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quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

AUTOBIOGRAFIA: NASCE UM ESCRITOR - JORGE AMADO - COM GABARITO

 Autobiografia: Nasce um escritor

                       Jorge Amado

        O primeiro dever passado pelo novo professor de português foi uma descrição tendo o mar como tema. A classe inspirou, toda ela, nos encapelados mares de Camões, aqueles nunca dantes navegados, o episódio do Adamastor foi reescrito pela meninada. Prisioneiro no internato, eu vivia da saudade das praias do Pontal onde conhecera a liberdade e o sonho. O mar de Ilhéus foi o tema da minha descrição.

 
Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg-jSEi7WJT-KR7ZXmN-W7_VdCPrekj6TG2-lRLgttJb1a_p_45721NT3DU2iHpxJa1zy6pgumhBC4Bf-4MrPf4HicUA9TO83iPp9gtHfvWiCs1N7OAfFZ_-jTimLjEZdeKINMelNo2Pb4ZSQces22YQIp39VnlgcfdoAL47K9IU1l66XeyjZQcclrfEPs/s320/praia-de-mamoan.jpg



        Padre Cabral levara os deveres para corrigir em sua cela. Na aula seguinte, entre risonho e solene, anunciou a existência de uma vocação autêntica de escritor naquela sala de aula. Pediu que escutassem com atenção o dever que ia ler. Tinha certeza, afirmou, o autor daquela página seria no futuro um escritor conhecido. Não regateou elogios. Eu acabara de completar onze anos.

        Passei a ser uma personalidade, segundo os cânones do colégio, ao lado dos futebolistas, os campeões de matemática e de religião, dos que obtinham medalhas. Fui admitido numa espécie de Círculo Literário onde brilhavam alunos mais velhos. Nem assim deixei de me sentir prisioneiro, sensação permanente durante os dois anos em que estudei no colégio dos jesuítas.

        Houve, porém, sensível mudança na limitada vida do aluno interno: o padre Cabral tomou-me sob sua proteção e colocou em minhas mãos livros de sua estante. Primeiro “As viagens de Gulliver”, depois clássicos portugueses, traduções de ficcionistas ingleses e franceses. Data dessa época minha paixão por Charles Dickens. Demoraria ainda a conhecer Mark Twain, o norte-americano não figurava entre os prediletos do padre Cabral.

        Recordo com carinho a figura do jesuíta português erudito e amável. Menos por me haver anunciado escritor, sobretudo por me haver dado o amor aos livros, por me haver me revelado o mundo da criação literária. Ajudou-me a suportar aqueles dois anos de internato, a fazer mais leve a minha prisão, a minha primeira prisão.

Jorge Amado. “O menino Grapiúna”.  Rio de Janeiro: Record, 1987. p.117-120.

Fonte: livro Português: Língua e Cultura – Carlos Alberto Faraco – vol. único – Ensino Médio – 1ª edição – Base Editora – Curitiba, 2003. p. 245.

Entendendo a autobiografia:

01 – Qual foi o primeiro dever de português que Jorge Amado realizou e qual foi o tema?

      O primeiro dever de português passado pelo novo professor foi uma descrição tendo o mar como tema.

02 – Qual foi a reação do Padre Cabral ao ler a descrição de Jorge Amado?

      O Padre Cabral anunciou, risonho e solene, a existência de uma vocação autêntica de escritor naquela sala de aula. Afirmou que o autor daquela página seria no futuro um escritor conhecido e não regateou elogios.

03 – Como Jorge Amado se sentiu após o anúncio do Padre Cabral?

      Jorge Amado passou a ser uma personalidade no colégio, mas nem assim deixou de se sentir prisioneiro, sensação permanente durante os dois anos em que estudou no colégio dos jesuítas.

04 – Qual foi a principal mudança na vida de Jorge Amado após o anúncio do Padre Cabral?

      O Padre Cabral tomou-o sob sua proteção e colocou em suas mãos livros de sua estante, como "As viagens de Gulliver" e clássicos portugueses, o que despertou a paixão de Jorge Amado por Charles Dickens.

05 – Qual é a principal lembrança que Jorge Amado tem do Padre Cabral?

      Jorge Amado recorda com carinho a figura do jesuíta português erudito e amável, não apenas por tê-lo anunciado escritor, mas sobretudo por ter lhe dado o amor aos livros e revelado o mundo da criação literária, ajudando-o a suportar os dois anos de internato.

 

 

sábado, 4 de janeiro de 2025

CONTO: AS LUZES DO CARROSSEL - (FRAGMENTO) - CAPITÃES DA AREIA - JORGE AMADO - COM GABARITO

 Conto: As luzes do carrossel – Fragmento

        [...]

        -- E' uma beleza, — disse Pedro Bala olhando o velho carrossel armado. E João Grande abria os olhos para ver melhor. Penduradas estavam as lâmpadas azuis, verdes, amarelas, vermelhas.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiR0VyOINb2Zywi782-UeNuujrp12BTkxXhTm0-eZcQ-nu_41a5e1y9g9qIND7dZlt5xN-mao-avG38KdASQLbu02IPQlAYHLLrCqVTWBjmV2SSsfrI_ujg9ioTOUfMYskTR6ZCnLHN4BWCl0eIJ0CV9hbJVZYVGechzZWb7WwK2wxxVpIAb8qlrGnueAg/s1600/PISCA.jpg


        É velho e desbotado o carrossel de Nhozinho França. Mas tem a sua beleza. Talvez esteja nas lâmpadas, ou na música da pianola (velhas valsas de perdido tempo) ou talvez nos ginetes de pau. Entre eles tem um pato que é para sentar dentro os mais pequenos. Tem a sua beleza, sim, porque a opinião unanime dos Capitães da Areia é que ele é maravilhoso. Que importa que seja velho, roto e de cores apagadas se agrada ás crianças?

