segunda-feira, 6 de maio de 2019

TEXTO: FOLIA DE REIS - SÁVIA DUMONT - COM QUESTÕES GABARITADAS


Texto: Folia de Reis
          
Sávia Dumont

      Chegam os meses de dezembro e janeiro, e com eles as cantorias entoadas pelos foliões, pessoas simples que louvam a vinda do Deus Menino com violas, sanfonas, rabecas, violões, caixas, danças, brincadeiras e rimas.
        É de madrugada. Estamos nas redondezas de alguma cidadezinha do Brasil. Na porta da casa os foliões entoam uma música:
               “... Vinte e cinco de dezembro, ai, ai, ai, ai,
               Não se dorme no colchão, ai, ai, ai, ai,
               Nasceu o Deus Menino, ai, ai, ai, ai,
               Nas folhas secas do chão, ai, ai, ai, ai,
               Para a nossa salvação, ai, ai...”
        A gente acorda com a cantoria, a viola: brincadeiras e rimas entram no nosso coração e nunca mais são esquecidas. É a Folia de Reis que vem chegando de mansinho. Na frente dos foliões, vemos logo a bandeira. Ela é toda linda, enfeitada com fitas, flores, papel de seda, espelhos, e estampada com a imagem dos três Reis Magos. A bandeira é beijada por todos respeitosamente. Dá sorte beijá-la.
        A folia, cortejo religioso, passa de casa em casa pedindo esmola, cantando e rezando um uma grande oração coletiva, pedindo proteção aos Santos Reis Magos. Percorre a região a pé, indo de roça em roça nas fazendas e de uma casa à outra nas cidades, desde o dia 31 de dezembro até o dia 6 de janeiro. Para acordar os donos de casa, entoa uma canção de chegada:
                “... Ai que hora abençoada
                Que a bandeira aqui chegou.
                Ai, ela veio fazer visita a esse nobre morador.
                A folia aqui chegou,
                Santos Reis vêm visitar,
               Está pedindo a sua esmola.
               Veja lá o que pode dar...”
        Os foliões trajam roupas simples e no pescoço levam uma toalha alvinha para limpar o suor de uma noite inteira de andança e cantoria.
        Os palhaços, alegres e debochados, são divertidíssimos. Um é o Bastião, o outro é o Tião. Rimam os nomes só para dar confusão! Eles usam uma roupa toda colorida e uma máscara que pode ser feita com lata, peles de animais ou pano. A máscara costuma ter dentes, olhos, chifres e orelhas bem grandes; é bem feia. Na mão eles levam um chocalho peso num pau, que faz um barulho danado ao bater no chão. Dançam agachados, na ponta dos pés, para a frente e para trás, de quatro, de ponta-cabeça, põem a barriga para a frente, fazem rodopios, sapateiam, pintam e bordam com animação. Porém, os palhaços não podem cantar as músicas em louvor a Jesus e aos Santos Reis nem tocar na bandeira, porque dizem que eles têm “parte com diabo”. Mas bem que todos gostam deles. Principalmente as crianças.
        A folia de reis homenageia os três Reis do Oriente, ou Reis Magos (de Sabá, da Pérsia e da Babilônia): Belchior, Gaspar e Baltasar. Eles viraram santos porque souberam que alguém muito especial estava nascendo para salvar a humanidade. Seguiram a Estrela do Oriente, enviada por Deus, que pousou em Belém, bem em cima da gruta onde encontraram o menino Deus nascido, a quem ofereceram ouro, incenso e mirra. Eles o adoraram.
        Os séculos se passaram, os símbolos e as cantigas sobrevivem e se multiplicam pelo mundo afora. No Brasil, em forma de folias, o povo canta e alegra as noites de janeiro em uma verdadeira devoção popular. É o jeito de revive a viagem desses três reis do Oriente. Os palhaços representam os soldados de Herodes, que queriam matar Jesus, por isso não podem cantar, tocar a bandeira, nem entrar nas casas que a folia visita na hora das rezas e pedidos.
        Depois da cantoria inicial, os foliões são convidados a entrar. Os palhaços ficam do lado de fora da casa, fazendo brincadeiras com as crianças. A bandeira é a primeira a entrar. Fica ao lado do presépio ou nas mãos do dono da casa, e todos a beijam para ter saúde, felicidade e ser abençoados.
               “Entremos, cantores, entremos
               Por este salão dourado.
               Eu vou entrando, eu vou salvando,
               E para sempre sejas louvado.
               Os três reis do Oriente
               Na sombra do seu telhado
               Estamos fazendo adoração
               Que de Deus somos mandados.
               Na minha bandeira eu trago
               Santo de grande virtude;
               Ele vem lhe visitar
               E vem lhe trazer saúde.”
        O dono da casa oferece cachaça, comida e uma esmola em dinheiro para os foliões. Comida é pecado recusar. Cachaça então, nem se fala. É hora de comer e beber em paz. Até os palhaços são convidados a comemorar.
        Antes da despedida final, os palhaços entram em ação. Imitam o Embaixador, chefe do grupo e a quem todos devem obediência. Fazem gracejos e convencem o dono da casa visitada a dar uma boa esmola.
        --- Ô patrão, o que é que vós achou de nossa cantoria? – Pergunta o palhaço bem matreiro.
        --- Boa – responde o dono da casa.
        --- Uai, o senhor não falou nada. Fala ligeiro senão eu esqueço o que é que eu falei. Fala ligeiro, o que é que o senhor achou da cantoria?
        --- Boa! – Repete o dono da casa em alto e bom som.
        --- Ah! Então o senhor me dê uma leitoa?
        Entre rimas engraçadas e embaraçosas o palhaço pede cigarro, anima com brincadeiras e danças. Clama todos a dançar o lundu, a catira, a dança dos quatro. Em todas essas danças só participam os homens. Cada dançarino procura sapatear mais bonito do que o outro. A competição é de brincadeira, e o sapateado cadenciado com batidas de caixa e palmas é apreciado e faz todos entrarem na folia.
        Na despedida, recebida a boa oferta, é feita a promessa de regressar no próximo ano. E voltam mesmo! Não só porque são devotos e fizeram promessa aos Santos Reis, mas também porque aprenderam que ser um folião de verdade é cantar, dançar, rezar e repetir com fé essa festa, desde pequenos, acompanhando os pais, que também acompanharam seus avós, desde crianças.
               “Minha bandeira se despede,
               Vai no giro de Belém.
               Adeus, senhores e senhora,
               Até para o ano que vem.”
        Com mais essa cantoria os foliões se despedem e continuam a peregrinação.
        No dia 6 de janeiro, cumpridas as obrigações de rezas, cantorias, andança de sete noites em total devoção, acontece a festa de Santos Reis na casa do mestre da folia, que é realizada com o dinheiro arrecadado e as prendas oferecidas. Fogos, fartura de comida, pétalas de flores, papel picado, cachaça e violas se misturam. O festeiro, dono da casa onde se desenrola a festança, passa a bandeira para o próximo folião, que vai comandar a folia do ano seguinte. É chegada a hora de a gente dormir de novo com o coração cheio de cantoria e sonhar com a vinda dos foliões no ano que vem.
                                  Sávia Dumont. O brasil em festa. São Paulo:
Companhia das Letrinhas, 2003.
Entendendo o texto:
01 – O que caracteriza a folia de reis, segundo o texto de Sávia Dumont?
      A presença de pessoas fantasiadas que tocam instrumentos musicais como rabeca, viola e sanfona, as músicas típicas, as danças e certo ritual.

