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domingo, 10 de agosto de 2025

POEMA: POEMA EM LINHA RETA - ÁLVARO DE CAMPOS (HETERÔNIMO DE FERNANDO PESSOA) - COM GABARITO

 Poema: Poema em linha reta

              Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa)

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.

Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjGA7gWIiPTGsHa98fJ44GxCHCZXOWxv4qkB2-XR5LT55lha3YasDrfENDk5VYhR0sS_z9q8tP8lsc-5de9GsVeGYeJZf9S5r7pKKPqMgfwz16MSeY1EqJ71wudUjTpvE0hvHqcAlBMXFIlYn_-IktOpZpJmE9pKjXKHJGnom0YO_ccPoIjokjryDI2Mq8/s320/hq720.jpg


E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,

Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,

Indesculpavelmente sujo,

Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,

Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,

Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,

Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,

Que tenho sofrido enxovalhos e calado,

Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;

Eu, que tenho sido cômico às criadas do hotel,

Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,

Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedindo emprestado sem pagar,

Eu que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado

Para fora da possibilidade do soco;

Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,

Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda gente que eu conheço e que fala comigo

Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,

Nunca foi senão príncipe — todos eles príncipes — na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana

Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;

Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia

Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.

Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?

Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!

Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,

Podem ter sido traídos — mas ridículos nunca

E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,

Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?

Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,

Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

Extraído de Poemas escolhidos, seleção e organização de Frederico Barbosa. Edit. Klick / Editora Klick, 2000, p.134 a 135.

Fonte: Programa de Formação de Professores Alfabetizadores. Coletânea de textos – Módulo 1. p. 248-249.

Entendendo o poema:

01 – Qual é a principal dicotomia explorada no poema?

      A principal dicotomia explorada no poema é a oposição entre a percepção idealizada que o eu lírico tem das outras pessoas (como "campeões", "príncipes", "semideuses" que nunca cometeram erros ou ridículos) e a autoimagem crua e desidealizada que ele possui de si mesmo, cheia de falhas, imperfeições e momentos vergonhosos ("reles", "porco", "vil", "parasita", "ridículo", "grotesco").

02 – Que tipo de linguagem o eu lírico utiliza para descrever a si mesmo? Dê exemplos.

      O eu lírico utiliza uma linguagem autodepreciativa e explícita para descrever a si mesmo, recorrendo a termos que contrastam fortemente com a imagem de perfeição que atribui aos outros. Exemplos incluem: "reles", "porco", "vil", "irrespondivelmente parasita", "indesculpavelmente sujo", "ridículo", "absurdo", "grotesco", "mesquinho", "submisso e arrogante", "cômico às criadas do hotel", "feito vergonhas financeiras", "agachado para fora da possibilidade do soco", e "vil, literalmente vil".

03 – Qual é o desejo do eu lírico em relação às outras pessoas?

      O eu lírico expressa um profundo desejo de encontrar autenticidade e humanidade nas outras pessoas. Ele anseia por ouvir uma "voz humana" que confesse "não um pecado, mas uma infâmia", que conte "não uma violência, mas uma cobardia". Em outras palavras, ele quer que as pessoas admitam suas falhas, fraquezas e momentos de vileza, que demonstrem ser tão imperfeitas e reais quanto ele se sente.

04 – Como o poema aborda a hipocrisia social?

      O poema aborda a hipocrisia social ao retratar a fachada de perfeição que as pessoas parecem apresentar na sociedade. O eu lírico percebe que todos ao seu redor se mostram como ideais, como se nunca tivessem tido um "ato ridículo" ou "sofrido enxovalho". Essa constatação o leva a sentir-se isolado em sua própria imperfeição, como se fosse o único "vil e errôneo nesta terra", evidenciando a pressão social para esconder as vulnerabilidades.

05 – Qual é o sentimento predominante do eu lírico ao longo do poema?

      O sentimento predominante do eu lírico ao longo do poema é de solidão e um profundo cansaço em relação à idealização e à falta de honestidade alheia. Ele se sente isolado em suas imperfeições, expressando um misto de angústia ("a angústia das pequenas coisas ridículas"), frustração ("Arre, estou farto de semideuses!") e um anseio por conexão genuína ("Quem me dera ouvir de alguém a voz humana").

