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quarta-feira, 25 de junho de 2025

ENTREVISTA: ROSINALVA DIAS, TRABALHO PEDAGÓGICO DE ALFABETIZAÇÃO - COM GABARITO

 Entrevista:  Rosinalva Dias, Trabalho Pedagógico de Alfabetização

        Rosinalva Dias, professora da escola pública, no ensino fundamental há 24 anos, vinte dos quais na 1ª série, fala sobre seu trabalho na sala de aula e nos conta um pouco de sua história profissional, na busca de uma prática educativa de qualidade e de uma rotina adequada para o trabalho pedagógico de alfabetização.

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj67OEVUoVRSnIQe4NymlKPNoSpO7ZnqvUP7ve6kxxSvhkn1DSthcttcS9PBeMXP1PwQ8Wf29Upga1LEoCoGqeZfPsAjOlVJg254l3yZqHlrZCJ_Sh8gRrNrBMsLVbJ4V933qDhBjyKkK7liA3vZiGQ9kKDlBfsNp_XVGVercUX-CvMEmvWqPlJB8xQCEI/s320/2%C2%BA_Sem-6_CAPA-e1597335853807.png

        PROFA: Como você planeja o trabalho nas primeiras semanas de aula?

        Rosinalva: Todo início de ano, nós, professores, ficamos ansiosos não só para conhecer os novos alunos, como também para organizar a rotina do trabalho pedagógico nas primeiras semanas de aula. Alguns anos atrás, isso não era muito tranquilo para mim e nem para os meus colegas, não só porque não tínhamos claro que atividades desenvolver, mas porque os objetivos de alcance do ano não eram discutidos pela equipe escolar. Antes de contar o que faço hoje, nas primeiras semanas de aula, gostaria de destacar que é importante que o professor tenha claros os objetivos didáticos colocados para a série com a qual vai trabalhar.

        PROFA: E quais são seus objetivos, em Língua Portuguesa, para a sua classe de 1ª série?

        Rosinalva: O que espero é que meus alunos cheguem alfabetizados ao final do 1o ano, isto é, que saibam ler e escrever com autonomia, mesmo que cometam ainda muitos erros. Há alguns anos, venho utilizando em meu plano de trabalho os objetivos apresentados nos Parâmetros Curriculares Nacionais. E tenho contado com a parceria da coordenadora pedagógica da minha escola, que tem me ajudado a compreender o real significado desses objetivos e a expressá-los de fato no meu planejamento. Com a implementação dos ciclos em nosso município, aumentou a minha preocupação em definir os objetivos para o ano letivo, pois o fato de não haver retenção, entre a 1ª e a 2ª série, para os alunos que não se alfabetizam, não significa que a grande maioria não possa aprender a ler e escrever em um ano. Essa possibilidade depende, em grande parte, das metas que a gente traçar.

        PROFA: Alfabetizar todos os alunos em um ano não é a meta de todo professor alfabetizador?

        Rosinalva: Sim. Todos querem que seus alunos se alfabetizem no 1º ano, mas a proposta de organização da escolaridade em ciclos provocou algumas distorções sérias, em alguns casos, por falta de clareza dos professores sobre os seus fundamentos. Eu mesma cheguei a dizer que, agora, com os ciclos, os alunos teriam dois anos para aprender a ler e escrever – o que não é a finalidade de um sistema de ciclos –, e isso se refletiu diretamente em minha prática. O que acontecia comigo, e acontece com muitos colegas ainda, é o seguinte: acham que se os alunos não aprendem no 1º ano, devem começar tudo de novo no 2º e, com esse raciocínio, repetem-se as mesmas atividades propostas no ano anterior e eles continuam sem saber ler e escrever.

        PROFA: Conte como você organiza seu trabalho no início do ano?

        Rosinalva: Na década de 80, eu já tinha como objetivo alfabetizar todos os alunos em um ano, mas meus primeiros dias de aula eram muito diferentes dos de hoje em dia. Nas duas escolas públicas em que trabalhava, sempre tive de três a cinco dias de reuniões de planejamento no início do ano, sendo que um dos dias era reservado para organizar o trabalho na primeira semana de aula. Eu sentava com as minhas colegas e definíamos uma série de atividades. A rotina do trabalho proposta para a semana era mais ou menos assim:

• Segunda-feira: apresentação dos alunos, visita à escola para conhecer suas dependências e funcionários, desenho da escola, leitura de história, apresentação do nome de cada criança no crachá e cópia do cabeçalho. Apresentação da vogal A, treinando uma página do seu traçado, levantamento de palavras que começam com A e pintura do desenho de objetos com nomes iniciados por A.

• Terça-feira: apresentação da vogal E, da mesma forma que foi feita a apresentação do A. Cópia do próprio nome, construção de maquete da sala (1ª parte), desenho livre e brincadeira no pátio.

• Quarta-feira: Trabalho com a vogal I, tal como foi feito com o A e o E. Cópia do nome, construção de maquete da sala (2ª parte) e leitura de história.

• Quinta-feira: trabalho com a vogal O, tal como com as anteriores. Colagem do nome com papel crepom, jogos, criação de uma história, oralmente, a partir de sequências de gravuras e canto de músicas infantis.

• Sexta-feira: trabalho com a vogal U, da mesma forma que foi feito com as anteriores. Recorte, colagem e apresentação de uma história em vídeo.

Como se pode ver, essas atividades pouco contribuem para que se possa conhecer quais são os saberes que os alunos possuem quando chegam à escola e não favorecem o alcance dos objetivos de ensino e aprendizagem em Língua Portuguesa.

        PROFA: Você diz que hoje faz um trabalho diferente. O que provocou essa mudança?