        Foi uma surpresa quase incrível quando naquela noite o Sem-Pernas chegou no trapiche dizendo que ele e Volta Seca iam trabalhar uns dias num carrossel. Muitos não acreditaram, pensaram que fosse mais uma pilhéria do Sem-Pernas. Então iam perguntar a Volta Seca que, como sempre, estava metido no seu canto sem falar, examinando um revólver que furtara numa casa de armas. Volta Seca fazia que sim com a cabeça e por vezes dizia:

        — Lampeão já rodou nele. Lampeão é meu padrim...

        O Sem-Pernas convidou a todos para irem ver o carrossel na outra noite quando o acabariam de armar. E saiu para encontrar Nhozinho França. Naquele momento todos os pequenos corações que pulsavam no trapiche invejaram a suprema felicidade do Sem-Pernas. Até mesmo Pirulito que tinha quadros de santos na sua parede, até mesmo João Grande que nesta noite iria com o Querido de Deus ao candomblé de Procópio, no Matatú, até mesmo o Professor que lia livros, e quem sabe se também Pedro Bala. que nunca inveja nenhum porque era o chefe de todos? Todos o invejaram, sim. Como invejaram a Volta Seca que no seu canto, o cabelo mestiço e ralo despenteado, os olhos apertados e a boca rasgada naquele ríctus de raiva apontava o revolver ora para um dos meninos, ora para um rato que passava, ora para as estrelas que eram muitas no céu.

        Na outra noite foram todos com o Sem-Pernas e Volta Seca (estes tinham passado o dia fora, ajudando Nhozinho a armar o carrossel) ver o carrossel armado. E estavam parados diante dele extasiados de beleza, as bocas abertas de admiração. O Sem-Pernas mostrava tudo. Volta Seca levava um por um para mostrar o cavalo que tinha sido cavalgado por seu padrinho Virgulino Ferreira Lampião. Eram quase cem crianças olhando o velho carrossel de Nhozinho França que a estas horas estava encornado num pifão tremendo na "Porta do Mar".

        O Sem-Pernas mostrou a máquina (um pequeno motor que falhava muito) com um orgulho de proprietário. Volta Seca não se desprendia do cavalo onde rodara Lampião. O Sem-Pernas estava muito cuidadoso do carrossel e não deixava que eles o tocassem, que bulissem em nada.

        Foi quando o Professor perguntou:

        — Tu já sabe mover com as maquinas?

        — Amanhã é que vou saber..., — disse o Sem-Pernas com um certo desgosto. — Amanhã seu Nhozinho vai me ensinar.

        — Então amanhã quando acabar a função tu pode botar ele pra rodar só com a gente. Tu bota as coisas pra andar, a gente se aboleta.

        Pedro Bala apoiou a ideia com entusiasmo. Os outros esperavam a resposta do Sem-Pernas ansiosos. O Sem Pernas disse que sim e então muitos bateram palmas, outros gritaram. Foi quando Volta Seca deixou o cavalo onde montara Lampião e veio para eles:

        — Quer ver uma coisa bonita?

        Todos queriam. O sertanejo trepou no carrossel, deu corda na pianola e começou a música de uma valsa antiga. O rosto sombrio de Volta Seca se abria num sorriso. Espiava a pianola, espiava os meninos envoltos em alegria. Escutavam religiosamente aquela música que saia do bojo do carrossel na magia da noite da cidade da Bahia só para os ouvidos aventureiros e pobres dos Capitães da Areia. Todos estavam silenciosos. Um operário que vinha pela rua vendo a aglomeração de meninos na praça veio para o lado deles. E ficou também parado escutando a velha música. Então a luz da lua se estendeu sobre todos, as estrelas brilharam ainda mais no céu, o mar ficou de todo manso (talvez que Iemanjá tivesse vindo também ouvir a música) e a cidade era como que um grande carrossel onde giravam em invisíveis cavalos os Capitães da Areia. Neste momento de música eles sentiram-se donos da cidade. E amaram-se uns aos outros, se sentiram irmãos porque eram todos eles sem carinho e sem conforto e agora tinham o carinho e conforto da música. Volta Seca não pensava com certeza em Lampião neste momento. Pedro Bala não pensava em ser um dia o chefe de todos os malandros da cidade. O Sem-Pernas em se jogar no mar onde os sonhos são todos belos. Porque a música saia do bojo do velho carrossel só para eles e para o operário que parará. E era uma valsa velha e triste, já esquecida por todos os homens da cidade. [...].

Capitães da areia. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p. 66-68.

Fonte: Livro – Português: Linguagens, 3 / William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães, 11. Ed. – Ensino médio. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 167-170.

Entendendo o conto:

01 – Qual o significado do carrossel para os Capitães da Areia?

      O carrossel representa um escape da dura realidade das ruas para os Capitães da Areia. É um símbolo de alegria, de infância, de um mundo mágico e distante da miséria em que vivem. A beleza das luzes, a música da pianola e a sensação de liberdade proporcionada pelo movimento do carrossel criam um momento de pura felicidade para essas crianças.

