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domingo, 21 de junho de 2020

CRÔNICA: A CESTA - PAULO MENDES CAMPOS - COM GABARITO

Crônica: A cesta           

                Paulo Mendes Campos

        Quando a cesta chegou, o dono não estava. Embevecida, a mulher recebeu o presente. Procurou logo o cartão, leu a dedicatória destinada ao marido, uma frase ao mesmo tempo amável e respeitosa.

        Quem seria? Que amigo seria aquele que estimava tanto o marido dela? Aquele cesta, sem dúvida nenhuma, mesmo a uma olhada de relance, custava um dinheirão. Como é que ela nunca tivera notícia daquele nome? Ricos presentes só as pessoas ricas recebem. Eles eram remediados, viviam de salários, sempre inferiores ao custo das coisas. Sim, o marido, com o protesto dela, gostava de bons vinhos e boa mesa, mas isso com o sacrifício das verbas reservadas a outras utilidades.

        De qualquer forma, aquela cesta monumental chegava em cima da hora. E se fosse um engano? Não, felizmente o nome e o sobrenome do marido estavam escritos com toda a clareza e o endereço estava certo.

        Alvoroçada, examinou uma a uma as peças de envoltas em flores e serpentinas de papel colorido. Garrafas de uísque escocês, champanha francês, conhaque, vinhos europeus, patê, licores, caviar, salmão, champignon, uma lata de caranguejos japoneses ... Tudo do melhor. Mulher prudente, surrupiou umas garrafas e escondeu-as nas gavetas femininas do armário. Conhecia de sobra a generosidade do marido: à vista daquela cesta farta, iria convidar todo o mundo para um devastador banquete. Isso não tinha nem conversa, era tão certo quanto dois e dois são quatro. Mas quem seria o amigo? Esperou o regresso do marido, morrendo de curiosidade.

        E ei-lo que chega, ao cair da noite, cansado, sobraçando duas garrafas de vinho espanhol, uma garrafa de uísque engarrafado no Brasil, um modesto embrulho de salgadinhos. Caiu das nuvens ao deparar com a gigantesca cesta. Pálido de espanto, não tanto pelo material do presente (era um sentimental), mas pelo valor afetivo que o mesmo significava, começou a ler o cartão que a mulher lhe estendia. Houve um longo minuto de densa expectativa, quando, terminada a leitura, ele enrugou a testa e se concentrou no esforço de recordar. A mulher perguntava aflita:

        -- Quem é?

        Mais da metade da esperança dela desabou com a desolada resposta.

        -- Esta cesta não é pra mim.

        -- Como assim? Você anda ultimamente precisando de fósforo.

        -- Não é minha.

        -- Mas olhe o endereço: é o nosso! O nome é o seu.

        -- O meu nome não é só meu. Há um banqueiro que tem o nome o igualzinho. Está na cara que isso é cesta pra banqueiro.

        -- Mas, o endereço?

        -- Deve ter sido procurado na lista telefônica.

        Ela não queria, nem podia, acreditar na possibilidade do equívoco.

        -- Mas faça um esforço.

        -- Não conheço quem mandou a cesta.

        -- Talvez um amigo que você não vê há muito tempo.

        -- Não adianta.

        -- Você não teve um colega que era muito rico?

        -- O nome dele é completamente diferente. E ficou pobre!

        -- Pense um pouco mais, meu bem.

        Novo esforço foi feito, mas a recordação não veio. Ela apelou para a hipótese de um admirador. Afinal, ele era um grande escritor, autor de um romance que fizera sucesso e de um livro para crianças, que comovera grandes e pequenos.

        -- Um fã, quem sabe é um fã?

        -- Mulher, deixa de bobagens... Que fã coisa nenhuma!

        -- Pode ser sim! Você é muito querido pelos leitores.

        A ideia o afagou. Bem, era possível. Mas, em hipótese nenhuma, ficaria com aquela cesta, caso não estivesse absolutamente certo de que o prêmio lhe pertencia.

        -- Sou um homem de bem!

        Era um homem de bem. Pegou o catálogo, procurou o telefone do homônimo banqueiro, falou diretamente com ele depois de alguma demora: não é muito fácil um desconhecido falar a um banqueiro.

        Aí, a mulher ouviu com os olhos arregalados e marejados:

        -- Pode mandar buscar a cesta imediatamente. O senhor queira desculpar se minha mulher desarrumou um pouco a decoração. Mas não falta nada.

        A mulher foi lá dentro, quase chorando, e voltou com umas garrafas nas mãos:

        -- Eu já tinha escondido estas.

        -- Você é de morte. Coloque as garrafas na cesta.

