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sexta-feira, 27 de novembro de 2020

CRÔNICA: UM LUGAR AO SOL - ÉRICO VERÍSSIMO - COM GABARITO

 Crônica: Um lugar ao sol

                  Érico Veríssimo

        Entraram na casa vizinha.

     Fernanda sentia sempre uma opressão quando se via na sala da casa de D. Magnólia. Tudo ali tinha um ar tão triste, tão sombrio, tão doentio... Os móveis eram escuros. A Bíblia encadernada de couro negro em cima da mesa. (D. Magnólia era metodista.) Quadros nas paredes com legendas tiradas das Escrituras. Um cheiro de defumação. E – o mais horrível de tudo – no canto da sala, a figura daquele homem sentado, vencido, daquele homem enorme, magro, amarelo, roído pelo câncer.

        Era Orozimbo, o marido de D. Mag. Quando lhe falava, Fernanda tinha a impressão desagradável de que estava falando com um morto.

        A luz da sala estava apagada. Entrava pelas janelas uma fraca claridade que vinha das lâmpadas da rua.

        Fernanda sentiu logo a presença de Orozimbo. Cumprimentou:

        -- Boa noite, seu Zimbo!

        E a voz dele, fraca, doente, mas mesmo assim profunda, incoerentemente musical, respondeu:

        -- Boa noite!

        Entraram no quarto de Lu. D. Mag acendeu a luz e retirou-se, fechando a porta. Fernanda viu a menina a chorar estendida na cama, de borco, com a cabeça mergulhada no travesseiro. Ajoelhou-se junto dela, passou-lhe a mão pelos cabelos.

        -- Então, bobinha. Por que é que está chorando?

        Lu soluçava sem responder. E depois, como Fernanda insistisse muito na pergunta, explodiu:

        -- Eu... eu... queria... fazer... uma fantasia... e... e... essa besta não quer....

        -- Não diga assim, Lu. Ela é sua mãe.

        -- Besta! Isso que ela é.

        D. Mag chorava no corredor. Por que Deus a castigava assim, dando-lhe uma filha desobediente e blasfema? Não era ela uma boa cristã? Não ia todos os domingos ao culto? Não lhe bastavam os trabalhos que passara com o marido nos primeiros tempos do casamento, quando ele andava na pândega com outras mulheres? Não chegava o que ela sofria agora que ele estava doente e vivia ali no canto, derrotado, a falar na morte, a queixar-se da vida, a atormentá-la a todo o instante? Não bastava a trabalheira que ela tinha de pedalar a Singer todo o dia para ganhar dinheiro para o sustento da casa? Para ganhar dinheiro para dar vestidos e educação àquela ingrata?

        Fernanda passava a mão pela cabeça de Lu e lhe dizia de mansinho:

        -- Não vê que não é direito você ir ao baile de carnaval quando seu pai está tão doente? Não vê que sua gente é pobre e que você precisa ter muito juízo?

        Lu explodiu de novo, sentando-se na cama:

        -- Eu tenho ódio dela. Tenho ódio dele. Dos dois!

        Fernanda se pôs de pé.

        -- Você não sabe o que está dizendo! Ódio de seu pai, de sua mãe?

        Lu tornou a cair de borco. Sua voz saía abafada debaixo do travesseiro.

        -- Ódio, ódio, ódio.

        Sim: tinha raiva dos pais. Porque eles não queriam que ela fosse feliz, que tivesse um namorado, que frequentasse os cinemas, os bailes. Que culpa tinha de ter nascido pobre? Que culpa tinha da doença do pai ou das ideias religiosas da mãe? Era moça, queria aproveitar a vida. Um dia a velhice chegava e tudo ficava perdido para sempre. Não havia moças que tinham automóveis, que cantavam no rádio, que viajavam, que dançavam, que possuíam vestidos bonitos? Então? Ela era acaso aleijada? Não. Era um monstro de feia? Também não. Por que não havia de ser feliz? Oh! Deus podia matá-la, podia castiga-la mas ela não sufocaria por mais tempo aquela raiva.

