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domingo, 10 de agosto de 2025

POEMA: ELLA - MACHADO DE ASSIS - COM GABARITO

 Poema: ELLA

             Machado de Assis

Seus olhos que brilham tanto,
Que prendem tão doce encanto,
Que prendem um casto amor
Onde com rara beleza,
Se esmerou a natureza
Com meiguice e com primor.

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh73J9kEfNaNsqZQLNiuyfQQ7882mqOtJ2RizS6qIda6vPMpPOPfX0L7hDS0YKTe3413zkRyq5GrmvsEfCE2ojYmCEaYFeuShu5yBT4SUAdq2DgwYdjckmC2hrNwFO2Q6VejxRZOirA-LKoaaLMyTJ3py2_6l2UT8EetpHD7d1ZhYBNHD51Nu0JchhboWg/s1600/images%20(2).jpg



Suas faces purpurinas
De rubras cores divinas
De mago brilho e condão;
Meigas faces que harmonia
Inspira em dose poesia
Ao meu terno coração!

Sua boca meiga e breve,
Onde um sorriso de leve
Com doçura se desliza,
Ornando purpúrea cor,
Celestes lábios de amor
Que com neve se harmoniza.

Com sua boca mimosa
Solta voz harmoniosa
Que inspira ardente paixão,
Dos lábios de Querubim
Eu quisera ouvir um – sim –
Para alívio do coração!

Vem, ó anjo de candura,
Fazer a dita, a ventura
De minh'alma, sem vigor;
Donzela, vem dar-lhe alento,
Faz-lhe gozar teu portento,
"Dá-lhe um suspiro de amor!"

Machado de Assis, em 1855 no Jornal Marmota Fluminense, quando tinha 16 anos de idade. Disponível em: http://memoria.bn.br/DOCREADER/DOCREADRE.ASPx?bib=706914&PagFis=436. Acesso em: 28 nov. 2014.

Fonte: Língua Portuguesa: Singular & Plural. Laura de Figueiredo; Marisa Balthasar e Shirley Goulart – 6º ano – Moderna. 2ª edição, São Paulo, 2015. p. 264.

Entendendo o poema:

01 – Quais elementos do rosto da mulher são destacados nos dois primeiros quartetos e o que eles transmitem?

      Nos dois primeiros quartetos, Machado de Assis destaca os olhos e as faces da mulher. Os olhos são descritos como brilhantes, cheios de doce encanto e um casto amor, mostrando a beleza esmerada pela natureza. As faces são purpurinas, de cores divinas e com um "mago brilho e condão", inspirando poesia e harmonia ao coração do eu lírico.

02 – Como o poeta descreve a boca de "Ella" e que contraste ele usa para isso?

      A boca de Ella é descrita como meiga e breve, onde um sorriso suave desliza com doçura. O poeta usa um contraste interessante ao dizer que os lábios "com neve se harmoniza", indicando uma pureza ou delicadeza que se contrapõe à "purpúrea cor".

03 – Que desejo o eu lírico expressa em relação à voz e aos lábios da mulher?

      O eu lírico expressa o desejo de ouvir um "sim" da boca da mulher. Ele descreve a voz dela como harmoniosa e inspiradora de ardente paixão, comparando seus lábios aos de um Querubim, buscando alívio para o seu coração.

04 – Com que termo o eu lírico se refere à mulher no último quarteto e o que ele pede a ela?

      No último quarteto, o eu lírico se refere à mulher como "anjo de candura". Ele pede a ela que venha trazer a dita e a ventura à sua alma sem vigor, que lhe dê alento e que o faça gozar de seu portento, finalizando com o pedido por "um suspiro de amor!".

05 – Qual o tema central do poema "Ella" e como ele é abordado?

      O tema central do poema é a exaltação da beleza feminina e o desejo de um amor idealizado. Machado de Assis aborda esse tema descrevendo detalhadamente as características físicas da mulher (olhos, faces, boca), atribuindo-lhes qualidades quase divinas e expressando o anseio do eu lírico por uma correspondência amorosa que traga felicidade e plenitude à sua vida.

 

 

POEMA: ÍTACA - KAVÁFIS - COM GABARITO

 Poema: Ítaca

             Kaváfis

Se partires um dia rumo a Ítaca

Faz votos de que o caminho seja longo

Repleto de aventuras, repleto de saber.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhfEp36NkD48SUgHCksy0ZGVysBfGyaG87vrtSHPEXp6TILVtANBtMdJS6jtomqddkcCH46Fh7MYvXsNXChSMJz9hJaSY1cJdYlHJ9a9YXiIiE0RbkUiXJyD4qCkmahnFp09y9tyomuDnOYDISDdazWxzrcAS_A-gq9p5ewFJWWwaxetUY5BQPvsk0So-o/s1600/images.jpg

Nem Lestrigões nem os Ciclopes

Nem o colérico Posseidon te intimidem;

Eles no teu caminho jamais encontrarás

Se altivo for o teu pensamento, se sutil

Emoção teu corpo e teu espírito toca.

Nem Lestrigões nem os Ciclopes

Nem o bravio Posseidon hás de ver,

Se tu mesmo não os levares dentro da alma

Se tua alma não os puser diante de ti.

 

Faz votos de que o caminho seja longo.

Numerosas serão as manhãs de verão

Nas quais, com que prazer, com que alegria,

tu hás de encontrar pela primeira vez um porto

para correr as lojas dos Fenícios

e belas mercadorias adquirir:

madrepérolas, corais, âmbares, ébanos

e perfumes sensuais de toda espécie

quanto houver de aromas deleitosos.