        Vinte minutos depois, um carro enorme parava à porta, subindo um motorista de uniforme. A cesta engalanada cruzou a rua e sumiu dentro do automóvel. Ele sorria, filosoficamente. Dos olhos da mulher já agora corriam lágrimas francas. Quando o carro desapareceu na esquina, ele passou o braço em torno do pescoço da mulher:

        -- Que papelão, meu bem! Você ficou olhando aquela cesta como se estivesse assistindo à saída de meu enterro.

        E ela, passando um lenço nos olhos:

        -- Às vezes é duro ser casada com um homem de bem.

Paulo Mendes Campos. Supermercado.

Entendendo a crônica:

01 – Vocábulo – pesquise e responda:

·        Embevecida: estática.

·        Estimava: gostava.

·        De relance: rapidamente.

·        Remediado: sem muitos recursos financeiros.

·        Verbas: quantias.

·        Monumental: grandiosa.

02 – Nessa crônica a mulher fica admirada com a entrega de uma cesta de vinhos ao marido. Apesar de o nome e o endereço estarem completos e corretos, era apenas uma coincidência:

a)   Quais foram os argumentos usados pelo marido para convencer a mulher de que a cesta não era para ele?

-- Que existia um banqueiro com o mesmo nome que o dele.

-- Não conhecia quem mandou a cesta.

-- Tinha um amigo rico, mas ficou pobre.

b)   A mulher tentou convencer o marido de todas as formas a ficar com a cesta, porém não conseguiu. Ele afirmou ser um homem de bem e decidiu devolvê-la. Comente o que ele fez para entrega-la.

Ele procurou na lista telefônica o telefone do verdadeiro dono da cesta, o banqueiro, e pediu para buscar a cesta que havia sido entregue por engano em sua casa.

03 – Que tema é abordado na crônica?

      O tema é o consumismo.

04 – Que fato desencadeou os acontecimentos narrados na crônica?

      A chegada de uma cesta de vinho.

05 – no texto estudado predomina a ação ou a reflexão? Comente.

      Predomina a ação, desde o momento que a mulher recebe a cesta até o final, quando o marido devolve a cesta para o verdadeiro dono.

06 – O que tinha na cesta?

      Flores, serpentinas de papel colorido, garrafas de uísque escocês, champanha francês, conhaque, vinhos europeus, patê, licores, caviar, salmão, champignon, uma lata de caranguejos japoneses.

 


quarta-feira, 17 de junho de 2020

CONTO: O POMBO ENIGMÁTICO - PAULO MENDES CAMPOS -COM GABARITO

Conto: O POMBO ENIGMÁTICO

                                            Paulo Mendes Campos

        Na inelutável necessidade do amor (era quase primavera) pombo e pomba marcaram um encontro galante quando voavam e revoavam no azul do Rio de Janeiro. Era bem de manhãzinha.

        -- Às quatro em ponto me casarei contigo no mais alto beiral – disse o pombo.

        -- Candelária? – perguntou a noiva.

        -- Do lado norte – respondeu ele.

        Pois, às quatro azul em ponto, a pomba pontualíssima pousava pensativamente no beiral. O pombo? O pombo não.

        A pombinha, que era branca sem exagero, arrulhava, humilhada e ofendida com o atraso, contemplando acima do campanário todas as possibilidades da rosa-dos-ventos. Mas na paisagem do céu voavam só velozes andorinhas garotas porque as andorinhas mais velhas enfileiravam-se nas cornijas, pensando na morte, como gente fina, lá dentro nos dias solenes de missa de réquiem.

        Quatro e dez. Quatro e um quarto. Uma pomba sozinha, à mercê quem sabe de um gavião, lendário mas possível. Sol e sombra. Como custa a passar um quarto de hora para uma noiva que espera o noivo no mais alto beiral. Como a brisa é triste. Como se humilha em revolta a noiva branca.

        Ah, arrulhou de repente a pomba, quando distinguiu, indignada, o pombo que chegava, o pombo que chegava caminhando pelo beiral mais alto, do outro lado, lá onde, um pouco além, gritavam esganadas as gaivotas do mar pardo do mercado. Irônica, perguntou a pomba:

        -- Perdeste a noção do tempo?

        -- Perdão, por Deus, perdão – respondeu o pombo: – Tardo mas ardo. Olha que tarde...

        -- Que tarde? – perguntou a pomba.

        -- Que tarde! Que azul! Que tarde azul!

        -- Mas e eu?! – disse a pomba. – Sozinha aqui em cima!

        -- A tarde era tão bonita – disse o pombo gravemente – a tarde era tão bonita, que era um crime voar, vir voando...

