Notícia: A ditadura dos ‘likes’
Necessidade
de estímulos positivos vicia. E muita gente se vê obrigada a repetir esse
comportamento
Lola Morón – 22 abr. 2018 –
00:00 CEST
Estamos todos expostos à crítica
social, especialmente se propagamos voluntariamente nossas intimidades. Bem o
sabem os instagramers, blogueiros e youtubers, que muitas vezes
oferecem a imagem da felicidade plena e da verdade absoluta em suas redes
sociais. Vindos do universo virtual, essas celebridades ditam gostos e opiniões,
são os chamados influencers. A possibilidade de ser conhecido nunca foi
tão acessível como agora, e os usuários anônimos que cada dia dedicam mais
tempo a ser observados, admirados e valorizados já se contam aos milhões. As
pessoas gostam de gostar. E a capacidade de difusão da internet oferece a muito
mais gente a possibilidade de gostar. Mas, ao mesmo tempo, nos submete à
ditadura da observação constante, o que nos impele a evitar cometer erros que
possam ser notados e divulgados. O que antes se limitava a um instante e a um
grupo reduzido de pessoas, agora tem uma audiência potencial permanente e
ilimitada. De onde surge essa necessidade de agradar?

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj-33brelIMH6Myet1raWrOwswy2jus64_EOZAn2gmeMVeZ3P5BzTvNKRNH2mJk1xhNgVUiBZzt7EIW7A46Ef9AVal-oOU6mhVGKOCEhaoZZSCsEzQ3sZ1uaNtqC83EfHQCi2y5MQNWYm9A-65X-Hs8ua92gqtMasSSFmV-vZ-6mnfmyrtCJEm5OtDs2bw/s320/2019-09-02-fim-dos-likes-no-instagram-e-seu-impacto-no-engajamento.jpg
Parte de nossa identidade –
especialmente na puberdade e na adolescência – é configurada pela
relação com nossos pares. Configuramos nossa personalidade de acordo com a
forma como nos sentimos conosco e com as opiniões que recebemos do mundo
exterior. O que os outros pensam ao nosso respeito é um dos fatores
determinantes na construção do nosso caráter. As novas tecnologias nos oferecem
a possibilidade de desenhar um novo eu, o digital, que podemos idealizar e
controlar: escolhemos o que mostrar, que imagem dar. Mas a criação e a
manutenção dessa aparência têm um preço: executar a melhor interpretação da
nossa vida perde valor se não houver um público que a observe, se não for
divulgada. Precisamos de seguidores. O verdadeiro valor do “curtir” é confirmar
que nossas ações são observadas e avaliadas positivamente. Isso nos faz sentir
o prazer da vitória, do objetivo alcançado. Quando mostramos uma faceta de nós
mesmos e recebemos um feedback que a valida, os circuitos cerebrais
do reforço são ativados, o que nos faz querer mais. E isso acaba funcionando
como uma droga.
Corremos o risco de viver em uma pose
constante. Não é permitido se zangar ou ter um dia ruim
Cada nova curtida reforça um
comportamento que nos leva a repeti-la; precisamos de mais e mais e mais, como
acontece com qualquer vício. O impacto das imagens de felicidade e perfeição é
efetivo. O público quer ver aquilo que não tem, estendendo o valor do instante
para sua vida: se uma pessoa sai sorrindo em todas as fotos, isso significa que
ela é feliz. Para que nossa imagem digital corresponda ao que desejamos ser, só
se tem de fazer isso: mostrar felicidade, embora esta se assente sobre a
desgraça de viver por e para a captura desse momento. Hoje somos vítimas da
tirania da popularidade e do otimismo, uma derivada direta do culto ao
cinismo. A importância de uma foto é medida por seus likes, de uma ideia
por seus retuítes e de uma pessoa por seu número de seguidores. O alcance de
uma opinião pessoal, de uma crítica, já não se limita ao ambiente em que se
manifesta, nem esse escrito se relega a uma estante à qual, talvez, vamos no
dirigir anos mais tarde e ler com rubor aquilo que um dia consideramos. Agora,
o público é contado na casa dos milhões. E já nada é transitório.