06 – O que significa a expressão "Poema em linha reta" no contexto da obra de Fernando Pessoa/Álvaro de Campos?

      A expressão "Poema em linha reta" no contexto da obra de Fernando Pessoa/Álvaro de Campos sugere uma escrita direta, sem rodeios ou adornos, que expressa a verdade nua e crua do eu lírico. Em contraste com a complexidade e as múltiplas facetas de outros heterônimos, Álvaro de Campos, neste poema, apresenta uma confissão despojada de artifícios, uma linha direta de pensamento e sentimento que expõe suas imperfeições sem dissimulação.

07 – Qual é a principal crítica que o eu lírico faz à sociedade ou às pessoas ao seu redor?

      A principal crítica que o eu lírico faz à sociedade ou às pessoas ao seu redor é a ausência de autenticidade e a constante exibição de uma perfeição irreal. Ele lamenta a falta de coragem para admitir as falhas humanas, as "infâmias" e "cobardias", em vez de apenas "pecados" ou "violências". Essa crítica ressalta a superficialidade das relações humanas e a dificuldade de encontrar uma conexão genuína quando todos se esforçam para manter uma imagem impecável.

 

quarta-feira, 2 de abril de 2025

SONETO: QUANDO OLHO PARA MIM NÃO ME PERCEBO - ÁLVARO DE CAMPOS - COM GABARITO

 Soneto: Quando olho para mim não me percebo

             ÀLVARO DE CAMPOS

Quando olho para mim não me percebo.

Tenho tanto a mania de sentir

Que me extravio às vezes ao sair

Das próprias sensações que eu recebo.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjYTbytuc6tk-KdWiGsgZuo09EkkCdxwF2IPTFfH6K44_a5P6oeY1ZpDJJJ45rsewKzEggdgD8RmI7aj3NQeWToyQRcqmeO_7ElXASMk8hIjzokpoDD7ThOwRoirrHeGReAoIL4NGcF8Z6nqhjFAtdjyEARaENR2ja-GSEC3AJdGAKZxYzfu8gP1duZcp0/s320/tumblr_n2vf62Z7if1sthf15o1_1280.jpg


 

O ar que respiro, este licor que bebo

Pertencem ao meu modo de existir,

E eu nunca sei como hei de concluir

As sensações que a meu pesar concebo.

 

Nem nunca, propriamente, reparei

Se na verdade sinto o que sinto. Eu

Serei tal qual pareço em mim? Serei.

 

Tal qual me julgo verdadeiramente?

Mesmo ante às sensações sou um pouco ateu,

Nem sei bem se sou eu quem em mim sente.

PESSOA, Fernando. Obra poética. Rio de Janeiro, Aguilar, 1974. p. 301.

Fonte: Português. Série novo ensino médio. Volume único. Faraco & Moura – 1ª edição – 4ª impressão. Editora Ática – 2000. São Paulo. p. 447.

Entendendo o soneto:

01 – Qual é a principal angústia expressa pelo eu lírico no poema?

      A principal angústia do eu lírico é a dificuldade em definir a própria identidade e a incerteza sobre a autenticidade de suas sensações. Ele questiona se o que sente é realmente verdadeiro e se a imagem que tem de si mesmo corresponde à realidade.

02 – Como o eu lírico descreve sua relação com as próprias sensações?

      O eu lírico se sente perdido em meio às próprias sensações, como se elas o desviassem de si mesmo. Ele menciona que o ar que respira e a bebida que consome fazem parte de seu modo de existir, mas não consegue concluir o que sente.

03 – Qual a metáfora utilizada no último verso do poema e qual o seu significado?

      No último verso, o eu lírico se compara a um "ateu" diante de suas próprias sensações. Essa metáfora expressa a descrença e a dúvida em relação à autenticidade do que sente, como se não acreditasse que as sensações realmente emanassem dele.

04 – Qual é o tema central abordado no soneto?