        Rosinalva: Sem dúvida o conhecimento teórico que fui construindo ao longo do tempo. Eu sempre fiz os cursos que a Secretaria de Educação oferecia; aliás, tudo que sei é fruto das oportunidades que tive e nunca deixei de aproveitar. Uma das primeiras coisas que aprendi nos cursos de formação em serviço é que os alunos, mesmo os não-alfabetizados, têm conhecimentos sobre a escrita. Lembro-me de alunos que não usavam letras para escrever, mas que sabiam que se escreve da esquerda para a direita e faziam garatujas imitando escritas de adultos – conhecimentos que para mim não tinham o menor valor. Na verdade, o que fui aprendendo sobre o que pensam os alunos a respeito da escrita foi mudando o meu olhar e o meu jeito de trabalhar: aprendi a enxergar não mais o que eles não sabiam, mas quais saberes já possuíam. Quando temos clareza disso, muda a nossa relação com os alunos e o respeito intelectual por eles passa a ser muito maior. Considerar um aluno “fraquinho”, ou considerar que ele tem pouco conhecimento sobre a escrita, pode parecer a mesma coisa, mas não é. Essa compreensão faz toda a diferença.

        PROFA: Saber como os alunos aprendem é suficiente para organizar uma prática pedagógica de qualidade?

        Rosinalva: Acreditei nisso durante alguns anos. Com o tempo e muito estudo aprendi que não é assim. É necessário ter domínio dos conteúdos que ensinamos aos alunos. Todo professor que trabalha com a área de Língua Portuguesa precisa ter certos conhecimentos básicos, como, por exemplo: o que é ler, o que caracteriza e o que diferencia a linguagem oral e a escrita, para que serve a gramática, o que é prioritário ensinar aos alunos… entre muitos outros.

        PROFA: Há outro tipo de conhecimento que o professor precisa dispor para ensinar os alunos a ler e escrever?

        Rosinalva: Há sim. É o conhecimento didático, isto é, de como se ensina. Saber como os alunos aprendem e dominar os conteúdos do ensino não basta: é necessário saber como ensinar considerando os processos de aprendizagem e a natureza dos conteúdos a serem aprendidos.

        PROFA: Mas como ensinar não foi sempre a preocupação central dos professores?

        Rosinalva: É verdade. Só que nos preocupávamos com o ensino sem considerar as formas de aprender dos alunos. Hoje sabemos que o conhecimento didático que nos pode ser útil se apóia nos conhecimentos sobre o sujeito da aprendizagem (o aluno) e sobre o que é objeto de seu conhecimento (no caso da alfabetização, a Língua Portuguesa).

        PROFA: Como esses conhecimentos a ajudaram a rever seu trabalho no início do ano?

        Rosinalva: Eu continuo sentando com os meus colegas e planejando com eles o que faremos na sala de aula. Temos um plano anual que é sempre revisto antes de começar o ano letivo, desde a linguagem até as propostas. Ele sofre alterações, porque durante o ano anterior sempre aprendemos muitas coisas novas, principalmente nas reuniões coletivas da equipe escolar. E quanto mais nosso conhecimento avança, mais nosso olhar se renova e mais o nosso plano é aprimorado. Ele também é modificado em função das turmas de alunos, que são sempre diferentes.

        PROFA: Então, ter um plano já definido é fundamental para planejar os primeiros dias de aula?

        Rosinalva: Sem dúvida, mas o planejamento não é fechado, ele sofre alterações. É fundamental que se tenha claro o que se pretende ensinar para que se possa fazer um diagnóstico sobre o que os alunos já sabem a respeito. Isto serve não só para Língua Portuguesa, mas para qualquer área do conhecimento.

        PROFA: Conte-nos: o que você e seus colegas fazem nas primeiras semanas do ano letivo?

        Rosinalva: A partir do plano que envolve as diferentes áreas do conhecimento, nós priorizamos algumas para trabalhar. Na verdade, só não damos ênfase inicial a História, Geografia e Ciências, pois organizamos as atividades dessas áreas por meio de projetos, e estes só começam a ser desenvolvidos em meados de março. Listamos todas as atividades que julgamos importantes para os alunos realizarem e que podem nos dar informações sobre quais são os seus saberes em cada área a ser trabalhada.

        PROFA: E que atividades são essas que vocês listam?

        Rosinalva: Em Língua Portuguesa, as atividades envolvem principalmente:

• leitura e escrita dos nomes dos alunos;

• escrita de diferentes tipos de texto curto;

• apresentação do alfabeto com letra de fôrma maiúscula e minúscula;

• leitura diária de diferentes tipos de textos e principalmente de boas histórias (priorizamos os contos infantis tradicionais);

• manuseio de diferentes portadores de texto: gibis, revistas, jornais, livros etc.

• leitura feita pelos alunos que ainda não leem convencionalmente (para isso é necessário ir apresentando as atividades, para que eles possam se familiarizar com as propostas);

• roda de conversa para conhecer músicas, poemas, parlendas, quadrinhas e histórias que fazem parte do repertório dos alunos (caso eles tenham um repertório restrito, é o momento de ampliá-lo);

• roda de conversa informal, de notícia, de novidades etc.

        PROFA: Nas primeiras semanas os alunos usam algum caderno?

        Rosinalva: Sim, nele os alunos registram as atividades do dia e também copiam nomes significativos para eles: o nome da escola, seu próprio nome, os nomes dos colegas e de outras coisas que lhes façam sentido etc. Além disso, são coladas no caderno todas as atividades mimeografadas propostas na sala de aula. Essa é uma forma de os pais acompanharem o trabalho que é desenvolvido na classe e os alunos começarem a aprender os procedimentos de utilização do caderno.

        PROFA: Quais são os materiais que vocês consultam para preparar as atividades de alfabetização?

        Rosinalva: Hoje está mais fácil a pesquisa de material para organizar as atividades didáticas. Além de podermos contar com os PCNs, em nossa escola, por exemplo, a coordenadora pedagógica fez um trabalho de formação, com todos os professores, utilizando o Módulo de Alfabetização do Programa Parâmetros em Ação, o que deu maior fundamentação para nossa prática. A coordenadora também nos apresentou vários exemplos de atividades, por escrito e em programas de vídeo, discutindo conosco as melhores formas de desenvolvê-las com os alunos. Também, compramos alguns livros que foram indicados na bibliografia do Módulo de Alfabetização: cada professor comprou um e fomos trocando entre nós.

        PROFA: Você afirmou que as primeiras semanas de aula são para conhecer os alunos? E se eles não souberem fazer as atividades?

        Rosinalva: O objetivo é oferecer uma diversidade de situações que permitam conhecer o que os alunos sabem e, caso não saibam o que se imaginava que soubessem, apresentar a eles propostas que contribuam para que comecem a se familiarizar com o que desconhecem. Os primeiros dias de aula são para o professor diagnosticar os saberes dos alunos, mas são também para eles aprenderem muitas coisas.