02 – Qual o papel de Volta Seca na história e qual sua relação com o carrossel?

      Volta Seca é um personagem complexo e enigmático. Ele representa a figura do bandido, mas também demonstra um lado mais humano ao se conectar com a música e com a alegria das crianças. Sua relação com o carrossel, especialmente com o cavalo que Lampião teria montado, simboliza sua busca por identidade e pertencimento a um grupo.

03 – Como a música da pianola influencia os Capitães da Areia?

      A música da pianola exerce um poder transformador sobre os Capitães da Areia. Ela cria uma atmosfera mágica e une as crianças em um momento de profunda emoção. A música as transporta para um outro mundo, onde os problemas e as dificuldades da vida nas ruas são momentaneamente esquecidos.

04 – Qual o papel do Professor na história?

      O Professor representa a figura do intelectual e do líder entre os Capitães da Areia. Ele busca conhecimento e cultura, e sua presença demonstra a importância da educação mesmo em condições adversas. O Professor também demonstra uma capacidade de organização e liderança ao propor que o Sem-Pernas coloque o carrossel em movimento para todos.

05 – Qual a importância do espaço da cidade na narrativa?

      A cidade é um personagem fundamental na história. A Bahia, com suas ruas, praças e o mar, serve como pano de fundo para a vida dos Capitães da Areia. O contraste entre a beleza da cidade e a miséria das crianças cria uma atmosfera de tensão e intensifica o impacto da história.

06 – Qual a mensagem principal do fragmento?

      O fragmento transmite uma mensagem de esperança e resiliência. Apesar das dificuldades, as crianças encontram momentos de alegria e solidariedade. A beleza do carrossel e a força da música demonstram que mesmo em meio à adversidade, é possível encontrar momentos de felicidade e construir laços de amizade.

07 – Como a obra de Jorge Amado contribui para a compreensão da realidade social brasileira?

      Jorge Amado, através de suas obras, como "Capitães da Areia", retrata a realidade social brasileira de forma realista e crítica. Ele denuncia as desigualdades sociais, a pobreza e a exploração, ao mesmo tempo em que celebra a força do povo brasileiro e sua capacidade de resistir e superar as adversidades. A obra de Amado contribui para a construção de uma memória coletiva e para a reflexão sobre os desafios da sociedade brasileira.

 

quinta-feira, 26 de setembro de 2024

CONTO: TERRAS DO SEM-FIM - (FRAGMENTO)- JORGE AMADO - COM GABARITO

 Conto: Terras do Sem-Fim – Fragmento

           Jorge Amado 

        A cidade ficava entre o rio e o mar, praias belíssimas, os coqueiros nascendo ao largo de todo o areal. Um poeta, que certa vez passara por Ilhéus e dera uma conferência, a chamara de “cidade das Palmeiras ao vento” numa imagem que os jornais repetiam de quando em vez.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEizoI5CMH4tsgz9y6_GWO69fzzhmgs6o0HPafMsJ0o4cAr4jOorRI2-MqsJQNEddza4dUoidvd35_DRw8zN2L9a22DfbmCWMuYFvB83uEEjg5F7TSlnthOE_REU853tjs7D0C44IJHS_6IgTEHsiiFqOd-vU5JtvQvPybxki7w36fDMSedsEwn_aLLZuPU/s1600/Terras_do_Sem-Fim.jpg


        A verdade, porém, é que as palmeiras nasciam nas praias e se deixavam balançar pelo vento. A árvore que influía em Ilhéus era a árvore do cacau, se bem não visse nenhuma em toda a cidade. Mas era ela que estava por detrás de toda a vida de São Jorge do Ilhéus. Por detrás de cada negócio que era feito, de cada casa que era construída, de cada armazém, de cada loja que era aberta, de cada caso do amor, de cada tiro trocado na rua. Não havia conservação em que a palavra não entrasse como elemento primordial. E sobre a cidade pairava, vindo dos armazéns de depósito, dos vagões da estrada de ferro, dos porões dos navios, das carroças e da gente, um cheiro de chocolate que é cheiro de cacau seco.

        Existia outra ordenança municipal que proibia o porte de armas. Mas muito poucas pessoas sabiam que ela existia e mesmo aqueles poucos que o sabiam, não pensavam em respeitá-lo. Os homens passavam, calçados de botas ou de botinas de couro grosso, a calça cáqui, o paletó de casimira, e por debaixo deste o revólver. Homens de repetição a tiracolo atravessavam a cidade sob a influência dos moradores, Apesar do que já existia de assentado, de definitivo, em Ilhéus, os grandes sobrados, as ruas calçadas, as casas de pedra e cal, ainda assim restava na cidade um certo ar de acampamento. Por vezes, quando chegavam os navios abarrotados de emigrantes vindos do sertão, de Sergipe e do Ceará, quando as pensões de perto da estação não tinham mais lugar de tão cheias, então barracas eram armadas na frente do porto. Improvisavam-se cozinhas, os coronéis vinham ali escolher trabalhadores. Dr. Rui, certa vez, mostrara um daqueles acampamentos a um visitante da capital.

        -- Aqui é o mercado de escravos...

        Dizia com um certo orgulho e certo desprezo, era assim que ele amava aquela cidade que nascera de repente, filho do porto, alimentada pelo cacau, já se tornando a mais rica do estado, a mais próspera também. Existiam poucos ilheenses de nascimento que já tivessem importância na vida da cidade. Quase todos fazendeiros, médicos, advogados, agrônomos, políticos, jornalistas, mestre-de-obras eram gente vinda de fora, de outros estados. Mas amavam estranhamentos aquela terra venturosa e rica. Todos se diziam "grapiúnas" e, quando estavam na Bahia, em toda parte eram facilmente reconhecíveis pelo orgulho com que falavam.