        -- Vamos – murmurou Fernanda – faça uma forcinha. Pelo menos finja. Não vê que sua mãe sofre, seu pai sofre?

        Lu resistia. Obstinava-se. Havia de fazer a fantasia, havia de ir aos bailes do Cassino, nem que para isso tivesse de fugir.

        Fernanda por fim cansou. Sentou-se na cama, passou a mão pela testa. Ela trazia um filho no ventre. Talvez uma filha. Hoje fazia parte de seu ser: amanhã poderia haver uma separação tremenda como a que ela estava vendo... Teria o mundo entre ela e a sua criaturinha. Um milhão de desentendimentos, de conflitos, de interesses em choque....

        -- Então Lu, não quer ser boazinha?

        Lu ergueu-se. Tinha uns olhos verdes muito grandes.

        Era fina de corpo e suas mãos, longas e brancas.

        Fernanda contemplou-a com simpatia e pena. Lu tomou-lhe das mãos e, com olhos vermelhos de chorar, perguntou:

        -- Tu achas que eu sou má? Achas? Será que nem tu, nem tu me compreendes?

        Encostou a cabeça no peito da outra e desatou de novo o choro.

        Cinco minutos depois Fernanda saiu do quarto.

        D. Mag esperava-a no meio da sala. Nos seus olhos espantados havia uma interrogação ansiosa. Apesar de estarem na penumbra, Fernanda viu a dor que os velava.

        Aproximou-se dela, bateu-lhe no ombro.

        -- Não faça caso, D. Mag... Isso passa. Amanhã quando ela voltar da escola e estiver mais calma, eu passo um sermão nela. Por hoje, lhe peço: não diga mais nada. Deixe... Essas criaturinhas são assim. Quanto mais confiança se dá, mais elas incomodam...

        Enquanto falava, Fernanda ouvia, horrorizada, a respiração arquejante do doente no seu canto escuro.

        -- Bom, deixe ajudar a mamãe a lavar os pratos.

        Deu boa-noite e voltou para casa.

              Um lugar ao sol. Rio de Janeiro, Globo, 1978.

    Fonte: Português – Linguagem & Participação, 8ª Série – MESQUITA, Roberto Melo / Martos, Cloder Rivas – 2ª edição – 1999 – Ed. Saraiva, p. 44-7.

Fonte da imagem: https://www.google.com/url?sa=i&url=https%3A%2F%2Fcromatas.com%2Fcontos-2%2Fa-lanpada%2F&psig=AOvVaw1b_1R9J3QD5FgZseUpYodX&ust=1606600912025000&source=images&cd=vfe&ved=0CAIQjRxqFwoTCICK-_vco-0CFQAAAAAdAAAAABAK

Entendendo a crônica:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Metodista: seguidor de seita anglicana, caracterizada por grande austeridade.

·        Pândega: farra, folia.

·        Singer: marca de máquina de costura.

·        Incoerentemente: contraditoriamente.

·        Obstinar-se: aferrar-se a uma ideia, teimar.

·        De borco (ô): de bruços.

·        Velava: encobria, tornava sombrio.

·        Blasfema: pessoa que diz blasfêmias (ofensas contra Deus ou contra pessoas ou coisas respeitáveis).

·        Arquejante: ofegante.

02 – Qual é o cenário do desentendimento?

      É uma casa de família em que a mãe é metodista, o pai sofre de câncer e a filha não aceita sua posição social.

03 – Qual o assunto do texto?

      Uma garota, cuja mãe é religiosa e o pai está doente, revolta-se com a mãe que contraria seus desejos de diversão e de liberdade.

04 – Como poderíamos caracterizar Lu?

      Lu é adolescente, seus olhos são verdes e muitos grandes, seu corpo é fino e suas mãos, longas e brancas. Quer aproveitar a vida: passear, sair, ir ao cinema, fazer coisas que pessoas de sua idade fazem.