      O tema central do soneto é a busca pela identidade e a dificuldade em definir o "eu". O eu lírico questiona a própria existência e a veracidade de suas sensações, expressando uma profunda angústia existencial.

05 – Como a estrutura do soneto contribui para a expressão da angústia do eu lírico?

      A estrutura do soneto, com seus 14 versos e rimas precisas, cria um ritmo que intensifica a sensação de aprisionamento e reflexão introspectiva. A forma fixa do soneto contrasta com a fluidez das dúvidas existenciais do eu lírico, criando um efeito de tensão que ressalta a angústia expressa no poema.

 

 

POEMA: CRUZ NA PORTA DA TABACARIA! ÁLVARO DE CAMPOS - COM GABARITO

 Poema: Cruz na porta da tabacaria!

             Álvaro de Campos

Cruz na porta da tabacaria!

Quem morreu? O próprio Alves? Dou

Ao diabo o bem-estar que trazia.

Desde ontem a cidade mudou.

 
Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjSLLJ1UAHDHDDJ6JZaLSU7XVJTpaZfibGcS-TJL-eHYeUMUCj_5ExJyPVF679MPgIezYQLXeqhqERtTGwHwUUFm7pbcr5MKt-RPP1CL4eKFc7-Ylo0FQogttr0qMi9BKHXFclaPSTunOEo60sGRx4SKuv7SOALEOTZmTbO45cEC9iOn5RKTkUvnWWMtmQ/s320/f605a9f693c66fa73837231c3291d40d.jpeg



 

Quem era? Ora, era quem eu via.

Todos os dias o via. Estou

Agora sem essa monotonia.

Desde ontem a cidade mudou.

 

Ele era o dono da tabacaria.

Um ponto de referência de quem sou

Eu passava ali de noite e de dia.

Desde ontem a cidade mudou.

 

Meu coração tem pouca alegria,

E isto diz que é morte aquilo onde estou.

Horror fechado da tabacaria!

Desde ontem a cidade mudou.

 

Mas ao menos a ele alguém o via,

Ele era fixo, eu, o que vou,

Se morrer, não falto, e ninguém diria.

Desde ontem a cidade mudou.

Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993) - 46.

Fonte: Português. Série novo ensino médio. Volume único. Faraco & Moura – 1ª edição – 4ª impressão. Editora Ática – 2000. São Paulo. p. 460.

Entendendo o poema:

01 – Qual é a reação do eu lírico à morte do dono da tabacaria?

      O eu lírico expressa uma mistura de indiferença e estranhamento. Ele questiona quem morreu e menciona que a cidade mudou desde a morte, indicando uma perturbação na sua rotina e percepção do mundo.

02 – Como o eu lírico descreve a sua relação com o dono da tabacaria?

      A relação é de pura rotina e observação. O dono da tabacaria era uma figura constante no cotidiano do eu lírico, um "ponto de referência". A morte do homem quebra essa rotina, causando um sentimento de desorientação.

03 – Qual a reflexão do eu lírico sobre a própria existência em contraste com a do dono da tabacaria?

      O eu lírico contrasta a fixidez do dono da tabacaria, que era "fixo" e visto por todos, com a sua própria natureza errante. Ele reconhece que, se morresse, sua ausência seria menos notada, evidenciando um sentimento de insignificância.

04 – Qual o significado da repetição do verso "Desde ontem a cidade mudou"?

      A repetição do verso enfatiza o impacto da morte na percepção do eu lírico. A mudança na cidade simboliza a alteração na sua própria realidade, quebra da sua rotina e a sensação de que o mundo não é mais o mesmo.

05 – Como o poema reflete a angústia existencial característica de Álvaro de Campos?

      O poema reflete a angústia existencial de Campos ao explorar temas como a solidão, a insignificância da vida e a falta de sentido. A morte do dono da tabacaria serve como um gatilho para reflexões sobre a própria mortalidade e a natureza transitória da existência.