Quando
recebemos um feedback, os circuitos cerebrais do reforço são ativados, o
que nos faz querer mais. É uma droga
Por tudo isso, corremos o risco de
viver em uma pose constante. Não é permitido se zangar, ter um dia ruim ou
estar de mau humor. A indiferença não tem lugar em um mundo que dá tanto valor
ao posicionamento e, se possível, ao posicionamento explícito, próximo do
radicalismo. Entre os desafios mais urgentes que isso acarreta, destaca-se a
necessidade de assumir a incontrolável esfera de influência a que nossos
menores estão submetidos, seres humanos que ainda estão coletando dados para
formar sua própria opinião. Nunca foi tão fácil para uma criança ou adolescente
ter acesso a argumentos extremistas esgrimidos por falsos profetas
vociferantes.
O que acontece quando os valores que se
compram e se vendem para conseguir ser alguém influente são simplificados até a
frivolização do ser humano? Onde está o sujeito pensante e autônomo, a pessoa
com capacidade de reflexão, decisão e criação de um sistema ideológico
independente e adaptado a um contexto social mais ou menos normativo? Os jovens
hoje percebem as ideias de ídolos de canção, dos videogames, do esporte, da
moda ou da beleza sem diferenciar se esses indivíduos sabem do que estão
falando quando emitem opiniões sobre assuntos sobre os quais, em muitas
ocasiões, não têm argumentos. Nessa era, podemos ir dormir como sujeitos
anônimos e acordar na manhã seguinte sendo trending topic; só é necessário
que uma pessoa com um número suficiente de seguidores nos relacione com algum
fato escandaloso e num tom extravagante ou agressivo o suficiente para
desencadear o efeito retuíte. Para o bem ou para o mal, na sociedade de hoje
somos todos público, mas também somos todos audíveis. Não há descanso.
O mundo nos observa e nos divulga. A
verdade não importa necessariamente. Muitas vezes, a retificação de uma calúnia
obterá um número de retuítes comparativamente desprezível. Os adultos, como os
mais jovens, também acumulam curtidas e tendem a estabelecer regras sobre as
coisas cujo conteúdo mais “curtimos”. Contabilizamos seguidores e ficamos
chateados quando os perdemos. Os palestrantes não são mais valorizados, e
segundo quais fóruns, por seus conhecimentos ou publicações acadêmicas, mas
pelo número de seguidores que possuem no Twitter. E isso pode depender mais da
simpatia do seu cachorro e do partido que você for capaz de tirar disso do que
ter um conhecimento sólido sobre o conteúdo do painel para o qual você foi
convidado. Não importa mais quais conclusões foram tiradas do debate. A magia
termina quando o número de pessoas que participaram do evento é contabilizado.
Como gerenciar e controlar esse vício? Aqui, chamo as autoridades a legislar. E
os filósofos a filosofar. Não se pode dar um telefone celular a uma criança e
depois tirá-lo. Devemos reconsiderar, nos adiantar aos acontecimentos.
MORÓN, Lola. A ditadura
dos ‘likes’. El País, 22 abr. 2018. Disponível em: https://brasil.elpais.com.
Acesso em: 21 jan. 2021.
Entendendo a notícia:
01 – De acordo com o texto,
qual o significado das palavras abaixo:
--
Assentar-se: nesse contexto,
apoiar-se (de maneira figurada) sobre algo.
--
Esgrimido: manipulado como se fosse uma arma
(no sentido figurado), em uma discussão, polêmica, etc.
--
Frivolização: ação de tornar (algo
ou alguém) frívolo, isto é, de pouca ou nenhuma importância, superficial.
--
Impelir: impulsionar, estimular a fazer
algo.