05 – Qual é o conflito presente no texto?

      É o conflito entre pais e filhos e, mais profundamente, o conflito entre o prazer e a morte.

06 – Como se sente D. Mag em relação à filha?

      D. Mag sente que, apesar de seus esforços, Deus a castigou.

07 – Como se sente Lu em relação à família? Justifique com palavras do texto.

      Lu não se sente parte da família e tem ódio do pai e da mãe. “—Eu tenho ódio dela. Tenho ódio dele. Dos dois!”; “Ódio, ódio, ódio.”

08 – Que concepção de felicidade tem Lu?

      Lu quer divertir-se, ser feliz, namorar, viajar. Chamar a atenção do aluno para o fato de que Lu, no afã de aproveitar a vida, pensa somente nas coisas mais prazerosas que ela pode lhe oferecer.

09 – Que papel representa Fernanda nesse conflito?

      Fernanda é a testemunha do drama familiar, amiga e conselheira de Lu.

10 – Por que Fernanda se condói com o drama de Lu?

      Como está grávida, ela se preocupa com as relações que terá, no futuro, com a filha ou filho que irá nascer.

11 – O texto é narrado em terceira pessoa, por um narrador onisciente. Justifique a afirmação usando elementos do texto.

      O autor conhece os sentimentos e pensamentos das personagens. “Fernanda sentia sempre uma opressão quando se via na sala da casa de D. Magnólia.” / “D. Mag chorava no corredor. Por que Deus a castigava assim, dando-lhe uma filha desobediente e blasfema?”

12 – Justifique o título do texto.

      Resposta pessoa do aluno.

CRÔNICA: NOITE DE VENTO, NOITE DOS MORTOS - ÉRICO VERÍSSIMO - COM GABARITO

 Crônica: Noite de vento, noite dos mortos

                   Érico Veríssimo

   No inverno do último ano como interno no Colégio Cruzeiro do Sul ocupava sozinho o quarto número 50, um cubículo estreito onde mal cabiam uma cama, um lavatório de ferro com jarro e bacia, e o baú onde eu guardava as minhas roupas. Nessa época comecei a sofrer de insônias. Talvez insônia não seja a palavra exata para definir o que eu sentia, pois na realidade sono mesmo não me faltava. O que acontecia era que eu acordava sobressaltado cerca das dez horas da noite e começava a sentir aos poucos no quarto escuro e fechado uma angústia de emparedado. Precisava desesperadamente de acender uma luz – o que não era possível, pois o dormitório era iluminado por lâmpadas alinhadas no centro do teto e que se apagavam irremediavelmente a uma hora certa. Minhas pálpebras em geral pesavam de sono, mas aquela opressão no peito, aquela ansiedade me mantinham acordado. Era uma espécie de falta de ar, de necessidade de companhia humana ou pelo menos de uma janela aberta para a noite, para o mundo, para a vida. E o pior era que essa angústia podia transformar-se em pânico dum momento para outro. Eu tinha a impressão de estar num túnel sem ar, ou sepultado numa carneira, fechado num féretro...

        Consultei um médico de ar bondoso e bovino que costumava tratar dos internos do Cruzeiro do Sul. Fez-me perguntas. Sofria eu de falta de memórias? Era distraído? Algum problema me preocupava? Eu respondia numa atitude meio defensiva de quem tem segredos a guardar. Por fim o bom homem me receitou Fosfato Ácido de Oxford. Tomei um vidro sem nenhum resultado positivo.