 

terça-feira, 4 de março de 2025

POEMA: TABACARIA - (FRAGMENTO) - ÁLVARO DE CAMPOS - COM GABARITO

 Poema: TABACARIA – Fragmento

             Álvaro de Campos

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiBznXgb7i8kwvQhJsVu27ZftQfd8ixVeZ11s0eN4bIWcUWgYLrZ8IomvfG0UFzik2_OK-R8KeHeETycgJ0iBS99DERtDN-Kitw0OUmjVxRlxVK6g8IWj13qqVD-qYmfwJMoxVpyKXM5b3dBZdKL6EcmQ8WBeOVTO-w-X_Ru5F2cG5f8HBvTXmoQKUuH3U/s1600/QUARTO.jpg


Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

[...]

Álvaro de Campos. In: Fernando Pessoa. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1985.

Fonte: Linguagem Nova. Faraco & Moura. 5ª série – 17ª ed. 3ª impressão – São Paulo – Editora Ática – 2003. p. 516.

Entendendo o poema:

01 – Qual é o sentimento predominante no início do poema?

      O sentimento predominante no início do poema é de profunda insignificância e vazio, refletido nas frases "Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada."

02 – Como o poeta descreve o seu quarto e a rua à sua frente?

      O poeta descreve o seu quarto como um dos milhões do mundo, desconhecido e insignificante, enquanto a rua à frente é retratada como misteriosa, real, mas inacessível a todos os pensamentos.

03 – O que o poeta quer dizer com "Tenho em mim todos os sonhos do mundo"?

      Esta frase sugere que, apesar de se sentir insignificante e derrotado, o poeta ainda carrega consigo a capacidade de sonhar e imaginar infinitas possibilidades.

04 – Qual é a dualidade que o poeta enfrenta em relação à tabacaria?

      O poeta está dividido entre a lealdade que sente pela tabacaria, como uma coisa real e concreta, e a sensação de que tudo é apenas um sonho, algo irreal e ilusório.

05 – Como o poeta descreve seu estado emocional e físico no poema?

      O poeta descreve seu estado emocional como vencido, lúcido e perplexo, como se estivesse para morrer. Fisicamente, ele sente uma sacudidela nos nervos e um ranger de ossos, expressando uma sensação de despedida e fragilidade.

 

 

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

POESIA: PASSAGEM DAS HORAS - (FRAGMENTO) - ÁLVARO DE CAMPOS - COM GABARITO

 Poesia: Passagem das horas – Fragmento

             Álvaro de Campos

[...]

Multipliquei-me, para me sentir,  

Para me sentir, precisei sentir tudo,  

Transbordei, não fiz senão extravasar-me,  

Despi-me, entreguei-me,  

E há em cada canto da minha alma um altar a um deus diferente. 

[...]

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjltLGClfYsRgJlmJgZYjaNbft8RgmR_pJIUqHjl2tFUb8yFObokRrR1JFxvl9Kh0gvfz9bt28aFugHz57dDmO08kr1Mnfn291RPHA1obBhqznwzbBbLyd9LSvenxUpxo4JDSiyr7EtDdZJ2AVf4s0q1YyaSxrimmWAtKk9hopvRovypzlADJppSkSFoME/s320/arte13cul-501-escritos-d34.jpg


Cavalgada explosiva, explodida, como uma bomba que rebenta,

Cavalgada rebentando para todos os lados ao mesmo tempo,

Cavalgada por cima do espaço, salto por cima do tempo,  

Galga, cavalo eléctron-íon, sistema solar resumido  

Por dentro da ação dos êmbolos, por fora do giro dos volantes. 

Dentro dos êmbolos, tornado velocidade abstrata e louca,  

Ajo a ferro e velocidade, vaivém, loucura, raiva contida,  

Atado ao rasto de todos os volantes giro assombrosas horas,  

E todo o universo range, estraleja e estropia-se em mim. 

[...]

In: Fernando Pessoa. Obra poética. Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1986.

Fonte: Português – Novas Palavras – Ensino Médio – Emília Amaral; Mauro Ferreira; Ricardo Leite; Severino Antônio – Vol. Único – FTD – São Paulo – 2ª edição. 2003. p. 271.

Entendendo a poesia:

01 – Qual é a principal característica do eu lírico expressa no poema?