        PROFA: Você não faz as atividades do chamado período preparatório?

        Rosinalva: Não faço e, para ser sincera, nunca fiz. Sempre tive uma intuição de que o período preparatório não servia para nada. Meus alunos sempre aprenderam a ler e escrever sem ter passado pelas atividades do período preparatório, mesmo quando eu alfabetizava pelo método analítico-sintético. É escrevendo, copiando textos significativos, fazendo desenhos que os alunos exercitam a coordenação motora. É realizando as diferentes atividades de leitura e escrita propostas na sala de aula que eles põem em uso a capacidade de discriminação visual e auditiva e as demais capacidades que se pretende desenvolver nesse período. O período preparatório não é condição para aprender a ler e escrever.

        PROFA: Você e os seus colegas fazem um planejamento com atividades iguais para todas as turmas, desenvolvidas nos mesmos horários do dia?

        Rosinalva: Não. Como eu disse anteriormente, nós listamos todas as atividades das áreas a serem trabalhadas, o que, nesse período inicial, inclui jogos de mesa e conhecimento do espaço da escola e das pessoas que nela trabalham. Depois, cada professor faz a organização da sua rotina semanal, considerando o que discutimos e as necessidades específicas do seu agrupamento. Portanto, não existe mais aquela coisa estranha de todo mundo, no mesmo horário, realizar as mesmas atividades.

        PROFA: De onde vêm os recursos para vocês comprarem os materiais de que precisam?

        Rosinalva: Alguns vêm da verba do Fundef: foi com esse dinheiro que compramos o mimeógrafo, o vídeo, a tevê e outros materiais para os alunos: jogos, brinquedos e alguns materiais escolares. Os livros, recebemos do Ministério da Educação. As revistas e gibis foram doados, inclusive por familiares dos professores. Dificilmente podemos contar com a ajuda financeira dos pais, mas quando fazemos festas que revertem em fundos para a escola eles comparecem e colaboram de uma forma ou de outra. O pouco que arrecadamos, investimos em livros e outros materiais para os alunos. Não é nada fácil, mas os resultados são sempre gratificantes. Com o tempo a gente vai aprendendo que quando se quer verdadeiramente algo nada nos impede de conseguir. O material que temos ainda é pouco, mas já provocou grandes avanços em nosso trabalho.

        PROFA: Há uma pergunta que ainda gostaríamos de fazer. Como você faz quando encontra na sua classe alunos já alfabetizados, no início do ano? Existe uma rotina semanal diferente para eles? Não seria melhor remanejá-los?

        Rosinalva: Não é fácil responder essas questões em poucas palavras… Mas vamos lá. Em todas as classes, há alunos que iniciam o ano alfabetizados: nesse caso, não há necessidade de se fazer uma rotina diferenciada e sim propostas que atendam a suas necessidades de aprendizagem. Por exemplo, quando os alunos com escrita não-alfabética realizam uma atividade de leitura de um texto com algum tipo de apoio que permita tornar o desafio de ler possível para eles, os alunos já alfabetizados podem ler esse mesmo texto sem nenhum tipo de apoio, ou escrever o texto, ditado pelo professor. Quando a proposta é de escrita, os alunos que já estão alfabetizados escreverão de forma mais próxima da convencional e os que ainda não estão alfabetizados escreverão conforme suas próprias hipóteses de escrita. Durante todo o ano em minha sala de aula, há situações em que todos realizam a mesma atividade, cada qual de acordo com a sua competência; há situações em que o texto é o mesmo e a proposta é que varia, conforme as possibilidades de realização dos alunos; e há situações em que as propostas são mesmo diferenciadas. Mas isso não significa uma rotina de trabalho diferente para alunos que já sabem ler e que ainda não sabem… E a possibilidade de remanejamento nem passa pela nossa cabeça, por vários motivos. Em primeiro lugar, porque é horrível para um aluno ficar mudando de professora em função do que sabe ou não. E, depois, porque os alunos com um nível de conhecimento superior à média da classe são informantes importantes, que em muito contribuem com o trabalho de todos. O cuidado necessário, entretanto, é para não colocá-los na condição de ajudantes do professor, pois eles são alunos que precisam ter atendidas as suas próprias necessidades de aprendizagem.

        PROFA: Mas, de qualquer forma, esses alunos com mais conhecimento não ficam prejudicados?

        Rosinalva: Eu também pensava assim. Mas se eles têm suas próprias necessidades de aprendizagem atendidas esse risco não existe. Além do que, quando esses alunos experimentam situações em que precisam ensinar o que sabem aos colegas que ainda não sabem, acabam aprendendo muito também. Hoje sabemos que diante da tarefa de ensinar o outro, todo indivíduo aprende mais sobre o que ensina, pois precisa organizar os conhecimentos disponíveis para dar explicações e elaborar argumentações convincentes. Isto parece fácil, mas não é. Por fim, quero dizer uma coisa que me parece necessária: ter uma classe heterogênea é muito bom para os alunos, mas ainda um grande desafio para o professor.

Entendendo a entrevista:

01 – Qual a experiência profissional de Rosinalva Dias no ensino fundamental, e especificamente na 1ª série?

      Rosinalva Dias tem 24 anos de experiência no ensino fundamental em escola pública, sendo 20 desses anos dedicados à 1ª série.

02 – Qual a principal preocupação de Rosinalva Dias ao planejar as primeiras semanas de aula?

      Sua principal preocupação é organizar a rotina do trabalho pedagógico e ter claros os objetivos didáticos para a série, além de conhecer os novos alunos.

03 – Qual o objetivo de Rosinalva para seus alunos de 1ª série em Língua Portuguesa ao final do ano?

      O objetivo é que seus alunos cheguem alfabetizados ao final do 1º ano, ou seja, que saibam ler e escrever com autonomia, mesmo que ainda cometam erros.

04 – Como a implementação dos ciclos no município de Rosinalva influenciou sua prática e a de seus colegas, e o que ela aprendeu sobre isso?