        Observava que minha ansiedade aumentava ou então era desencadeada nas noites em que eu ouvia o vento uivar lá fora. Sim, a voz do vento era um fator de ansiedade. Eu tratava de chamar-se à razão. Tudo estava bem. Em breve apareceria o sol e a vida normal começaria. Inútil. Aquela coisa que me comprimia o peito e me dava gana de sair correndo a abrir janelas e portas, a acender luzes e a procurar a companhia dos colegas, continuava. Só madrugada alta – e eu não sabia como – é que conseguia dormir algumas horas. (Num romance que eu haveria de escrever dali a quase 30 anos, uma personagem diria: “Noite de vento, noite dos mortos”.)

                 Solo de clarineta. Globo, 1974.

         Fonte: Português – Linguagem & Participação, 8ª Série – MESQUITA, Roberto Melo / Martos, Cloder Rivas – 2ª edição – 1999 – Ed. Saraiva, p. 25-6.

Fonte da imagem:https://www.google.com/url?sa=i&url=http%3A%2F%2Fwww.luizcarlosbill.com.br%2Fblog%2Fcronica%2Fo-frio-e-o-vento-da-noite%2F&psig=AOvVaw2RfOYPXKXmFP6wEI5rjPE-&ust=1606600646902000&source=images&cd=vfe&ved=0CAIQjRxqFwoTCPCk6vjbo-0CFQAAAAAdAAAAABAD

Entendendo a crônica:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Carneira: gaveta em que, num cemitério, se enterram cadáveres.

·        Féretro: caixão de defunto.

02 – Qual é a importância do lugar sobre o fato relatado no texto?

      É o lugar que produz a angústia que oprime o narrador.

03 – Como se sentia o narrador no quarto número 50?

      Sentia-se preso, emparedado, não conseguia dormir direito, embora tivesse sono.

04 – Identifique no texto um fato que mostra que o autor vivia sob um regime autoritário.

      “... o dormitório era iluminado por lâmpadas alinhadas no centro do teto e que se apagavam irremediavelmente a uma hora certa.”

05 – Em que pessoa é narrado o texto? E de que se trata?

      O texto é narrado em primeira pessoa. Trata-se de uma recordação da infância em um colégio interno.

06 – O que você acha que o autor pretendeu expressar com a frase “Noite de vento, noite dos mortos”?

      Resposta pessoal do aluno.

07 – De acordo com o texto, pra você o que é possível perceber nas escolas de antigamente?

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Percebe-se que a escola internato antiga era bem mais autoritária.

quarta-feira, 8 de julho de 2020

CRÔNICA: OLHAI OS LÍRIOS DO CAMPO - ÉRICO VERÍSSIMO - COM GABARITO

Crônica: Olhai os lírios do campo

            Érico Veríssimo

        Estive pensando muito na fúria com que os homens se atiram à caça do dinheiro.  É essa a causa principal dos dramas, das injustiças, da incompreensão da nossa época.  Eles esquecem o que têm de mais humano e sacrificam o que a vida lhes oferece de melhor: as relações de criatura para criatura.  De que serve construir arranha-céus se não há mais almas humanas para morar neles?

        Quero que abras os olhos, Eugênio, que acordes enquanto é tempo.  Peço-te que pegues a minha Bíblia que está na estante de livros, perto do rádio, leias apenas o Sermão da Montanha.  Não te será difícil achar, pois a página está marcada com urna tira de papel.  Os homens deviam ler e meditar esse trecho, principalmente no ponto em que Jesus nos fala dos lírios do campo, que não trabalham nem fiam, e no entanto nem Salomão em toda a sua glória jamais se vestiu como um deles.

        Está claro que não devemos tomar as parábolas de Cristo ao pé da letra e ficar deitados à espera de que tudo nos caia do céu.  É indispensável trabalhar, pois um mundo de criaturas passivas seria também triste e sem beleza.  Precisamos, entretanto, dar um sentido humano às nossas construções.  E quando o amor ao dinheiro, ao sucesso, nos estiver deixando cegos, saibamos fazer pausas para olhar os lírios do campo e as aves do céu.