        -- Aquele é um ilheense... – diziam.

        Nos cabarés e nas casas de negócios da capital eles arrotavam valentia e riqueza, gastando dinheiro, comprando do bom e do melhor, pagando sem discutir preços, topando barulhos sem discutir o porquê. Nas casas de rameiras, na Bahia, eram respeitados, temidos e ansiosamente esperados. E também nas casas exportadores de produtos para o interior os comerciantes de Ilhéus eram tratados com a maior consideração, tinham crédito ilimitado.

        De todo o Norte do Brasil descia gente para essas terras do Sul da Bahia. A fama corria, diziam que o dinheiro rodava na rua, que ninguém fazia caso em Ilhéus, de prata de dois mil-réis. Os navios chegavam entupidos de imigrantes, vinham aventureiros de toda espécie, mulheres de toda idade, para quem Ilhéus era a primeira ou a última esperança.

        Na cidade todos se misturavam, o pobre de hoje podia ser o rico de amanhã, o tropeiro de agora poderia ter amanhã uma grande fazenda de cacau, o trabalhador que não sabia ler poderia ser um dia chefe político respeitado. Citavam-se os exemplos e citava-se sempre a Horácio que começara tropeiro e agora era dos maiores fazendeiros da zona, e o rico de hoje poderia ser o pobre de amanhã se um mais rico, junto com um advogado, fizesse um “caxixe” bem feito e tomasse sua terra. E todos os vivos de hoje poderiam amanhã estar mortos na rua, com uma bala no peito. Por cima da justiça, do juiz e do promotor, do júri de cidadãos, estava a lei do gatilho, última instância da justiça em Ilhéus.

Jorge Amado. Terras do sem-fim. 54. ed. Rio de Janeiro, Record, s.d. p. 188-9.

Fonte: livro Língua e Literatura – Faraco & Moura – vol. 3 – 2º grau – Edição reformulada 9ª edição – Editora Ática – São Paulo – SP. p. 163-4.

Entendendo o conto:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Grapiúna: na Bahia, apelido que os sertanejos dão aos moradores da capital ou de Ilhéus.

·        Rameira: prostituta.

·        Caxixe: negociata feita em torno de terras produtoras de cacau; logro.

02 – Qual é a principal atividade econômica de Ilhéus e como ela influencia a vida da cidade?

      A principal atividade econômica é a produção de cacau, que permeia todos os aspectos da vida da cidade, desde a economia até a cultura local.

03 – Qual é a atmosfera que predomina em Ilhéus? Justifique sua resposta com exemplos do texto.

      A atmosfera de Ilhéus é marcada pela violência, pela ambição e pela constante transformação. A presença de armas, a luta pelo poder e a rápida ascensão e queda social dos personagens ilustram essa atmosfera.

04 – Qual é o perfil dos habitantes de Ilhéus? São pessoas nativas da região ou vindas de outros lugares?

      A população de Ilhéus é bastante heterogênea, com muitos imigrantes vindos de outras regiões do Brasil em busca de oportunidades. A cidade é um caldeirão cultural, onde se misturam diferentes origens e histórias.

05 – Como os habitantes de Ilhéus se relacionam entre si? Há muita união ou a competição é acentuada?

      As relações entre os habitantes de Ilhéus são marcadas pela competição e pela violência. A busca por poder e riqueza gera conflitos e rivalidades.

06 – Qual é o papel da lei e da justiça em Ilhéus?

      A lei e a justiça formal têm pouco poder em Ilhéus. A violência e a força bruta são frequentemente utilizadas para resolver conflitos, e a lei do mais forte prevalece.

07 – Como a autora descreve a ascensão e queda social em Ilhéus?

      A ascensão e queda social em Ilhéus são rápidas e imprevisíveis. A riqueza pode ser adquirida de forma rápida, mas também pode ser perdida da mesma forma.

08 – Que tipo de linguagem Jorge Amado utiliza para descrever Ilhéus e seus habitantes?

      Jorge Amado utiliza uma linguagem rica em detalhes e vívida, capaz de transmitir a atmosfera da cidade e a complexidade de seus personagens.

09 – Quais são os principais temas abordados no fragmento?

      Os principais temas abordados são a violência, a desigualdade social, a busca por riqueza e poder, e a construção de uma nova sociedade no interior do Brasil.

10 – Com base neste fragmento, qual você acredita que seja o papel do cacau na história de Ilhéus?

      O cacau é o motor da economia de Ilhéus, gerando riqueza e atraindo pessoas de todas as partes do país. No entanto, ele também é responsável por muitos dos conflitos e da violência que marcam a cidade.

11 – Qual a sua impressão inicial sobre a obra "Terras do Sem-Fim" após ler este fragmento?

      Esta pergunta é aberta e permite que o leitor expresse sua própria opinião sobre a obra, com base nas informações presentes no fragmento.