        -- Mas e eu?! Eu?! – queixava-se a pomba.

        -- A tarde era tão bonita – explicou o pombo com doce paciência – que eu vim andando, que eu tinha de vir andando, meu amor.

                                       Paulo Mendes Campos.

Entendendo o conto:

01 – A pomba transfere para o ambiente toda a sua angustia. Copie a frase que revela isso.

      “[...] Como a brisa é triste. Como se humilha em revolta a noiva branca”.

02 – Assinale a palavra que encerra a ideia que melhor se relaciona com a “primavera” em relação ao texto:

a)   Inelutável.

b)   Azul.

c)   Amor.

d)   Necessidade.

03 – O que pode significar a expressão “as quatro azul em ponto”?

      As quatro horas da tarde pontualmente.

04 – Além do efeito da rima, pode se encontrar explicação para a presença de “ardo” no trecho: “Tardo mas ardo. Olha que tarde! ...” seria:

a)   Exprime a força do amor.

b)   Traduz o calor da tarde.

c)   É sinônimo de casar.

d)   É apenas um jogo de palavras com tarde.

05 – “Quatro e dez. Quatro e um quarto” (Frequentemente você é chamado a responder ao célebre “Que horas são”? Assinale, dentre as opções abaixo, a que contém erro:

a)   São quatro e um quarto.

b)   Já deve ser uma e quarenta.

c)   Já é meio-dia e meio.

d)   Faltam quinze para o meio-dia.

06 – “Como custa a passar um quarto de hora para uma noiva que espera o noivo no mais alto beiral. Qual o significado da expressão destacada?

      Significa quinze minutos.

07 – O prefixo “re”, em revoavam traduz uma ideia de repetição. Assinale a única palavra abaixo em que o “re” NÃO denota a mesma ideia:

a)   Regredir.

b)   Rever.

c)   Reler.

d)   Reencontrar.

08 – Em “Perdeste a noção do tempo?” Ocorre um (a):

a)   Trocadilho, juntando as noções de tempo e lugar.

b)   Erro tipográfico, deveria ser “Perdeste a noção do tempo?”

c)   Expressão antiga para dar sabor de ironia à pergunta.

d)   Um engano da pombinha, que trocou a palavra “tempo” por “templo”.

09 – Qual poderia ser a intenção do autor ao dizer que a pombinha contemplava “todas as possibilidades da rosas-dos-ventos”?

      A intenção era dizer que ela olhava para todos os sentidos a procura do pombo.

10 – Na sua opinião, o fato da pombinha não se empolgar com a tarde azul, assim como se empolgou o namorado, significa que ela é menos romântica que ele? Justifique sua resposta.

      Resposta pessoal do aluno.

11 – Qual é o tema principal do texto?

      Fala da convivência de um casal e que um atraso causou desentendimento entre eles.

 

 