      A implementação dos ciclos gerou, inicialmente, a distorção de que os alunos teriam dois anos para se alfabetizar, o que Rosinalva percebeu não ser o objetivo. Ela aprendeu que essa mentalidade levava à repetição das mesmas atividades no 2º ano, sem avanços, e que a definição clara de metas anuais é crucial.

05 – Qual a principal mudança no planejamento inicial de aula de Rosinalva, em comparação com sua prática na década de 80?

      Antes, o planejamento era focado em uma rotina rígida de apresentação de vogais e cópias, que pouco contribuía para conhecer os saberes dos alunos. Atualmente, o foco é em diagnosticar os conhecimentos prévios dos alunos sobre a escrita, reconhecendo seus saberes e não apenas suas deficiências.

06 – Qual a importância do conhecimento teórico na mudança da prática pedagógica de Rosinalva?

      O conhecimento teórico a ajudou a mudar seu olhar sobre os alunos, aprendendo que mesmo os não-alfabetizados possuem conhecimentos sobre a escrita. Isso a fez enxergar o que os alunos já sabiam, aumentando o respeito intelectual por eles.

07 – Além de saber como os alunos aprendem, que outros dois tipos de conhecimento Rosinalva considera essenciais para uma prática pedagógica de qualidade?

      Ela menciona o domínio dos conteúdos (saber o que ensinar, como ler, o que é gramática, etc.) e o conhecimento didático (saber como ensinar, considerando os processos de aprendizagem e a natureza dos conteúdos).

08 – Que tipo de atividades são priorizadas por Rosinalva e seus colegas em Língua Portuguesa nas primeiras semanas do ano letivo?

      As atividades incluem leitura e escrita de nomes, escrita de textos curtos, apresentação do alfabeto, leitura diária de diferentes tipos de textos e histórias, manuseio de portadores de texto (gibis, revistas), rodas de conversa sobre repertório dos alunos (músicas, poemas), e rodas de conversa informais.

09 – Como Rosinalva lida com a presença de alunos já alfabetizados em sua classe no início do ano?

      Ela não faz uma rotina semanal diferenciada, mas oferece propostas que atendam às necessidades de aprendizagem de cada um. Os alunos já alfabetizados podem ler sem apoio, escrever textos ditados ou aprofundar-se, enquanto os demais realizam atividades adaptadas ao seu nível.

10 – Por que Rosinalva considera uma classe heterogênea (com diferentes níveis de conhecimento) benéfica?

      Ela acredita que é "muito bom para os alunos" porque os que têm maior conhecimento podem atuar como informantes importantes, contribuindo com o trabalho de todos. Além disso, ao precisarem ensinar o que sabem aos colegas, eles próprios aprendem mais, organizando seus conhecimentos e elaborando explicações.

 

quarta-feira, 4 de junho de 2025

ENTREVISTA COM: LÉA FAGUNDES SOBRE INCLUSÃO DIGITAL - FRAGMENTO - MARCELO ALENCAR - COM GABARITO

 Entrevista com: Léa Fagundes sobre a inclusão digital – Fragmento

        Pioneira no uso da informática educacional no Brasil, Léa Fagundes cobra políticas públicas para o setor e defende a ajuda mútua entre professores e alunos

Por Marcelo Alencar

        [...]

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh1TkbsxN3SUHWtelMfkC0eKxdn8ZObzXsNZUfQHOhIeoZCdjI_YZ5vaGGEK8rrXE968ucjowb2dKEZAoYY48w8u0nWCg9UmyPbPJnAzFqZn16UYs2dikVjSefWd_nRSsdbDK5EZjPNrWMeeFA0Xf2y1Cz-EzH4ItY89FJx9CVdnPcmnavEUSrFcOv5yoc/s1600/images.jpg


        A senhora coordena programas ligados à inclusão digital em escolas públicas. Que lições tirou dessa experiência?

        Na década de 1980, descobri que o computador é um recurso "para pensar com", e que os alunos aprendem mais quando ensinam à máquina. Em escolas municipais de Novo Hamburgo, crianças programaram processadores de texto quando ainda não existiam os aplicativos do Windows, produziram textos de diferentes tipos, criaram protótipos em robótica e desenvolveram projetos gráficos.

        Hoje, encontro esses meninos em cursos de ciência da computação, mecatrônica, engenharia e outras áreas. Na Escola Parque, que atendia meninos de rua em Brasília, a informática refletiu na formação da garotada, melhorando sua auto-estima e evidenciando o desempenho de pessoas socialmente integradas. Alguns desses garotos foram contratados como professores e outros como técnicos.

        Os alunos da rede pública têm o mesmo desempenho no uso da informática que os de escolas particulares e bem equipadas?

        Sim. A tese de doutorado que defendi em 1986 me permitiu comprovar o funcionamento dos mecanismos cognitivos durante a construção de conhecimentos.

        Nos anos 1990 iniciei as experiências de conexão e confirmei uma das minhas hipóteses: as crianças pobres consideradas de pouca inteligência pelas escolas, quando se conectam e se comunicam no ciberespaço, apresentam as mesmas possibilidades de desenvolvimento que os alunos bem atendidos e saudáveis.

       
A educação brasileira pode vencer a exclusão digital?

        Há excelentes condições para que isso aconteça. No Brasil já temos mais de 20 anos de estudos e experiências sobre a introdução de novas tecnologias digitais na escola pública. Esses dados estão disponíveis. O Ministério da Educação vem criando projetos nacionais com apoio da maioria dos estados, como o Programa Nacional de Informática Educativa (Proninfe) e o Programa Nacional de Informática na Educação (Proinfo). Muitas organizações sociais e comunitárias também colaboram nesse processo.

        O que mais emperra o uso sistemático da informática nas escolas públicas?

        A falta de continuidade dos programas existentes nas sucessivas administrações. Não se pode esperar que educadores e gestores tomem a iniciativa se o estado e a administração da educação não garantem a infraestrutura nem sustentam técnica, financeira e politicamente o processo de inovação tecnológica.

        Como o computador pode contribuir para a melhoria da educação?

        Inclusão digital não é só o amplo acesso à tecnologia, mas a apropriação dela na resolução de problemas. Veja a questão dos baixos índices de alfabetização e de letramento, por exemplo. Uma solução para melhorá-los seria levar os alunos a sentir o poder de se comunicar rapidamente em grandes distâncias, ter ideias, expressá-las como autores e publicar seus escritos no mundo virtual.