 

 

 

domingo, 30 de junho de 2024

ROMANCE: NOITE DOS CAPITÃES DA AREIA - (FRAGMENTO) - JORGE AMADO - COM GABARITO

 Romance: NOITE DOS CAPITÃES DA AREIA – Fragmento

                 Jorge Amado

        A grande noite de paz da Bahia veio do cais, envolveu os saveiros, o forte, o quebra-mar, se estendeu sobre as ladeiras e as torres das igrejas. Os sinos já não tocam as ave-marias que as seis horas há muito que passaram. E o céu está cheio de estrelas, se bem a lua não tenha surgido nesta noite clara. O trapiche se destaca na brancura do areal, que conserva as marcas dos passos dos Capitães da Areia, que já se recolheram. Ao longe, a fraca luz da lanterna da Porta do Mar, botequim de marítimos, parece agonizar. Passa um vento frio que levanta a areia e torna difíceis os passos do negro João Grande, que se recolhe. Vai curvado pelo vento como a vela de um barco.  É alto, o mais alto do bando, e o mais forte também, negro de carapinha baixa e músculos retesados, embora tenha apenas treze anos, dos quais quatro passados na mais absoluta liberdade, correndo as ruas da Bahia com os Capitães da Areia. Desde aquela tarde em que seu pai, um carroceiro gigantesco, foi pegado por um caminhão quando tentava desviar o cavalo para um lado da rua, João Grande não voltou à pequena casa do morro. Na sua frente estava a cidade misteriosa, e ele partiu para conquistá-la. A cidade da Bahia, negra e religiosa, é quase tão misteriosa como o verde mar. Por isso João Grande não voltou mais. Engajou com nove anos nos Capitães da Areia, quando o Caboclo ainda era o chefe e o grupo pouco conhecido, pois o Caboclo não gostava de se arriscar. Cedo João Grande se fez um dos chefes e nunca deixou de ser convidado para as reuniões que os maiorais faziam para planejar os furtos. Não que fosse um bom organizador de assaltos, uma inteligência viva. Ao contrário, doía-lhe a cabeça se tinha que pensar. Ficava com os olhos ardendo, como ficava também quando via alguém fazendo maldade com os menores. Então seus músculos se retesavam e estava disposto a qualquer briga. Mas a sua enorme força muscular o fizera temido. O Sem-Pernas dizia dele:

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj_z48oqB_avKudqKeibgk5_x1QmnVUCPWEKGb2JrOStzU3LfK1jwCS2bJrigFCWOe61OUupPpbgsoSg7q2xTZY9EHAZ2DjHH-sFJeq98mOa8bd3ZCRzt99HbrSeW2MjsgxIYW7UA8gLrp1MtM4RGnMvboaxomWGcsfPdLtQ_8kq-AnYUuboSAmtXaHTqs/s320/Capit%C3%A3es_da_Areia_(filme).jpg


        — Este negro é burro mas é uma prensa…

        E os menores, aqueles pequeninos que chegavam para o grupo cheios de receio tinham nele o mais decidido protetor. Pedro, o chefe, também gostava de ouvi-lo. E João Grande bem sabia que não era por causa da sua força que tinha a amizade do Bala. Pedro achava que o negro era bom e não se cansava de dizer:

        — Tu é bom, Grande. Tu é melhor que a gente. Gosto de você — e batia pancadinhas na perna do negro, que ficava encabulado.

        João Grande vem vindo para o trapiche. O vento quer impedir seus passos e ele se curva todo, resistindo contra o vento que levanta a areia. Ele foi à Porta do Mar beber um trago de cachaça com o Querido-de-Deus, que chegou hoje dos mares do sul, de uma pescaria. O Querido-de-Deus é o mais célebre capoeirista da cidade. Quem não o respeita na Bahia? No jogo de capoeira de Angola ninguém pode se medir com o Querido-de-Deus, nem mesmo Zé Moleque, que deixou fama no Rio de Janeiro. O Querido-de-Deus contou as novidades e avisou que no dia seguinte apareceria no trapiche para continuar as lições de capoeira que Pedro Bala, João Grande e o Gato tomam. João Grande fuma um cigarro e anda para o trapiche. As marcas dos seus grandes pés ficam na areia, mas o vento logo as destrói. O negro pensa que nessa noite de tanto vento são perigosos os caminhos do mar.

        João Grande passa por debaixo da ponte — os pés afundam na areia — evitando tocar no corpo dos companheiros que já dor mem. Penetra no trapiche. Espia um momento indeciso até que nota a luz da vela do Professor. Lá está ele, no mais longínquo canto do casarão, lendo à luz de uma vela. João Grande pensa que aquela luz ainda é menor e mais vacilante que a da lanterna da Porta do Mar e que o Professor está comendo os olhos de tanto ler aqueles livros de letra miúda. João Grande anda para onde está o Professor, se bem durma sempre na porta do trapiche, como um cão de fila, o punhal próximo da mão, para evitar alguma surpresa.

        Anda entre os grupos que conversam, entre as crianças que dormem, e chega para perto do Professor. Acocora-se junto a ele e fica espiando a leitura atenta do outro.

        João José, o Professor, desde o dia em que furtara um livro de histórias numa estante de uma casa da Barra, se tornara perito nestes furtos. Nunca, porém, vendia os livros, que ia empilhando num canto do trapiche, sob tijolos, para que os ratos não os roessem.  Lia-os todos numa ânsia que era quase febre. Gostava de saber coisas e era ele quem, muitas noites, contava aos outros histórias de aventureiros, de homens do mar, de personagens heroicos e lendários, histórias que faziam aqueles olhos vivos se espicharem para o mar ou para as misteriosas ladeiras da cidade, numa ânsia de aventuras e de heroísmo. João José era o único que lia correntemente entre eles e, no entanto, só estivera na escola ano e meio. Mas o treino diário da leitura despertara completamente sua imaginação e talvez fosse ele o único que tivesse uma certa consciência do heroico das suas vidas.