A muitas cidades do Egito peregrina

Para aprender, para aprender dos doutos.

 

Tem todo o tempo Ítaca na mente.

Estás predestinado a ali chegar

Mas não apresses a viagem nunca.

Melhor muitos anos levares de jornada

E findares na ilha velho enfim.

Rico de quanto ganhaste no caminho.

Sem esperar riquezas que Ítaca te desse.

Uma bela viagem deu-te Ítaca.

Sem ela não te ponhas a caminho.

Mais do que isso não lhe cumpre dar-te

Ítaca não te iludiu, se achas pobre.

Tu te tornaste sábio, um homem de experiência

E agora sabes o que significam Ítacas.

Kaváfis é um poeta grego contemporâneo. Esta poesia foi retirada de uma antologia de seus poemas publicados pela Editora Nova Fronteira.

Fonte: Programa de Formação de Professores Alfabetizadores. Coletânea de textos – Módulo 1. p. 167.

Entendendo o poema:

01 – Qual é o desejo central que o eu lírico faz para quem parte rumo a Ítaca?

      O desejo central é que o caminho seja longo, "repleto de aventuras, repleto de saber", enfatizando a importância da jornada em si e das experiências acumuladas.

02 – Como o poema sugere que se evitem os perigos mitológicos (Lestrigões, Ciclopes, Posseidon)?

      O poema afirma que esses perigos não intimidarão nem serão encontrados se o pensamento for altivo e a emoção sutil. Mais crucialmente, eles não serão vistos se a própria pessoa não os levar dentro da alma ou se sua alma não os puser diante de si, indicando que os verdadeiros obstáculos são internos.

03 – Que tipo de experiências o eu lírico recomenda buscar durante a jornada?

      O eu lírico recomenda buscar intercâmbios comerciais ("correr as lojas dos Fenícios e belas mercadorias adquirir") e aprendizado ("A muitas cidades do Egito peregrina / Para aprender, para aprender dos doutos"), valorizando tanto a riqueza material quanto a intelectual.

04 – Qual a importância de "ter todo o tempo Ítaca na mente" sem apressar a viagem?

      Ter Ítaca na mente serve como um objetivo constante, mas o poema insiste em não apressar a viagem para que se possa acumular experiências e sabedoria ao longo dos anos. A lentidão permite que o viajante chegue à ilha "rico de quanto ganhaste no caminho".

05 – O que Ítaca realmente oferece ao viajante, segundo o poema?

      Ítaca não oferece riquezas materiais em si, mas sim a oportunidade de uma "bela viagem". O valor de Ítaca está em ser o motivo ou o destino que impulsiona a jornada, proporcionando o aprendizado e a experiência que transformam o viajante em alguém sábio.

06 – Qual o significado da frase "Ítaca não te iludiu, se achas pobre"?

      Essa frase sugere que a expectativa de riquezas materiais em Ítaca seria uma ilusão do próprio viajante. Ítaca cumpre seu papel ao oferecer a jornada; se o destino final parecer "pobre", a culpa não é da ilha, mas talvez da expectativa equivocada do indivíduo sobre o que a vida ou o destino devem entregar.

07 – Que transformação o viajante sofre ao final da jornada, e o que ele finalmente compreende sobre "Ítacas"?

      Ao final da jornada, o viajante se torna "sábio, um homem de experiência". Ele compreende que o verdadeiro valor de "Ítacas" (ou de qualquer objetivo na vida) não reside na chegada ou em bens materiais, mas nas lições, no crescimento e nas vivências.

POEMA: O ARTISTA INCONFESSÁVEL - JOÃO CABRAL NETO - COM GABARITO

 Poema: O Artista Inconfessável

              João Cabral Neto

Fazer o que seja é inútil.
Não fazer nada é inútil.
Mas entre fazer e não fazer
mais vale o inútil do fazer.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjAVMq8dcn5HVsNrGYHkFWEUUrX-O3oTxcUQeAtRcYUZvIeWhwKQ2ytijbTzb8aMJW0Tm9GhMJVL3noe7Myz9Y15FmbBJ6jA0LMGvqFt0qsjDNoitcKuSrVzsVS_yu9RKUDiNH3qEs3w9_sVTn-bmthYByhUYLdoYxKJVvDPn7rqwgCeMfr8qciPJPRPkM/s1600/thumb_9788560281190.jpg


Mas não, fazer para esquecer
que é inútil: nunca o esquecer.
Mas fazer o inútil sabendo
que ele é inútil e que seu sentido
não será sequer pressentido,
fazer: porque ele é mais difícil
do que não fazer, e dificil-
mente se poderá dizer
com mais desdém, ou então dizer
mais direto ao leitor Ninguém
que o feito o foi para ninguém.

João Cabral de Melo Neto. Fonte: Programa de Formação de Professores Alfabetizadores. Coletânea de textos – Módulo 1. p. 153.

Entendendo o poema:

01 – Qual é a principal contradição expressa pelo eu lírico no início do poema?

      A principal contradição é a afirmação de que "Fazer o que seja é inútil" e "Não fazer nada é inútil". Essa dualidade inicial estabelece o dilema existencial do poema.

02 – Por que o eu lírico sugere que "mais vale o inútil do fazer"?

      O eu lírico sugere que "mais vale o inútil do fazer" não para esquecer a inutilidade, mas porque o ato de fazer, mesmo que inútil, é mais difícil do que a inação. Há um valor intrínseco no esforço e na dificuldade.

03 – Qual é a condição para o "fazer" que o poema propõe como mais significativo?