        [...].

Disponível em: http://revistaescola.abril.com.br/politicas-publicas/planejamento-e-financiament/podemos-vencer-exclusao-digital-425469.shtml. Acesso em: 18/7/2012.

Fonte: Livro – Português: Linguagens, 3ª Série – Ensino Médio – William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães, 9ª ed. – São Paulo: Saraiva Editora, 2013. p. 316-317.

Entendendo a entrevista:

01 – Qual a principal descoberta de Léa Fagundes sobre o uso do computador na educação na década de 1980?

      Léa Fagundes descobriu que o computador é um recurso "para pensar com" e que os alunos aprendem mais quando ensinam à máquina.

02 – Que exemplos a entrevistada cita para ilustrar o sucesso da informática educacional em escolas públicas?

      Ela cita que, em Novo Hamburgo, crianças programaram processadores de texto, produziram diferentes tipos de textos, criaram protótipos em robótica e desenvolveram projetos gráficos. Na Escola Parque em Brasília, a informática melhorou a autoestima dos garotos e evidenciou seu desempenho, levando-os a serem contratados como professores e técnicos.

03 – Segundo Léa Fagundes, existe diferença no desempenho de alunos da rede pública e particular no uso da informática? Qual a sua hipótese comprovada?

      Não, ela afirma que não há diferença. Sua hipótese comprovada é que crianças pobres, consideradas de pouca inteligência, quando se conectam e se comunicam no ciberespaço, apresentam as mesmas possibilidades de desenvolvimento que alunos bem atendidos e saudáveis.

04 – O que Léa Fagundes aponta como o principal obstáculo para o uso sistemático da informática nas escolas públicas brasileiras?

      O principal obstáculo é a falta de continuidade dos programas existentes nas sucessivas administrações governamentais, que não garantem a infraestrutura nem o suporte técnico, financeiro e político necessário.

05 – Qual a diferença entre "acesso à tecnologia" e "inclusão digital" na visão de Léa Fagundes?

      Para Léa Fagundes, inclusão digital não é apenas o amplo acesso à tecnologia, mas sim a apropriação dela na resolução de problemas.

06 – De que maneira o computador pode, segundo a entrevistada, contribuir para a melhoria dos índices de alfabetização e letramento?

      Ao permitir que os alunos sintam o poder de se comunicar rapidamente em grandes distâncias, ter ideias, expressá-las como autores e publicar seus escritos no mundo virtual.

07 – Quais são as condições existentes no Brasil que, para Léa Fagundes, favorecem a superação da exclusão digital?

      Ela menciona que o Brasil já possui mais de 20 anos de estudos e experiências sobre a introdução de novas tecnologias digitais na escola pública, dados disponíveis, e que o Ministério da Educação (MEC) vem criando projetos nacionais com apoio da maioria dos estados (como Proninfe e Proinfo), além da colaboração de diversas organizações sociais e comunitárias.

 

ENTREVISTA: QUE MISTÉRIO TEM CLARICE? - RENATO CORDEIRO GOMES - COM GABARITO

 Entrevista: Que mistério tem Clarice? (Texto-montagem)

                   Renato Cordeiro Gomes

        Não gosto de dar entrevistas: as perguntas me constrangem, custo a responder, e, ainda por cima, sei que o entrevistador vai deformar fatalmente minhas palavras.

        Assim, para não correr esse risco e não haver constrangimento, não aconteceu nenhuma entrevista, apesar do bate-papo descontraído e, por fim, amigo, numa sala acolhedora, no Leme, onde moram Clarice e seus mistérios.

        Houve não-perguntas, mas há respostas (?). Revelação! Diante da máquina de escrever, ELA fala:

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjEcCzORaUpfkWM2OYNL0l7VsMYv9SveI9vTMkHFo4CuXG-ApdkRQQIRIvS4yUDqDCHzrwROba_zbUJpMc-HYyvEZ2GgYXjiCY6r3j3eu4ko_ja914U_SZC8tkp0x7MYjazA6U_5FnTM4J1reeaQjV6InqqkFX-v0_td4AV1rmbXexziIzfbKRUPESGoxc/s320/Ruins_of_Chechelnyk_synagogue.jpg


        Explicação de uma vez por todas

        Recebo de vez em quando carta perguntando-me se sou russa ou brasileira, e me rodeiam de mitos.

        Vou esclarecer de uma vez por todas: não há simplesmente mistério que justifique mitos, lamento muito. E a história é a seguinte: nasci na Ucrânia, terra de meus pais. Nasci numa aldeia chamada Tchetchelnik, que não figura no mapa de tão pequena e insignificante. Quando minha mãe estava grávida de mim, meus pais já estavam se encaminhando para os Estados Unidos ou Brasil, ainda não haviam decidido: pararam em Tchetchelnik para eu nascer, e prosseguiram viagem. Cheguei ao Brasil com apenas dois meses de idade.

        Sou brasileira naturalizada, quando, por uma questão de meses, poderia ser brasileira nata.

        Fiz da língua portuguesa a minha vida interior, o meu pensamento mais íntimo, usei-a para palavras de amor. Comecei a escrever pequenos contos logo que me alfabetizaram, e escrevi-os em português, é claro. Criei-me em Recife, e acho que viver no Nordeste ou Norte do Brasil é viver mais intensamente e de perto a verdadeira vida brasileira que lá, no interior, não recebe influência de costumes de outros países. Minhas crendices foram aprendidas em Pernambuco, as comidas que mais gosto são pernambucanas. E através de empregadas, aprendi o rico folclore de lá.

        Somente na puberdade vim para o Rio com minha família: era a cidade grande e cosmopolita que, no entanto, em breve se tornava para mim brasileira-carioca.

        Quanto a meus rr enrolados, estilo francês, quando falo, e que me dão um ar de estrangeira, trata-se apenas de um defeito de dicção: simplesmente não consigo falar de outro jeito. Defeito esse que meu amigo Dr. Pedro Bloch disse ser facílimo de corrigir e que ele faria isso para mim. Mas sou preguiçosa, sei de antemão que não faria os exercícios em casa. E além do mais meus rr não me fazem mal algum. Outro mistério, portanto, elucidado.