        Aquele saber, aquela vocação para contar histórias, fizera-o respeitado entre os Capitães da Areia, se bem fosse franzino, magro e triste, o cabelo moreno caindo sobre os olhos apertados de míope. Apelidaram-no de Professor porque num livro furtado ele aprendera a fazer mágicas com lenços e níqueis e também porque, contando aquelas histórias que lia e muitas que inventava, fazia a grande e misteriosa mágica de os transportar para mundos diversos, fazia com que os olhos vivos dos Capitães da Areia brilhassem como só brilham as estrelas da noite da Bahia. Pedro Bala nada resolvia sem o consultar e várias vezes foi a imaginação do Professor que criou os melhores planos de roubo. Ninguém sabia, no entanto, que um dia, anos passados, seria ele quem haveria de contar em quadros que assombrariam o país a história daquelas vidas e muitas outras histórias de homens lutadores e sofredores. Talvez só o soubesse Don’Aninha, a mãe do terreiro da Cruz de Opô Afonjá, porque Don’Aninha sabe de tudo que Iá lhe diz através de um búzio nas noites de temporal.

        João Grande ficou muito tempo atento à leitura. Para o negro aquelas letras nada diziam. O seu olhar ia do livro para a luz oscilante da vela, e desta para o cabelo despenteado do Professor. Terminou por se cansar e perguntou com sua voz cheia e quente:

        — Bonita, Professor?

        Professor desviou os olhos do livro, bateu a mão descarnada no ombro do negro, seu mais ardente admirador:

        — Uma história zorreta, seu Grande — seus olhos brilhavam.

        — De marinheiro?

        — É de um negro assim como tu. Um negro macho de verdade.

        — Tu conta?

        — Quando findar de ler eu conto. Tu vai ver só que negro…

        E volveu os olhos para as páginas do livro. João Grande acendeu um cigarro barato, ofereceu outro em silêncio ao Professor e ficou fumando de cócoras, como que guardando a leitura do outro. Pelo trapiche ia um rumor de risadas, de conversas, de gritos. João Grande distinguia bem a voz do Sem-Pernas, estrídula e fanhosa. O Sem-Pernas falava alto, ria muito. Era o espião do grupo, aquele que sabia se meter na casa de uma família uma semana, passando por um bom menino perdido dos pais na imensidão agressiva da cidade. Coxo, o defeito físico valera-lhe o apelido. Mas valia-lhe também a simpatia de quanta mãe de família o via, humilde e tristonho, na sua porta, pedindo um pouco de comida e pousada por uma noite. Agora, no meio do trapiche, o Sem-Pernas metia a ridículo o Gato, que perde todo um dia para furtar um anelão cor de vinho, sem nenhum valor real, pedra falsa, de falsa beleza também.

        [...].

AMADO, Jorge. Capitães da Areia. 3. ed. reimp. São Paulo: Companhia das Letras, 2014. p. 30-33.

Entendendo o romance:

01 – Qual é o ambiente descrito no início do fragmento?

      O ambiente descrito no início do fragmento é a grande noite de paz da Bahia, com destaque para o cais, os saveiros, o forte, o quebra-mar, as ladeiras e as torres das igrejas. O trapiche é um ponto central da narrativa.

02 – Quem é João Grande e qual é sua história?

      João Grande é um menino negro de treze anos, alto e forte, que vive em liberdade com os Capitães da Areia desde que seu pai morreu em um acidente. Ele é um dos chefes do grupo, respeitado por sua força, mas não é conhecido por sua inteligência.

03 – Qual é a relação de João Grande com Pedro Bala?

      Pedro Bala, o chefe dos Capitães da Areia, tem uma relação de amizade e respeito com João Grande. Pedro Bala aprecia a bondade de João Grande e frequentemente diz que gosta dele por sua bondade, e não apenas por sua força.

04 – Quem é o Querido-de-Deus e qual é seu papel na história?

      O Querido-de-Deus é um célebre capoeirista da Bahia, respeitado por todos. Ele ensina capoeira a João Grande, Pedro Bala e o Gato, e aparece na história para trazer novidades e continuar as lições de capoeira.

05 – Como é descrita a relação de João Grande com o Professor?

      João Grande admira o Professor e frequentemente observa sua leitura. O Professor, por sua vez, respeita João Grande e é chamado para contar histórias. João Grande é o mais ardente admirador do Professor e se encanta com as histórias que ele conta.

06 – Quem é o Professor e qual é sua importância no grupo dos Capitães da Areia?

      O Professor, cujo nome é João José, é um membro dos Capitães da Areia que lê e conta histórias para o grupo. Ele é respeitado por seu conhecimento e imaginação, e frequentemente ajuda a criar planos de roubo. É o único que lê correntemente entre eles, apesar de ter estudado por apenas um ano e meio.

07 – Qual é a principal característica física e emocional de João Grande?

      João Grande é fisicamente alto e forte, com músculos retesados e treze anos de idade. Emocionalmente, ele é descrito como um protetor dos menores e uma pessoa boa, embora não seja muito inteligente.

08 – Como é a rotina noturna no trapiche, segundo a narrativa?

      A rotina noturna no trapiche inclui os meninos se recolhendo para dormir, conversas e risadas entre os membros do grupo. O Professor fica lendo à luz de uma vela, e João Grande, embora durma perto da porta, frequentemente vai observar o Professor lendo.