        Não penses que estou fazendo o elogio do puro espírito contemplativo e da renúncia, ou de que o povo deva viver narcotizado pela esperança da felicidade na "outra vida". Há na terra um grande trabalho a realizar. É tarefa para seres fortes, para corações corajosos. Não podemos cruzar os braços enquanto os aproveitadores sem escrúpulos engendram os monopólios ambiciosos, as guerras e as intrigas cruéis. Temos que fazer-lhes frente. É indispensável que conquistemos este mundo, não com as armas do ódio e da violência e sim com as armas do amor e da persuasão. Considere a vida de Jesus. Ele foi antes de tudo um homem de ação e não um puro contemplativo.

        Quando falo em conquista, quero dizer a conquista de uma situação decente para todas as criaturas humanas, a conquista da paz digna, através do espírito de cooperação.

        E quando falo em aceitar a vida não me refiro à aceitação resignada e passiva de todas as desigualdades, malvadezas, absurdos e misérias do mundo. Refiro-me, sim a aceitação da luta necessária, do sofrimento que essa luta nos trará, das horas amargas a que ela forçosamente nos há de levar.

              Olhai os lírios do campo. Érico Veríssimo.

                        Fonte: Livro – Encontro e Reencontro em Língua Portuguesa – 8ª Série – Marilda Prates – Ed. Moderna, 2005 – p. 108/9.

Entendendo a crônica:

01 – Na sua opinião qual é o principal motivo de tantas injustiças entre os homens?

      Resposta pessoal do aluno.

02 – O que Érico Veríssimo quis afirmar com a frase: “É indispensável trabalhar, pois um mundo de criaturas passivas seria também triste e sem beleza?

      Que o trabalho é básico na vida do homem.

03 – Humanizar o mundo e os homens é um trabalho para quem?

      Para os fortes e corajosos.

04 – Explique o pensamento da personagem em relação ao mundo e a sua conquista.

      Todos devem ter um modo de vida decente, sem preconceitos e injustiça.

05 – A expressão “disposição para a luta” é usada no texto com que palavra?

      Com a palavra aceitação.

06 – Você concorda com a ideia de que o homem deve aceitar todos os sofrimentos aqui na Terra, por que a felicidade o espera no “céu”?

      Não. Jamais o homem deve ser passivo. Assim ele fará o jogo do sistema. É preciso lutar contra a maré.

07 – O que deveria ser mais importante para o homem: ter mais ou ser mais? Por quê?

      Ser mais. Os bens materiais são passageiros.

08 – Qual seria a maior fonte de felicidade pessoal?

      Gostar-se e gostar espontaneamente das pessoas.

 


 


terça-feira, 3 de dezembro de 2019

ROMANCE: O TEMPO E O VENTO I - (FRAGMENTO) - ÉRICO VERÍSSIMO - COM GABARITO

Romance: O tempo e o vento I - Fragmento
                   Erico Veríssimo

        Muitos anos mais tarde, Ana Terra costumava sentar-se na frente de sua casa para pensar no passado. E no seu pensamento como que ouvia o vento de outros tempos e sentia o tempo passar, escutava vozes, via caras e lembrava-se de coisas... O ano de 81 trouxera um acontecimento triste para o velho Maneco: Horácio deixara a fazenda, a contragosto do pai, e fora para o Rio Pardo, onde se casara com a filha de um tanoeiro e se estabelecera com uma pequena venda. Em compensação, nesse mesmo ano Antônio casou-se com Eulália Moura, filha dum colono açoriano dos arredores de Rio Pardo, e trouxe a mulher para a estância, indo ambos viver no puxado feito no rancho.
        Em 85 uma nuvem de gafanhotos desceu sobre a lavoura deitando a perder toda a colheita. Em 86, quando Pedrinho se aproximava dos oito anos, uma peste atacou o gado e um raio matou um dos escravos.
        Foi em 86 mesmo ou no ano seguinte que nasceu Rosa, a primeira filha de Antônio e Eulália? Bom. A verdade era que a criança tinha nascido pouco mais de um ano após o casamento. Dona Henriqueta cortara-lhe o cordão umbilical com a mesma tesoura de podar com que separara Pedrinho da mãe.
        E era assim que o tempo se arrastava, o sol nascia e se sumia, a lua passava por todas as fases, as estações iam e vinham, deixando sua marca nas árvores, na terra, nas coisas e nas pessoas.
        E havia períodos em que Ana perdia a conta dos dias. Mas entre as cenas que nunca mais lhe saíram da memória estavam as da tarde em que dona Henriqueta fora para a cama com uma dor aguda no lado direito, ficara se retorcendo durante horas, vomitando tudo que engolia, gemendo e suando frio. E quando Antônio terminou de encilhar o cavalo para ir até o Rio Pardo buscar recursos, já era tarde demais. A mãe estava morta. Era inverno e ventava.
VERISSIMO, Erico. O tempo e o vento I: O continente. Porto Alegre, Globo, 1956. p. 185.
Fonte: Livro- Português – Série – Novo Ensino Médio – Vol. único. Ed. Ática – 2000- p. 348-9.