        O que não será jamais elucidado é o meu destino. Se minha família tivesse optado pelos Estados Unidos, eu teria sido escritora? Em inglês, naturalmente, se fosse. Teria casado provavelmente com um americano e teria filhos americanos. E minha vida seria inteiramente outra. Escreveria sobre o quê? O que é que amaria? Seria de que Partido? Que gênero de amigos teria? Mistério.

        A gente nasce para alguma coisa, da qual vamos tomando consciência à medida que cumprimos nossa existência, num ato de doação. Para que você nasceu, Clarice?

        As três experiências

        Há três coisas para as quais eu nasci e para as quais eu dou minha vida. Nasci para amar os outros, nasci para escrever, e nasci para criar meus filhos. O "amar os outros" é tão vasto que inclui até perdão para mim mesma, com o que sobra. As três coisas são tão importantes que minha vida é curta para tanto. Tenho que me apressar, o tempo urge. Não posso perder um minuto do tempo que faz minha vida. Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca.

        E nasci para escrever. A palavra é o meu domínio sobre o mundo. Eu tive desde a infância várias vocações que me chamavam ardentemente. Uma das vocações era escrever. E não sei por que, foi esta que eu segui. Talvez porque para as outras vocações eu precisaria de um longo aprendizado, enquanto que para escrever o aprendizado é a própria vida se vivendo em nós e ao redor de nós. É que não sei estudar. E, para escrever, o único estudo é mesmo escrever. Adestrei-me desde os sete anos de idade para que um dia eu tivesse a língua em meu poder. E, no entanto, cada vez que vou escrever, é como se fosse a primeira vez. Cada livro meu é uma estreia penosa e feliz. Essa capacidade de me renovar toda à medida que o tempo passa é o que eu chamo de viver e escrever.

        Quanto a meus filhos, o nascimento deles não foi casual. Eu quis ser mãe. Meus dois filhos foram gerados voluntariamente. Os dois meninos estão aqui, ao meu lado. Eu me orgulho deles, eu me renovo neles, eu acompanho seus sofrimentos e angústias, eu lhes dou o que é possível dar. Se eu não fosse mãe, seria sozinha no mundo. Mas tenho uma descendência, e para eles no futuro eu preparo meu nome dia a dia. Sei que um dia abrirão as asas para o voo necessário, e eu ficarei sozinha. É fatal, porque a gente não cria os filhos para a gente, nós criamos para eles mesmos. Quando eu ficar sozinha, estarei seguindo o destino de todas as mulheres.

        Sempre me restará amar. Escrever é alguma coisa extremamente forte, mas que pode me trair e me abandonar: posso um dia sentir que já escrevi o que é o meu lote neste mundo e que eu devo aprender também a parar. Em escrever eu não tenho nenhuma garantia.

        Ao passo que amar eu posso até a hora de morrer. Amar não acaba. É como se o mundo estivesse à minha espera. E eu vou de encontro ao que me espera.

        Sou uma pessoa muito ocupada: tomo conta do mundo. Lucidamente apenas falo de algumas das milhares de coisas e pessoas de quem eu tomo conta. Também não se trata de um emprego, pois dinheiro não ganho com isso. Fico apenas sabendo como é o mundo.

        Mas por que você toma conta do mundo, se isto lhe dá trabalho?

        É que nasci assim, incumbida. E sou responsável por tudo o que existe, inclusive pelas guerras e pelos crimes de lesa-corpo e lesa-alma. Sou inclusive responsável pelo Deus que está em constante cósmica evolução para melhor.

        O saber e o não-saber

        Eu sei de muito pouco. Mas tenho a meu favor tudo o que não sei e – por ser um campo virgem – está livre de preconceitos. Tudo o que não sei é a minha parte maior e melhor: é a minha largueza. É com ela que eu compreenderia tudo. Tudo o que não sei é que constitui a minha verdade. 

        O mistério da criação artística

        Quando comecei a escrever, que desejava atingir? Queria escrever alguma coisa que fosse tranquila e sem modas, alguma coisa como a lembrança de um alto monumento que parece mais alto porque é lembrança. Mas queria, de passagem, ter realmente tocado no monumento. Sinceramente não sei o que simbolizava para mim a palavra monumento. E terminei escrevendo coisas inteiramente diferentes.

        Dois modos

        Como se eu procurasse não aproveitar a vida imediata mas sim a mais profunda, o que me dá dois modos de ser: em vida, observo muito, sou ativa nas observações, tenho o senso do ridículo, do bom humor, da ironia, e tomo um partido. Escrevendo, tenho observações por assim dizer passivas, tão interiores que se escrevem ao mesmo tempo em que são sentidas, quase sem o que se chama de processo.

        E por isso que no escrever eu não escolho, não posso me multiplicar em mil, me sinto fatal a despeito de mim.

        A criação artística é um mistério que me escapa, felizmente.

        Aceitando o risco

        Minhas intuições se tornam mais claras ao esforço de transpô-las em palavras. É neste sentido, pois, que escrever me é uma necessidade. De um lado, porque escrever é um modo de não mentir o sentimento (a transfiguração involuntária da imaginação é apenas um modo de chegar); de outro lado, escrevo pela incapacidade de entender se não usar o processo de escrever. Escrever é compreender melhor. Se às vezes tomo sem querer um ar hermético, é que não só o principal é não mentir o sentimento como porque tenho incapacidade de transpô-lo de um modo claro sem que mentisse – e mentir o pensamento seria tirar a única alegria de escrever. Assim, tantas vezes tomo um ar involuntariamente hermético, o que acho bem chato nos outros. Depois da coisa escrita, poderia eu friamente torná-la menos hermética, mais explicativa? Mas é que respeito um certo tom peculiar ao mistério natural da criação não substituível (esse mistério) por clareza outra nenhuma. Também porque acredito que a coisa se esclarece sozinha com o tempo: assim como num copo d'água, uma vez depositado no fundo o que quer que seja, a água fica clara. Se jamais a água ficar limpa, pior para mim. Aceito o risco. Aceitei risco bem maior, como todo o mundo que vive. E se aceito o risco não é por liberdade arbitrária ou inconsciência ou arrogância: a cada dia que acordo, por hábito até, aceito o risco. Sempre tive um profundo senso de aventura, e a palavra profundo está aí querendo dizer inerente. Este senso de aventura é o que me dá o que tenho de aproximação mais isenta e real em relação a viver e, de cambulhada, escrever.