09 – Quem é o Sem-Pernas e qual é seu papel no grupo?

      Sem-Pernas é um menino coxo, conhecido por ser o espião do grupo. Ele tem a habilidade de se infiltrar nas casas das famílias, passando-se por um bom menino perdido. No trapiche, ele é conhecido por suas brincadeiras e conversas altas.

10 – Qual é a importância das histórias contadas pelo Professor para o grupo?

      As histórias contadas pelo Professor são importantes porque transportam os Capitães da Areia para mundos diversos, despertando a imaginação e o desejo de aventuras e heroísmo nos meninos. As histórias também ajudam a fortalecer o senso de comunidade e camaradagem entre eles.

 

domingo, 22 de maio de 2022

ROMANCE: CAPITÃES DE AREIA - REFORMATÓRIO - FRAGMENTO - JORGE AMADO -COM GABARITO

 Romance: Capitães de Areia – Reformatório - Fragmento

                Jorge Amado

        [...]

        No refeitório, enquanto bebiam o café aguado e mastigavam o bolachão duro, seu vizinho de mesa fala:

        – Tu é o chefe dos Capitães da Areia? – sua voz é baixíssima.

        – Sou, sim.

        – Vi teu retrato no jornal... Tu é um macho! Mas te acabaram – olha o rosto magro de Bala.

        Mastiga o bolachão. Continua:

        – Tu vai ficar aqui?

        – Vou arribar...

        – Eu também. Tenho um plano... Quando eu bater asa, posso ir pra teu grupo?

        – Pode.

        – Onde fica o buraco?

        Pedro Bala olha com desconfiança:

        – Tu encontra a gente no Campo Grande toda tarde

        – Pensa que vou dizer?

        O bedel Campos bate as mãos. Todos se levantam. Dirigem-se para as diversas oficinas ou para os terrenos cultivados.

        Pelo meio da tarde Pedro Bala vê o Sem-Pernas que passa na estrada. Vê também um bedel que o tange.

        Castigos... Castigos... É a palavra que Pedro Bala mais ouve no reformatório. Por qualquer coisa são espancados, por um nada são castigados. O ódio se acumula dentro de todos eles.

        No extremo do canavial passa um bilhete a Sem-Pernas. No outro dia encontra a corda entre as moitas de cana. Com certeza a puseram durante a noite. É um rolo de corda fina e resistente. Está novinha. No meio dela o punhal que Pedro mete nas calças. A dificuldade é levar o rolo para o dormitório. Fugir durante o dia é impossível, com a vigilância dos bedéis. Não pode levar o rolo entre a roupa, que notariam.

        De repente surge uma briga. Jeremias se joga sobre o bedel Fausto com o facão na mão. Outros meninos se atiram também, mas vem um grupo de bedéis armados de chicotes. Estão sujeitando Jeremias.

        Pedro mete o rolo de corda debaixo do paletó, abre para o dormitório. Um bedel vem descendo a escada com um revólver na mão. Pedro se esconde atrás de uma porta.

        O bedel vem rápido, passa.

        Empurra a corda para baixo do colchão, volta para o canavial. Jeremias foi levado para a cafua. Os bedéis agora juntam os meninos. Ranulfo e Campos foram em perseguição de Agostinho, que pulou a cerca na confusão da briga. O bedel Fausto, com um talho no ombro, foi para a enfermaria. O diretor está entre eles, os olhos fuzilando de raiva. Um bedel conta os meninos. Pergunta a Pedro Bala:

        – Onde estava metido?

        – Saí pra não me meter no barulho.

        O bedel o olha desconfiado, mas passa.

        Voltam Ranulfo e Campos com Agostinho. O fujão é surrado na vista de todos. Depois o diretor diz:

        – Metam-no na cafua.

        – Já está Jeremias – fala Ranulfo.

        – Ficam os dois. Assim podem conversar...

        Pedro Bala se arrepia. Como irão ficar dois na pequenez da cafua?

        Nesta noite a vigilância é grande, ele não tenta nada. Os meninos rangem os dentes de raiva.

        Duas noites depois, quando o bedel Fausto já tinha se recolhido há muito ao seu quarto de tabiques e quando todos dormiam, Pedro Bala se levantou, tirou a corda de sob o colchão. Sua cama ficava junto a uma janela. Abriu. Amarrou a corda num dos armadores de rede que existiam na parede. Deixou que a corda caísse pela janela.

        Era curta. Faltava ainda muito. Recolheu. Procurava fazer o menor barulho possível, mas assim mesmo um dos seus vizinhos de cama acordou:

        – Tu vai bater asa?

        Aquele não tinha boa fama. Costumava delatar. Por isso mesmo fora colocado ao lado de Pedro Bala. Bala puxou o punhal, mostrou a ele.

        – Olha, xereta, trata de dormir. Se tu piar, eu te abro a garganta, palavra de Pedro Bala. E se tu disser alguma coisa depois que eu sair... Tu já viu falar nos Capitães da Areia?

        – Já.

        – Pois eles me vinga.

        Põe o punhal ao alcance da mão. Recolhe completamente a corda, amarra o lençol na ponta com um daqueles nós que o Querido-de-Deus lhe ensinou. Ameaça mais uma vez o menino, joga a corda, passa o corpo pela janela, começa a descida. Ainda no meio ouve os gritos denunciadores do delator.

        [...].

AMADO, Jorge. Capitães de Areia. São Paulo: Companhia de Bolso, 2009.