      O eu lírico se apresenta como uma figura que busca a totalidade da experiência, multiplicando-se para sentir tudo. Ele transborda, se entrega e se torna um receptáculo para diversas experiências, como expresso na metáfora dos altares para diferentes deuses em sua alma.

02 – Como o poema descreve a passagem do tempo e a sensação de velocidade?

      A passagem do tempo é descrita como uma "cavalgada explosiva, explodida", uma imagem de movimento intenso e fragmentado. A velocidade é comparada a um "cavalo eléctron-íon", uma metáfora que une elementos da modernidade (eletricidade, íons) com a ideia de um sistema solar resumido, sugerindo uma velocidade cósmica e incontrolável.

03 – Qual é a relação entre o eu lírico e a máquina no poema?

      O eu lírico se funde com a máquina, incorporando seu ritmo e sua energia. Ele se vê "dentro da ação dos êmbolos, por fora do giro dos volantes", participando ativamente do movimento da máquina e transformando-se em "velocidade abstrata e louca".

04 – Qual é a sensação final do eu lírico em relação ao universo?

      O eu lírico sente que o universo inteiro "range, estraleja e estropia-se" dentro dele. Essa imagem sugere uma experiência intensa e caótica, na qual o eu lírico se torna o centro de um universo em constante transformação e destruição.

05 – Quais são as características estilísticas marcantes do poema?

      O poema apresenta características típicas do Modernismo, como a valorização da velocidade, da máquina e da fragmentação da experiência. A linguagem é rica em metáforas e imagens fortes, que expressam a intensidade das sensações do eu lírico. O poema também apresenta versos livres e uma estrutura fragmentada, que contribuem para a sensação de caos e movimento constante.

 

segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

SONETO: ALI NÃO HAVIA ELETRICIDADE - ÁLVARO DE CAMPOS - COM GABARITO

 Soneto: Ali não havia eletricidade

             Álvaro de Campos

Ali não havia eletricidade.

Por isso foi à luz de uma vela mortiça

Que li, inserto na cama,

O que estava à mão para ler —

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg1ObmFWxh3QH_kGzTMJ0pqnJp-714CmMkubRmLy-OgcW1EKciOKh9ZJaGS7yJWsSVFzEJLTrk-1GO7Cv0Ql-adRcEQjkzN6XSA1mcrUH998jiOvgMOuzr7rQlVup2GuXVzBZtn2ij2Rqr40yog54WPzHhRnhF7PriMggs8D8gB9YF1j3Gy5X0wpzAta_8/s320/ALVARO.jpg


A Bíblia, em português (coisa curiosa!), feita para protestantes.

E reli a “Primeira Epístola aos Coríntios”.

Em torno de mim o sossego excessivo de noite de província

Fazia um grande barulho ao contrário,

Dava-me uma tendência do choro para a desolação.

A “Primeira Epístola aos Coríntios”...

Relia-se à luz de uma vela subitamente antiquíssima,

E um grande mar de emoção ouvia-se dentro de mim...

Sou nada...

Sou uma ficção...

Que ando eu a querer de mim ou de tudo neste mundo?

“Se eu não tivesse a caridade”.

E a soberana luz manda, e do alto dos séculos,

A grande mensagem com que a alma é livre...

“Se eu não tivesse a caridade”...

Meu Deus, e eu que não tenho a caridade!...

Fernando Pessoa. Obra poética. (Poemas de Álvaro de Campos). Rio de Janeiro: José Aguilar, 1969, p. 395.

Fonte: livro Português: Língua e Cultura – Carlos Alberto Faraco – vol. único – Ensino Médio – 1ª edição – Base Editora – Curitiba, 2003. p. 112.

Entendendo o soneto:

01 – Qual a importância da ausência de eletricidade para a atmosfera do poema?

      A ausência de eletricidade cria um ambiente de recolhimento e introspecção, afastando as distrações do mundo moderno. A luz da vela, além de iluminar o texto, simboliza a busca interior e a conexão com algo mais profundo. Essa atmosfera propicia a reflexão sobre questões existenciais.

02 – Qual o papel da Bíblia na experiência do eu lírico?

