algum tipo de apoio que permita tornar o desafio de ler possível para eles, os alunos já alfabetizados podem ler esse mesmo texto sem nenhum tipo de apoio, ou escrever o texto, ditado pelo professor. Quando a proposta é de escrita, os alunos que já estão alfabetizados escreverão de forma mais próxima da convencional e os que ainda não estão alfabetizados escreverão conforme suas próprias hipóteses de escrita. Durante todo o ano em minha sala de aula, há situações em que todos realizam a mesma atividade, cada qual de acordo com a sua competência; há situações em que o texto é o mesmo e a proposta é que varia, conforme as possibilidades de realização dos alunos; e há situações em que as propostas são mesmo diferenciadas. Mas isso não significa uma rotina de trabalho diferente para alunos que já sabem ler e que ainda não sabem… E a possibilidade de remanejamento nem passa pela nossa cabeça, por vários motivos. Em primeiro lugar, porque é horrível para um aluno ficar mudando de professora em função do que sabe ou não. E, depois, porque os alunos com um nível de conhecimento superior à média da classe são informantes importantes, que em muito contribuem com o trabalho de todos. O cuidado necessário, entretanto, é para não colocá-los na condição de ajudantes do professor, pois eles são alunos que precisam ter atendidas as suas próprias necessidades de aprendizagem.

        PROFA: Mas, de qualquer forma, esses alunos com mais conhecimento não ficam prejudicados?

        Rosinalva: Eu também pensava assim. Mas se eles têm suas próprias necessidades de aprendizagem atendidas esse risco não existe. Além do que, quando esses alunos experimentam situações em que precisam ensinar o que sabem aos colegas que ainda não sabem, acabam aprendendo muito também. Hoje sabemos que diante da tarefa de ensinar o outro, todo indivíduo aprende mais sobre o que ensina, pois precisa organizar os conhecimentos disponíveis para dar explicações e elaborar argumentações convincentes. Isto parece fácil, mas não é. Por fim, quero dizer uma coisa que me parece necessária: ter uma classe heterogênea é muito bom para os alunos, mas ainda um grande desafio para o professor.

Entendendo a entrevista:

01 – Qual a experiência profissional de Rosinalva Dias no ensino fundamental, e especificamente na 1ª série?

      Rosinalva Dias tem 24 anos de experiência no ensino fundamental em escola pública, sendo 20 desses anos dedicados à 1ª série.

02 – Qual a principal preocupação de Rosinalva Dias ao planejar as primeiras semanas de aula?

      Sua principal preocupação é organizar a rotina do trabalho pedagógico e ter claros os objetivos didáticos para a série, além de conhecer os novos alunos.

03 – Qual o objetivo de Rosinalva para seus alunos de 1ª série em Língua Portuguesa ao final do ano?

      O objetivo é que seus alunos cheguem alfabetizados ao final do 1º ano, ou seja, que saibam ler e escrever com autonomia, mesmo que ainda cometam erros.

04 – Como a implementação dos ciclos no município de Rosinalva influenciou sua prática e a de seus colegas, e o que ela aprendeu sobre isso?

      A implementação dos ciclos gerou, inicialmente, a distorção de que os alunos teriam dois anos para se alfabetizar, o que Rosinalva percebeu não ser o objetivo. Ela aprendeu que essa mentalidade levava à repetição das mesmas atividades no 2º ano, sem avanços, e que a definição clara de metas anuais é crucial.

05 – Qual a principal mudança no planejamento inicial de aula de Rosinalva, em comparação com sua prática na década de 80?

      Antes, o planejamento era focado em uma rotina rígida de apresentação de vogais e cópias, que pouco contribuía para conhecer os saberes dos alunos. Atualmente, o foco é em diagnosticar os conhecimentos prévios dos alunos sobre a escrita, reconhecendo seus saberes e não apenas suas deficiências.

06 – Qual a importância do conhecimento teórico na mudança da prática pedagógica de Rosinalva?

      O conhecimento teórico a ajudou a mudar seu olhar sobre os alunos, aprendendo que mesmo os não-alfabetizados possuem conhecimentos sobre a escrita. Isso a fez enxergar o que os alunos já sabiam, aumentando o respeito intelectual por eles.

07 – Além de saber como os alunos aprendem, que outros dois tipos de conhecimento Rosinalva considera essenciais para uma prática pedagógica de qualidade?

      Ela menciona o domínio dos conteúdos (saber o que ensinar, como ler, o que é gramática, etc.) e o conhecimento didático (saber como ensinar, considerando os processos de aprendizagem e a natureza dos conteúdos).

08 – Que tipo de atividades são priorizadas por Rosinalva e seus colegas em Língua Portuguesa nas primeiras semanas do ano letivo?

      As atividades incluem leitura e escrita de nomes, escrita de textos curtos, apresentação do alfabeto, leitura diária de diferentes tipos de textos e histórias, manuseio de portadores de texto (gibis, revistas), rodas de conversa sobre repertório dos alunos (músicas, poemas), e rodas de conversa informais.

09 – Como Rosinalva lida com a presença de alunos já alfabetizados em sua classe no início do ano?

      Ela não faz uma rotina semanal diferenciada, mas oferece propostas que atendam às necessidades de aprendizagem de cada um. Os alunos já alfabetizados podem ler sem apoio, escrever textos ditados ou aprofundar-se, enquanto os demais realizam atividades adaptadas ao seu nível.

10 – Por que Rosinalva considera uma classe heterogênea (com diferentes níveis de conhecimento) benéfica?

      Ela acredita que é "muito bom para os alunos" porque os que têm maior conhecimento podem atuar como informantes importantes, contribuindo com o trabalho de todos. Além disso, ao precisarem ensinar o que sabem aos colegas, eles próprios aprendem mais, organizando seus conhecimentos e elaborando explicações.