Fonte: Livro – Viva Português 2° – Ensino médio – Língua portuguesa – 1ª edição 1ª impressão – São Paulo – 2011. Ed. Ática. p. 16-8.

Entendendo o romance:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Arribar: partir sem dizer para onde.

·        Cafua: quarto escuro onde se prendiam os alunos castigados.

·        Tabique: parede fina, geralmente de madeira.

·        Tanger: acelerar de algum modo a marcha de uma pessoa ou de um animal.

02 – Descreva o espaço onde acontecem os fatos narrados.

      Trata-se de um reformatório onde há um refeitório, oficinas, campos de cultivo, dormitório e uma cafua. Sabemos que o dormitório não fica no térreo, pois Pedro precisa de corda e lençol para alcançar o chão.

03 – O comportamento de Pedro Bala durante o diálogo no refeitório e no momento da briga revela algumas de suas características. Quais?

      Pedro Bala é bastante esperto, tem senso de oportunidade, mas também é bastante desconfiado.

04 – O trecho foi interrompido num momento decisivo da narrativa. Que momento é esse? Que perguntas nos fazemos nesse momento?

      O momento em que Pedro Bala tenta uma fuga. Perguntamo-nos se ele vai conseguir, se os gritos do companheiro de quarto despertarão os bedéis a tempo de conseguirem impedir a fuga do garoto.

05 – Levante uma hipótese de desfecho para o capítulo.

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Se deixa escorregar pela corda, salta ao chão. O pulo é grande, mas ela já salta correndo. Pula a cerca, após evitar os cachorros policiais que estão soltos. Desaba pela estrada. Tem alguns minutos de vantagem. O tempo dos bedéis se vestirem e saírem em sua perseguição e soltarem os cachorros também. Pedro Bala prede o punhal nos dentes, tira a roupa. Assim os cachorros não o conhecerão pelo faro. E nu, na madrugada fria, inicia a carreira para o sol, para a liberdade.

sábado, 23 de novembro de 2019

ROMANCE: CAPITÃES DE AREIA -(FRAGMENTO) - JORGE AMADO - COM GABARITO

Romance: Capitães de Areia - Fragmento               
                  Jorge Amado

         O romance Capitães da Areia, de Jorge Amado, é um documento sobre a vida dos meninos de rua de Salvador. A sua primeira edição (1937) foi apreendida e queimada em praça pública pouco depois de implantada a ditadura de Getúlio Vargas. No trecho a seguir, o narrador nos conta como Pedro Bala, aos quinze anos, assumiu a liderança de um grupo que dormia num velho armazém abandonado do cais do porto.
        "É aqui também que mora o chefe dos Capitães da Areia: Pedro Bala. Desde cedo foi chamado assim, desde seus cinco anos. Hoje tem quinze anos. Há dez que vagabundeia nas ruas da Bahia. Nunca soube de sua mãe, seu pai morrera de um balaço. Ele ficou sozinho e empregou anos em conhecer a cidade. Hoje sabe de todas as suas ruas e de todos os seus becos. Não há venda, quitanda, botequim que ele não conheça. Quando se incorporou aos Capitães da Areia (o cais recém-construído atraiu para suas areias todas as crianças abandonadas da cidade) o chefe era Raimundo, o Caboclo, mulato avermelhado e forte.
        Não durou muito na chefia o caboclo Raimundo. Pedro Bala era muito mais ativo, sabia planejar os trabalhos, sabia tratar com os outros, trazia nos olhos e na voz a autoridade de chefe. Um dia brigaram. A desgraça de Raimundo foi puxar uma navalha e cortar o rosto de Pedro, um talho que ficou para o resto da vida. Os outros se meteram e como Pedro estava desarmado deram razão a ele e ficaram esperando a revanche, que não tardou. Uma noite, quando Raimundo quis surrar Barandão, Pedro tomou as dores do negrinho e rolaram na luta mais sensacional a que as areias do cais jamais assistiram. Raimundo era mais alto e mais velho. Porém Pedro Bala, o cabelo loiro voando, a cicatriz vermelha no rosto, era de uma agilidade espantosa e desde esse dia Raimundo deixou não só a chefia dos Capitães da areia, como o próprio areal. Engajou tempos depois num navio.
        Todos reconheceram os direitos de Pedro Bala à chefia, e foi dessa época que a cidade começou a ouvir falar nos Capitães da areia, crianças abandonadas que viviam do furto."

Jorge Amado, Capitães da Areia, 50. ed. Rio de Janeiro: Record, 1980, p. 26-7.
Fonte: Livro- Português – Série – Novo Ensino Médio – Vol. único. Ed. Ática – 2000- p. 344-5

Entendendo o romance:

01 – Pela leitura do texto, pode-se concluir que o romance pretende denunciar que tipo de problema?
      Um problema social (a questão do menor abandonado).

02 – Que fato da vida de Pedro Bala pode ser considerado como o elemento desencadeador de sua vida de menino de rua?
      Não ter pai nem mãe (nem a solidariedade do Estado).

03 – Que características de Pedro Bala fizeram dele líder do grupo?
      Era ativo, planejador, sabia tratar os outros e trazia na voz e nos olhos a autoridade de chefe.

04 – Mesmo sendo um grupo de marginalizados, os meninos demonstravam senso de justiça entre os membros do grupo. Que fato narrado comprova essa afirmação?
      Os meninos reprovaram a atitude de Raimundo de usar uma navalha contra o jovem desarmado.