      A Bíblia, especialmente a "Primeira Epístola aos Coríntios", funciona como um guia espiritual para o eu lírico. A leitura das escrituras sagradas, em um momento de solidão e introspecção, provoca uma profunda reflexão sobre a fé, a moral e o sentido da vida. A Bíblia se torna um ponto de referência para a busca de respostas e para a compreensão da própria existência.

03 – Qual o significado do "grande mar de emoção" que se ouve dentro do eu lírico?

      O "grande mar de emoção" representa a profundidade e a complexidade dos sentimentos do eu lírico. A leitura da Bíblia, aliada à solidão e à introspecção, desperta uma série de emoções, como a angústia, a dúvida e a esperança. Esse mar de emoções reflete a busca por um sentido para a vida e a consciência da própria finitude.

04 – Qual a relação entre o eu lírico e a frase "Se eu não tivesse a caridade"?

      A frase "Se eu não tivesse a caridade" extraída da "Primeira Epístola aos Coríntios" funciona como um questionamento existencial para o eu lírico. Ela o leva a refletir sobre a importância da caridade como valor fundamental para a vida humana. Ao se questionar sobre a própria caridade, o eu lírico revela uma busca por autenticidade e significado.

05 – Qual a mensagem principal do soneto?

      A mensagem principal do soneto é a busca por sentido em um mundo marcado pela solidão e pela dúvida. O eu lírico, através da leitura da Bíblia e da introspecção, busca respostas para as grandes questões da existência. A caridade, como valor fundamental, emerge como um caminho possível para encontrar significado e conexão com os outros. O soneto nos convida a refletir sobre a importância da fé, da espiritualidade e da compaixão na vida humana.

 

sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

POEMA: O QUE HÁ EM MIM É SOBRETUDO CANSAÇO - ÁLVARO DE CAMPOS - COM GABARITO

 Poema: O que há em mim é sobretudo cansaço

             Álvaro de Campos

O que há em mim é sobretudo cansaço —

Não disto nem daquilo,

Nem sequer de tudo ou de nada:

Cansaço assim mesmo, ele mesmo,

Cansaço.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhcL1kq20C7VNHPasLHSREwrCWEjY9D7AIeIJmd6TEnctAo5v54NSaPNz93DYy7Cdpar3YdnReOGxkjBD_lZs49g8bXN_tZtYVltq84yi5z8Y1HlSioIdtPsaRidlpjTh5TD_bpD5ptf8QutrFMlz1lCxOB5qbgR9YP-2aKt_c9s4Oe0WFIFqtAlXTlyZM/s1600/CANSA%C3%87O.jpg


 

A subtileza das sensações inúteis,

As paixões violentas por coisa nenhuma,

Os amores intensos por o suposto em alguém,

Essas coisas todas —

Essas e o que falta nelas eternamente —;

Tudo isso faz um cansaço,

Este cansaço,

Cansaço.

 

Há sem dúvida quem ame o infinito,

Há sem dúvida quem deseje o impossível,

Há sem dúvida quem não queira nada —

Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:

Porque eu amo infinitamente o finito,

Porque eu desejo impossivelmente o possível,

Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,

Ou até se não puder ser...

 

E o resultado?

Para eles a vida vivida ou sonhada,

Para eles o sonho sonhado ou vivido,

Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...

Para mim só um grande, um profundo,

E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,

Um supremíssimo cansaço,

Íssimo, íssimo, íssimo,

Cansaço...

PESSOA, Fernando. Obra poética. (Poesias de Álvaro de Campos). Rio de Janeiro: José Aguillar, 1969, p. 393-394.

Fonte: livro Português: Língua e Cultura – Carlos Alberto Faraco – vol. único – Ensino Médio – 1ª edição – Base Editora – Curitiba, 2003. p. 94-95.

Entendendo o poema:

01 – Qual a principal emoção transmitida pelo poema?

      O poema transmite, principalmente, um profundo sentimento de exaustão e desilusão. O "cansaço" é apresentado como uma condição existencial, resultado de uma vida marcada por paixões intensas, desejos inalcançáveis e a busca por algo que sempre parece estar além do alcance.