terça-feira, 28 de abril de 2020

CRÔNICA: ACHANDO O AMOR - PAULO MENDES CAMPOS - COM GABARITO

Crônica: Achando o amor

                  Paulo Mendes Campos

        Ele tem quinze anos, calça 42, usa cabelos razoavelmente compridos. Estava num bar do Leblon, na companhia de castigados adultos. Estes tomavam uísque; o rapazinho tomava a segunda coca média. Quando os homens feitos já tinham falado sobre mulheres, o time do Flamengo, o custo de vida, reviravolta política dum país africano, desastre espetacular no aterro, música da moda, o silêncio entrou no bar e empapou tudo como gordura. Um silêncio hepático ou pancreático ou esplenético. O silêncio que intoxica os etílicos. Para agravar o oleoso drama, era aquela hora da noite, já um pouco tarde para o jantar doméstico e ainda um pouco cedo para a irresponsabilidade. O encaroçado point of no return dos boêmios.
        Aí o jovem disse que estava juntando dinheiro para comprar um sabiá. Talvez não comprasse um sabiá, mas um curió. Ia para o colégio de ônibus porque sempre estava em cima da hora, mas voltava a pé. Não comia sanduíche no recreio. Sabiá tá caro! Vendedor de passarinho tem muito trambique. Ele chateou tanto um, ali naquela lojinha de Ipanema, pedindo abatimento para pintassilgo, que o homem acabou lhe ensinando onde se compra pintassilgo mais barato na cidade. Tinha em casa azulão, canário, coleiro, bigodinho... Teve bicudo, corrupião, mainá... O triste é que passarinho morre.
        Então os etílicos foram buscar passarinhos no fundão do tempo e começaram também a passarinhar. O bar noturno virou um viveiro de cantores e cores. O Silêncio voltou de novo mais limpo, exorcizado.
        O jovem retomou a palavra: o passarinho que mais o entusiasmou a vida toda não cantava nem era bonito. Até o dicionário dizia que ele era feio. Foi ao dicionário por não saber se o certo era chopim ou chupim.
        O chupim põe os ovos em ninho de tico-tico, e é este que cria os filhotes. Tinha descoberto numa árvore da lagoa Rodrigo de Freitas um ninho de tico-tico com um ovo de chupim. Quando o chupim nasceu, o problema era mantê-lo vivo: arranjou um conta gotas e, todas as tardes, depois das aulas, subia à árvore e descia alimentos líquidos pela goela do filhote. No momento certo, levou o chupim pra casa. O passarinho não ficava preso, pelo menos grande parte do tempo, mas pousado num galho de arbusto decorativo. Saía às vezes para passear com o chupim e a cachorrinha: ele na frente, o chupim andando atrás, a cachorrinha saltitando em torno. Bastava um gesto e um assovio para que o chupim decolasse e viesse pousar em seu ombro. Espetacular! Pouco depois, passou a lançar o passarinho pela janela; ele sumia durante uma ou duas horas, pousando à tarde na amendoeira de defronte; um assovio, e o passarinho entrava pela janela, pousando no ombro do dono. Como um falcão amestrado! Mas era um chupim, um feio e triste chupim!
        Uma tarde, quando o passarinho andava lá por fora, caiu a tempestade. O chupim não voltou. Ele ficou à janela até depois de escurecer; mas o chupim não voltou. Esperou ainda durante uma semana, sabendo que esperava sem motivo.
        Confesso que fiquei triste às pampas, disse o jovem.
        Aí o Silêncio que entrou parecia uma enorme bola de sabão, uma coisa que não vale nada, mas que nos inquieta de leve quando se desfaz.
        O jovem arrematou: É engraçado, eu senti por aquele chupim um negócio esquisito. Eu não tenho vergonha de dizer pra vocês: chorei por causa do meu chupim. Eu sentia uma afeição pelo chupim... uma coisa profunda mesmo... Ora, eu amava aquele chupim... Agora é que tou entendendo: o que eu tinha pelo chupim era amor.
     CAMPOS, Paulo Mendes. Balé do pato e outras crônicas. São Paulo, Ática, 1998. p. 93-5.
Fonte: Linguagem Nova. Faraco & Moura. Editora Ática. 8ª série. p. 12-4.

Entendendo a crônica:

01 – O texto é narrado em primeira pessoa ou em terceira pessoa? Transcreva do primeiro parágrafo o pronome pessoal que justifica sua resposta.
      Terceira pessoa. Ele.

02 – Nesse mesmo parágrafo, o narrador emprega um adjetivo para caracterizar os adultos.
a)   Que adjetivo é esse?
Castigados.

b)   Que conotação pode ter essa palavra no texto?
Ao empregar essa palavra, o narrador possivelmente quis referir-se ao sofrimento das pessoas ou ao fato de já terem tido bastante experiência com fatos tristes na vida.

03 – “... o Silêncio entrou no bar e empapou tudo como gordura.” Por que a palavra silêncio está empregada como inicial maiúscula?
      A maiúscula personifica o silêncio, reforçando ideia da sua presença.

04 – O silêncio que toma conta do bar é caracterizado, no primeiro parágrafo, por adjetivos que se referem a três órgãos do corpo: baço, pâncreas e fígado.
a)   Transcreva do texto o adjetivo correspondente a cada um desses órgãos.
Baço: esplenético. Pâncreas: pancreático. Fígado: hepático.

b)   Por que o narrador faz referência a esses órgãos do corpo e não a outros? Considere que se trata de um grupo de boêmios.
Porque esses são os órgãos geralmente mais afetados pelas bebidas alcoólicas.

05 – Etílico significa “provocado pelo álcool; alcoólico”. No texto, quem são os etílicos?
      São os adultos que tomam bebidas alcoólicas.

06 – “... os etílicos fora buscar passarinhos no fundão do tempo...”. O que o autor quis dizer com essa afirmação?
      Os boêmios começaram a contar suas histórias de passarinho que tinham ocorrido muito tempo atrás.

07 – No segundo parágrafo, o narrador emprega uma frase que antecipa o final da história. Que frase é essa?
      “O triste é que passarinho morre”.

08 – No terceiro parágrafo, utiliza-se uma metáfora para caracterizar a atmosfera do bar depois que começaram as conversas sobre passarinho. Transcreva essa metáfora.
      “Viveiro de cantores e cores”.