      A condição para o "fazer" mais significativo é fazer o inútil sabendo que ele é inútil e que seu sentido "não será sequer pressentido". É um fazer consciente da falta de propósito externo.

04 – A quem o poema se dirige com a frase "dizer mais direto ao leitor Ninguém"? Qual o efeito dessa escolha?

      O poema se dirige a um leitor “Ninguém", o que enfatiza a ideia de que a obra é feita sem expectativa de reconhecimento ou compreensão por parte de um público. Essa escolha reforça o tema da inutilidade e do desdém em relação à recepção da arte.

05 – Qual a conclusão final do poema sobre o propósito da criação para o "Artista Inconfessável"?

      A conclusão é que a criação, para o "Artista Inconfessável", não visa utilidade, reconhecimento ou esquecimento da inutilidade. Ela é realizada pela própria dificuldade do ato e como uma forma de expressar desdém ou de comunicar diretamente ao leitor “Ninguém" que o que foi feito é, em última instância, para ninguém.

 

 

 

POEMA: POEMA EM LINHA RETA - ÁLVARO DE CAMPOS (HETERÔNIMO DE FERNANDO PESSOA) - COM GABARITO

 Poema: Poema em linha reta

              Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa)

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.

Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjGA7gWIiPTGsHa98fJ44GxCHCZXOWxv4qkB2-XR5LT55lha3YasDrfENDk5VYhR0sS_z9q8tP8lsc-5de9GsVeGYeJZf9S5r7pKKPqMgfwz16MSeY1EqJ71wudUjTpvE0hvHqcAlBMXFIlYn_-IktOpZpJmE9pKjXKHJGnom0YO_ccPoIjokjryDI2Mq8/s320/hq720.jpg


E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,

Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,

Indesculpavelmente sujo,

Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,

Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,

Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,

Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,

Que tenho sofrido enxovalhos e calado,

Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;

Eu, que tenho sido cômico às criadas do hotel,

Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,

Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedindo emprestado sem pagar,

Eu que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado

Para fora da possibilidade do soco;

Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,

Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda gente que eu conheço e que fala comigo

Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,

Nunca foi senão príncipe — todos eles príncipes — na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana

Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;

Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia

Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.

Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?

Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!

Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,

Podem ter sido traídos — mas ridículos nunca

E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,

Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?

Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,

Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

Extraído de Poemas escolhidos, seleção e organização de Frederico Barbosa. Edit. Klick / Editora Klick, 2000, p.134 a 135.

Fonte: Programa de Formação de Professores Alfabetizadores. Coletânea de textos – Módulo 1. p. 248-249.

Entendendo o poema:

01 – Qual é a principal dicotomia explorada no poema?

      A principal dicotomia explorada no poema é a oposição entre a percepção idealizada que o eu lírico tem das outras pessoas (como "campeões", "príncipes", "semideuses" que nunca cometeram erros ou ridículos) e a autoimagem crua e desidealizada que ele possui de si mesmo, cheia de falhas, imperfeições e momentos vergonhosos ("reles", "porco", "vil", "parasita", "ridículo", "grotesco").

02 – Que tipo de linguagem o eu lírico utiliza para descrever a si mesmo? Dê exemplos.

      O eu lírico utiliza uma linguagem autodepreciativa e explícita para descrever a si mesmo, recorrendo a termos que contrastam fortemente com a imagem de perfeição que atribui aos outros. Exemplos incluem: "reles", "porco", "vil", "irrespondivelmente parasita", "indesculpavelmente sujo", "ridículo", "absurdo", "grotesco", "mesquinho", "submisso e arrogante", "cômico às criadas do hotel", "feito vergonhas financeiras", "agachado para fora da possibilidade do soco", e "vil, literalmente vil".

03 – Qual é o desejo do eu lírico em relação às outras pessoas?

      O eu lírico expressa um profundo desejo de encontrar autenticidade e humanidade nas outras pessoas. Ele anseia por ouvir uma "voz humana" que confesse "não um pecado, mas uma infâmia", que conte "não uma violência, mas uma cobardia". Em outras palavras, ele quer que as pessoas admitam suas falhas, fraquezas e momentos de vileza, que demonstrem ser tão imperfeitas e reais quanto ele se sente.

04 – Como o poema aborda a hipocrisia social?

      O poema aborda a hipocrisia social ao retratar a fachada de perfeição que as pessoas parecem apresentar na sociedade. O eu lírico percebe que todos ao seu redor se mostram como ideais, como se nunca tivessem tido um "ato ridículo" ou "sofrido enxovalho". Essa constatação o leva a sentir-se isolado em sua própria imperfeição, como se fosse o único "vil e errôneo nesta terra", evidenciando a pressão social para esconder as vulnerabilidades.

05 – Qual é o sentimento predominante do eu lírico ao longo do poema?

      O sentimento predominante do eu lírico ao longo do poema é de solidão e um profundo cansaço em relação à idealização e à falta de honestidade alheia. Ele se sente isolado em suas imperfeições, expressando um misto de angústia ("a angústia das pequenas coisas ridículas"), frustração ("Arre, estou farto de semideuses!") e um anseio por conexão genuína ("Quem me dera ouvir de alguém a voz humana").

06 – O que significa a expressão "Poema em linha reta" no contexto da obra de Fernando Pessoa/Álvaro de Campos?

      A expressão "Poema em linha reta" no contexto da obra de Fernando Pessoa/Álvaro de Campos sugere uma escrita direta, sem rodeios ou adornos, que expressa a verdade nua e crua do eu lírico. Em contraste com a complexidade e as múltiplas facetas de outros heterônimos, Álvaro de Campos, neste poema, apresenta uma confissão despojada de artifícios, uma linha direta de pensamento e sentimento que expõe suas imperfeições sem dissimulação.