Entendendo o romance:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:
·        Encilhar: arrear, aparelhar.

·        Tanoeiro: aquele que faz e ou conserta barris, tinas, etc.

02 – Percebe-se no texto o embate de duas forças. Qual delas simboliza o que é permanência (memória) e qual simboliza o que é passagem (destruição)?
      O tempo (passagem, destruição) e o vento (memória, permanência).

03 – Que forma verbal, predominante no texto, dá-lhe caráter memorialístico?
      O imperfeito do indicativo.

04 – Na marcação do tempo, um acontecimento positivo vem acompanhado de uma dúvida. Que acontecimento é esse?
      O nascimento de Rosa.

05 – Segundo a epígrafe que abre a obra, retirada do Eclesiastes, “Uma geração vai, e outra geração vem; porém a terra para sempre permanece”, em que parágrafo do texto também está presente essa visão cíclica, predominante no romance?
      No 4° parágrafo.

06 – Que elemento deixa as suas marcas nas árvores, na terra, nas coisas e nas pessoas?
      O tempo.

07 – Como pode ser dividida a obra de Érico Veríssimo? Exemplifique.
      Romance urbano (Clarissa, Caminhos cruzados, etc.), romance histórico (O tempo e o vento) e romance político (O senhor embaixador, etc.).

quinta-feira, 16 de maio de 2019

ROMANCE: O TEMPO E O VENTO - (FRAGMENTO) ÉRICO VERÍSSIMO - COM GABARITO

Romance: O tempo e o vento – (Fragmento)
                 Érico Veríssimo

        “Os Terras continuaram mudos. O índio ainda sorria quando murmurou:
        -- Louvado seja Nosso Senhor.
    Tinha uma voz que não se esperava daquele corpo tão vigoroso: macia e doce.
        Os outros não faziam o menor movimento, não pronunciavam a menor palavra. Mas o índio sorria sempre e agora repetia: amigo, amigo, amigo...
        Depois inclinou o busto para trás e recostou-se na parede de barro. De repente seu rosto se contorceu de dor e ele lançou um olhar oblíquo na direção do ombro ferido.
        Nesse instante Maneco Terra deu dois passos na direção do catre e perguntou:
        -- Como é o nome de vosmecê?
        O outro pareceu não entender. Maneco repetiu a pergunta e o índio respondeu:
        -- Meu nombre é Pedro.
        -- Pedro de quê?
        -- Me jamam Missioneiro.
        Maneco lançou-lhe um olhar desconfiado.
        -- Castelhano?
        -- No.
        -- Continentino?
        -- No.
        -- Donde é, então?
        -- De parte ninguna.
        Maneco Terra não gostou da resposta. Foi com voz irritada que insistiu:
        -- Mas onde foi que nasceu?
        -- Na mission de San Miguel.
        -- Qual é o seu ofício?
        -- Ofício?
        -- Que é que faz? Em que trabalha?
        -- Peleio.
        -- Isso não é ofício.
        Pedro sorriu. Tinha dentes fortes e alvos.
        -- Que anda fazendo por estas bandas? – insistiu.
        No seu português misturado com espanhol, Pedro contou que fugira da redução quando ainda muito menino e que depois crescera nos acampamentos militares dum lado e doutro do rio Uruguai; ultimamente acompanhara os soldados da Coroa de Portugal em suas andanças de guerra; também fizera parte das forças de Rafael Pinto Bandeira e fora dos primeiros a escalar o forte castelhano de San Martinho...”