09 – O que o narrador quer dizer ao afirmar que o silêncio voltara mais limpo?
      Todos já tinham falado sobre suas histórias com passarinho; não havia mais ambiente tenso, angustiante, em que não se sabe o que dizer.

10 – O narrador compara o silêncio que se instalou pela terceira vez no bar ao efeito provocado por uma enorme bola de sabão que se desfaz. Explique.
      A história contada pelo jovem era uma história comum, sem nenhum valor especial para as pessoas que a ouviam, como a bola de sabão, mas seu final e a confissão da tristeza causaram o silêncio inquietante, a inquietação da bola que se desfaz.

11 – Até chegar à constatação de que seu sentimento pelo chupim era amor, o jovem estabelece uma gradação de sentimentos. Transcreva essa gradação.
      Negócio esquisito / afeição / coisa profunda / amor.

12 – No texto, o silêncio sempre aparece com características de um ser vivo, é tratado como pessoa. Como se chama essa figura de estilo?
      Personificação ou prosopopeia.

13 – O verbo passarinhar pode significar “caçar passarinho”. No texto, esse verbo não foi empregado com esse sentido, mas sim com sentido figurado. Justifique essa afirmativa.
      No texto o verbo pode ter o sentido de contar histórias de passarinho, com a alegria e a algazarra que fazem os passarinhos quando estão em bando.

14 – “O chupim põe os ovos em ninho de tico-tico, e é este que cria os filhotes”.
a)   O comportamento do chupim pode caracterizar que tipo de gente?
Pode caracterizar pessoas que vivem à custa de outras ou que se aproveitam de outras.

b)   Na escola, o que seria um(a) chupim?
Alunos que não fazem trabalho e só assinam; alunos que não estudam e colam, e assim por diante.

     

terça-feira, 10 de setembro de 2019

CRÔNICA: MEU REINO POR UM PENTE- PAULO MENDES CAMPOS - COM GABARITO

Crônica: Meu reino por um pente      
               Paulo Mendes Campos

     Filhos – diz o poeta – melhor não tê-los.
   Já o Professor Aníbal Machado me confiou gravemente que a vida pode ter muito sofrimento, o mundo pode não ter explicação alguma, mas, filhos, era melhor tê-los. A conclusão parece simples, mas não era; Aníbal tinha ido às raízes da vida, e de lá arrancara a certeza imperativa de que a procriação é uma verdade animal, uma coisa que não se discute, fora de alcance do radar filosófico.
        "Eu não sei por que, Paulo, mas fazer filhos é o que há de mais importante."
        Engraçado é que depois dessa conversa fui descobrindo devagar a melancólica impostura daquelas palavras corrosivas do final de Memórias Póstumas: "não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria". Filhos, melhor tê-los, aliás, o mesmo poeta corrige antiteticamente o pessimismo daquele verso, quando pergunta: mas, se não os temos, como sabê-lo? Resumindo: filhos, melhor não tê-los, mas é de todo indispensável tê-los para sabê-lo; logo, melhor tê-los.
        Você vai se rir de mim ao saber que comecei a crônica desse jeito depois de procurar em vão meu bloco de papel. Pois se ria a valer: o desaparecimento de certos objetos tem o dom de conclamar, por um rápido edital, todas as brigadas neuróticas alojadas nas províncias de meu corpo. Sobretudo instrumentos de trabalho. Vai-se-me por água a baixo o comedimento quando não acho minha caneta, meu lápis-tinta, meu papel, minha cola... Quando isso acontece (sempre) até taquicardia costumo ter; vem-me a tentação de demitir-me do emprego, de ir para uma praia deserta, de voltar para Minas Gerais, renunciar... Ridículo? Sim, ridículo, mas nada posso fazer. Creio que seria capaz (talvez seja presunção) de aguentar com relativa indiferença uma hecatombe que destruísse de vez todos os meus pertences.
        O que não suporto é a repetição indefinida do desaparecimento desses objetos sem nenhum valor, mas, sem os quais, a gente não pode seguir adiante, tem de parar, tem de resolver primeiro. Stanislaw Ponte Preta andou espalhando que eu usava ventilador para pentear os cabelos. Calúnia. Sou o maior comprador de pentes do Estado da Guanabara. Compro-os em quantidades industriais pelo menos duas vezes por mês, de todos os tamanhos, de todas as cores. Sou quase amigo de infância do vendedor de pentes que estaciona ali na esquina de Pedro Lessa e Rua México.
        A princípio, pensou que eu estava substabelecendo o comércio dele, comprando para vender mais caro, mas um dia eu lhe contei minha tragédia familiar, e ele sorriu e confessou: "Lá em casa é a mesma coisa". Chego em casa com os meus pentes e os distribuo a mancheias. Dois para você, quatro para você - segundo o temperamento e a distração de cada um. Aviso a todos que vou colocar um no armário do quarto, um no banheiro, um em cada mesa de cabeceira, dois na minha gaveta. Terminada essa operação ostensiva, fico malicioso e furtivo; secretamente, vou escondendo outros pentes por todos os cantos e recantos, debaixo do colchão, no alto de um móvel, atrás do exemplar dos Suspiros Poéticos e Saudades. Em seguida, reúno solenemente toda a família, inclusive o Poppy, tiro do bolso um pente singular, o mais ordinário encontrável na praça, e digo: "Este é o meu pente; este ninguém usa; neste, sob pretexto algum, ninguém toca! Estão todos de acordo? Ou algum dos presentes deseja fazer alguma objeção?" Estão todos de acordo.
        A sinceridade do meu clã nesses momentos é de tal qualidade que, por um dia ou dois, tenho a ilusão de que, afinal, venci, de que descobri o approach certo para a família incerta. Mas, meu São Luís de Camões, ó caminhos da vida, sempre errados! Os dias passam, o vento passa a descabelar-nos, e os meus pentes, os meus pentes também passam. Misteriosamente, inexplicavelmente, eles desaparecem, pouco a pouco, com certa malícia, um a um, dois a dois, até chegar o momento dramático no qual, depois de vasculhar todos os meus esconderijos, fico em cabelos no meio da sala e, como Ricardo III em plena batalha, exclamo patético: "Um pente, um pente, meu reino por um pente!".
        Eu não fui – diz o primeiro; – eu não fui – diz o segundo; – eu não fui – diz o terceiro. Poppy, cuja especialidade é comer meias e sapatos, não diz nada, mas abana o rabo negativamente.
        Não foi ninguém, foi Mr. Nobody, foi o diabo, foi a minha sina.
        A minha mansão tem apenas três quartos e uma sala. Pois é inacreditável a quantidade de objetos que estão desaparecidos aqui dentro. Um dia, quando me mudar, a gente vai achar tudo. E sorrir um para o outro com uma nostalgia imprecisa, e dizer em silêncio que, filhos, e pais, melhor tê-los.
             Paulo Mendes Campos. “Meu reino por um pente”. In: Balé do pato e outras crônicas. São Paulo, Ática, 1998. p. 25-8.
                                                Fonte: Livro- Português – Série – Novo Ensino Médio – Vol. único. Ed. Ática – 2000- p. 30-1.
Entendendo a crônica:
01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Conclamar: Chamar.