07 – Qual é a principal crítica que o eu lírico faz à sociedade ou às pessoas ao seu redor?

      A principal crítica que o eu lírico faz à sociedade ou às pessoas ao seu redor é a ausência de autenticidade e a constante exibição de uma perfeição irreal. Ele lamenta a falta de coragem para admitir as falhas humanas, as "infâmias" e "cobardias", em vez de apenas "pecados" ou "violências". Essa crítica ressalta a superficialidade das relações humanas e a dificuldade de encontrar uma conexão genuína quando todos se esforçam para manter uma imagem impecável.

 

POEMA: PERGUNTAS DE UM TRABALHADOR QUE LÊ - BERTOLD BRECHT - COM GABARITO

 Poema: Perguntas de um trabalhador que lê

             Bertold Brecht

Quem construiu a Tebas de sete portas?

Nos livros estão nomes de reis.

Arrastaram eles os blocos de pedra?

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjLdxYjBpp-JSUsUs6wL57NmkEGxyqZQzc6cYd_tgpDnjcTcJLK2FoBRD2wqVPFwFJPUDaLZ9axZxmIrEWK97iVMFVcDlfHRmzZVU7l56lEYbmT8fefiMdH16xa_0wOkpXYPlfBRbnMkyk-eVVVXOYy6vivV7y-5aFAoGx_u351Sx_eukiM95Sm8Ge18s0/s1600/images.jpg


E a Babilônia várias vezes destruída

Quem a reconstruiu tantas vezes? Em que casas

Da Lima dourada moravam os construtores?

Para onde foram os pedreiros, na noite em que

A Muralha da China ficou pronta?

A grande Roma está cheia de arcos do triunfo

Quem os ergueu? Sobre quem

Triunfaram os césares? A decantada Bizâncio

tinha somente palácios para os seus habitantes?

Mesmo na lendária Atlântida

Os que se afogavam gritaram por seus escravos

Na noite em que o mar a tragou?

O jovem Alexandre conquistou a Índia.

Sozinho?

César bateu os gauleses.

Não estava sequer um cozinheiro?

Felipe da Espanha chorou, quando sua armada

naufragou. Ninguém mais chorou?

Frederico II venceu a Guerra dos Sete Anos.

Quem venceu além dele?


Cada página uma vitória.

Quem cozinhava o banquete?

A cada dez anos um grande Homem.

Quem pagava a conta?


Tantas histórias.

Tantas questões.

Bertold, Brecht. Poemas 1913-1956. 5. ed. São Paulo: Ed. 34, 2000.

Fonte: Arte em Interação – Hugo B. Bozzano; Perla Frenda; Tatiane Cristina Gusmão – volume único – Ensino médio – IBEP – 1ª edição – São Paulo, 2013. p. 256-257.

Entendendo o poema:

01 – Qual é a principal tese ou argumento que Bertolt Brecht desenvolve no poema "Perguntas de um Trabalhador que Lê"?

      A principal tese do poema é questionar a história oficial e tradicional, que frequentemente foca apenas em grandes líderes, reis e generais, ignorando ou minimizando o papel fundamental das massas trabalhadoras na construção das civilizações e na realização de grandes feitos. Brecht argumenta que, por trás de cada monumento, conquista ou avanço, houve o esforço anônimo e o trabalho árduo de inúmeros indivíduos, cujas contribuições raramente são registradas nos livros de história. O poema busca desmistificar a glória individual e trazer à tona a importância da ação coletiva e do trabalho braçal.

02 – Como Brecht utiliza a enumeração de grandes feitos históricos (Tebas, Babilônia, Muralha da China, Roma, Bizâncio, Atlântida, conquistas de Alexandre e César) para fortalecer seu argumento?

      Brecht utiliza a enumeração de grandes feitos históricos para demonstrar a universalidade e a recorrência do problema que ele aponta: a invisibilidade do trabalhador comum. Ao listar monumentos e eventos de diferentes épocas e civilizações, como a construção de Tebas, a reconstrução de Babilônia, a conclusão da Muralha da China, os arcos de triunfo de Roma e os palácios de Bizâncio, Brecht mostra que em todas essas grandezas, a figura do trabalhador é sistematicamente apagada. A repetição dessas perguntas sobre quem realmente construiu ou trabalhou nesses projetos serve para acumular evidências e reforçar a tese de que a história está incompleta e distorcida ao focar apenas nos nomes dos poderosos.

03 – Qual o significado da pergunta "Arrastaram eles [os reis] os blocos de pedra?" e de outras perguntas semelhantes no poema?

      A pergunta "Arrastaram eles [os reis] os blocos de pedra?" é central para o poema, pois ela representa a desconstrução da imagem heroica e autossuficiente dos líderes. Brecht, através dessa e de outras perguntas semelhantes ("Em que casas / Da Lima dourada moravam os construtores?", "Não estava sequer um cozinheiro?" etc.), força o leitor a reconhecer a divisão de trabalho e a dependência dos grandes feitos em relação ao trabalho de muitos. A implicação é que reis e imperadores, por mais poderosos que fossem, não realizavam as tarefas braçais e cotidianas necessárias para construir impérios ou vencer guerras. Essas perguntas retóricas servem para expor a hipocrisia da narrativa histórica que atribui todo o mérito a uma única figura.

04 – Como o poema "Perguntas de um Trabalhador que Lê" sugere uma crítica à forma como a história é escrita e transmitida?