--
Relegar: deixar em segundo plano;
abandonar.
--
Retificação: correção.
--
Rubor: vergonha.
--
Trending topic: assunto que está entre
os mais mencionados em tuítes em determinado momento.
--
Vociferante: que fala com raiva,
gritando, reclamando, acusando, etc.
02 – A hipótese que você criou
sobre a temática do texto ao ter lido apenas o título se confirma? Comente.
Sim. Pois o texto fala sobre o vício em
querer ser mais famoso (com mais curtidas, seguidores).
03 – Analogias são relações de
semelhança entre coisas ou ações diferentes. No decorrer da matéria, são
construídas analogias já presentes no título e no subtítulo: o like pode
representar uma ditadura e pode ser visto como algo que vicia. Com suas
palavras, explique essas analogias.
Resposta pessoal
do aluno. Sugestão: O like estimula a pessoa a querer mais, viciando-a na fama
e nos estímulos positivos presentes no mundo das redes sociais.
04 – De acordo com o texto,
por que as pessoas, em geral, sentem a necessidade de agradar aos outros e, no
caso do mundo virtual, de receber curtidas?
Porque quando recebemos um feedback e
curtidas, os circuitos cerebrais do reforço são ativados, o que nos faz querer
agradar os outros.
05 – No 4° parágrafo, lemos “[...] corremos o risco de viver em uma
pose constante [...]”.
A – O que você entendeu nesse
trecho?
A partir do
trecho, percebe-se que as pessoas estão presas à um determinado padrão nas
redes sociais.
B – Você concorda com o
posicionamento da autora nesse trecho? Por quê?
Resposta pessoal
do aluno. Sugestão: Sim. Porque ela nos explica algo que realmente acontece e
pode se tornar um risco.
06 – Ainda no 4° parágrafo, a
autora expressa uma preocupação em relação a crianças e adolescentes.
A – Que preocupação é essa?
De que as crianças e adolescentes se tornem
dependentes e fiquem viciados nos celulares. Além deles poderem ser
influenciados pela internet.
B – Na sua opinião, o que se
pode fazer para evitar o problema apontado pela autora nesse parágrafo?
Monitorar o uso de celulares entre as crianças
e adolescentes.
07 – “[...] Os jovens hoje percebem as ideias de ídolos de canção, dos
videogames, do esporte, da moda ou da beleza sem diferenciar se esses
indivíduos sabem do que estão falando quando emitem opiniões sobre assuntos
sobre os quais, em muitas ocasiões, não têm argumentos. [...]”. (5°
parágrafo). De acordo com o artigo, como é possível existir esse cenário, esse
risco, hoje? Responda considerando tanto os influenciadores digitais e a mídia
quanto os seguidores e internautas.
Se os influenciadores
apresentarem um determinado número de seguidores, qualquer um acreditaria
neles.
08 – Como aparece a opção
“curtir” nas redes sociais?
Aparece como um
ícone de joia ou de coração.
09 – Você daria um like a esse
texto? Por quê?
Sim. Porque o
texto fala sobre um assunto bem importante, além de estar de certa maneira
correto.
10 – Releia a seguinte
passagem do texto e, em seguida, faça o que se pede.
“[...]
Nunca foi tão fácil para uma criança ou adolescente ter acesso a
argumentos extremistas esgrimidos por falsos profetas vociferantes.
O que acontece quando os valores que se
compram e se vendem para conseguir ser alguém influente são simplificados até a
frivolização do ser humano? Onde está o sujeito pensante e autônomo, a pessoa
com capacidade de reflexão, decisão e criação de um sistema ideológico
independente e adaptado a um contexto social mais ou menos normativo?
[...]”. Explique as regências nominais nas palavras destacadas no
trecho. Elas estão de acordo com a norma-padrão? Se não, indique como
adequá-las.
Sim. Elas estão de acordo. Acesso a algo; capacidade de; adaptado a algo.