·        Edital: Aviso oficial que se coloca em lugares públicos ou se anuncia na imprensa.

·        Estado da Guanabara: Antigo nome do estado do Rio de Janeiro.

·        Singular: Notável, único; particular.

·        Mr. Nobody: Em inglês, “Sr. Ninguém”.

02 – Por que o cronista introduz a discussão sobre ter ou não ter filhos?
      Porque seus filhos somem com os seus objetos pessoais.

03 – O que o cronista pretende dizer quando usa a expressão “vai-se-me por água abaixo o comedimento”?
      Quer dizer que fica nervoso, irritadiço, destemperado.

04 – Você já ouviu as expressões “a mancheias” e “ficar em cabelos”? Pesquise num dicionário seus significados.
      A mancheias: Em grande quantidade.
      Ficar em cabelos: Ficar despenteado, descabelado; ou aturdido, perdido no meio da sala.

05 – Na frase: “A minha mansão tem apenas três quartos e uma sala”, a palavra mansão está empregada no seu sentido real ou subjetivo? Por quê?
      Subjetivo. Usa-se “mansão” em referência à residência de grandes dimensões e luxo requintado.

06 – O que você pensa a respeito da responsabilidade de ser pai/mãe? Por que se pode afirmar que não é fácil educar os filhos? Existe um momento apropriado para a paternidade/maternidade?
      Resposta pessoal do aluno.