      O poema sugere uma crítica incisiva à forma como a história é escrita e transmitida, ao apontar que "Nos livros estão nomes de reis", mas não os nomes dos construtores. Brecht critica a historiografia tradicional, que se concentra em indivíduos notáveis, feitos militares e grandes eventos políticos, ignorando as condições de vida, o trabalho e as perspectivas das classes subalternas. Ele questiona a seletividade dos registros históricos, que glorificam os vencedores e os poderosos, silenciando as vozes e as contribuições daqueles que efetivamente construíram e sustentaram essas sociedades. A repetição de "Tantas histórias. / Tantas questões." no final do poema reforça a ideia de que a versão apresentada é parcial e incompleta, necessitando de um olhar crítico e questionador.

05 – Qual o impacto da perspectiva de um "trabalhador que lê" para a mensagem do poema?

      A perspectiva de um "trabalhador que lê" é crucial para a mensagem do poema. Ela confere autenticidade e legitimidade às perguntas levantadas. Não é um historiador ou um intelectual que faz essas indagações, mas alguém que, por sua própria condição social e experiência de trabalho, entende a importância do esforço físico e coletivo. O "trabalhador que lê" é capaz de enxergar as lacunas na história oficial porque sua vivência o conecta com a realidade do trabalho e da produção. Essa perspectiva subverte a autoridade das narrativas dominantes e valida um ponto de vista que normalmente é marginalizado, tornando o poema uma voz para aqueles que foram esquecidos pela história.

06 – Analise as duas últimas estrofes: "Cada página uma vitória. / Quem cozinhava o banquete? / A cada dez anos um grande Homem. / Quem pagava a conta?" O que elas adicionam ao argumento central?

      As duas últimas estrofes servem como um resumo conciso e uma generalização do argumento central do poema, ampliando a crítica para além dos exemplos históricos específicos.

      "Cada página uma vitória. / Quem cozinhava o banquete?": Essa estrofe questiona a glorificação contínua das vitórias nos anais da história. A "vitória" é frequentemente associada a generais ou líderes militares, mas Brecht nos lembra que por trás de qualquer triunfo há um vasto aparato de suporte e trabalho não reconhecido. O "banquete" simboliza não apenas a celebração, mas toda a infraestrutura e o esforço logístico e humano que permitem tais eventos, geralmente realizados por pessoas comuns.

      "A cada dez anos um grande Homem. / Quem pagava a conta?": Aqui, Brecht satiriza a periodicidade com que a história celebra "grandes Homens", sugerindo que essa exaltação individual é um padrão. A pergunta "Quem pagava a conta?" é um questionamento direto sobre os custos humanos e materiais por trás do sucesso desses "grandes Homens". Implica sacrifícios, exploração e o ônus sobre as massas, que sustentam esses feitos sem receber o devido reconhecimento ou benefício. Essas estrofes, portanto, sintetizam a crítica à invisibilidade do trabalho e do sacrifício coletivo em prol da glória individual.

07 – Qual é a relevância do poema de Brecht para a compreensão da história e da sociedade contemporânea?

      A relevância do poema de Brecht para a compreensão da história e da sociedade contemporânea é profunda. Ele nos convida a adotar um olhar crítico e descolonizado sobre as narrativas históricas, questionando quem as escreve, de que perspectiva e com quais propósitos. Em um mundo onde a fama e o reconhecimento ainda são predominantemente atribuídos a poucos, o poema de Brecht é um lembrete de que o funcionamento de qualquer sociedade depende do trabalho e da contribuição de milhões de indivíduos muitas vezes anônimos. Ele nos encoraja a valorizar o trabalho coletivo, a desafiar as hierarquias de valor e a reconhecer as vozes marginalizadas na construção da história e da realidade social. O poema continua a ser um chamado à conscientização sobre as desigualdades e a importância de uma análise histórica mais inclusiva e abrangente.

 

 

POEMA: ATRIZ - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - COM GABARITO

 Poema: Atriz

             Carlos Drummond de Andrade

A morte emendou a gramática.
Morreram Cacilda Becker.
Não era uma só. Era tantas.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgIkFEAzb8o1crG8jYQ9Be4TNFHcJlm6qsCpE8MwmRY92ygn1nPdOFYGnaoEpqyc7TNfbiz2NhruljgqPdd3Dl6IER1ccc3YfbpvgkQ2tka5H5kjBySpSXg53knf9AEyJDRjKaWT7D0nBQYLuXGpifgbCwXU8U-7I40JdRYzoadXpXMaEyQeY0yv4jCHJk/s320/frase-atriz-era-uma-pessoa-e-era-um-teatro-carlos-drummond-de-andrade-121628.jpg


Professorinha pobre de Pirassununga
Cleópatra e Antígona
Maria Stuart
Mary Tyrone
Marta, de Albee
Margarida Gauthier e Alma Winemiller
Hannah Jelkes a solteirona
a velha senhora Clara Zahanassian
adorável Júlia
outras muitas, modernas e futuras
irreveladas.
Era também um garoto descarinhado e astuto: Pinga-Fogo
e um mendigo esperando infinitamente Godot.
Era principalmente a voz de martelo sensível
martelando e doendo e descascando
a casca podre da vida
para mostrar o miolo de sombra
a verdade de cada um nos mitos cênicos.
Era uma pessoa e era um teatro.
Morrem mil Cacildas em Cacilda.

Fonte: Arte em Interação – Hugo B. Bozzano; Perla Frenda; Tatiane Cristina Gusmão – volume único – Ensino médio – IBEP – 1ª edição – São Paulo, 2013. p. 236.