02 – O que significa o "cansaço" para o eu lírico?

      O "cansaço" para o eu lírico vai além da fadiga física. Ele representa um estado de espírito, uma sensação de vazio e frustração diante da vida. É o resultado de uma busca incessante por algo que nunca é encontrado, de paixões que se esgotam e de desejos que não se realizam.

03 – Qual a relação entre o "cansaço" e as paixões e desejos do eu lírico?

      As paixões e os desejos do eu lírico são a causa do seu cansaço. A busca incessante por sensações intensas, por amores perfeitos e por experiências únicas levam a um desgaste emocional e existencial. O eu lírico se sente exausto por ter vivido intensamente, mas sem encontrar a felicidade plena.

04 – Como o eu lírico se diferencia dos outros idealistas?

      O eu lírico se diferencia dos outros idealistas por não se prender a ideias abstratas como o infinito ou o impossível. Ele busca o prazer no momento presente, valoriza o finito e reconhece a importância de desejar o que é possível. No entanto, mesmo com essa postura mais realista, ele ainda sente um profundo cansaço.

05 – Qual o significado da repetição da palavra "cansaço" no poema?

      A repetição da palavra "cansaço" enfatiza a intensidade desse sentimento e a sua centralidade no poema. Ela cria um ritmo hipnótico e reforça a ideia de que o cansaço é uma condição constante e inevitável para o eu lírico.

06 – Qual a mensagem principal do poema?

      A mensagem principal do poema é a reflexão sobre a condição humana e a busca por significado na vida. O eu lírico expressa a frustração diante da impossibilidade de encontrar a felicidade plena e a sensação de que a vida é marcada pela busca incessante por algo que sempre está além do alcance.

07 – Como o poema se relaciona com a obra de Fernando Pessoa?

      O poema "O que há em mim é sobretudo cansaço" é um exemplo da heteronímia de Fernando Pessoa. Através do heterônimo Álvaro de Campos, o poeta expressa um sentimento de angústia e desilusão diante da vida moderna, marcada pela busca por prazer e pela valorização do individualismo. Esse poema, assim como outros de Álvaro de Campos, revela a complexidade da obra de Fernando Pessoa e a sua capacidade de explorar diferentes facetas da condição humana.

 

 

domingo, 29 de outubro de 2023

POEMA: TODAS AS CARTAS DE AMOR SÃO RIDÍCULAS - ÁLVARO DE CAMPOS - COM GABARITO

 Poema: Todas as cartas de amor são ridículas

             Álvaro de Campos

Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiB9UXDFRK36WX8K2UVB_IwrfCXDZdOPUJumn-WF5JIZO5W1BnJvI9uKUv5AKYkq8be1WN8ZiJ6xIZHZjFhzYLacvsy26X2z7Dtf8CGECb49QIeVNEAiVXvyQY_J05cd1wtM50PNGsQFHIuHhsI-2xpPcf9RQA28BEoG_cU_XhrypP3E1ngq13S1OpWvp0/s320/CARTAS.jpg


Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)

Álvaro de Campos, in “Poemas” Heterónimo de Fernando Pessoa.

Entendendo o poema:

01 – Qual é a ideia central do poema?

      A ideia central do poema é que todas as cartas de amor são inerentemente ridículas, e essa característica é parte integrante do gênero.

02 – Por que o autor considera as cartas de amor como sendo ridículas?

      O autor acredita que as cartas de amor são ridículas porque refletem sentimentos intensos e muitas vezes irracionalidades, tornando-se estranhas e até cômicas.

03 – Qual é a ironia presente no poema?

      A ironia no poema é que, embora o autor considere as cartas de amor como ridículas, ele mesmo já as escreveu, o que sugere uma dualidade na natureza humana quando se trata de amor e sentimentos.

04 – Como o poema retrata as memórias do autor em relação às cartas de amor?

      O autor afirma que, olhando para trás, as memórias de suas cartas de amor são igualmente ridículas.

05 – O que o poema sugere sobre as palavras esdrúxulas e sentimentos esdrúxulos?