        Nem tudo o que escrevo resulta numa realização, resulta mais numa tentativa. O que também é um prazer. Pois nem tudo eu quero pegar. Às vezes quero apenas tocar. Depois o que toco às vezes floresce e os outros podem pegar com as duas mãos.

        Às vezes tenho a impressão de que escrevo por simples curiosidade intensa. É que, ao escrever, eu me dou as mais inesperadas surpresas. É na hora de escrever que muitas vezes fico consciente de coisas, das quais, sendo inconsciente, eu antes não sabia que sabia.

        Literatura e justiça

        Minha tolerância em relação a mim, como pessoa que escreve, é perdoar eu não saber como me expressar de um modo "literário" (isto é, transformando na veemência da arte) da "coisa social". Desde que me conheço o fato social teve em mim importância maior do que qualquer outro: em Recife os mocambos foram a primeira verdade para mim. Muito antes de sentir "arte", senti a beleza profunda da luta. O problema de justiça é em mim um sentimento tão óbvio e tão básico que não consigo me surpreender com ele - e, sem me surpreender, não consigo escrever. E também porque para mim escrever é procurar. O sentimento de justiça nunca foi procura em mim, nunca chegou a ser descoberto, e o que me espanta é que ele não seja igualmente óbvio em todos. Na verdade sinto-me engajada. Tudo o que escrevo está ligado, pelo menos dentro de mim, à realidade em que vivemos.

        Autocrítica

        Esta autocrítica tem que ser complacente, porque se fosse aguda demais isso talvez me fizesse nunca mais escrever. Mas eu queria escrever, algum dia talvez. Embora sentindo que, se voltasse a escrever, seria de um modo diferente do meu antigo: diferente em quê? Não me interessa. Minha autocrítica a certas coisas que escrevo, não importa no caso se boas ou más, – falta a elas chegar àquele ponto em que a dor se mistura à profunda alegria, e a alegria chega a ser dolorosa – pois esse ponto é o aguilhão da vida.

        E quantas vezes conseguimos o encontro máximo de um ser com outro ser, quando com espanto dizemos: "Ah!". Às vezes esse encontro consigo próprio se consegue através do encontro de um ser com outro ser.

        Não, eu não teria vergonha de dizer tão claramente o que eu quereria para o futuro: quereria o máximo, e o máximo deve ser atingido e dito com a matemática perfeição da música ouvida e transposta para o profundo arrebatamento que sentimos. Não transposta, pois é a mesma coisa. Deve, eu sei que deve haver um modo em mim de chegar a isso.

        Às vezes sinto que esse modo eu o conseguiria através simplesmente de meu modo de ver mais evoluído. Uma vez sendo, no entanto, que se fosse conseguido seria através da misericórdia. Não da misericórdia transformada em gentileza da alma. Mas da profunda misericórdia transformada em ação, mesmo que seja a ação das palavras. E assim como "Deus escreve direito por linhas tortas", através de nossos erros correria o grande amor que seria a misericórdia.

        Aproximação gradativa

        Se eu tivesse que dar um título à minha vida seria: à procura da própria coisa.

        Mistério

        Sou tão misteriosa que não me entendo. Não, positivamente não me entendo. Bem, mas o fato é que, mesmo não me entendendo, vou lentamente me encaminhando – e também para o quê, não sei. De um modo geral, para mais amor por tudo... Sinto que me encaminho para o mais humano.

        Os mistérios: estes. De Clarice.

Seleta de Clarice Lispector, 2. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1976.

Fonte: Letra e Vida. Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – Coletânea de textos – Módulo 3 – CENP – São Paulo – 2005. p. 291-294.

Entendendo a entrevista:

01 – Por que Clarice não gosta de dar entrevistas?

      Clarice não gosta de dar entrevistas porque as perguntas a constrangem, ela tem dificuldade em responder e acredita que o entrevistador fatalmente deformará suas palavras.

02 – Qual a verdadeira nacionalidade de Clarice e como ela se sente em relação a isso?

      Clarice nasceu na Ucrânia, mas chegou ao Brasil com apenas dois meses de idade. Ela se considera brasileira naturalizada e fez da língua portuguesa sua vida interior, usando-a para seu pensamento mais íntimo e para escrever.

03 – De onde Clarice absorveu grande parte de sua identidade cultural brasileira?

      Clarice se criou em Recife, e acredita que viver no Nordeste ou Norte do Brasil é vivenciar a verdadeira vida brasileira. Ela aprendeu suas crendices e gostos culinários em Pernambuco e, através de empregadas, absorveu o rico folclore local.

04 – Como Clarice explica seus "rr enrolados" que a fazem soar como estrangeira?

      Ela explica que é apenas um defeito de dicção e que não consegue falar de outro jeito. Ela também menciona que um amigo, Dr. Pedro Bloch, disse que seria fácil de corrigir, mas ela é preguiçosa para fazer os exercícios.

05 – Quais são as três experiências para as quais Clarice afirma ter nascido?

      Clarice afirma ter nascido para amar os outros, para escrever e para criar seus filhos.

06 – De que forma Clarice descreve a criação artística e o processo de escrita?

      Clarice vê a criação artística como um mistério que lhe escapa. Ela descreve a escrita como uma necessidade para não mentir o sentimento e para compreender melhor as coisas, além de ser uma fonte de "inesperadas surpresas" onde ela se torna consciente de coisas que antes não sabia que sabia.

07 – Qual é o sentimento de Clarice em relação à justiça social e como isso se relaciona com sua escrita?

      Para Clarice, o problema da justiça é um sentimento "óbvio e básico" que a "engaja". Embora não consiga escrever sobre isso de forma "literária" (transformando-o em veemência artística), ela afirma que tudo o que escreve está ligado à realidade em que vivemos.