Entendendo o poema:

01 – Como o poema "Atriz" de Carlos Drummond de Andrade aborda a multiplicidade da identidade da atriz Cacilda Becker?

      O poema "Atriz" explora a multiplicidade da identidade de Cacilda Becker ao apresentar a atriz não como uma figura singular, mas como um universo de personagens. Drummond utiliza a frase "Não era uma só. Era tantas" para iniciar essa ideia, listando uma série de papéis icônicos que Cacilda interpretou, como Cleópatra, Antígona, Maria Stuart, Mary Tyrone, entre outros. Além dos personagens femininos clássicos e modernos, o poema ainda expande essa multiplicidade para além do gênero, mencionando "um garoto descarinhado e astuto: Pinga-Fogo" e "um mendigo esperando infinitamente Godot". Essa abordagem revela que a essência da atriz reside na sua capacidade de encarnar diversas existências, tornando-se um repositório de histórias e emoções que transcendem sua própria individualidade. A repetição da ideia de que "Morrem mil Cacildas em Cacilda" ao final reforça a noção de que a morte física de Cacilda Becker não é apenas o fim de uma pessoa, mas o desaparecimento de inúmeras vidas e representações que ela trouxe à tona.

02 – De que forma o poema estabelece uma relação entre a arte da interpretação e a revelação da verdade?

      O poema "Atriz" estabelece uma profunda relação entre a arte da interpretação e a revelação da verdade, especialmente através da metáfora da "voz de martelo sensível". Drummond descreve a voz da atriz como algo que "martelando e doendo e descascando / a casca podre da vida / para mostrar o miolo de sombra / a verdade de cada um nos mitos cênicos". Essa imagem poderosa sugere que a performance de Cacilda Becker não era meramente uma representação superficial; era um processo doloroso e incisivo que desvelava as camadas da existência, expondo a essência humana mais profunda e, por vezes, sombria. Os "mitos cênicos" – as histórias e personagens que ela interpretava – tornavam-se veículos para a verdade universal, permitindo que o público e a própria atriz confrontassem as complexidades e as contradições da condição humana. Assim, a arte cênica, na visão do poeta, não é uma fuga da realidade, mas um caminho para compreendê-la em sua plenitude.

03 – Qual o significado da frase "A morte emendou a gramática" no contexto do poema?

      A frase "A morte emendou a gramática" é uma abertura impactante e carregada de significado no poema "Atriz". Primeiramente, ela sugere uma interrupção abrupta e definitiva, como se a morte tivesse corrigido ou finalizado algo que estava em andamento – a vida e a carreira de Cacilda Becker. A "gramática" pode ser interpretada como a ordem, a sequência ou a própria estrutura da existência, que é alterada e corrigida pela fatalidade. Em um sentido mais poético e trágico, a morte "emendou" a "gramática" da vida de Cacilda ao impedir que ela continuasse a criar e a se desdobrar em novos personagens, fixando-a em sua memória e em sua contribuição. Além disso, a frase pode aludir à forma como a morte, por sua irrevocabilidade, impõe uma nova ordem ou perspectiva sobre a vida de quem parte, redefinindo sua história e seu legado de maneira definitiva.

04 – Analise a dimensão da "imortalidade" da atriz presente no poema, mesmo diante da constatação de sua morte.

      Apesar de começar com a constatação da morte de Cacilda Becker ("Morreram Cacilda Becker"), o poema "Atriz" subtly explora a dimensão da sua imortalidade artística. Essa imortalidade não é literal, mas reside na perpetuação de seu legado e na permanência de suas múltiplas "personagens" na memória coletiva e na história do teatro. A frase "Morrem mil Cacildas em Cacilda" paradoxalmente sugere que, embora a atriz individual tenha falecido, as inúmeras vidas que ela encarnou – Cleópatra, Antígona, Mary Tyrone, entre outras – continuam a existir como parte de sua memória e influência. O poema lista inclusive "outras muitas, modernas e futuras / irreveladas", indicando que o impacto de sua arte transcende o tempo, inspirando futuras gerações e mantendo viva a essência de sua capacidade transformadora. A "voz de martelo sensível" que "descasca a casca podre da vida" permanece como um eco de sua capacidade de revelar verdades, garantindo que a contribuição de Cacilda Becker permaneça viva no imaginário cultural, mesmo após sua morte física.

05 – De que maneira o poema utiliza a enumeração de personagens para construir a imagem de Cacilda Becker?

      O poema utiliza a enumeração exaustiva de personagens para construir a imagem de Cacilda Becker de uma forma que transcende a figura da atriz individual, elevando-a a um símbolo da própria arte da interpretação. Ao listar uma vasta gama de papéis – de Professorinha pobre de Pirassununga a Cleópatra, Antígona, Maria Stuart, Mary Tyrone, Marta de Albee, Margarida Gauthier, Alma Winemiller, Hannah Jelkes, e até personagens masculinos como Pinga-Fogo e o mendigo de Godot –, Drummond demonstra a versatilidade e a profundidade de Cacilda. Essa enumeração não é apenas uma lista de atuações, mas uma construção da identidade da atriz como um "teatro" em si mesma, como afirma a linha "Era uma pessoa e era um teatro". Cada nome evoca um universo dramático e uma emoção específica, mostrando que Cacilda era capaz de habitar e dar vida a uma diversidade extraordinária de existências humanas. Assim, a enumeração serve para ilustrar a capacidade mimética e transformadora da atriz, consolidando a ideia de que sua essência estava na sua habilidade de ser "tantas", um espelho das múltiplas facetas da condição humana.