02 – As personagens dessa festa representam determinados papéis em relação à história do nascimento de Jesus Cristo. Segundo o texto, que papéis são esses?
      Os palhaços representam os soldados de Herodes, e os demais foliões representam os Reis Magos.

03 – De acordo com o texto, no Brasil a folia de reis não ocorre em qualquer lugar. Em que lugares ela acontece?
      Ocorre em pequenas cidades do interior do Brasil.

04 – Você já participou de uma manifestação festiva semelhante a essa? Em caso afirmativo, conte como ela ocorre, tente descrevê-la.
      Resposta pessoal do aluno.

05 – Faça uma pesquisa (você pode recorrer a fontes variadas, como internet, livros, enciclopédias, etc.) e descubra em quais regiões do Brasil ainda há manifestações da folia de reis.
      Resposta pessoal do aluno.

06 – Em sua região, que festas populares tradicionais são comemoradas?
      Resposta pessoal do aluno.

07 – Observe: “O dono da casa oferece cachaça, comida e uma esmola em dinheiro para os foliões. Comida é pecado recusar. Cachaça então, nem se fala. É hora de comer e beber em paz. Até os palhaços são convidados a comemorar.”

a)   Que sentido tem a expressão nem se fala, empregada no trecho relido?
A expressão retoma a ideia anteriormente expressa no trecho (a de que não se pode recusar), intensificando seu sentido.

b)   Em seu caderno, produza um pequeno texto utilizando a expressão nem se fala.
Resposta pessoal do aluno.

08 – Em alguns trechos do texto, a autora utiliza uma mistura de níveis de linguagem. Observe determinados casos, em que se destacam expressões usuais na linguagem oral informal, mas não na linguagem escrita formal:
I – A máscara costuma ter dentes, olhos, chifres e orelhas bem grandes; é bem feia. Na mão eles levam um chocalho preso num pau, que faz um barulho danado ao bater no chão.

II – A gente acorda com a cantoria, a viola; brincadeiras e rimas entram no nosso coração e nunca mais são esquecidas. É a folia de reis que vem chegando de mansinho.

a)   Que efeito de sentido ela obtém ao fazer essa mistura de níveis de linguagem?
Ela aproxima o texto de seus passíveis leitores, que são crianças e adolescentes.

b)   Localize, no texto, outros trechos em que isso ocorre.
Resposta pessoal do aluno.

c)   Na sua opinião, o que aconteceria com o texto se a autora optasse por não fazer essas combinações de níveis de linguagem?
O texto perderia em expressividade, e talvez não ficasse adequado ao público a que se destina.


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