 

quarta-feira, 23 de outubro de 2024

ENTREVISTA: A TURMA DO MAURÍCIO - FRAGMENTO - FELIPE MACHADO - COM GABARITO

 Entrevista: A turma do Maurício – Fragmento

        Aos 85 anos, Maurício de Sousa, criador da Turma da Mônica, prepara a versão de seus personagens em idade adulta e aposta nos filmes com atores reais

        Ninguém no Brasil tem uma família tão grande quanto Maurício de Sousa. Além dos dez filhos biológicos, ele é responsável pela criação de mais de 400 personagens [...]. Sua saga começou aos 19 anos, quando mudou-se para a capital e escreveu reportagens policiais na Folha de S. Paulo. Em 1959, aos 24, realizou o sonho: publicou no jornal uma tirinha com um personagem seu, o cão Bidu e seu dono, Franjinha. Aí vieram Mônica e Magali, inspiradas nas filhas, Cebolinha e Cascão. [...].

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEijfk7Q_gCSNXVooB6r_dPFb7oQ6OMQSYFlM8CVf75kmNGYcBHsiaIpQdPf4x1N97JGl2pwJS9o6_EGJQ5G3qKn5cHkKPugpe8l5XHVCKl1RL_MwdUoYAKSTu2ea80mcyBZrFf3ys4ddEm4NtLJCOZuZSqMZ2iI0mFSvu1RHBAw7LApPNJ0VuF4GL6nlUM/s320/GF_Turma-da-monica.jpg


 Depois do sucesso da Turma da Mônica Jovem, que mostra os personagens com idades de adolescentes, Maurício estuda uma maneira de adaptá-los para a vida adulta. [...] O plano é ambicioso: a idade da turma acompanhará o tempo cronológico dos leitores, ou seja, o primeiro ano traria Mônica com 25 anos, no ano seguinte com 26, e assim por diante. “Ainda precisamos definir como seria a relação entre eles, quem casaria com quem, quem teria filhos com quem”, explica.

        ENTREVISTA

        “Todos nós somos substituíveis”

        Você tem feito campanhas de conscientização; até o Cascão lavou as mãos contra o coronavírus. Quadrinhos devem ter função social?

        Criei esses personagens há 60 anos inspirados nas minhas filhas, mas percebi que não estava falando só sobre crianças próximas. Sempre tento descobrir como podemos ajudar crianças com problemas e suas famílias.

        Como manter os leitores jovens que estão envelhecendo?

        Ninguém envelhece hoje, só fica com mais idade. E eles gostam de continuar a se ver nas histórias. Não quero que falem: “a Turma já foi criança, jovem e adulta, vai fazer agora a da terceira idade?” [...] A ideia é construir histórias atuais, em tempo real. [...]

        A notícia de que a Mônica fez 60 anos deixou muita gente surpresa. Como você se sente tendo uma filha que virou um personagem universal?

        Fico feliz da vida. Tenho duas Mônica para cuidar, a real e a desenhada.

        [...]

        Tivemos recentemente a morte do Quino, influente cartunista argentino. Há uma nova geração chegando?

        A gente nunca sabe, mas sempre aparece algum jovem. Todos nós somos substituíveis, às vezes demora um pouquinho, mas sempre chega alguém. Tem muita criança aí rabiscando para ser o Maurício de Sousa do futuro. O importante e dar material para desenhar e deixar brincar.

        [...]

MACHADO, Felipe. A turma do Maurício. ISTO É, [São Paulo], 3 nov. 2020. Disponível em: https://istoe.com.br/a-turma-do-mauricio. Acesso em: 5 maio 2021.

Fonte: Maxi: Séries Finais. Caderno 1. Língua Portuguesa – 7º ano. 1.ed. São Paulo: Somos Sistemas de Ensino, 2021. Ensino Fundamental 2. p. 42-43.

Entendendo a entrevista:

01 – Qual a principal novidade que Maurício de Sousa está preparando para a Turma da Mônica?

      Maurício de Sousa está preparando uma nova fase para a Turma da Mônica, na qual os personagens envelhecerão em tempo real, acompanhando o crescimento dos leitores. A ideia é mostrar os personagens na vida adulta, explorando novas relações e desafios.

02 – Qual a importância da Turma da Mônica na vida de Maurício de Sousa?

      A Turma da Mônica é uma parte fundamental da vida de Maurício de Sousa. Os personagens foram inspirados em seus filhos e, ao longo dos anos, se tornaram uma família para ele. Além disso, Maurício enxerga a importância de usar os quadrinhos para abordar temas sociais e ajudar crianças e famílias.

03 – Como Maurício de Sousa pretende manter os leitores jovens interessados na Turma da Mônica?

      Para manter os leitores jovens, Maurício de Sousa pretende criar histórias atuais e relevantes, que acompanhem os acontecimentos do mundo real. A ideia é mostrar que os personagens também envelhecem e enfrentam os desafios da vida adulta, mas sem perder a essência e o humor que os caracterizam.

04 – Qual a visão de Maurício de Sousa sobre o futuro dos quadrinhos e a importância de incentivar novos talentos?

      Maurício de Sousa acredita que sempre haverá novos talentos surgindo nos quadrinhos, e que é importante incentivar crianças a desenhar e criar suas próprias histórias. Ele destaca a importância de oferecer materiais e oportunidades para que os jovens desenvolvam sua criatividade.

05 – Como Maurício de Sousa vê a relação entre seus personagens e a realidade?

      Maurício de Sousa acredita que seus personagens são uma representação da realidade, mas também possuem uma vida própria. Ele busca criar histórias que reflitam os desafios e as alegrias da vida, mas também que sejam divertidas e inspiradoras.

06 – Qual o papel social que Maurício de Sousa atribui aos quadrinhos?

      Para Maurício de Sousa, os quadrinhos têm um papel social importante. Eles podem ser utilizados para educar, conscientizar e promover valores positivos. Ele utiliza seus personagens para abordar temas relevantes, como a importância da higiene e a luta contra o preconceito.

07 – Qual a sensação de ter criado um personagem tão popular e duradouro como a Mônica?

      Maurício de Sousa se sente muito feliz e realizado por ter criado um personagem tão querido e duradouro como a Mônica. Ele destaca a importância da família que construiu ao redor da Turma da Mônica e a alegria de ver que seus personagens continuam a fazer parte da vida de tantas pessoas.