 

 

domingo, 3 de agosto de 2025

POEMA: O TEATRO, CASA DOS SONHOS - BERTOLD BRECHT - COM GABARITO

 Poema: O TEATRO, CASA DOS SONHOS

             Bertold  Brecht

Muitos veem o teatro como casa

De produção de sonhos. Vocês atores são vistos

Como vendedores de drogas. Em seus locais escurecidos

As pessoas se transformam em reis e realizam

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgAckNp32tmRQv64huv2wwDkyBA5CWxLIheSLttO2T0827uT9k3IqkbvdCANzvnYJE8mqb00TtkiqlgcuEp5eRo0Gs_d8dmXXZq-HxMWziZRFfh5cCUpZOg1otArHC_kRPLWEohv1YzFLCQ_xWess7OijRbxZLRFuK3TNbDICn9QZLkP9JSpIZS2g_-yZc/s320/165824021662d6bcd8a82ec_1658240216_5x2_lg.jpg

Atos heroicos sem perigo. Tomado de entusiasmo

Consigo mesmo ou de compaixão por si mesmo

Fica-se sentado, em feliz distração esquecendo

As dificuldades do dia a dia – um fugitivo.

Todo tipo de fábula preparam com mãos hábeis, de modo a

Mexer com nossas emoções. Para isso utilizam

Acontecimentos do mundo real. Sem dúvida, alguém

Que aí chegasse de repente, o barulho do tráfico ainda nos ouvidos

E ainda sóbrio, mal reconheceria sobre essas tábuas

O mundo que acabou de deixar. E também

Saindo por fim desses locais,

Novamente o homem pequeno, não mais o rei

Deslocado na vida real. Muitos, é verdade

Veem essa atividade como inocente. Na mesquinhez

E uniformidade de nossas vidas, dizem, sonhos

São bem-vindos. Como suportar

A vida mesquinha e uniforme, e a renunciar

Por si mesmo. Mas vocês

Mostram um falso mundo, descuidadamente juntado

Tal como os sonhos o mostram, transformado por desejos

Ou desfigurado por medos, tristes

Enganadores.

BRECHT, Bertolt. Poemas 1913-1956. 5. ed. São Paulo: Ed. 34, 2000.

Fonte: Arte em Interação – Hugo B. Bozzano; Perla Frenda; Tatiane Cristina Gusmão – volume único – Ensino médio – IBEP – 1ª edição – São Paulo, 2013. p. 255-256.

Entendendo o poema:

01 – Qual a principal crítica que Brecht faz à percepção comum do teatro como uma "casa de produção de sonhos"?

      Brecht critica fundamentalmente a visão do teatro como um refúgio escapista, uma "casa de produção de sonhos", onde o público se transforma em "reis" e esquece as "dificuldades do dia a dia". Ele descreve os atores como "vendedores de drogas", sugerindo que a arte teatral, nesse modelo, atua como um narcótico que aliena o espectador da realidade. A crítica reside no fato de que, ao se entregar a essa "feliz distração", o indivíduo se torna um "fugitivo" que, ao sair do teatro, volta a ser o "homem pequeno, não mais o rei / Deslocado na vida real". Para Brecht, essa forma de teatro oferece um "falso mundo, descuidadamente juntado", que, como os sonhos, é "transformado por desejos / Ou desfigurado por medos", resultando em uma experiência ilusória e, em última instância, enganadora.

02 – De que forma o poema contrasta a experiência do público dentro e fora do teatro?

      O poema de Brecht estabelece um contraste marcante entre a experiência do público dentro e fora do teatro. Dentro dos "locais escurecidos", as pessoas se transformam, tornam-se "reis" e realizam "atos heroicos sem perigo", sentindo entusiasmo ou compaixão por si mesmas em uma "feliz distração". É um mundo de fábula onde as emoções são manipuladas e a realidade cotidiana é esquecida. No entanto, o poema enfatiza a abrupta transição ao sair desses locais: "Saindo por fim desses locais, / Novamente o homem pequeno, não mais o rei / Deslocado na vida real." Essa antítese ressalta a artificialidade da experiência teatral criticada por Brecht, onde a euforia e o escapismo são temporários, e a volta à vida "mesquinha e uniforme" é inevitável e, por vezes, mais dolorosa devido ao contraste.

03 – O que Brecht quer dizer ao afirmar que o teatro utiliza "acontecimentos do mundo real" para "mexer com nossas emoções" e qual é a sua ressalva a isso?

      Brecht reconhece que o teatro, mesmo em sua forma criticada, utiliza "acontecimentos do mundo real" para "mexer com nossas emoções". Isso significa que as histórias e situações encenadas têm suas raízes na vida cotidiana e nas experiências humanas, servindo como base para as narrativas dramáticas. No entanto, sua ressalva reside no modo como esses acontecimentos são apresentados e percebidos. Ele aponta que, para o espectador ainda "sóbrio" e com "o barulho do tráfico ainda nos ouvidos", seria difícil reconhecer nessas "tábuas" (o palco) o mundo que acabou de deixar. A crítica não está no uso da realidade em si, mas na sua transformação e distorção para fins de entretenimento e escapismo, onde o mundo real é "descuidadamente juntado" e "transformado por desejos / Ou desfigurado por medos", perdendo sua capacidade de provocar reflexão crítica e ação.

04 – Como o poema caracteriza os atores e sua função nesse tipo de teatro?