quarta-feira, 10 de julho de 2019

CRÔNICA: O MÉDICO E O MONSTRO - PAULO MENDES CAMPOS - COM QUESTÕES GABARITADAS


Crônica: O MÉDICO E O MONSTRO 

                 Paulo Mendes Campos

      Avental branco, pincenê vermelho, bigodes azuis, ei-lo, grave, aplicando sobre o peito descoberto duma criancinha um estetoscópio, e depois a injeção que a enfermeira lhe passa.
   O avental na verdade é uma camisa de homem adulto a bater-lhe pelos joelhos; os bigodes foram pintados por sua irmã, a enfermeira; a criancinha é uma boneca de olhos cerúleos, mas já meio careca, que atende pelo nome de Rosinha; os instrumentos para exame e cirurgia saem duma caixinha de brinquedos.
        Ela, seis anos e meio; o doutor tem cinco. Enquanto trabalham, a enfermeira presta informações:
        -- Esta menina é boba mesmo, não gosta de injeção, nem de vitamina, mas a irmãzinha dela adora. 
        O médico segura o microscópio, focaliza-o dentro da boca de Rosinha, pede uma colher, manda a paciente dizer aaá. Rosinha diz aaá pelos lábios da enfermeira. O médico apanha o pincenê, que escorreu de seu nariz, rabisca uma receita, enquanto a enfermeira continua:
        -- O senhor pode dar injeção que eu faço ela tomar de qualquer jeito, porque é claro que se ela não quiser, né, vai ficar muito magrinha que até o vento carrega. 
        O médico, no entanto, prefere enrolar uma gaze em torno do pescoço da boneca, diagnosticando: 
        -- Mordida de leão.
        -- Mordida de leão? – pergunta, desapontada, a enfermeira, para logo aceitar este faz-de-conta dentro do outro faz-de-conta. – Eu já disse tanto, meu Deus, para essa garota não ir na floresta brincar com Chapeuzinho Vermelho...
        Novos clientes desfilam pela clínica: uma baiana de acarajé, um urso muito resfriado, porque só gostava de neve, um cachorro atropelado por lotação, outras bonecas de vários tamanhos, um Papai Noel, uma bola de borracha e até mesmo o pai e a mãe do médico e da enfermeira. 
        De repente, o médico diz que está com sede e corre para a cozinha, apertando o pincenê contra o rosto. A mãe se aproveita disso para dar um beijo violento no seu amor de filho e também para preparar-lhe um copázio de vitaminas: tomate, cenoura, maçã, banana, limão, laranja e aveia. O famoso pediatra, com um esgar colérico, recusa a formidável droga.
        -- Tem de tomar, senão quem acaba no médico é você mesmo, doutor. 
        Ele implora em vão por uma bebida mais inócua. O copo é levado com energia aos seus lábios, a beberagem é provada com uma careta. Em seguida, propõe um trato: 
        -- Só se você depois me der um sorvete.
        A terrível mistura é sorvida com dificuldade e repugnância, seus olhos se alteram nas órbitas, um engasgo devolve o restinho. A operação durou um quarto de hora. A mãe recolhe o copo vazio com a alegria da vitória e aplica no menino uma palmadinha carinhosa, revidada com a ameaça dum chute. Já estamos a essa altura, como não podia deixar de ser, presenciando a metamorfose do médico em monstro. 
        Ao passar zunindo pela sala, o pincenê e o avental são atirados sobre o tapete com um gesto desabrido. Do antigo médico resta um lindo bigode azul. De máscara preta e espada, Mr. Hyde penetra no quarto, onde a doce enfermeira continua a brincar, e desfaz com uma espadeirada todo o consultório: microscópio, estetoscópio, remédios, seringa, termômetro, tesoura, gaze, esparadrapo, bonecas, tudo se derrama pelo chão. A enfermeira dá um grito de horror e começa a chorar nervosamente. O monstro, exultante, espeta-lhe a espada na barriga e brada:
        -- Eu sou o Demônio do Deserto! 
        Ainda sob o efeito das vitaminas, preso na solidão escura do mal, desatento a qualquer autoridade materna ou paterna, com o diabo no corpo, o monstro vai espalhando terror a seu redor: é a televisão ligada ao máximo, é o divã massacrado sob os seus pés, é uma corneta indo tinir no ouvido da cozinheira, um vaso quebrado, uma cortina que se despenca, um grito, um uivo, um rugido animal, é o doce derramado, a torneira inundando o banheiro, a revista nova dilacerada, é, enfim, o flagelo à solta no sexto andar dum apartamento carioca. 
        Subitamente, o monstro se acalma. Suado e ofegante, senta-se sobre os joelhos do pai, pedindo com doçura que conte uma história ou lhe compre um carneirinho de verdade.
        E a paz e a ternura de novo abrem suas asas num lar ameaçado pelas forças do mal.
   Paulo Mendes Campos. O médico e o monstro. Em: Fernando Sabino e outros.
Crônicas 2. 19. ed. São Paulo: Ática, 2003. p. 20-22.

Entendendo a crônica:

01 – No início do texto, o nome e a idade das personagens são desconhecidos. No entanto, é possível perceber que o médico é uma criança. Que expressões do primeiro parágrafo indicam a pouca idade dele?
      “Pincenê vermelho” e “bigodes azuis”. A inusitada associação de cores e a escolha de um objeto em total desuso denunciam a pouca idade da personagem.