                               Érico Veríssimo. O tempo e o vento.
                    Porto Alegre: Globo, 1985, v. 1, p. 41.
Entendendo o romance:

01 – No primeiro diálogo entre Maneco Terra, pai de Na Terra, e o índio percebem-se características do temperamento de ambos? Comente isso.
      Maneco Terra era um homem desconfiado, hostil, não gostava de estranhos; por isso irritou-se com a chegada de Pedro, que se mostrou gentil, de jeito manso e amigo. Pedro tinha espírito aventureiro, era um andarilho.

02 – Retire do texto as frases com pronomes interrogativos e passe-as para interrogativa indireta.
      -- Pedro de quê? – Quero saber que Pedro.
      -- Qual é o seu ofício? – Gostaria de saber qual é o seu ofício.
      -- Que é que faz? Em que trabalha? – Quero saber que é que faz, em que trabalha. 
      -- Que anda fazendo por estas bandas? – Desejo saber que anda fazendo por estas bandas.    

03 – Copie as frases do texto em que há advérbios interrogativos e classifique-os.
      -- Como é o nome de vosmecê? (Advérbio de modo).
      -- Donde é, então? (Advérbio de lugar).
      -- Mas onde foi que nasceu? (Advérbio de lugar).

04 – Transforme as duas orações numa única oração, empregando os pronomes relativos adequados (que, quem, qual, quanto ou onde).
a)   O juiz decretou recesso no tribunal. A audiência foi marcada para amanhã.
O juiz que decretou recesso no tribunal marcou a audiência para amanhã.

b)   No metrô havia tipos estranhos. Nós o utilizávamos várias vezes ao dia.
Várias vezes ao dia nós utilizávamos o metrô, onde havia tipos estranhos.

c)   Os participantes do show de rock chegaram ao Rio de Janeiro. Os fãs já comemoravam o grande evento.
Os participantes do show de rock chegaram ao Rio de Janeiro, onde os fás já comemoravam o grande evento.

d)   A imobiliária ampliou seus negócios. Meus pais adquiriram o apartamento através dela.
A imobiliária, através da qual meus pais adquiriram o apartamento, ampliou seus negócios.

e)   Os moradores chamaram os bombeiros. Eles atenderam rapidamente.
Os bombeiros a quem os moradores chamaram atenderam rapidamente.

f)    O antiquário avaliou várias peças. Nem tudo entrou no leilão.
Nem tudo quanto foi avaliado pelo antiquário entrou no leilão.