      No poema "O Teatro, Casa dos Sonhos", Brecht caracteriza os atores como "vendedores de drogas". Essa metáfora é profundamente crítica e sugere que a função dos atores, nesse modelo de teatro, é a de induzir um estado de alheamento e ilusão no público. Eles são os agentes que administram essa "droga" do escapismo, preparando "todo tipo de fábula com mãos hábeis, de modo a / Mexer com nossas emoções". A implicação é que, em vez de provocarem o pensamento crítico ou a conscientização social, os atores servem para anestesiar o público, oferecendo um refúgio temporário da realidade. Eles são, na visão de Brecht, "tristes / Enganadores", pois mostram um "falso mundo" que, embora possa trazer alívio momentâneo, não contribui para uma compreensão genuína ou para a transformação da vida real.

05 – Qual é a crítica subjacente de Brecht à inércia ou complacência do público diante desse tipo de representação teatral?

      A crítica subjacente de Brecht à inércia e complacência do público diante desse tipo de representação teatral é evidente em sua descrição do espectador como um "fugitivo" que se senta em "feliz distração". Ele questiona a aceitação generalizada dessa "atividade como inocente", onde os "sonhos / São bem-vindos" para suportar a "vida mesquinha e uniforme". Brecht parece lamentar que o público, ao invés de buscar a verdade ou a transformação de suas condições, se contente com uma ilusão momentânea. Há uma implicação de que essa complacência contribui para a perpetuação de um sistema que oferece fugas, mas não soluções. A crítica reside no fato de que o teatro, em vez de ser um catalisador para a mudança e a reflexão crítica sobre a realidade social, torna-se um cúmplice na manutenção da "mesquinhez / E uniformidade de nossas vidas", ao permitir que o indivíduo "renunciar / Por si mesmo" em favor de um mundo fabricado.

 

 

sexta-feira, 1 de agosto de 2025

POEMA: MAMÃ NEGRA - FRAGMENTO - VIRIATO DA CRUZ - COM GABARITO

 Poema: Mamã negra – Fragmento

             Viriato da Cruz

Tua presença, minha Mãe – drama vivo duma Raça,

Drama de carne e sangue

Que a Vida escreveu com a pena dos séculos!

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiDhVUnyp_jHHgX1dniYS4AAJyDPtwV_hOZvbTaGpysZKBVoiAe_z0AwejdfR4zLpjgarJcRloAlbNMZxEU6NsSkPBQGF1OwCu7Ls_IfVICEl_7k9r84rNecaLJmZ4yA7nSr4Kum9LrV8ePPRUbLA_2whthLyCAXU0M9z__LyVgrJxAuFtRXZ73tP95VNg/s320/hq720.jpg


Pela tua voz

Vozes vindas dos canaviais dos arrozais dos cafezais

dos seringais dos algodoais!...

 

Vozes das plantações de Virgínia

dos campos das Carolinas

Alabama

Cuba

Brasil...

Vozes dos engenhos dos banguês das tongas dos eitos

das pampas das minas!

Vozes de Harlem Hill District South

vozes das sanzalas!

Vozes gemendo blues, subindo do Mississipi, ecoando

dos vagões!

Vozes chorando na voz de Carrothers:

Lord God, what will have we done [Ó, Deus, o que teríamos feito?]

Vozes de toda América! Vozes de toda a África!

[...]

Viriato da Cruz. Em: Maria Alexandre Dáskalos; Lívia Apa; Arlindo Barbeitos. Poesia africana de língua portuguesa (antologia). Rio de Janeiro: Lacerda, 2003. p. 55.

Fonte: Universos – Língua Portuguesa – Ensino fundamental – Anos finais – 8º ano – Camila Sequetto Pereira; Fernanda Pinheiro Barros; Luciana Mariz. Edições SM. São Paulo. 3ª edição, 2015. p. 47.

Entendendo o poema:

01 – Qual o tema central abordado pelo poema?

      O poema aborda o drama e sofrimento da raça negra, personificados na figura da "Mamã negra". Ele explora a dor, o trabalho forçado e a opressão vivenciados por essa raça ao longo dos séculos.

02 – Como o poema evoca a dimensão geográfica do sofrimento?

      O poema evoca a dimensão geográfica ao mencionar uma vasta gama de locais, como canaviais, arrozais, cafezais, seringais, algodoais, além de regiões específicas como Virgínia, Carolinas, Alabama, Cuba, Brasil, Harlem, Hill District, South e sanzalas. Essa lista exaustiva de lugares demonstra a abrangência global da exploração e da diáspora africana.

03 – Que tipo de trabalho é associado à voz da "Mamã negra" no poema?

      A voz da "Mamã negra" é associada a trabalhos agrícolas e extrativistas, como o cultivo de cana, arroz, café, borracha e algodão. Também são mencionados os "engenhos, banguês, tongas, eitos, pampas e minas", que remetem a locais de intensa exploração e trabalho escravo.

04 – De que forma o poema utiliza o elemento "voz" para construir seu significado?

      O poema usa a "voz" como um elemento central para representar a memória coletiva e o lamento histórico da raça negra. As "vozes" vêm de diversos lugares e contextos de sofrimento, culminando em "vozes gemendo blues" e chorando, simbolizando a expressão da dor e da resiliência.

05 – Qual a conexão entre a "Mamã negra" e a "História" no fragmento?

      A "Mamã negra" é descrita como um "drama de carne e sangue / Que a Vida escreveu com a pena / dos séculos!". Isso estabelece uma conexão direta entre ela e a própria história da raça negra, indicando que sua existência e sofrimento são a materialização viva de um passado de opressão e luta.