02 – No segundo parágrafo, que revelações confirmam que as personagens são crianças?
      O avental é uma camisa de homem, os bigodes foram pitados pela irmã do protagonista, a criancinha é uma boneca e os instrumentos médicos são brinquedos.

03 – A crônica apresenta um fato que faz parte do cotidiano de uma família. Que fato é esse?
      As crianças brincaram de médico.

04 – Releia este trecho.
        “[...] enquanto a enfermeira continua:
         -- O senhor pode dar injeção que eu faço ela tomar de qualquer jeito, porque é claro que se ela não quiser, né, vai ficar muito magrinha que até o vento carrega.”

a)   Essa fala, da menina de 6 anos que brinca de enfermeira, revela opiniões típicas de uma criança? Justifique sua resposta.
Não. Normalmente, às crianças não são defensoras de injeções.

b)   Em sua opinião, quem a menina está imitando ao revelar a preocupação de que a paciente fique magrinha?
Provavelmente, ela está imitando a mãe. Assim como a mãe força o menino a tomar o copo de vitamina de frutas, ainda que a contragosto, para não ficar doente, a menina também, pelo mesmo motivo, força a boneca a tomar injeção.

05 – O pequeno médico dispensa a injeção e, em lugar dela, aplica um curativo em torno do pescoço da paciente fictícia, diagnosticando “mordida de leão”. Sua irmã aceita a reviravolta na brincadeira e diz: “Eu já disse tanto, meu Deus, para essa garota não ir na floresta brincar com Chapeuzinho Vermelho...”. Que característica(s) da infância esse trecho destaca?
      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: A capacidade da criança de aceitar um faz de conta dentro de outro faz de conta, emendando indefinidamente uma brincadeira na outra.

06 – O narrador faz referência a seis ações realizadas pela mãe do protagonista. No caderno, enumere-as.
1 – Aproveita-se da entrada do filho na cozinha para lhe dar um violento beijo no rosto.
2 – Prepara-lhe um cardápio de vitaminas.
3 – Obriga-o a tomar, mesmo ele não gostando, alegando que é importante para a saúde.
4 – Leva o copo com energia aos lábios.
5 – Recolhe o copo vazio com a alegria da vitória.
6 – Aplica no menino uma palmadinha carinhosa.

07 – Em sua opinião, essas ações são exclusivas da mãe retratada na crônica lida ou são comuns às mães em geral?
      Resposta pessoal do aluno.

08 – O menino transforma-se subitamente em um “monstro” e põe a casa inteira de pernas para o ar.
a)   Que fato provoca essa metamorfose?
O fato de tomar, obrigado, a vitamina preparada pela mãe.

b)   O menino faz alguma coisa para tentar evita-lo?
Sim. Primeiro, ele implora que a bebida seja trocada por outra. Depois, não sendo atendido, negocia uma recompensa posterior: ganhar um sorvete.

c)   Transcreva uma passagem do texto que comprove que, ao terminar a vitamina, o menino já estava disposto a vingar-se por seu desgosto.
“A mãe recolhe o copo vazio com a alegria da vitória e aplica no menino uma palmadinha carinhosa, revidada com a ameaça dum chute”.

d)   Você conhece crianças que reagem dessa maneira quando contrariadas?
Resposta pessoal do aluno.

09 – Observe que o narrador descreve uma brincadeira entre os irmãos, sem nomeá-la. Copie, no caderno, as palavras que revelam ao leitor qual era a brincadeira.
      Estetoscópio, injeção, enfermeira, instrumentos para exame, cirurgia, entre outras.

10 – Como era o espaço onde as crianças brincavam?
      Eles brincavam em um quarto, onde havia uma caixa de brinquedos da qual elas tiravam objetos para a brincadeira de médico. Havia também bonecos de vários tamanhos e uma bola de borracha.

11 – O que esse espaço revela sobre as características das personagens?
      A transformação do quarto em consultório médico todo aparelhado revela o quanto as crianças são imaginativas e se deixam envolver pelo mundo do faz de conta.

12 – Releia a cena em que o menino bebe a vitamina.
a)   Quais palavras e expressões caracterizam a vitamina?
“Formidável droga”, “beberagem” e “terrível mistura”.

b)   Como o menino ingeriu?
Com dificuldade e repugnância, seus olhos se alteraram nas órbitas, ele engasgou.

c)   O que a resposta anterior revela sobre os sentimentos e as sensações do menino?
Que ele se sentiu agredido e raivoso.