domingo, 24 de março de 2019

TEXTO LITERÁRIO: O TEMPO E O VENTO - FRAGMENTO - ÉRICO VERÍSSIMO - COM GABARITO

Romance: O tempo e o vento – Fragmento
                  ÉRICO VERÍSSIMO

        “Os Terras continuaram mudos. O índio ainda sorria quando murmurou:
        -- Louvado seja Nosso Senhor.
    Tinha uma voz que não se esperava daquele corpo tão vigoroso: macia e doce.
        Os outros não faziam o menor movimento, não pronunciavam a menor palavra. Mas o índio sorria sempre e agora repetia: amigo, amigo, amigo...
        Depois inclinou o busto para trás e recostou-se na parede de barro. De repente seu rosto se contorceu de dor e ele lançou um olhar oblíquo na direção do ombro ferido.
        Nesse instante Maneco Terra deu dois passos na direção do catre e perguntou:
        -- Como é o nome de vosmecê?
        O outro pareceu não entender. Maneco repetiu a pergunta e o índio respondeu:
        -- Meu nombre é Pedro.
        -- Pedro de quê?
        -- Me jamam Missioneiro.
        Maneco lançou-lhe um olhar desconfiado.
        -- Castelhano?
        -- No.
        -- Continentino?
        -- No.
        -- Donde é, então?
        -- De parte ninguna.
        Maneco Terra não gostou da resposta. Foi com voz irritada que insistiu:
        -- Mas onde foi que nasceu?
        -- Na mission de San Miguel.
        -- Qual é o seu ofício?
        -- Ofício?
        -- Que é que faz? Em que trabalha?
        -- Peleio.
        -- Isso não é ofício.
        Pedro sorriu. Tinha dentes fortes e alvos.
        -- Que anda fazendo por estas bandas? – insistiu.
        No seu português misturado com espanhol, Pedro contou que fugira da redução quando ainda muito menino e que depois crescera nos acampamentos militares dum lado e doutro do rio Uruguai; ultimamente acompanhara os soldados da Coroa de Portugal em suas andanças de guerra; também fizera parte das forças de Rafael Pinto Bandeira e fora dos primeiros a escalar o forte castelhano de San Martinho...”

                               Érico Veríssimo. O tempo e o vento.
                    Porto Alegre: Globo, 1985, v. 1, p. 41.
Entendendo o romance:

01 – No primeiro diálogo entre Maneco Terra, pai de Na Terra, e o índio percebem-se características do temperamento de ambos? Comente isso.
      Maneco Terra era um homem desconfiado, hostil, não gostava de estranhos; por isso irritou-se com a chegada de Pedro, que se mostrou gentil, de jeito manso e amigo. Pedro tinha espírito aventureiro, era um andarilho.

02 – Retire do texto as frases com pronomes interrogativos e passe-as para interrogativa indireta.
      -- Pedro de quê? – Quero saber que Pedro.
      -- Qual é o seu ofício? – Gostaria de saber qual é o seu ofício.
      -- Que é que faz? Em que trabalha? – Quero saber que é que faz, em que trabalha. 
      -- Que anda fazendo por estas bandas? – Desejo saber que anda fazendo por estas bandas.   
 
03 – Copie as frases do texto em que há advérbios interrogativos e classifique-os.
      -- Como é o nome de vosmecê? (Advérbio de modo).
      -- Donde é, então? (Advérbio de lugar).
      -- Mas onde foi que nasceu? (Advérbio de lugar).

04 – Transforme as duas orações numa única oração, empregando os pronomes relativos adequados (que, quem, qual, quanto ou onde).
a)   O juiz decretou recesso no tribunal. A audiência foi marcada para amanhã.
O juiz que decretou recesso no tribunal marcou a audiência para amanhã.

b)   No metrô havia tipos estranhos. Nós o utilizávamos várias vezes ao dia.
Várias vezes ao dia nós utilizávamos o metrô, onde havia tipos estranhos.

c)   Os participantes do show de rock chegaram ao Rio de Janeiro. Os fãs já comemoravam o grande evento.
Os participantes do show de rock chegaram ao Rio de Janeiro, onde os fás já comemoravam o grande evento.

d)   A imobiliária ampliou seus negócios. Meus pais adquiriram o apartamento através dela.
A imobiliária, através da qual meus pais adquiriram o apartamento, ampliou seus negócios.

e)   Os moradores chamaram os bombeiros. Eles atenderam rapidamente.
Os bombeiros a quem os moradores chamaram atenderam rapidamente.

f)    O antiquário avaliou várias peças. Nem tudo entrou no leilão.
Nem tudo quanto foi avaliado pelo antiquário entrou no leilão.