      O poema sugere que tanto as palavras esdrúxulas quanto os sentimentos esdrúxulos são naturalmente ridículos, de acordo com a perspectiva do autor.

06 – Qual é a relação entre as cartas de amor e a natureza humana, conforme retratada no poema?

      O poema sugere que as cartas de amor são uma expressão intrínseca da natureza humana, e aqueles que nunca as escreveram são considerados "ridículos" de uma maneira diferente, ou seja, por não terem experimentado os sentimentos intensos que vêm com o amor e a paixão.

 

 

segunda-feira, 10 de agosto de 2020

POEMA: PECADO ORIGINAL - ÁLVARO DE CAMPOS - COM GABARITO

 Poema: Pecado Original

             Álvaro de Campos

Ah, quem escreverá a história do que poderia ter sido?
Será essa, se alguém a escrever,
A verdadeira história da humanidade.

O que há é só o mundo verdadeiro, não é nós, só o mundo;
O que não há somos nós, e a verdade está aí.

Sou quem falhei ser.
Somos todos quem nos supusemos.
A nossa realidade é o que não conseguimos nunca.

Que é daquela nossa verdade — o sonho à janela da infância?
Que é daquela nossa certeza — o propósito a mesa de depois?

Medito, a cabeça curvada contra as mãos sobrepostas
Sobre o parapeito alto da janela de sacada,
Sentado de lado numa cadeira, depois de jantar.

Que é da minha realidade, que só tenho a vida?
Que é de mim, que sou só quem existo?

Quantos Césares fui!

Na alma, e com alguma verdade;
Na imaginação, e com alguma justiça;
Na inteligência, e com alguma razão —
Meu Deus! meu Deus! meu Deus!
Quantos Césares fui!
Quantos Césares fui!
Quantos Césares fui!


Álvaro de Campos, in "Poemas" Heterónimo de Fernando Pessoa

Entendendo o poema:

01 – Pode-se dizer, quanto ao sentido geral do poema, que:

a)   Sua temática é de natureza psicológica, pois se baseia na autenticidade do ser humano.

b)   Sua temática transcende a psicologia porque um dos elementos fundamentais do texto é o destino do homem jogado num mundo aparente.

c)   Sua temática é moral e psicológica, pois se refere à fuga do que se havia proposto na infância e posteriormente.

d)   Sua temática problematiza a realidade do ser humano.

e)   O texto, por ser totalmente negativista, não se presta a qualquer rotulação.

02 – A leitura atenta do texto permite concluir que:

a)   A história da humanidade é inenarrável.

b)   É impossível narrar a história da humanidade, mas, se alguém conseguisse fazê-lo, ela seria a história da própria essência do homem.

c)   A verdadeira história da humanidade só poderia ser contada por quem tivesse consciência de todas as possibilidades de vida que não se realizaram.

d)   A verdadeira história da humanidade poderia ser escrita por um só indivíduo que realizasse todas as possibilidades que se abrissem para a sua existência.

e)    A verdadeira história da humanidade poderia ser escrita por quem tivesse a consciência de tudo aquilo que de fato aconteceu com todos os homens e com o mundo exterior.

03 – No poema a afirmação de que “a história do que poderia ter sido” será, “se alguém a escrever, a verdadeira história da humanidade”, o que o eu lírico pretende mostrar nesses versos?

      Pretende mostrar que os projetos de futuro são aquilo que revela a verdadeira essência das pessoas que os fazem.

04 – No verso: “Sou quem falhei ser” mostra, precisamente, que aquilo que o sujeito poético desejou e não alcançou é o que o define como pessoa. Que figura de linguagem há nesse verso?

      Antítese.

05 – A confissão da falha do sujeito poético mostra o quê?

      Mostra ainda a consciência da frustação dos seus projetos de vida.

06 – A referência à infância, realizada no poema, corresponde a que momento da vida do sujeito poético?

      Ao tempo em que ele vivia na verdade, no “sonho à janela...”, já que a infância era o momento em que ele poderia ser quem quisesse e podia fazer projetos e vivenciar sonhos que pensava realizar um dia.